[PDF] REVISTA DE DIREITO INTERNACIONAL - Free Download PDF (2025)

1 2 REVISTA DE DIREITO INTERNACIONAL BRAZILIAN JOURNAL OF INTERNATIONAL LAW ISSN Revista de Direito Internacional Brazil...

REVISTA DE DIREITO INTERNACIONAL BRAZILIAN JOURNAL OF INTERNATIONAL LAW

ISSN 2237-1036 Revista de Direito Internacional Brazilian Journal of International Law

Brasília

v. 10

n. 2

p. 1 - 386

jul-dez

2013

REVISTA DE DIREITO INTERNACIONAL BRASILIAN JOURNAL OF INTERNATIONAL LAW Programa de Mestrado e Doutorado em Direito Centro Universitário de Brasília Reitor Getúlio Américo Moreira Lopes Presidente do Conselho Editorial do UniCEUB Elizabeth Regina Lopes Manzur Diretor do ICPD João Herculino de Souza Lopes Filho Coordenador do Programa de Mestrado e Doutorado e Editor Marcelo Dias Varella Linha editorial A Revista de Direito Internacional (RDI) foi criada como instrumento de vinculação de trabalhos acadêmicos relacionados a temáticas tratadas pelo Direito Internacional Público e Privado. A revista é sucessora da Revista Prismas, que foi dividida em dois periódicos (junto com Revista Brasileira de Políticas Públicas), em virtude da quantidade de submissão de artigos e procura. Na busca pelo desenvolvimento e construção de visões críticas a respeito do Direito Internacional, a RDI possui sua linha editorial dividida em dois eixos: 1. Proteção internacional da pessoa humana: abrange questões referentes ao direito internacional ambiental, direito humanitário, internacionalização do direito, além de pesquisas sobre a evolução do direito dos tratados como forma de expansão do direito internacional contemporâneo. 2. Direito Internacional Econômico: abrange questões referentes aos sistemas regionais de integração, direito internacional econômico e financeiro e solução de controvérsias comerciais e financeiras. A RDI busca incentivar a pesquisa e divulgação de trabalhos relacionados as disciplinas voltadas para o estudo do Direito Internacional publicando artigos, resenhas e ensaios inéditos. A revista está aberta às mais diversas abordagens teóricas e metodológicas impulsionando a divulgação, o estudo e a prática do Direito Internacional. Comitê editorial Alice Rocha da Silva, Programa de Pós-Graduação em Direito, UniCEUB André Lipp Pinto Bastos Lupi, Programa de Pós-Graduação em Direito, UNIVALI Julia Motte Baumvol, Faculdade de Direito, Universidade de Genebra Noemy C de Araújo M C Melo, Universidade de Paris II, Panthéon-Assas Paulo Emílio Vauthier Borges de Macedo, Programa de Pós-Graduação em Direito, UERJ Wagner Menezes, Programa de Pós-Graduação em Direito, USP Nitish Monebhurrun, Centro Universitário de Brasília Layout capa Departamento de Comunicação / ACC UniCEUB Diagramação S2 Books Disponível em: www.rdi.uniceub.br Circulação Acesso aberto e gratuito Matérias assinadas são de exclusiva responsabilidade dos autores. Citação parcial permitida com referência à fonte.

Revista de Direito Internacional / Centro Universitário de Brasília, Programa de Mestrado e Doutorado em Direito, volume 10, número 2 - . Brasília : UniCEUB, 2011- . Semestral. ISSN 2237-1036 Disponível também on-line: http://www.rdi.uniceub.br/ Continuação de: Revista Prismas: Direito, Políticas Públicas e Mundialização. Programa de Mestrado em Direito do UniCEUB. 1. Direito Internacional. 2. Políticas Públicas. 3. Mundialização. I. Programa de Mestrado em Direito do UniCEUB. II. Centro Universitário de Brasília. CDU 34(05)

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Reitor João Herculino Endereço para Permuta Biblioteca Reitor João Herculino SEPN 707/907 Campus do UniCEUB Cep 70790-075 Brasília-DF Fone: 61 3966-1349 e-mail: [emailprotected]

Sumário Artigo Especial O fundamento do direito internacional.........................................................................1 Alfred Verdross

1. A moral universal como base do direito positivo dos povos............................................................... 1 1.1 Diferença entre o direito internacional da antiguidade e o direito internacional moderno ........................ 1 1.2 A transformação da concepção medieval pela Reforma e o nascimento dos Estados Nacionais................ 2 1.3 Reação aos excessos da escola do direito natural a partir de Grotius, Pufendorf e Hobbes ....................... 4 2. A teoria da autolimitação do estado e a Doutrina da Primazia do DireitoNacional......................... 6 2.1 O problema da validade dos tratados internacionais na jurisprudência romana............................................. 6 2.2 A doutrina de Spinoza. A teoria de Hegel. A influência dessa teoria sobre a ciência do direito internacional..... 7 2.3 A doutrina da primazia do direito nacional. A vontade do Estado................................................................... 9 3. A vontade coletiva dos estados como base do direito internacional e o renascimento da doutrina clássica...................................................................................................................................................12 3.1 - A vontade coletiva dos Estados a partir de Spinoza....................................................................................... 12 3.2 A soberania de Krabbe. O direito como base da vontade do Estado........................................................... 13 3.3 A norma de origem hipotética de Kelsen e Anzilotti........................................................................................ 14 4. A primazia do direito internacional e a concepção unitária do direito.............................................18 4.1 Os recursos do direito internacional. O legislador na esfera internacional.................................................... 18 4.2 A constituição dualista do direito e o sistema unitário...................................................................................... 18 5. Funcionamento do direito internacional.......................................................................................... 22 5.1 A hierarquia dos atos jurídicos. As regras gerais................................................................................................ 22 5.2 A competência de estabelecer as regras do direito interno ............................................................................. 26 6. As duas noções da soberania do Estado........................................................................................... 27 6.1 A soberania absoluta............................................................................................................................................... 27 6.2 A soberania como competência conferida aos Estados pelo direito internacional...................................... 29

Proteção Internacional dos Direitos Humanos Indigenous rights movement: is the same needed to prevent continued human rights violations of the mentally ill........................................................................................35 Liesel LeCates

1. Introduction...................................................................................................................................... 36

2. What is Mental Health and Illness?.................................................................................................. 37 3. Why the Current Mental Health System is Failing?......................................................................... 37 3.1 Stigma of Mental Illness........................................................................................................................................ 37 3.1.1 Lack of Available Care..................................................................................................................................... 39 3.1.2 Lack of Multi-Sectoral Cooperation ........................................................................................................... 39 3.1.3 Lack of Education............................................................................................................................................ 40 3.1.4 Lack of Mental Health Policy......................................................................................................................... 40 4. Cross-cultural stigmatization: Examples of “developed” and “developing” world.........................41 4.1 Current Problems within Developing Nations................................................................................................... 41 4.1.1 Government Spending and Poverty.............................................................................................................. 41 4.1.2 An Example from Ghana................................................................................................................................ 42 4.2 Current problems within Developed Nations.................................................................................................... 42 4.2.1 Statistics within the United States.................................................................................................................. 42 4.2.2 Discrimination in the United Kingdom........................................................................................................ 42 4.2.3 Prisons in the United States............................................................................................................................ 43 5. Why is mental health different from other Human Rights violations?............................................ 43 6. Social Movement Theory.................................................................................................................. 44 6.1 Relative Deprivation................................................................................................................................................ 45 6.1.1 Perception and Actual Opportunity.............................................................................................................. 45 6.2 Authority................................................................................................................................................................... 45 6.2.1 A charismatic leader......................................................................................................................................... 45 6.2.2 Rational Authority/Bureaucratic Authority.................................................................................................. 45 6.2.3 Traditional Authority........................................................................................................................................ 45 6.3 Mobilization............................................................................................................................................................. 46 6.4 Globalization ........................................................................................................................................................... 46 7. History of social movements............................................................................................................ 47 7.1 Indigenous Social movement................................................................................................................................ 47 8. Mental Health Social Movements..................................................................................................... 48 8.1 United States Movement........................................................................................................................................ 49 8.2 How to implement a Mental Health Social Movement..................................................................................... 49 8.2.1 Actual Opportunity.......................................................................................................................................... 49 8.2.2 Leadership and Authority................................................................................................................................ 49 8.2.3 Mobilization....................................................................................................................................................... 49 8.2.4 Globalization..................................................................................................................................................... 50 8.3 Outcomes of a mental health social movement................................................................................................. 50 8.3.1 Available Care.................................................................................................................................................... 50 8.3.2 Multidisciplinary Cooperation........................................................................................................................ 51

8.3.3 Education .......................................................................................................................................................... 51 8.3.4 Optimal Legislation.......................................................................................................................................... 51 9. Conclusion: The Need for a Current Social Movement .................................................................. 52

O discurso das drogas construído pelo direito internacional.....................................54 Camila Soares Lippi

1. Introdução......................................................................................................................................... 55 2. A conferência de Xangai (1909)........................................................................................................ 55 3. As convenções internacionais do ópio (1912 e 1925)......................................................................... 56 4. Convenção internacional para limitar a fabricação e regulamentar a distribuição dos estupefacientes (1931)................................................................................................................................................ 57 5. Convenção para a repressão do tráfico ilícito das drogas nocivas (1936)......................................... 57 6. Convenção única de entorpecentes (1961)........................................................................................ 58 7. Convenção sobre substâncias psicotrópicas (1971).......................................................................... 60 8. Convenção sobre o tráfico ilícito de entorpecentes e de substâncias psicotrópicas (1988)............. 60 9. Uma análise do regime internacional de controle penal das drogas sob a ótica da teoria crítica das relações internacionais......................................................................................................................... 62 10. Considerações finais........................................................................................................................ 63 Referências ........................................................................................................................................... 64

O estado democrático de direito LAICO e a “neutralidade” ante a intolerância religiosa...............................................................................................................................67 Antonio Baptista Gonçalves

1. Introdução......................................................................................................................................... 67 2. Conceito preliminar de neutralidade................................................................................................ 68 3. A identificação de um conceito de estado na época dos impérios: um comparativo com a concepção de estado-nação e a controvérsia acerca do conceito do que vem a ser estado................................... 69 4. Quando a nação ainda não se mistura com o estado e o momento posterior: da nação-estado ao surgimento do estado-nação.................................................................................................................71 5. Do estado-nação ao período expansionista: as I e II guerras mundiais.......................................... 74 6. A organização das nações unidas e a busca pela tolerância e a assunção das liberdades............... 75 7. A organização das Nações Unidas e a questão da soberania dos estados....................................... 76 7.1 Conceito de soberania............................................................................................................................................ 77 7.2 A fortificação do papel do estado x a contenção das mazelas ocasionadas pelo excesso de poder........... 79 8. A globalização e o questionamento acerca da soberania................................................................. 80 9. A neutralidade dos estados x soberania externa e interna................................................................81 10. Considerações finais........................................................................................................................ 83 Referências............................................................................................................................................ 84

Um direito sem estado? Direitos humanos e a formação de um novo quadro normativo global...............................................................................................................................87 Anderson Vichinkeski Teixeira e Rafael Köche

1. Considerações iniciais....................................................................................................................... 88 2. Transnacionalidade do fenômeno jurídico....................................................................................... 89 3. Policontexturalidade do fenômeno jurídico..................................................................................... 93 4. Sociedade, normatividade e o direito dos povos.............................................................................. 95 5. Considerações finais......................................................................................................................... 98 Referências............................................................................................................................................ 99

Direito Humanitário The U.N. Standard Minimum Rules for the Treatment of Prisoners and North Korea: How North Korea is Violating these Rules with its Operation of the Yodok Concentration Camp........................................................................................................................102 Tom Theodore Papain

1. Introduction.....................................................................................................................................102 2. Torture and Cruel, Inhuman, and Degrading Punishment, defined..............................................106 2.1 Torture.................................................................................................................................................................... 106 2.2 Cruel, Inhuman, and Degrading Punishment................................................................................................... 108 3. U.N. Standard Minimum Rules for the Treatment of Prisoners.....................................................109 3.1 Notes and Comments to the United Nations Standard Minimum Rules..................................................... 111 4. North Korea’s Violation of the U.N. Standard Minimum Rules.................................................... 113 4.1 Beating and Verbally Abusing Prisoners without Cause................................................................................. 114 4.2 Corporal Punishment .......................................................................................................................................... 115 4.3 Beating and Verbally Abusing Child Prisoners................................................................................................. 115 4.4 Network of informants........................................................................................................................................ 116 4.5 Prohibition on Sexual Activity between Men and Women............................................................................. 117 4.6 Obligation to attend Public Executions and participate in Postmortem stoning....................................... 118 4.7 Punishment for Failure to Attend Night Class / Not Criticize Well Enough at a Criticism Session...... 118 4.8 Reduction of Diet as Punishment...................................................................................................................... 119 4.9 The “Sweatbox”..................................................................................................................................................... 119 4.10 Punishment Cells................................................................................................................................................. 120 5. Reactions of the International Community.................................................................................... 121 5.1 The Working Group on the Universal Periodic Review.................................................................................. 121 5.2 U.N. General Assembly Resolutions.................................................................................................................. 122 5.3 U.N. Special Rapporteur of Human Rights...................................................................................................... 123

6. Ways of Applying Pressure on North Korea to Close Yodok..........................................................123

U.S. Institutionalized Torture with Impunity: Examining Rape and Sexual Abuse in Custody Through the ICTY Jurisprudence................................................................. 126 Allison Rogne

1. Introduction.....................................................................................................................................127 2. The rape of female prisoners incarcerated in the U.S. ...................................................................128 2.1 Data......................................................................................................................................................................... 128 3. Domestic Law..................................................................................................................................129 3.1 How does the U.S. define cruel and unusual punishment? Where is rape situated within that definition?.......129 3.2 Mechanisms: Civil Rights of Institutionalized Persons Act and Section 1983............................................ 130 3.3 Barriers: Prison Litigation Reform Act.............................................................................................................. 130 3.4 Criminal Prosecution............................................................................................................................................ 131 3.5 Prison Rape Elimination Act............................................................................................................................... 132 4. International Law............................................................................................................................133 4.1 International Covenant on Civil and Political Rights ..................................................................................... 133 4.2 The Convention Against Torture........................................................................................................................ 133 4.2.1 International use of the Convention Against Torture: Establishing Rape as Torture........................ 133 4.2.2 U.S. reservations to the CAT: what is their affect on prisoners?............................................................. 134 5. International Incidents and Jurisprudence ....................................................................................134 5.1 The Prosecutor v. Kunarac et al.......................................................................................................................... 135 5.1.1 Foča High School .......................................................................................................................................... 136 5.1.2 Partizan Sports Hall........................................................................................................................................ 136 5.1.3 Karaman’s House............................................................................................................................................ 137 5.1.4 Kunarac et al findings regarding rape as torture and how they can inform U.S. proceedings........... 137 6. Conclusions and Recommendations ..............................................................................................138

Abduction, Torture, Interrogation: An Argument Against Extraordinary Rendition................................................................................................................................. 141 Kaitlyn E. Tucker

1. American Extraordinary Rendition.................................................................................................143 1.1 Extraordinary Rendition With Assurances........................................................................................................ 143 1.2 Extraordinary Rendition to Black Sites.............................................................................................................. 144 1.3 A Personal Look at the Black Sites: El-Masri................................................................................................... 145 2. Does Extraordinary Rendition Break the Law?..............................................................................145 2.1 Is it Torture?........................................................................................................................................................... 146 2.2 Is it Simply Intense Interrogation?.................................................................................................................... 147

2.3 Do Black Sites Fall Outside of Scope of the Torture Convention?............................................................. 147 2.4 Do Black Sites Invite Retaliation?....................................................................................................................... 148 3. Solutions for Black Sites..................................................................................................................148 3.1 Providing a Remedy for Victims......................................................................................................................... 149 3.1.1 The State Secrets Privilege............................................................................................................................ 149 3.1.2 The Palestinian Authority Decision............................................................................................................. 150 3.2 A Return to Former Policies................................................................................................................................ 151 3.2.1 Irregular Rendition......................................................................................................................................... 151 3.2.2 Original Extraordinary Rendition................................................................................................................ 151 3.3 An International Option: Amending the Torture Convention...................................................................... 152 4. Conclusion.......................................................................................................................................152

United States and European Union approaches to the death penalty: America should consider a new perspective............................................................................... 155 Katie R Hill

1. Introduction.....................................................................................................................................155 2. The death penalty in the United States...........................................................................................156 3. The death penalty in the European Union......................................................................................158 4. Historical relationship between the United States and the European Union.................................160 5. Possible explanations for divergent policies.................................................................................... 161 6. Importance of considering European Union policies....................................................................162 7. Conclusion.......................................................................................................................................164 References............................................................................................................................................165

Tudo de novo no front: MONUSCO, uma nova era nas peacekeeping operations?.. 169 Priscila Fett

1. Introdução........................................................................................................................................170 2. Histórico da monusco......................................................................................................................170 3. Resolução 2.098................................................................................................................................172 4. Pontos controversos.........................................................................................................................173 4.1 Questões conceituais............................................................................................................................................. 173 4.2 Questões legais...................................................................................................................................................... 175 4.2.1 Alvo legítimo .................................................................................................................................................. 175 4.2.2 Distinção ......................................................................................................................................................... 177 4.3 Questões operacionais.......................................................................................................................................... 178 4.3.1 A ação de neutralizar ..................................................................................................................................... 178

4.3.2 “All Necessary Means”................................................................................................................................... 178 4.3.3 Escalada da violência e retaliações .............................................................................................................. 179 5. Considerações finais........................................................................................................................179 Referências...........................................................................................................................................180

A administração de territórios ocupados: indeterminação das normas de direito internacional humanitário?............................................................................................. 184 João Henrique Ribeiro Roriz, Fabia Fernandes Carvalho Veçoso e Lucas da Silva Tasquetto

1. Introdução........................................................................................................................................185 2. A noção de território ocupado.........................................................................................................185 3. A regulação 43: direitos e deveres da potência ocupante................................................................187 3.1 Restaurar e assegurar a ordem de vidas públicas.............................................................................................. 188 3.2 Respeitando as leis vigentes no território.......................................................................................................... 189 4. Reformas econômicas no Iraque ocupado: indeterminação na linguagem das normas humanitárias?...................................................................................................................................................... 191 5. Considerações finais........................................................................................................................193 Referências...........................................................................................................................................194

The (in)applicability of the statute of refugees to environmentally displaced persons................................................................................................................................. 197 Maria Cláudia da Silva Antunes de Souza e Lucas de Melo Prado

1. Introduction.....................................................................................................................................198 2. Who is refugee?................................................................................................................................199 3. Environmentally displaced persons................................................................................................ 203 4. The global refugee protection system and the environmentally displaced persons...................... 205 5. Final considerations........................................................................................................................ 208 References........................................................................................................................................... 209 Table.....................................................................................................................................................210

Sistema Interamericano de Direitos Humanos A contribuição da Comissão Interamericana de Direitos Humanos para o acesso à justiça qualitativo.............................................................................................................. 212 Márcio Antônio de Oliveira Filho, Ana Caroline Portes de Oliveira, Jéssica Galvão Chaves e Warlen Soares Teodoro

1. Introdução........................................................................................................................................213 2. Acesso à justiça e o Projeto de Florença.........................................................................................213 2.1. O acesso à justiça como direito humano.......................................................................................................... 213 2.2. O Projeto de Florença e os obstáculos verificados......................................................................................... 214

2.3 Respostas apresentadas pelos estudos do Projeto de Florença ..................................................................... 215 3. Das ondas renovatórias ao acesso à justiça qualitativo - Quarta onda renovatória?.......................215 3.1 Uma quarta onda renovatória?........................................................................................................................... 217 4. Novo olhar sobre o acesso à justiça – o Questionário da Comissão Interamericana de Direitos Humanos...................................................................................................................................................218 4.1 O propósito do questionário e a preocupação da Comissão com o acesso à justiça de qualidade.......... 219 4.1.1 Garantias da Magistratura, do Ministério Público e da Defensoria Pública.......................................... 219 5. Considerações finais........................................................................................................................221 Referências.......................................................................................................................................... 223

A executividade das sentenças da Corte Interamericana de Direitos Humanos no Brasil..............................................................................................................................226 Augusto César Leite de Resende

1. Introdução....................................................................................................................................... 227 2. Sistema interamericano de proteção dos direitos humanos........................................................... 227 3. Comissão interamericana de direitos humanos............................................................................. 228 4. Corte interamericana de direitos humanos.....................................................................................231 5. Eficácia interna das sentenças proferidas pela corte interamericana de direitos humanos no Brasil... 232 6. Considerações finais....................................................................................................................... 235 Referências.......................................................................................................................................... 236

A efetividade do ativismo jurídico transnacional no Sistema Interamericano de Direitos Humanos: uma análise a partir de casos contra o Brasil..................................238 Renata Mantovani de Lima e Lucélia de Sena Alves

1. Introdução....................................................................................................................................... 239 2. Ativismo transnacional.................................................................................................................... 239 3. O sistema interamericano de proteção dos direitos humanos e sua competência........................ 240 4. A responsabilidade do Estado por violações de direitos humanos................................................ 242 5. Os casos apresentados contra o Brasil no sistema interamericano............................................... 243 6. Os reflexos internos do ativismo transnacional no âmbito jurídico interno brasileiro.................. 246 7. Considerações Finais...................................................................................................................... 247 Referências.......................................................................................................................................... 247

O Processo e o Direito Coletivo no Sistema Interamericano de Direitos Humanos: uma análise com base na jurisprudência internacional................................................250 Laercio Dias Franco Neto e Dafne Fernandez de Bastos

1. Introdução....................................................................................................................................... 250 2. Direitos Humanos e Processo Internacional..................................................................................251

2.1 – Dimensão Internacional.................................................................................................................................... 251 2.2 – Os instrumentos jurisdicionais do Sistema Interamericano........................................................................ 254 3. A dimensão coletiva na jurisprudência da Corte............................................................................ 256 3.1 O Direito coletivo a terra..................................................................................................................................... 256 3.2 Garantia judicial e tutela judicial efetiva coletiva.............................................................................................. 257 3.3 A (não) individualização das vítimas para fins de reparação civil.................................................................. 258 4. Considerações finais....................................................................................................................... 259 Referências.......................................................................................................................................... 260

Corte interamericana de direitos humanos: opinião consultiva 4/84 — a margem de apreciação chega à América...........................................................................................263 Paloma Morais Corrêa

1. Introdução....................................................................................................................................... 264 2. A opinião consultiva 4/84 da corteinteramericana de direitos humanos....................................... 264 3. A margem de apreciação no sistema interamericano.................................................................... 265 4. Em debate: a margem de apreciação e a internalização dos tratados internacionais de direitos humanos.................................................................................................................................................. 267 4.1 A técnica de utilização da doutrina no sistema europeu................................................................................. 269 5. A margem de apreciação na jurisprudência da corte europeia de direitos humanos ................... 270 6. O multiculturalismo e a margem de apreciação............................................................................ 272 7. As situações de emergência e a margem de apreciação ................................................................ 273 8. Considerações finais....................................................................................................................... 276 Referências ......................................................................................................................................... 277

A “plena” liberdade de expressão e os direitos humanos: análise da jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos e o julgamento da ADPF 130 ................ 281 Natália Paes Leme Machado

1. Introdução....................................................................................................................................... 282 2. A liberdade de expressão como um direito fundamental .............................................................. 283 3. A liberdade de expressão e imprensa como um direito humano: aplicação na convenção americana de direitos humanos........................................................................................................................... 285 4. A aplicação da liberdade de expressão e de imprensa no direito brasileiro.................................. 290 5. Considerações finais....................................................................................................................... 293 Referências.......................................................................................................................................... 294

A proteção do meio ambiente no Sistema Interamericano de Direitos Humanos a partir do direito à educação. .............................................................................................298 Augusto César Leite de Resende

1. Introdução....................................................................................................................................... 299 2. Desenvolvimento sustentável.......................................................................................................... 300 3. Consumo consciente....................................................................................................................... 304 4. Sistema interamericano de proteção dos direitos humanos........................................................... 306 4.1 Convenção americana sobre direitos humanos e o protocolo de San Salvador.......................................... 307 4.2 Comissão interamericana de direitos humanos................................................................................................ 308 4.3 Corte interamericana de direitos humanos........................................................................................................ 308 5. Responsabilidade da República Federativa do Brasil por violação do direito à educação para o consumo consciente..................................................................................................................................310 6. Considerações finais........................................................................................................................312 Referências...........................................................................................................................................313

Parameters and procedures of the Inter-American System of Human Rights in children’s rights violation lawsuits............................................................................ 316 Maria Guiomar da Cunha Frota e Pedro Alves Barbosa Neto

1. Introduction.....................................................................................................................................317 2. The Inter-American system: theoretical foundations......................................................................318 3. Guiding parameters of the Inter-American system in cases of human rights violations..............319 3.1 Status of the country in the Inter-American system ...................................................................................... 320 3.2 Acceptance and referral of complaints by the Inter-American Commission.............................................. 320 3.3 Complaints presented to the commission and accepted by the Inter-American Court............................. 321 3.4 Type of authorship in cases judged by the Inter-American Court................................................................ 321 3.5 The cases judged by the Inter-American Court and Violated Human Rights............................................. 322 4. Inter-American system procedures in children’s rights violation lawsuits.................................... 323 4.1 The “Bulacio versus Argentina” Case................................................................................................................ 323 5. Final considerations........................................................................................................................ 326 Bibliography....................................................................................................................................... 327 Tables.................................................................................................................................................. 328

Poverty as a violation of human rights: the case of street children in Guatemala and Brazil . ............................................................................................................................................... 334 Paloma Morais Correa

1. Introduction.................................................................................................................................... 335 2. Poverty as a way of looking at it: ................................................................................................... 335 2.1 The United Nations view of poverty:................................................................................................................ 336 3. The vulnerability of street children - the cases of Guatemala and Brazil: ................................... 338 3.1 Guatemala - the I/A court H.R. “Street Children” case: ............................................................................... 339 3.2 The concurring opinion of judges Cançado Trindade and Abreu Burelli:.................................................. 341

3.3 Brazil - the “Candelária Church” case:............................................................................................................... 342 4. Does social justice go to court?...................................................................................................... 345 4.1 Taking an integrated approach to human rights:.............................................................................................. 346 4.2 The optional protocol to the ICESCR:.............................................................................................................. 347 4.3 The chain of poverty and violence:.................................................................................................................... 349 5. Conclusion...................................................................................................................................... 350 References........................................................................................................................................... 350

Proteção Internacional dos Direitos Humanos e o Direito Brasileiro A lei n. 11.340/06 e suas repercussões no contrato individual de trabalho...............354 Humberto Lima de Lucena Filho e Waldeny Pereira Filho

1. Introdução....................................................................................................................................... 354 2. Lei n. 11.340/06: Histórico e fundamentos..................................................................................... 356 3. Repercussões trabalhistas da Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006............................................... 357 4. Assistência à mulher sob a perspectiva principiológica................................................................. 359 5. Integrando a norma jurídica............................................................................................................361 5.1 Interpretando e integrando os princípios.......................................................................................................... 363 6. Considerações finais ...................................................................................................................... 366 Referências ......................................................................................................................................... 367

Orientação sexual e discriminação no ambiente laboral............................................370 Glaucia Fernanda Oliveira Martins Batalha

1. Introdução .......................................................................................................................................371 2. Discriminação por orientação sexual: uma realidade.....................................................................371 3. Mecanismos e normas de combate à discriminação por orientação sexual.................................. 374 3.1 Modelos de combate à discriminação por orientação sexual: ação afirmativa............................................. 374 3.2 Normas de combate à discriminação por orientação sexual.......................................................................... 377 4. Considerações finais....................................................................................................................... 379 Referências.......................................................................................................................................... 380

Normas Editoriais. ........................................................................................................384 Envio dos trabalhos:.................................................................................................................................................... 385

O fundamento do direito internacional

Alfred Verdross

doi:10.5102/rdi.v10i2.2685

O fundamento do direito internacional*1 Alfred Verdross**

1. A moral universal como base do direito positivo dos povos 1.1 Diferença entre o direito internacional2 da antiguidade e o direito internacional moderno No primeiro curso ministrado na Academia de Direito Internacional, o barão Serge A. Korff3, que infelizmente faleceu pouco tempo depois, demonstrou de uma maneira que nos parece definitiva que o direito internacional não é um produto relativamente recente da civilização moderna, como foi admitido sem discussão durante muito tempo. Ao contrário, as pesquisas históricas provam que o direito internacional é tão antigo quanto a civilização de modo geral e que parece realmente ser consequência necessária e inevitável de qualquer civilização. Entretanto, essas constatações muito importantes segundo as quais o direito internacional conserva constantemente seus princípios característicos, não obstante as mudanças que ocorrem na face da terra4, nos obrigam a levar em consideração a diferença fundamental entre o Estado moderno e aquele do passado. O direito internacional moderno é um sistema unitário. Suas regras, é verdade, não são todas universais. Existem também normas de caráter particular e, entre elas, regras continentais. No entanto, as regras de alcance limitado estão baseadas no direito universal. Existe, portanto, uma verdadeira escala, uma espécie de graduação entre os diversos grupos do direito internacional moderno5.

*  Artigo especial

O direito internacional da antiguidade compreendia, ao contrário, sistemas totalmente diferentes. Cada civilização deu origem a um direito internacional que lhe era próprio. Havia dispositivos conformes, princípios idênticos, e o grande mérito de Korff, como de outros historiadores deste ramo do Direito6,

**  Alfred Verdross nasceu em Innsbrück Áustria, em 22 de fevereiro de 1890. Cursou Direito em Viena, Munique e Lausanne. Doutor em Direito pela Universidade de Viena em 1913. Após ter obtido a qualificação nas funções de juiz em 1916, prestou serviço militar na qualidade de juiz militar, na Corte Suprema de Viena. Entrou para o Ministério das Relações Exteriores em 1918, sendo depois Secretário do Consulado em Berlim. Em 1921, tornou-se livre-docente de Direito Internacional na Universidade de Viena. A partir de 1924, diretor da Revista de Direito Público, editada por Hans Kelsen. Membro do Conselho da Sociedade Alemã de Direito Internacional em 1926. Juiz Suplente junto à Corte Constitucional da Áustria em 1927. De 1958 a 1977, foi juiz da Corte Europeia de Direitos Humanos. Faleceu em 27 de abril de 1980.

1  Obra original: Le fondement du droit international, Recueil de Cours de l’Académie de Droit International, 1927, p. 325-384. Equipe de tradução: Marcelo Dias Varella (coordenador), Amábile Pierroti, Luiza Nogueira e Marlon Tomazette. Agradecemos a gentil autorização de traduzir a obra original à Academia de Direito Internacional de Haia. 2  [n.t]. O autor usa ora a expressão direitos das gentes, ora a expressão direito internacional. No entanto, ao testar a tradução com os alunos de graduação, foi perceptível que há dificuldade das novas gerações lidarem com a expressão direito das gentes. Foi necessário tomar uma difícil decisão: uniformizar os termos para facilitar a compreensão ou manter a expressão original. Como não havia diferenças práticas e não houve prejuízo ao texto, preferiu-se manter apenas a expressão direito internacional, exceto em poucos casos. 3  Recueil des Cours de L’Académie, T. 1, 1923, p. 5 e seguintes. 4  Op. cit. p. 21. 5  A. Alvarez, Prefácio p. 12, da obra de Strupp, Eléments du droit international public universel européen et américain, 1927. 6  R. Ward, An Unquiry into the foundation and history of the law of nations in Europa, 1795, I; H. Wheaton, Histoire des progrès du droit des gens en Europe et en Amérique, 1846, I, p. 1 e seguintes. Scala, Die Staatsverträge des Altertums, 1898; Phillipson, The international law and custom of ancient Greece and Rome,1911; Raeder, L’arbitrage international chez les Hellènes, 1921; N. Niebuhr

As origens do direito universal dos povos só se desenvolveram na Idade Média, porque um direito mundial pressupõe a convicção da unidade do gênero humano. Ora, de fato, na Antiguidade havia a Escola dos Estoicos que se elevava a esse patamar. Os estoicos, disse Cícero, “pensam que o mundo é, por assim dizer, uma cidade e uma ‘cidade’ comum aos deuses e aos homens e que cada um de nós é uma parte desse mundo...7”. Pensamento análogo é expresso por Sêneca: “Abraçamos duas repúblicas de nosso espírito, uma grande e verdadeiramente pública que encerra os deuses e os homens... outra à qual nosso nascimento nos destinou8”. Para esses autores, também, o problema da humanidade foi somente um problema de moral individual. A questão de um direito universal, que rege as relações entre todos os Estados não foi colocada9. A ideia da unidade do gênero humano foi fortemente acentuada pelo Cristianismo, baseado no dogma central, segundo o qual há um só Deus que é Pai de todos os homens e, consequentemente, todos os homens são irmãos. Assim, a fraternidade dos seres humanos, a unidade do gênero humano, é a base da religião cristã. Pelo desenvolvimento do cristianismo, essas ideias entraram nos quadros da vida política. Entretanto, formaram gradualmente um novo sistema jurídico. A primeira etapa da realização das ideias de civilização do cristianismo é caracterizada pela concepção universalista da Idade Média. Contudo, esse pensamento está ainda inteiramente impregnado do ideal político da Antiguidade, isto é, da ideia de um império universal. Assim, a Idade Média não vê outra forma possível de organização mundial senão a de uma sociedade unida e indivisível, submetida a um poder central. Isto explica a rivalidade entre o Papa e o Imperador, pois ambos aspiravam ao âmbito universal. Cada um baseava-se na pretensa teoria das duas espadas que permite dupla interpretação. Partindo da interpretação imperial, havia

Tod, International arbitration among the Greeks, 1913; E. Täubler, Imperium Romanum, Studien zur Entwicklungsgeschichte des römischen Reiches, Staatsverträge. 7  De finibus bonorum et malorum, III, 19. 8  Ad serenum de Otio, cap. XXXI. 9  Lange, Histoire de l’internationalisme, I, 1919, p. 33 e seguintes.

a coordenação dos dois poderes porque Deus dera diretamente a espada temporal ao Imperador e ao Papa, somente a espada espiritual. Segundo a interpretação curial, ao contrário, Deus concedeu as duas espadas ao Papa para que ele confiasse uma ao Imperador. Todavia, essa teoria simboliza igualmente a subordinação de todos os outros príncipes cristãos aos poderes centrais dos quais dependiam legalmente, segundo a concepção medieval. A cristandade inteira, portanto, nada mais era do que uma unidade. Formava uma pirâmide das autoridades cujo chefe era o Pontífice romano. Desta forma, a bula Unam sanctam de Bonifácio VIII declara que é necessário “para a salvação de toda criatura ser submissa à Santa Sé”. 1.2 A transformação da concepção medieval pela Reforma e o nascimento dos Estados Nacionais Entretanto, essa comunidade sofreu uma transformação essencial em razão da Reforma e do surgimento dos Estados Nacionais que não reconheceram mais uma autoridade superior. Apesar disso, a concepção universalista foi salva graças aos grandes teólogos católicos da Espanha François de Victoria e F. Suarez10. Inicialmente, ampliaram a concepção medieval, substituindo a cristandade unida pelo gênero humano. Então, François de Victoria afirma que um Estado é apenas uma parte do mundo inteiro, “que não há senão uma província da república universal11” e F. Soarez escreve que “o gênero humano, embora dividido em povos e em reinos diversos, não é senão uma unidade não apenas específica, mas também, por assim dizer, política e moral... é por isso que todo Estado soberano, república ou reinado, embora completo em si mesmo e firmemente assentado, apesar disso, é ao mesmo tempo e de certa maneira, membro deste grande universo no que se refere ao gênero humano”12. É aqui que, pela primeira vez — como bem o observa Kosters13 —, o Estado organizado é proclamado membro do grande conjunto dos homens, surgindo a ideia de uma comunidade universal dos Estados, cristãos ou não. 10  Lange, op. cit., p. 291. Sobre a doutrina de Suarez, ver especialmente: H. Rommen, Die Staatslehre des Franz Suarez, 1927, e a justificativa em Zeitschrift für öffentliches Recht, VII, 1928, p. 313. 11  Relectiones theologicae tredecim (primeira edição, 1557) Relectio III. 12  De legibus ac Deo legislatore. 13  Kosters, Les fondements du droit des gens, Bibliotheca Visseriana, t. I, p. 36, 1925.

VERDROSS, Alfred. O fundamento do direito internacional. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 1-33

consiste na pesquisa dessas normas que, no entanto, não eram regras universais.

2

No primeiro caso, o órgão soberano da sociedade internacional é uma única pessoa, o Pontífice romano, cuja autoridade não dependia absolutamente dos príncipes subordinados. No segundo caso, a vontade suprema reside na própria comunidade internacional. Ela é, portanto, criada pelo consentimento dos membros da comunidade internacional. Victoria fala de regras jurídicas que foram instituídas por um consentimento universal15. Suarez declara expressamente que as nações podem criar direitos comuns, seja por um tratado universal,16 seja pelo costume internacional17. Em outra passagem, afirma que o direito criado pela autoridade de todas as nações só pode ser suprimido por um consentimento geral18. O conjunto dessas regras forma o Jus gentium no sentido restrito do termo, isto é, o direito internacional. Suarez vê claramente que a expressão Jus gentium compreende duas noções diferentes: “De um lado, é o direito que todas as nações devem observar entre elas; de outro, é o direito que cada um observa em seu território, mas que, em razão da semelhança e da conformidade, se chama também Jus gentium”19. Portanto, este último é um 14  Suarez, De triplici virtute theologica, IX, s. 7, n. 7: «Potestas universalis in totam Ecclesiam per se non residet in tota aliqua hominum congregatione aut multitudine sed in uno tantum homine, quod est discere, Ecclesiae regimen esse Monarchicum». 15  Lange, op. cit., p. 276. 16  De legibus ac Deo legislatore, III, cap. III, n. 6 : «quasi communi foedere et consensione». 17  Op. cit., II, cap. xix, n. 9 «aliqua specialia jura potuerunt usu... gentium introduci. Nam sicut in una civitate vel provincia consuetudo introducit jus, ita in universo humano genere potuerunt jura gentium moribus introduci”. 18  Op. cit., II, cap. xix, n. 8 «... jus commune omnium nationum et omnium auctoritate... introductum non sine omnium consensione tolli potest». 19  Op. cit., II, cap. xix: «addo vero ad majorem declarationem duobus modis dici aliquid de jure gentium, uno modo quia est jus quod omnes populi... inter se servare debent, alio modo quia est jus quod slngulae civitates... intra se observant, per slmilitudinem autem et convenentlam jus gentium appellatur».

direito nacional uniforme de todos os Estados civilizados. Contudo, o primeiro, o direito Inter gentes, é o direito da comunidade internacional. Pela concepção desse direito, a ruína do sistema medieval não sepultou a sociedade internacional; apenas sofreu uma revolução completa em sua organização, porque a concepção do direito internacional se opunha ao pensamento moderno da liberdade ilimitada, da soberania absoluta dos Estados. Essa concepção do direito internacional, portanto, é apenas o último fruto do grande pensamento universalista da Idade Média que inspirou todos os célebres fundadores dessa ciência, não somente Victoria e Suarez, mas também Grotius. Este, por sua vez, fala da sociedade do gênero humano que abraça os diversos povos,20 assim como de um direito tendendo à utilidade dessa grande comunidade21. Entretanto, esse consentimento geral não pode ser o fundamento supremo do direito internacional. Os fundadores dessa ciência não têm dúvida alguma a respeito porque o consentimento geral, que não é senão um acordo expresso ou tácito entre os membros da comunidade internacional e, como tal, é apenas um fato. No entanto, uma obrigação não pode derivar senão de uma norma, ponto de um fato como tal. Se, portanto, sustentamos que os Estados são obrigados pelo consentimento geral, pressupõe-se já um princípio de ordem superior que obriga os membros da comunidade internacional a se conformarem às regras criadas pela vontade comum. Esta regra é o princípio que a palavra dada deve ser mantida. O princípio pacta sunt servanda é, para Suarez22 assim como para Grotius, a própria base do direito internacional positivo. Grotius confessa no prólogo23 de sua obra principal De jure belli ac pacis e o repete ainda no final da obra: “A fidelidade a manter naquilo que se prometeu é o fundamento não somente de todo Estado particular, mas também dessa grande sociedade de nações”24. 20  De jure belli ae pacis, p. § 24: «... illa (communitas), quae genus humanum aut populos complures inter se colligat». 21  Op. cit., p. § 18: « Sicut cujusquae civitatis jura utlitatem suae civitatis respiciunt ita inter civitates ex consensu jura quaedam nasci potuerunt, et nata apparet, quae utilitatem respiciunt non coetum singularum sed magnae illius universalilatis. Et hoc jus est quod jus gentium dicitur». 22  Op. cit., II, cap. XVIII, n. 19. 23  Op. cit., § 15. 24  Op. cit., III, cap. XXV: «Fide enim non tantum res publica

VERDROSS, Alfred. O fundamento do direito internacional. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 1-33

Da mesma forma, Victoria e Suarez reconheceram que a organização medieval da comunidade internacional era apenas uma forma possível desta, de modo que a comunidade dos estados podia sobreviver em uma nova forma, apesar do desmembramento da unidade cristã. A nova organização se distingue da outra pelo fato de que a sociedade internacional da Idade Média tinha uma forma monárquica (aristocrática)14, enquanto a comunidade internacional moderna nasce sob uma forma democrática.

3

O direito natural, aliás, nada tem em comum com a natureza que as Ciências Naturais analisam: nada mais é que uma parte da moral universal. Suarez e Grotius, portanto, distinguem claramente entre a moral e o direito positivo dos povos, mas veem, mesmo assim, que a base do direito positivo dos povos reside na primeira. A concepção universalista predominou aproximadamente até o começo do século XIX. Foi sustentada pela maior parte dos jurisconsultos desse tempo, entre outros, por Pufendorf, Leibniz, Zouche, Rachel, Bynkershoek, Thomasius, Christian Wolff26 e ainda por Kant. 1.3 Reação aos excessos da escola do direito natural a partir de Grotius, Pufendorf e Hobbes Entretanto, ao final do século XVIII, vislumbra-se uma mudança radical na ciência do direito internacional. A causa primeira dessa revolução deve ser atribuída à doutrina do positivismo absoluto, que nega o direito natural como base do direito positivo dos povos, visto que nega o próprio direito natural. Essa teoria é uma reação contra os excessos da escola do direito natural a partir de Grotius, representada por Pufendorf e seus sucessores, que acreditavam que é possível deduzir todas as normas do direito internacional das regras do direito natural. Já o filósofo inglês Hobbes dividiu o direito natural entre o direito natural do homem e aquele dos Estados. “Os preceitos de ambos são os mesmos; mas como os Estados, uma vez estabelecidos, assumem as qualidades pessoais dos indivíduos, esse direito que chamamos de direito natural, quando aplicado a indivíduos, que se chama direito internacional quando é aplicado às nações ou povos inteiros27”.

quaelibet continetur... sed et major illa gentium societas». 25  Suarez, op. cit., II, cap. VII, n. 4: “Omnia praecepta se principia moralia quae evidenter habent honestatem necessariam ad rectitudinem morum, ita ut opposita moralem inordinationem seu malitiam evidenter contineant”. Grotius, op. Cit., cap. IX, § 1: «Jus naturae est dictamen rectae rationis». 26  Verdross, Die Einheit des rechilichen Welibildes, 1923, p. 25 e seguintes. 27  De cive, cap. XIV, § 4.

Pufendorf adere a essa opinião, confessando que não reconhece outra espécie de direito internacional, voluntário ou positivo, que tenha a força da lei propriamente dita28. Esse ataque contra o direito positivo dos povos era, na verdade, rejeitado por uma parte da doutrina, sobretudo pelo célebre jurisconsulto holandês Bynkershoek e por S. Rachel, professor em Kiel; ambos sublinhavam a importância fundamental do direito positivo dos povos, restringindo o direito nacional aproximadamente ao papel que lhe era designado pela doutrina clássica. A visão geral de Bynkershoek é expressa em seu comentário ao leitor da obra Quaestionum juris publici libri duo (1737), onde diz entre outras coisas: “No direito internacional, autoridade alguma pode prevalecer contra a razão; no entanto, quando a razão é incerta, como frequentemente é o caso, este direito deve ser julgado a partir do uso quase constante (Ex perpetuo fere usu). Muitas coisas fizeram outrora parte do direito internacional e, atualmente, já não o fazem. Os tratados, por exemplo, não são mais válidos em nossa época se não houver ratificação, embora os negociadores estejam munidos de plenos poderes de seus governos; antes, assim o era. Sirvo-me, portanto, de preferência, de exemplos e de tratados recentes mais do que dos antigos, porque desejo que meu trabalho seja de utilidade prática”. E continua: “Não nego absolutamente que a autoridade possa dar peso à razão, mas prefiro buscar essa autoridade em um uso constante de conclusão dos tratados... e nos exemplos que ocorreram em um país ou outro do que no testemunho dos poetas e dos oradores gregos ou romanos que são verdadeiramente os piores professores do direito público. Dou mais importância à autoridade daqueles que dirigem os negócios públicos sob os olhares do mundo e que aprenderam a sabedoria em acontecimentos passados. Eles têm o hábito de concluir tratados conforme a prática das nações. Não é que eu me incline diante deles quando não estão apoiados na razão, mas quando de seu lado está, eu lhes atribuo mais valor que a um monte de poetas e de oradores29”.

28  De jure naturae et gentium, 1672, II, cap. III, §23: Elementa jurisprudentiae, 1666; §24-26: «Jus gentium nihil aliud est quam jus naturae, quotenus illud inter se summo imperio nom connexae gentes diversae observant, queis eadem invicem suo modo officia praestenda, quae singuli per jus naturae praescribuntur... Praeter hoc nullum dari jus gentium arbitramur, quod quidem tali nominae possit designari». 29  J. Westlaic, Etudes sur les principes du droit international, traduzido do inglês por E. Nys, 1895,p. 75 e seguintes.

VERDROSS, Alfred. O fundamento do direito internacional. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 1-33

De que natureza, devemos perguntar, é a regra pacta sunt servanda? A esta questão capital Suarez e Grotius respondem sem hesitação: Esta regra é um princípio do direito natural que é o conjunto das regras de que se reconhece a evidência pela luz do espírito25.

4

Entretanto, teoricamente o adversário mais forte de Pufendorf era Rachel que foi o primeiro a reconhecer o engano principal do pensamento de Pufendorf. Este rejeita os tratados internacionais como fonte de direito positivo dos povos, pois acredita que sejam apenas fatos aos quais se aplica o princípio do direito natural de observar os pactos33. A isto Rachel responde que precisamente sobre essa base podem ser desenvolvidas regras jurídicas, assim como um grau subordinado a este princípio34. Rachel considera que as regras do direito formam uma pirâmide de normas subordinadas e superor30  R. Zouche, Juris et judici fecialis, sive juris inter Gentes, et quaestionum de eodem explicatio, 1650. 31  J. Wolfgang Textor, Synopsis juris gentium, 1680, cap. I: “Jus naturae descendit immediate a ratione naturali, jus gentium autem mediante gentium exercitio...” 32  Vattel, Le droit des gens ou principes de la loi naturelle appliquée à la conduite et aux affaires de Nations et des Souverains, 1758. 33  Pufendorf, De jure naturae et gentium, 1. II, cap. III, § 23, 1672 : “Et quod non nemo ad jus gentium quoque referre instituit peculiaria convente duorum pluriumque populorum, foederibus et pacificationibus definiri solita, id nobis plane incongruum videtur. Et si enim illis stare lex naturalis de servanda fide jubet, legum tamen et juris vocabulo valde improprie venlunt. Et praterea infinita ac magna parte temporaria sunt. Quin nec magis partem juris constituant, quam pacta singularum civium...” 34  Rachel, De jure naturae et gentium dissertationes, 1676, Dissertatio altera XCI, p. 307 de l’édition des Classics of international law, par l’Instltution Carnegie: “Sicuti enim ne quidem Natura, ita nec legislatores omnibus negotiis causisque certam juris normam praefiniverunt; adeoque quam libertatem Natura Legislatoribus permisit, ut hi actiones jure naturae non comprehensas legibus latis determinare queant eamdem libertatem privati ab utrisque habent, ut sibi invicem per pacta, jure naturae aut legibus civilibus non adversa, leges dicere itsque se adstringere possint. Et magls etiam nobis favet... jus gentium esse quod utilitatem suarum respectu consensus gentium libere constituit et ab hoc plane diversum jus Naturae facit”, p. 39 e seguintes: “Uti vero certum est, gentes et civitates qua sunt tales, primario etiam inter se juris naturalis debere esse observantes; ita quoque certissimum esse ostendit cum ratio tam experientia, quod plurima inter illas negotia intercedere queant quae a jure naturae nullam determinatum obligationem, sed demum ex illarum libero consensu et pacto acceperlnt...” Sobre a doutrina de Rachel ver Verdross, op. cit., p. 27 e 43 e Rühland, Samuel Rachel, der Bahnbrecher des völkerrechtlichen Positivismus, Niemeyers Zeitschrift fur internationales Recht, XXXIV (1925), p. 1-112.

denadas entre elas, como apresentaremos mais tarde35. Bynkershoek e Rachel demonstram uma tendência para o positivismo jurídico sem duvidar, entretanto, que a base do direito positivo dos povos reside no direito natural. Ao contrário, Moser desacreditou a própria base do direito positivo dos povos. Descarta inteiramente os princípios do direito natural. “Não escrevi um direito escolástico dos povos, baseado na aplicação da jurisprudência natural, como ela é ensinada por seus mestres, para regular a conduta das nações consideradas como seres morais; realmente não escrevi absolutamente um direito filosófico dos povos construído a partir de certas noções fantásticas da história e da natureza do homem; enfim, não escrevi de forma alguma um direito político dos povos, no qual visionários como o abade de Saint-Pierre moldaram o sistema da Europa a seu bel prazer. Descrevo o direito internacional que existe na realidade, ao qual os Estados soberanos se conformam regularmente”.36 Consequentemente, Moser dedicou-se à pesquisa dos exemplos modernos daquilo que ocorrera em geral nas relações entre os Estados; na escolha desses exemplos, começa na época da morte do imperador Carlos VI, em 1740. A ciência do direito internacional - escreve - deve tornar-se uma espécie de arquivo do Estado37. Não tem ela outro objetivo senão o de construir as regras desenvolvidas pelo uso das nações. Moser não enfoca, portanto, nada mais que a experiência dos precedentes que nos mostram o que é a prática internacional. Para justificar essas opiniões, Moser pergunta-se qual é este direito natural de que se fala tanto. É o direito natural de Grotius ou aquele de Hobbes? Entretanto, mesmo se fosse possível descobrir os verdadeiros princípios da justiça, estes seriam sem importância para a ciência do direito internacional, porque a tarefa dessa ciência não é a de julgar os Estados, mas apenas de descrever a realidade dos assuntos internacionais. Eu não sou - diz Moser - senão um viajante que se contenta em descrever aquilo que viu sem criticar os fatos observados38. 35  Cap. V. 36  Versuch des neuesten europäischen Völkerrechts in Friedens und Kriegszeiten, 177, I, p. 17. 37  Op. cit., p. 14. 38  Sobre a doutrina de Moser, ver artigo de Verdross: „J.-J. Moser Programm einer Völkerrechtswissenschaft der Erfahrung“ na Zeitschrift für öffentliches Recht, Viena, III, 1922, p. 96 e seguintes.

VERDROSS, Alfred. O fundamento do direito internacional. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 1-33

Suarez e Grotius, é verdade, já haviam feito distinção, como já vimos, entre o direito natural e o direito positivo dos povos, mas sua ciência de um direito positivo dos povos era mais um programa do que uma realidade, porque eles não elucidaram o costume internacional de seu tempo. Ao contrário, Bynkershoek começa, conforme Zouche30, Textor31 e Vattel32, a analisar a prática moderna em suas relações recíprocas e extrair delas regras costumeiras.

5

Contudo, é evidente que tal teoria não responde melhor a questão do fundamento do direito internacional; apenas objetiva o fato desse direito, fechando os olhos diante do problema do dever dos Estados em suas relações recíprocas. Consequentemente, não é surpreendente que a questão do fundamento do direito internacional surja novamente no século XIX. Entretanto, a teoria da qual nos iremos ocupar agora não se vincula absolutamente à doutrina de Suarez e de Grotius; é um ponto de partida inteiramente diferente que ela aceita. Isto porque a base da teoria desenvolvida era a concepção universalista da unidade moral do gênero humano; o dado primário da nova teoria, ao contrário, é o Estado isolado. É, portanto, como veremos, uma teoria extremamente individualista. A causa primeira dessa mudança é realmente a teoria de um positivismo ilimitado. Isto pelo fato de que, desenraizando o direito natural, foi derrubado o grande pilar sobre o qual repousava inteiramente, até aqui, o edifício do direito internacional. No entanto, com o direito natural ameaçou-se igualmente a concepção universalista que encontrou seu fundamento precisamente no pensamento de uma justiça universal que não se aplica somente às relações entre os particulares, mas também às relações entre os Estados. Ora, tendo essa base sido rejeitada pela doutrina positivista, é natural que tenha buscado um novo pilar sobre o qual poderia fundamentar o direito internacional. E essa base segura e incontestável acreditou tê-la encontrado no Estado particular, no Estado isolado.

39  Jurisprudenz und Rechisphilosophie, 1892. 40  Van der Vlugy, Recueil des Cours de l’Académie du droit international, 1925, II, t. 7 da coleção, p. 492.

2. A teoria da autolimitação do estado e a Doutrina da Primazia do DireitoNacional 2.1 O problema da validade dos tratados internacionais na jurisprudência romana Como vimos no capítulo anterior, a questão do fundamento do direito internacional público é essencialmente um problema da ciência do direito internacional moderno. No entanto, sob certo ponto de vista, esse problema era já conhecido na Antiguidade que se encontrava também diante do problema da validade, da força obrigatória dos tratados internacionais. A jurisprudência romana resolveu a questão da seguinte maneira: um ato jurídico concluído entre a Urbe e outro Estado era considerado como um nudum pactum, isto é, que a execução dependia da boa vontade de Roma. Contudo, todo compromisso internacional tornava-se irrevogável se fosse sacrosanctum, sancionado por um juramento entre as partes contratantes. Por esse juramento, cada Estado se submetia à punição de seus deuses no caso de ruptura do pacto em questão. Essa sanção chamada execratio, que se tornou um elemento característico dos tratados internacionais, compunha-se de dois atos paralelos: cada Estado se comprometia com seus próprios deuses a observar rigorosamente as decisões concluídas com o outro Estado41. O tratado, portanto, não era fundamentado numa base comum; ao contrário, derivava de duas fontes inteiramente distintas. É nesse procedimento do espírito romano — que confirma o talento jurídico desse grande povo — que se pode encontrar a origem, ainda que pouco conhecida, da famosa doutrina da autolimitação dos Estados. Tal doutrina, muito disseminada no século XIX, supõe a existência de Estados isolados, não unidos em uma comunidade internacional. Consequentemente, não há regras superestatais que regem as relações mútuas dos povos organizados. Entretanto, se uma ordem superior falhar, o tratado internacional não pode senão estar fundamentado no direito nacional das partes contratantes. Cada Estado encontra em si mesmo o fundamento de seus compromissos. Entretanto, essa teoria da autolimitação dos Estados, com certeza o ponto de partida da construção romana do tratado internacional, não era capaz de satisfazer in41  Mommsen, Römisches Staatsrecht, I, 1887, p. 235, 249 e seguintes.

VERDROSS, Alfred. O fundamento do direito internacional. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 1-33

Neste trecho já se pode encontrar o pensamento da teoria do positivismo jurídico, desenvolvido um século mais tarde por Bergbohm39. Todavia, particularmente no âmbito da ciência do direito internacional, o mérito incontestável de Moser consiste no fato de ter acentuado bem mais que Bynkershoek e Rachel a importância fundamental do estudo escrupuloso da prática internacional moderna e das regras que daí derivam. Foi ele que libertou definitivamente essa ciência das puras especulações, direcionando-a para a realidade dos documentos trocados entre os ministros das relações exteriores40.

6

O ato internacional dividia-se, portanto, em dois compromissos, e cada um consistia em um tratado entre um Estado e seus deuses em favor do outro Estado43. Essa construção engenhosa do tratado internacional como pactum in favorem tertii nos mostra que a antiguidade já reconhecia a necessidade de fundamentar os tratados internacionais sobre uma base acima da vontade do Estado. Entretanto, não podia resolver o problema porque não encontrava uma base comum, igualmente superordenada pelas partes contratantes. Apesar disso, a teoria da autolimitação dos Estados ressuscitou no início dos tempos modernos, e isto se explica claramente pelo fato de que essa doutrina é inevitável para todos aqueles que negam a existência de regras superiores à vontade dos Estados. Essa doutrina se fundamenta principalmente na filosofia do direito do célebre filósofo Hegel que, nesse assunto, tinha um predecessor no pensador solitário Spinoza. 2.2 A doutrina de Spinoza. A teoria de Hegel. A influência dessa teoria sobre a ciência do direito internacional Para Spinoza as concepções direito e poder são sinônimas. O direito de cada um equivale a seu poder44. Esta opinião é consequência do pensamento panteísta de Spinoza, para quem cada coisa é uma parte do poder divino que nada mais é do que a natureza. Como é evidente que o Deus todo-poderoso tem direito sobre tudo, o direito de Deus equivale, portanto, a seu poder. Isto é verdadeiro também para os Estados, tanto para o âmbito interno como para a esfera internacional. Num caso como no outro, o direito do Estado se estende até os limites de seu poder45. Seu cumprimento é a lei su-

42  Täubler, Imperium Romanum, I, 1913, p. 128. 43  Verdross, Die gesellschaftswissenschaftilichen Grundiagen der Völkerrechtstheorie, Archiv für Rechts-und Wirtschaftsphilosophie, XVIII, 1925, p. 473 e seguintes. Do mesmo autor Die Verfassung Völkerrechtsgemeinschaft, 1926, p. 12 e seguintes. 44  Tractatus Politicus, cap. II, § 3º e seguintes. 45  Op. cit. cap. III, § 2º, § 11.

prema46; também os compromissos internacionais estão subordinados a essa regra. O Estado pode, portanto, livrar-se de um tratado internacional caso seu interesse assim o determine47. Contudo, esse direito absoluto do Estado cessa quando seu poder é abalado por um concerto internacional. Então, cada Estado deve inclinar-se diante da vontade geral dos Estados. Se o Estado perder seu poder absoluto, estará igualmente privado de seu direito ilimitado48. Pensamento semelhante é encontrado na filosofia do direito de Hegel, para quem o espírito objetivo, isto é, Deus se encarna no Estado. Então, se o Estado é a encarnação do Absoluto, sua vontade é o poder absoluto sobre o mundo49. Todo direito decorre dessa fonte, tanto o direito nacional como o direito internacional50. O Estado pode, então, concluir tratados internacionais, mas mesmo assim permanece o senhor, porque a relação entre Estados, diz Hegel, é a relação que seres independentes estabelecem inter se, mas que perduram mesmo assim acima dessas cláusulas51. Portanto, a vontade do Estado continua superior a seus próprios compromissos. Entretanto, essa doutrina não deve ser interpretada isoladamente. Ao contrário, é preciso enquadrá-la no sistema universal para descobrir o verdadeiro pensamento hegeliano. Ora, o princípio fundamental de Hegel é o método dialético. Segundo esse método, o espírito objetivo coloca-se inicialmente em “tese”, opõe-se em seguida em “antítese” para chegar finalmente à “síntese”52. Portanto, o espírito objetivo está em movimento. Deve atravessar a “tese” e a “antítese” para chegar à “síntese”. Finalmente, chega. Em nossa ordem de ideias, a “tese” é a soberania absoluta do Estado. Entretanto, à soberania de um opõe-se em “antítese” a soberania absoluta dos outros Estados. Disto nasce necessariamente uma luta 46  Op. cit. cap. III, § 14. 47  Op. cit. cap. III, § 14, § 17. 48  Op. cit. cap. III, § 16. Sobre a doutrina de Spinoza, ver também A. Menzel “Spinoza und das Völkerrecht” na Zeitschrift für Völkerrecht, II, 1908, p. 17 e seguintes; H.H. Lauterpacht “Spinoza and international Law” na British uear book of international Law, VIII, 1927, p. 89 e seguintes, e A. Verdross “Das Völkerrecht im Systeme Von Spinoza” na Zeitschrift für öffetiliches Recht, Viena, VII, 1927, p. 100 e seguintes. 49  Grundlinien der Philosophie des Rechtes, 1821, § 331. 50  Op. cit. § 336. 51  Op. cit. Zusätze, point 191 ad §330. 52  Richard Kroner, Von Kant bis Hegel.

VERDROSS, Alfred. O fundamento do direito internacional. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 1-33

teiramente os jurisconsultos da antiguidade. Constatavam claramente que um Estado que se liga apenas por seu próprio direito pode também desligar-se de seus tratados internacionais quando bem lhe aprouver. Procuraram, então, completar a autolimitação pela obrigação de cada Parte contratante em relação a sua divindade42.

7

É verdade que o próprio Hegel não extraiu claramente essas consequências de seu ponto de partida. Nem mesmo resultam necessariamente de seu método dialético que não é um método estático, mas dinâmico53. Observamos, então, um desenvolvimento bastante notável. Os pensamentos de Spinoza, assim como os de Hegel iniciam pela afirmação da vontade absoluta do Estado particular, negando a existência de um direito internacional superestatal, para abrir-se enfim à soberania da comunidade internacional. Entretanto, a doutrina dos juristas do último século [século XIX] não interpretava o sistema de Hegel segundo o método dialético e somente considerava a “tese” da soberania absoluta do Estado. Detinha-se apenas nas palavras de Hegel, sem penetrar-lhe o espírito. Lia o sistema do mestre a partir de um método estático, esquecendo-se de que cada pensamento de Hegel deve ser comentado segundo o método dinâmico que nos ensina que cada “tese” é oposta a uma “antítese”, superada por uma “síntese”. Assim, o pensamento primordial de Hegel foi esquecido ou negligenciado, mas seus termos permaneceram e exerceram enorme influência sobre a ciência do direito internacional. Tal influência foi desastrosa para essa ciência, como também para o direito internacional em si. Pütter fundamenta o direito internacional sobre a vontade do Estado, seguindo a “tese” de Hegel54. Foi ele o primeiro jurisconsulto moderno que formulou nossa teoria da autolimitação, da auto-obrigação dos Estados. Essa doutrina foi, em seguida, particularmente desenvolvida por Georges Jellinek55. A teoria moderna da autolimitação sustenta a tese segundo a qual o direito internacional encontra seu fun53  P. Vogel, Hegels Gellschaftsbegriff, Ergänzushefte der Kant-Studien, nº 59, 1925, p. 86. Ver também B. Marius Telders, Staat em volkenrecht, proeve van rechivaardiging van Hegels volkenrechtsleer,Leiden, 1927, e o resumo de C. Baak na Zeitschrift für öffentliches Recht, Viena, VII, 1927, p. 137. 54  Ver Kaltenborn, Kritik dês Völkerrechts, 1847. 55  Die rechtliche Natur der Sttatenverträge (1880). Ver também Bergbohm, Staatsverträge und Gesetze als Quellen des Völkerrechts, 1877.

damento na vontade do Estado isolado, mas permanece, apesar de tudo, obrigatória, porque o Estado é capaz de vincular a si mesmo. Adota, portanto, o mesmo ponto de partida de Spinoza e Hegel, mas não tem a coragem de extrair as mesmas consequências lógicas, isto é, que um direito internacional baseado unicamente na vontade do Estado deixa de ser obrigatório pela simples mudança dessa vontade. Tal doutrina quer também conciliar duas teses inconciliáveis: de um lado, a soberania absoluta do Estado e do outro, a obrigação dos Estados pelo direito internacional. No entanto, esses esforços são inúteis, porque toda obrigação de uma vontade supõe, como discutiremos mais adiante, a existência de uma regra superior a essa vontade56. A explicação apresentada pela teoria da autolimitação do Estado não é, portanto, muito satisfatória. Se a regra jurídica é apenas o produto de uma vontade livre, no fundo, não é obrigatória: permanece à disposição dos Estados que a criaram, visto que, cessando de querê-la obrigatória, podem não a levar em consideração. O que a vontade faz, uma vontade contrária pode desfazer57. A teoria da autolimitação do Estado foi admitida particularmente na Alemanha. No entanto, a doutrina francesa dos direitos fundamentais mostra um ponto de partida análogo. “Os jurisconsultos franceses haviam tentado — diz Douguit58 — fundamentar o direito internacional em uma concepção consideravelmente semelhante à concepção individualista sobre a qual se persistia em fundamentar o direito interno. Todos os Estados, diziam, são pessoas iguais e soberanas, como todos os homens são indivíduos iguais e autônomos. Todos os Estados podem exercer livremente sua atividade soberana interna e externamente... Entretanto, ainda que o indivíduo, no exercício de sua atividade autônoma, deva respeitar a autonomia dos outros, da mesma forma o Estado, no exercício de sua soberania independente, deve respeitar 56  Verdross, Die Einheit des rechtlichen Weltildes, p. 7 e seguintes; Kelsen, Das Problem der Souveranität und die Theorie des Völkerrechts (1920); N. Politis, Le problème des limitations de la souveraineté, dans le Recueil des Cours de l’Académie de droit international, 1925, I, p. 5 e seguintes, 6º volume da coleção; Kunz, La primauté du droit des gens, dans la Revue de droit international et de législation comparée, 1925, nº 4 e 5; W. Suklennicki, La souveraineté des Etats en droit international moderne, 1927, p. 168 e seguintes. 57  Polits, Les nouvelles tendances du droit international, 1927, p. 21 e seguintes. 58  Traité de droit constitutionnel, 3ª edição, I, 1927. La règle de droit. Le problème de l’État, p. 715 e seguintes.

VERDROSS, Alfred. O fundamento do direito internacional. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 1-33

entre os Estados, porque cada um procura submeter os outros a sua vontade. No entanto, também essa “tese” e essa “antítese” serão finalmente superadas por uma “síntese” que não é outra coisa senão a comunidade internacional. Assim, a soberania dos Estados isolados dá lugar àquela da família das nações.

8

Como destaca Douguit: “Entretanto, essa teoria dos direitos fundamentais dos Estados repousa sobre um círculo vicioso. De fato, a fim de que uma personalidade qualquer possa ter direitos subjetivos, é preciso que esteja em relação com outras personalidades; é preciso que haja uma sociedade submetida a um direito objetivo. Se uma personalidade está isolada, não pode ter direitos... Não se pode, portanto, explicar o direito objetivo internacional senão pela existência de direitos subjetivos fundamentais dos Estados, uma vez que esses direitos somente podem existir se houver uma sociedade dos Estados submissa a um direito objetivo”. Ao contrário, existem autores que permanecem fiéis à “tese” de Hegel e, consequentemente, afirmam que o Estado não está mais vinculado a seus compromissos quando seu conteúdo já não corresponde a sua vontade59. No entanto, também esses autores veem exclusivamente a “tese” de Hegel e negligenciam a “síntese”. 2.3 A doutrina da primazia do direito nacional. A vontade do Estado A última fase da doutrina da autolimitação dos Estados é a teoria da primazia do direito nacional. Traduz em termos jurídicos o pensamento da primeira doutrina que era concebida numa linguagem, sobretudo política. Assim, a teoria da autolimitação fala da “vontade” do Estado. A teoria da primazia do direito nacional, ao contrário, diz claramente que a “vontade” de um Estado – que não é uma pessoa real, mas um grupo social unido por regras jurídicas – não é uma vontade real, uma vontade psicológica, mas uma vontade jurídica; isto é, a vontade do Estado é aquela de uma ou mais pessoas que o direito declara como vontade do Estado.60 Dizer 59  Lasson, Prinzip und Zukunft des Völkerrechts (1871); A. Bonucci, Il Fine dello Stato (1915), p. 85 e seguintes, p. 92; “Permanecerá a convenção internacional embora sempre expressão da atual vontade jurídica do Estado observante. Em cada caso, e com isto voltamos ao ensinamento de Hegel, não exprime outra vontade senão aquela do Estado disposto a observá-la”. 60  Kelsen, Hauptprobleme der Staatsrechtsrechtslehre, 1911; do mesmo autor: Aperçu d’une théorie générale de l’État (tradução francesa por Ch. Eisenmann), 1927. Extrait de la Revue de droit public et de la science politique en France et à l’étranger, outubro/novembro de 1926, p. 8 e seguintes;

que o Estado “quer” alguma coisa equivale, pois, a um julgamento segundo o qual seu direito nacional designa uma determinada ação como vontade do Estado. O Estado “quer” consequentemente a mesma coisa que seu direito “quer”. A vontade do Estado é a vontade de seu direito. Ora, se devemos procurar a vontade do Estado em sua ordem jurídica, toda a esfera de atividade do Estado, mesmo seu âmbito internacional, está baseada em seu direito nacional. Se afirmamos que a vontade do Estado é juridicamente absoluta, devemos outorgar a primazia ao direito nacional. Com efeito, essa teoria procura a base do direito internacional nos dispositivos das constituições nacionais que autorizam os chefes de Estado a concluir tratados internacionais61. A partir dessa doutrina, as constituições nacionais instituem duas fontes de normas jurídicas: a lei para o direito interno e o tratado para o direito internacional. Num primeiro momento, tal construção parece capaz de atingir seu objetivo. No entanto, um exame aprofundado demonstra que está errada. Sem dúvida, seria possível fundamentar uma grande parte do direito internacional sobre os dispositivos constitucionais em questão; entretanto, há também normas do direito internacional que se opõem a essa construção e, inicialmente, à regra segundo a qual as obrigações de um Estado não deixam de existir mesmo depois de uma mudança revolucionária da forma de Estado ou de sua constituição. Todas essas alterações não têm influência do ponto de vista do direito internacional. O Estado permanece internacionalmente o mesmo.62 Não há absolutamente regras do direito internacional que sejam mais seguras do que esta. também seu curso ministrado na Academia de direito internacional: ‘Les rapports de système entre le droit interne et le droit international public’: Recueil des Cours, 1926, IV, p. 231 e seguintes. 61  Verdross, Zeitschrift für Völkerrecht, 1914, p. 329 e seguintes. Kelsen, Das Problem der Souveränität und die Theorie des Völkerrechts, 1920; Wenzel, Juristische Grundprobleme, 1920, p. 397 e seguintes; Henrich, Zeitschrift für öffentliches Recht, t. V, 1926, Viena, p. 308 e seguintes; Weyr, Archiv des öffentlichen Rechts, XXXIV, 1915, P. 236 e seguintes; Wittmayer, Zeitschrtft für Völkerrecht, XIII, 1925, p. 1 e seguintes; Nawiasky, Der Bundesstaat ats Rechtsbegriff, 1920. Ver também sobre a doutrina bolchevista do direito internacional sobre a base da primazia do direito interno: Korovine, como Mirkine-Guetzevitch, na Revue générale de droit international public, XXXII, 1925, p. 292 e seguintes e página 323 e seguintes, bem como os artigos de M. Kunz, Sowjetrussland und das Völkerrecht, na Zeitschrift für Völkerrecht, XIII (1926), p. 580 e seguintes e de M. Hrabar, Das heutige Völkerrecht vom Standpunkte eines Sowjetjuristen, na mesma revista, XIV (1927), p. 188 e seguintes. 62  Hall-Higgins, Treatise on international law, 8ª edição, 1924, p. 20.

VERDROSS, Alfred. O fundamento do direito internacional. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 1-33

a independência soberana dos outros Estados... Cada Estado tem direitos fundamentais que pode exercer, mas com a condição de respeitar os direitos fundamentais dos outros Estados”. Buscou-se, portanto, fundamentar o direito objetivo internacional sobre o direito subjetivo de soberania estatal.

9

Quando das revoluções da Inglaterra de 1649 e de 1688, nem Cromwell nem Guilherme d’Orange repudiaram os compromissos resultantes dos tratados concluídos pelos Stuart, e os Stuart restaurados reconheceram a validade dos tratados concluídos por Cromwell. A República francesa também reconheceu os tratados concluídos pelo regime monárquico,65 e o ministro das relações exteriores da França rejeitou em 1834 a proposta de um deputado para declarar nulos os tratados do regime napoleônico. “É preciso dizer-lhe – disse o ministro – em honra da Restauração, [se este fosse o caso], jamais esse argumento foi seriamente empregado amplamente... nós iríamos enrubescer66”... Essa regra deve ser considerada como geralmente reconhecida a partir da Conferência de Londres de 1831, que declarou que “Os tratados não perdem seu poder, sejam quais forem as mudanças que poderiam intervir na organização interior dos povos67”. Uma declaração conjunta da França e da Grã-Bretanha, de 28 de março de 1918, repetiu que “Nenhum princípio é melhor estabelecido do que aquele a partir do qual uma nação é responsável pelos atos de seu governo, sem que uma troca de autoridade afete as obrigações incorridas68”... 63  Revue générale de droit international public, XXIX, 1922, p. 275 e seguintes. 64  Idem, p. 278 e seguintes. 65  Fauchille, Traité de droit international public, 1922, t.1º, p. 338 e seguintes. 66  Larnaude, Revue générale de droit international public, XXVIII, 1921, p. 446 e seguintes. 67  Martens, Nouveau recueil général, X, 1826-1838, p. 197 e seguintes. 68  Fauchille, op. cit., t. I, p. 342.

O mesmo princípio foi reconhecido pela decisão do árbitro Taft, em 18 de outubro de 1923, no litígio Tinoco entre a Grã-Bretanha e a Costa Rica69, assim como pelo árbitro E. Borel, em 18 de abril de 1925, a propósito da divisão das anuidades da dívida pública turca. Nessa sentença arbitral, Borel diz: “Em direito internacional, a república turca deve ser considerada como continuação da personalidade do império otomano. É neste ponto de vista que evidentemente o Tratado (de Lausanne) se situa, como provam os artigos 15, 16, 17, 18 e 20 que não teriam sentido algum se, aos olhos das Altas Partes contratantes, a Turquia fosse um Estado novo, assim como o Iraque ou a Síria”. Essa prática constante foi coroada agora pela decisão da Corte Permanente da Justiça Internacional, de 25 de julho de 1926, relativa a certos interesses alemães na Alta-Silésia e que diz expressamente: “Em relação ao direito internacional... as leis nacionais são simples fatos... assim como as decisões judiciais ou as medidas administrativas70”. Ora, é evidente que a regra segundo a qual a autoridade do direito internacional não é abalada em caso de mudança revolucionária da Constituição do Estado não pode ter sua base na teoria da primazia do direito nacional. Isto porque, segundo essa construção, o direito internacional existiria e cessaria de ser obrigatório com base na Constituição do Estado, assim como qualquer outra regra jurídica fundamentada unicamente em uma regra da Constituição do Estado deixa de vigorar se a Constituição, à qual está ancorada, desaparece. Portanto, se existem regras do direito internacional que sobrevivem às Constituições de Estado, estas devem ter outro fundamento além da Constituição. Entretanto, se é impossível basear o direito internacional inteiramente sobre o direito nacional, a teoria da primazia do direito nacional é inaceitável. Por este motivo é que abandonei, há quase dez anos, minha “primeira construção da primazia do direito nacional71”. Apesar disso, tentou-se um último esforço para salvar essa doutrina moribunda. Disseram que foi solicitada pelo artigo 4º da nova Constituição alemã, assim como pelo artigo 9º da Constituição Federal da Repú69  American Journal of International law, XVIII, 1924, p. 147 e seguintes. Ver também Kunz no Wörterbuch des Völkerrechts, II, p. 605 e seguintes. 70  Embargo nº 7, p. 19. 71  Verdross, Die Völkerrechtswidrtge Krtegshandiung und der Strafanspruchh der Staaten, 1920, p. 110, nota 79.

VERDROSS, Alfred. O fundamento do direito internacional. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 1-33

Assim, o artigo 10 da Constituição do Peru declara “nulos os atos daqueles que usurpam funções ou que adquirem empregos sem terem preenchido as formalidades previstas pela Constituição ou pelas leis”. Contudo, a Corte permanente de arbitragem de Haia decidiu em um litígio entre o Peru e a França, em 10 de outubro de 1921: “Levando em consideração que importa pouco que uma lei peruana tenha declarado nulos (os atos de um governo revolucionário)... essa lei não pode ser contrária aos estrangeiros que agiram de boa-fé63”. Do mesmo modo, a decisão do tribunal arbitral de Lausanne, de 05 de julho de 1901, em uma desavença entre a França e o Chile dispôs: “O usurpador que detém de fato o poder com o consentimento expresso ou tácito da nação agiu e concluiu validamente em nome do Estado tratados que o governo legítimo restaurado é obrigado a respeitar64”...

10

Inicialmente, esses artigos têm unicamente como objetivo obrigar os órgãos de Estados e seus sujeitos a se conformarem às regras do direito internacional comum sem precisar aguardar uma ordem especial do Estado que transforma caso a caso as regras do direito internacional em regras do direito interno73. Isto porque, regularmente, as normas do direito internacional não se dirigem diretamente senão aos Estados para obrigá-los a tomar as medidas necessárias para torná-las executórias no âmbito do direito interno. Entretanto, a partir do direito internacional, os Estados têm a escolha de editar tais normas executórias em cada caso ou ordenar mediante uma regra geral, uma vez por todas, que os órgãos sejam obrigados a aplicar as regras do direito internacional74. De fato, os diversos sistemas jurídicos estatais variam neste tema. Quanto aos tratados internacionais, podemos constatar três tipos principais. Conforme o primeiro tipo, o tratado internacional tem também uma fonte do direito interno, coordenada pelas leis. O tratado internacional tem, portanto, força de lei. Também o capítulo IV, parágrafo 2º da Constituição dos Estados Unidos da América, de 17 de setembro de 1787, dispõe: “A presente Constituição e as leis que os Estados Unidos estabelecerem para si, assim como todos os tratados concluídos ou a concluir sob a autoridade dos Estados Unidos serão a lei suprema do país75”. A última alínea do artigo 113 da Constituição Federal da Suíça, de 29 de maio de 1874, declara igualmente: “... o tribunal federal aplicará as leis votadas pela assembleia federal e os embargos desta assembleia que têm um alcance geral. Igualmente se conformará aos tratados que a Assem72  Wittmayer, op. cit. , p. 12 e seguintes. 73  Verdross, Die Einhelt des rechlichen Weltbildes, p. 111 e seguintes. 74  Verdross, Welche Bedeutüng haben zwischenstaatliche Verträge für die innerstaaliche Gesetzgebung? Na Verhandlungsscrift des zweiten deutzchen Juristentages in der Tschechoslovakei, Brünn, 1925, p. 232 e seguintes. Ver também Wenzel, op. cit., Kunz, Annalen des Dutschen Reiches, 1923, p. 309 e seguintes; G.A. Walz, Die A bänderung völkerrechtsgmässen Landesrechts, 1927, R.A. Métall, Das allgemeine Völkerrecht und das Innesrstaatliche Verfassungsrecht, Zeitschrift für Völkerrecht, XIV (1927) p. 161 e seguintes. Do mesmo autor: Zeitschrift für öffentliches Recht, VII (1928), p.308. 75  Vide igualmente o artigo 31 da Constituição da República Argentina: “A presente Constituição, as leis... os tratados concluídos com as nações estrangeiras formam a lei suprema da nação...”.

bleia Federal tiver ratificado”. A coordenação das leis e dos tratados internacionais está igualmente inscrita na nova Constituição Federal da Áustria (art. 50). Este primeiro tipo de constituições de Estados ordena, portanto, de modo geral, que os tratados internacionais que se destinam ao Estado sejam igualmente obrigatórios para seus órgãos e seus sujeitos. Essas disposições transformam assim, de uma vez por todas, o direito internacional convencional em direito interno. O segundo tipo é representado pelo direito da Alemanha, segundo o qual os tratados com os Estados estrangeiros que se referem a objetos que pertencem ao âmbito da legislação recebem a aprovação do Parlamento na forma de uma lei propriamente dita. Entretanto, existe ainda outro tipo para a execução dos tratados internacionais, que remonta ao artigo 68 da Constituição da Bélgica, de 07 de fevereiro de 1831, e que divide os tratados internacionais em três categorias: 1. Os tratados validamente concluídos unicamente pelo chefe do Estado, o rei; 2. Os tratados de comércio e aqueles que poderiam onerar as finanças do Estado ou vincular individualmente os belgas, que não têm efeito senão após ter recebido o consentimento das Câmaras; esse consentimento, porém, não necessita de uma lei no sentido formal; 3. Os tratados sobre as cessões, as trocas ou as adjunções de territórios, que não podem ocorrer senão em virtude de uma lei formal. A Constituição da Bélgica, que foi a primeira constituição democrática após a queda de Napoleão, exerceu grande influência. Foi seguida inicialmente pelo artigo 8º da Constituição Francesa e, em nossos dias, pelo parágrafo 64 da Constituição Tcheca. Contudo, a interpretação desses dispositivos não é uniforme76. Segundo a prática francesa, por exemplo, um tratado internacional que se refere às matérias legislativas tem força de lei, mesmo se a aprovação da Câmara não tenha ocorrido por uma lei no sentido formal77. A jurisprudência tcheca, ao contrário, é de opinião que um tratado internacional aprovado pelo Parlamento deve ainda ser transformado em uma lei formal para torná-lo obrigatório diante dos tribunais do Estado78.

76  Ver Pitamic, Parlamentarische Mitwirkung bei Staatsverträgen in Oesterreich, 1915. 77  Michon, Les traités internationaux devant les Chambres, Paris, 1901. 78  Die Rechtsprechung, herausgegeben vom Verband österr. Banken und Bankiers, Wien, 7. Jahrsgang, 1925, nº 3, p. 37 e seguintes; Prager Juristische Zeitschrift, 1925, p. 129 e seguintes.

VERDROSS, Alfred. O fundamento do direito internacional. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 1-33

blica da Áustria, artigos que dispõem que as regras geralmente reconhecidas do direito internacional formam uma parte do direito nacional72. Todavia, é fácil refutar tal argumento.

11

Ora, o artigo 4º da Constituição Alemã, como o artigo 9º da Constituição Federal da República da Áustria não são nada mais do que tais dispositivos executórios. Entretanto, eles não se referem absolutamente, como os dispositivos das Constituições que acabam de ser analisadas, ao direito internacional convencional particular, mas ao direito geral dos povos. Portanto, em vez de editar em cada caso especial as leis executórias exigidas pelo direito comum dos povos, os artigos obrigam os órgãos e também os sujeitos a se conformarem em cada caso às regras que o direito internacional contém atualmente ou que ele, um dia, desenvolverá. O mesmo princípio é reconhecido pela jurisprudência da Grécia79. De resto, ocorre apenas repetir a velha e célebre fórmula anglo-americana: “ international law is a part of the law of the land”. De fato, seu sentido é controverso80. Entretanto, está fora de dúvida que a doutrina anglo-americana distingue igualmente a obrigação do Estado diante do direito internacional daquela dos órgãos e sujeitos. Assim sendo, a Declaração dos Direitos e Deveres das Nações, proclamada em 1916 pelo Instituto Americano de Direito Internacional, fala no artigo 6º de duas esferas de validade do direito internacional para com os Estados no âmbito interno81. Em todos os casos, os artigos em questão que contêm apenas uma ordem geral endereçada aos órgãos e aos sujeitos não sonham absolutamente, como a teoria da primazia do direito nacional, fundamentar os compromissos internacionais do próprio Estado sobre seu direito constitucional. De resto, tal intenção não teria importância, visto que o direito internacional sobrevive à Constituição do Estado, como já discutido anteriormente. A teoria da primazia do direito nacional deve, portanto, ser definitivamente rechaçada. 79  Journal du droit international, 5º ano, 1926, p. 775 e seguintes. 80  Ver: Triepel, Völkerrecht und Landesrecht, 1899; Wenzel, op. cit.; W. Kaufmann, Die Rechstskraft des Inernationalen Rechtes, 1899; Kunz dans le Wörterbuch des Völkerrechtes, I, p. 793 e seguintes. 81  American Journal of international law, 1916, p. 215. Ver na mesma revista: XX, 1926, p. 444 e XXI, 1927, p. 308.

3. A vontade coletiva dos estados como base do direito internacional e o renascimento da doutrina clássica

3.1 - A vontade coletiva dos Estados a partir de Spinoza A crítica da primazia do direito nacional não é somente um resultado negativo; mostra-nos também o caminho que se deve seguir para resolver nosso problema. Spinoza escreve que a vontade de um Estado é suficiente para provocar uma guerra, mas a situação de paz supõe ao menos a vontade de dois Estados juntos82. O direito de paz, diz ele, está, portanto, baseado em uma vontade coletiva dos Estados83. Essa teoria foi retomada no final do século XIX, notadamente pelo renomado professor alemão Triepel84, que divide com Hegel e Spinoza o ponto de partida filosófico: a vontade como base do direito. “Uma regra jurídica, escreve Triepel, é o conteúdo de uma vontade superior às vontades individuais... A formação da regra jurídica é também uma declaração de vontade, declaração a partir da qual qualquer coisa deve tornar-se um direito... No direito interno, a fonte de direito é em primeiro lugar a vontade do próprio Estado. Além disso, na esfera das relações entre Estados, a fonte de direito não pode ser senão uma vontade emanando de Estados. É evidente que essa vontade, que deve ser obrigatória para uma pluralidade de Estados, não pode pertencer a apenas um Estado... Entretanto, se a vontade de algum Estado particular não pode criar um direito internacional, pode-se imaginar apenas uma coisa: que uma vontade comum, nascida da união dessas vontades particulares, torna-se capaz de cumprir essa tarefa... Consideramos como um meio de constituir tal unidade de vontade, a Vereinbarung, termo usado na doutrina alemã para designar a verdadeira união de vontades e distingui-las de contratos que são acordos de várias pessoas para declarações de vontades de um conteúdo oposto”85. Essa passagem de Triepel constitui uma crítica penetrante e totalmente justa à doutrina da autolimitação 82  Op. cit. Cap. III, § 13. 83  Op. cit. Cap. III, § 15-16. 84  Völkerrecht und Landesrecht, 1899, tradução francesa por Brunet, Paris (1920). Ver também D. Anzilotti, Teoria generale della responsabilità dello Stato nel diritto internazionale, 1901. 85  Recueil des Cours de l’Académie, T.1, 1923, p. 82 e seguintes.

VERDROSS, Alfred. O fundamento do direito internacional. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 1-33

Portanto, constata-se que há diversos caminhos para fazer penetrar as regras dos tratados internacionais no âmbito do direito interno. Os Estados têm, é verdade, a obrigação de regulamentar a execução dos compromissos internacionais; no entanto, têm escolha entre vários modos de execução.

12

Contudo, de que natureza é essa vontade comum dos Estados? Que vínculo é capaz de unir as vontades isoladas dos Estados e transformá-las em uma vontade coletiva? Para resolver esta questão, é necessário lembrar-se do que expusemos no capítulo precedente, isto é, que a vontade do Estado não é um fato extrajurídico que a experiência nos demonstra como tal. Pelo contrário, é um fato jurídico, isto é, um fato qualificado por regras jurídicas. Brevemente: a vontade do Estado é a vontade de uma ou mais pessoas que o direito declara como vontade do Estado. Ocorre que mesmo a vontade comum dos Estados não é uma realidade encontrada pela observação. É igualmente um fato jurídico que supõe uma regra segundo a qual uma vontade oriunda de certas pessoas é declarada como vontade dos Estados. Ora, o direito que contém essa regra pode ser o direito nacional ou o direito internacional. Todavia, se a vontade comum dos Estados era formada a partir de uma regra do direito nacional, a primazia do direito nacional renascia. Retorna-se, então, a uma teoria energicamente rechaçada até mesmo por Triepel. Se, ao contrário, desejarmos evitar essa consequência, não há outra escolha senão a de reconhecer pelo menos uma regra superior à vontade dos Estados que os vincula juntos. Apenas supondo a existência de tal norma é que uma vontade comum à qual os Estados particulares estão subordinados é concebível. Se a vontade de um Estado isolado não é senão a vontade de um órgão declarado pelo direito nacional como vontade do Estado e se a vontade de outro Estado é também a vontade de um órgão declarado como vontade do Estado por seu direito nacional, a vontade comum dos Estados não pode ser outra coisa senão a vontade dos órgãos que uma regra superior à vontade dos Estados particulares declara como tal. Entretanto, supondo tal regra de ordem superior, retorna-se a uma velha doutrina, fundada pelos célebres precursores de Grotius, desenvolvida pelo próprio Gro-

tius e por seus sucessores. Portanto, vê-se que a doutrina da vontade coletiva dos Estados, não mais que a teoria da primazia do direito nacional, não é capaz de fundamentar o direito internacional. As duas desmoronam numa crítica imanente, mas a crítica nos demonstrou também que essas teorias, se nos esforçarmos para extrair delas as consequências, abrirão elas mesmas a porta para a doutrina da primazia do direito internacional. Por seu fracasso, é para essa doutrina que preparam o terreno. 3.2 A soberania de Krabbe. O direito como base da vontade do Estado Ao longo das últimas décadas, produziu-se uma reação sempre crescente contra a doutrina internacionalista do século XIX. Foi preparada inicialmente pelo sábio holandês Krabbe que, mediante uma crítica profunda e decisiva, reverteu a própria base da velha concepção. Tal concepção, sabemos disso, procura fundamentar o direito internacional na vontade do Estado, seja de um único Estado, seja de vários Estados juntos. Krabbe nos mostra de forma engenhosa que tal vontade de Estados, superior ao direito, nada mais é do que pura ficção à qual a realidade não corresponde86. Na verdade, não existem senão vontades de seres vivos, de homens. A pretensa vontade do Estado não pode ser outra coisa senão uma junção de vontades humanas. Entretanto, se nos perguntarmos se as vontades humanas formam a vontade do Estado, veremos claramente que, falando de uma vontade do Estado, se supõe uma regra jurídica preexistente autorizando determinadas pessoas a agirem em nome de uma coletividade de homens unidos por regras jurídicas. Assim, não se pode fundamentar o direito sobre a vontade do Estado; ao contrário, deve-se basear a vontade do Estado sobre o direito. Esse pensamento foi desenvolvido ainda por meu mestre e compatriota, o Professor Kelsen87, assim como na França pelo renomado jurisconsulto Léon Duguit88. Estes sábios ensinam que “a vontade do declarante não é jamais a causa criadora do efeito jurídico; a declaração de vontade é somente a condição à qual se subordina o nascimento do efeito jurídico determinado pela regra

86  Die Lehre von der Rechissuveränität, 1906; do mesmo autor: De moderne staatsidee, 1915 (em holandês) e Die moderne Staatsidee, 1919. 87  Hauptprobleme der Staatsrechtslehre, 1911. 88  L. Duguit, La règle de droit. Le problème de l’État, 1923, p. 280.

VERDROSS, Alfred. O fundamento do direito internacional. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 1-33

do Estado. Vê claramente que o direito que provém de um só Estado não pode ser um verdadeiro direito internacional. Um único Estado não pode, portanto, criar senão um “direito público externo”. Por este motivo, Triepel solicita para qualquer regra jurídica do direito internacional a vontade comum de vários Estados, que se manifesta por um Vereinbarung, isto é, por tratados-leis. Tal regra não pode também ser modificada ou anulada senão por outro tratado-lei.

13

Reconhece-se, portanto, que a validade de cada regra jurídica deve depender em último caso, não de uma vontade, mas de outra regra da qual provém91,porque o direito apresenta — como bem observa Kelsen — a “particularidade de regulamentar sua própria criação; uma regra jurídica determina como outra regra será estabelecida; nesse sentido, a segunda depende da primeira. É este vínculo de dependência que une entre si os diferentes elementos de uma ordem jurídica que é seu princípio de unidade. A validade de uma norma jurídica baseia-se precisamente sobre a norma que regulamenta sua criação; uma norma é válida se colocada conforme aquela que é em relação a ela uma norma superior92”. O sistema de direito consiste, assim, em uma pirâmide de normas que são entre si, sejam coordenadas, sejam sub e superordenadas. Entretanto, que regra constitui o topo desse edifício? É evidente que não pode ser também uma norma jurídica se denominamos normas jurídicas as regras que derivam de uma vontade jurídica. De que outra natureza é, portanto, a norma suprema da hierarquia das normas jurídicas? 89  Idem, p. 561. 90  L. Duguit, La règle de droit. Le problème de l’Etat, 1921, I, p. 259. Sobre as teorias de Kelsen e Duguit, ver os artigos de Kunz e de Tasic na Revue internationale de la théorie du droit, Brünn, 1º ano, 1926-1927. 91  Ver igualmente Perassi, na Rivista di diritto internazionale,XI, 1917, p. 195 e seguintes, p. 285 e seguintes. 92  Aperçu d’une théorie générale de l’État, loc. cit., p. 28. Do mesmo autor: Die Idee des Naturrechts, dans la Zeitschrift für öffentliches Recht (Viena), VII (1928), p. 221 e seguintes e Recueil des Cours de l’Académie, 1926, IV, p. 263 e seguintes.

3.3 A norma de origem hipotética de Kelsen e Anzilotti Para Kelsen93 assim como para Anzilotti94, notável jurisconsulto italiano e juiz na Corte Permanente de Justiça Internacional, essa regra é apenas suposta, uma hipótese científica que garantiu a unidade do sistema do direito. A pretensa “norma de origem” não é uma verdadeira norma ou norma fundamental, mas uma regra puramente suposta, uma regra hipotética que serve para construir o sistema de direito. Essa ideia de uma norma fundamental hipotética foi combatida por Triepel, que sustenta que essa hipótese não é absolutamente melhor que sua doutrina da vontade coletiva dos Estados. Se nós derivamos o direito de uma vontade, diz ele, nos é preciso fazer compreender, é verdade, de onde essa vontade extrai sua força obrigatória. Todavia, responder a essa questão com uma resposta não jurídica, fundamentar a validade do direito sobre fatos psicológicos, por exemplo, sobre o sentimento dos sujeitos estarem ligados por quaisquer motivos, pela vontade da comunidade, vale tanto quanto professar a ideia de uma norma fundamental hipotética95. Contudo, esse pensamento desconhece a diferença essencial entre as duas doutrinas. A teoria da norma de origem hipotética tem por objetivo fundamentar o direito sobre uma norma objetiva, totalmente independente da vontade dos sujeitos às quais ela se destina. Se, ao contrário, Triepel busca fundamentar o direito no sentimento dos sujeitos, a base do direito torna-se absolutamente subjetiva. Portanto, caso falhasse o sentimento de estar vinculado, as regras do direito cairiam. Triepel vai contra a razão quando declara que a norma fundamental hipotética não é senão pura ficção96. A teoria da norma fundamental hipotética tem como objetivo fundamentar o direito sobre uma regra objetiva, e isto é o progresso devido a essa doutrina, mas na realidade, ela baseia o direito sobre a ficção de tal regra. Kelsen, assim como Anzilotti, fala — é verdade — de uma hipótese e acredita que a suposição de uma regra hipotética se torna legítima pelo método das ciências da 93  Op. cit., p. 26 e seguintes. 94  Corso di diritto internazionale, 1923, p. 40 e seguintes. 95  Op. cit., p. 87. 96  Op. cit., p. 87.

VERDROSS, Alfred. O fundamento do direito internacional. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 1-33

jurídica89”, “não é absolutamente a declaração de vontade a causa criadora da situação jurídica consecutiva a um ato jurídico qualquer; na realidade, não é senão a condição da aplicação de uma norma jurídica”. “O ato jurídico não pode em si produzir seu efeito jurídico, pois não é senão a condição de aplicação do direito objetivo90”. Qualquer vontade jurídica pressupõe, portanto, uma regra jurídica, a partir da qual a declaração de vontade de certas pessoas está ligada a uma consequência jurídica. Não é a vontade como tal que cria direitos; ela não pode fazê-lo senão em virtude de uma regra jurídica preexistente que ordena obedecer a essa declaração de vontade. Nem a vontade do legislador, nem a vontade das partes contratantes constituem a fonte suprema do direito, visto que essas vontades só obrigam quando fundadas em uma regra que estabelece serem obrigatórias as declarações dessas vontades.

14

Ora, Kunz considera que da mesma forma, no âmbito jurídico, a escolha da hipótese de origem não depende da vontade arbitrária do sábio, mas do conteúdo do sistema jurídico positivo98. Entretanto, esquece que, conforme a teoria de Kelsen, todas as regras do direito positivo dependem em última análise da norma de origem hipotética. É dessa hipótese e somente dela — diz Kelsen — que resultam a unidade da ordem jurídica e o caráter jurídico de todos os atos jurídicos99. A norma fundamental hipotética é, então, a base suprema do direito que institui as fontes do direito positivo. Não se pode, portanto, escolher — como Kunz acredita — a regra hipotética em correspondência com o direito positivo, porque este não existe senão em virtude dessa hipótese. Desse ponto de partida, Kelsen apenas extrai as consequências lógicas quando sustenta a tese de uma escolha possível entre a hipótese da primazia do direito internacional e a da primazia do direito nacional. Com efeito, se a existência de regras positivas depende da norma fundamental hipotética, é impossível demonstrar a existência das regras superestatais a todos aqueles que aceitam como norma fundamental a regra de obedecer à Constituição de um determinado Estado isolado. No entanto, qual é a causa da diferença essencial entre a norma fundamental hipotética no âmbito jurídico, de um lado, e as hipóteses das ciências experimentais, de outro? Segundo minha opinião, consiste no fato de que as hipóteses dessas ciências devem e podem ser verificadas pela experiência, enquanto a norma hipotética não é em hipótese alguma demonstrada pela realidade. É bem possível também, no campo jurídico, questionar se os 97  J. Petzoldt, Das Weltproblem vom Standpunkte des relativistischen Positivismus, 1912, e notadamente Vaihinger, Die Philosoffie des Als-ob, 5ª e 6ª edição, 1920. 98  La primauté du droit des gens, loc. cit.. 99  Aperçu d’une théorie générale de l’État, loc.cit., p. 27.

homens aos quais as regras se destinam conformam-se a elas. Este fato, entretanto, não prova absolutamente o dever de conformar-se a elas, não confirma a predição de que os indivíduos agirão de uma determinada maneira, porque o fato de uma determinada conduta humana não responde à questão: os homens devem conformar-se a determinadas prescrições? Responde apenas à questão: os indivíduos conformam-se a uma determinada predição? Somente a esta questão é que a experiência responde sim ou não, mas não garante absolutamente que os homens devem agir como eles agem realmente. Desta forma, o método da comprovação está reservado às regras da experiência e não pode ser aplicado às regras jurídicas, porque seu sentido não expressa determinada regularidade que pode ser demonstrada pela experiência, mas uma prescrição, uma obrigação, um dever cuja existência não está de forma alguma provada pelo simples fato de que determinada conduta humana é regularmente observada. Consequentemente, é preciso distinguir claramente as regras normativas, isto é, as regras que expressam aquilo que deve ser e as regras que não expressam senão uma regularidade seja da natureza, de um lado, seja da vida social, de outro. De resto, é evidente que cada regularidade da vida social não é uma observância de uma regra jurídica. Todavia, se a regra fundamental hipotética não é de forma alguma demonstrável pela experiência, não é uma hipótese no sentido restrito do termo, mas um axioma cuja verdade deve ser provada por outro método que aquele de que se servem as ciências experimentais. Com efeito, outros sábios se voltaram diretamente para a velha teoria do direito natural. Entre eles, figuram teólogos como Cathrein, Mausbach e Shilling, assim como sábios leigos como L. von Bar, L. Nelson, Le Fur, Ebers cujas teorias, é verdade, se assemelham sob o ponto de vista crítico às teorias que foram expostas, mas diferem daquelas admitindo verdadeiras normas objetivas acima e independentes de toda vontade humana. Da primeira categoria, citarei apenas Mausbach100 que professa: “Há um direito natural acima dos Estados; há princípios para o direito internacional que não podem ser modificados” e, seguindo Liszt, que aceita a regra pacta sunt servanda como a própria base do direito internacional, Mausbach pergunta: “Esta primeira nor100  Völkerrecht und Natureecht, 1918, p. 88 e 112.

VERDROSS, Alfred. O fundamento do direito internacional. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 1-33

natureza que se servem também das hipóteses científicas. Entretanto, existe uma diferença essencial entre as hipóteses das ciências experimentais e a regra hipotética no âmbito jurídico, pois as hipóteses das ciências da experiência são apenas antecipações da experiência97. Cada hipótese dessas ciências não é outra coisa que uma lei hipotética que deve ser justificada pela experiência. Essas hipóteses não são senão solicitações da experiência. O sábio interroga a natureza ou a vida social: determinado fenômeno pode ser explicado por uma determinada lei? A natureza ou a vida social respondem sim ou não, por intermédio da experiência.

15

Por outro lado, L. von Bar101, L. Nelson102 e Ebers103 procuram basear o direito internacional no princípio da justiça universal. Louis Le Fur constata também que o Estado não cria o direito104; rechaça a doutrina autonomista que faz o direito internacional apoiar-se inteiramente na vontade do Estado. Essa teoria, afirma, não tem base; na realidade, apoia-se sobre uma petição de princípio, a ideia da força obrigatória dos contratos impondo-se à vontade do Estado. Isto supõe a existência preliminar de uma lei moral superior ao Estado e que lhe impõe o respeito à palavra dada105. Essas citações são suficientes para reconhecer que a doutrina clássica do direito internacional, sobretudo a de Suarez e de Grotius, renasce. Entretanto, o objetivo final de nossa tarefa ainda não foi atingido, porque subsiste a objeção fundamental da teoria positivista contra qualquer ideia do direito natural. Conforme essa objeção, o pretenso direito natural não é senão um sentimento subjetivo da justiça que varia conforme as civilizações e as circunstâncias. O erro da teoria do direito natural, dizem, é precisamente confundir o direito com a moral e a política, que devem estar separados claramente, porque a jurisprudência pode apenas analisar o conteúdo do direito positivo sem ter a competência de examinar se essas regras são ou não justas. A inauguração de tal actio finium regundorum entre a jurisprudência de um lado e a ciência da moral de outro é um mérito incontestável da doutrina positivista, sobretudo dos teóricos K. Bergbohm106 e Kelsen107 que, como já vimos, no âmbito do direito internacional já contavam com um predecessor, J. J. Moser108. Seus es101  Archiv für Rechts-und Wirischaftsphilosophie, VI, 1912, p. 145 e seguintes. 102  Die Rechiswissenschaft ohne Recht, 1917. 103  Mitteilungen der detschen Gesellschaft für Völkerrecht, Heft 7, 1928, p. 8 e seguintes. 104  Philosophie du droit international, Extraído da Revue générale du droit international public, 1921. 105  Op. cit., p. 4. 106  Jurisprudenz und Rechtsphilosophie, 1892. 107  Op. cit. 108  Op. cit.

forços tendiam a purificar a jurisprudência, não o direito, como se acreditava erroneamente109, de todos os acessórios psicológicos, sociológicos, políticos e éticos para coroá-lo com uma jurisprudência pura, isto é, com uma ciência que trate somente o conteúdo do direito positivo sem criticá-lo. Entretanto, como um maratonista que, para atingir seu objetivo o ultrapassa frequentemente, assim a doutrina positivista foi muito longe na luta legítima contra a mistura das categorias éticas e jurídicas. Tem muita razão em pretender que o direito positivo seja um valor diferente da moral, mas tal diferença não é absoluta, é relativa. Como todo direito positivo supõe a ideia da justiça, não é senão uma tentativa mais ou menos bem sucedida aplicar essa ideia às circunstâncias110. O sentimento da justiça, é verdade, varia conforme as pessoas e os períodos da história. Entretanto, isto não impede de forma alguma que a justiça como tal seja um valor objetivo e absoluto, independente da vontade e do sentimento dos homens, pois não foi o homem que criou as regras da justiça, pode apenas constatá-las. Esses princípios existem numa esfera ideal como as verdades matemáticas que, da mesma forma, são absolutamente independentes do fato de seu conhecimento ou reconhecimento pelos homens. Deve-se, portanto, distinguir nitidamente as regras objetivas da justiça ideal do sentimento subjetivo da justiça que é apenas um meio para reconhecê-las. O conhecimento desses princípios, de fato, é extremamente difícil e só conquistado muito lentamente com o desenvolvimento da civilização. Para reconhecer todas as regras da justiça, seria necessário abraçar de forma absoluta o campo inteiro da atividade humana à qual elas se aplicam111. No entanto, como cada homem percebe apenas uma parte mais ou menos restrita dessa atividade, o sentimento de justiça varia igualmente. Assim, conciliam-se dois fenômenos que parecem inconciliáveis, a saber: um, que todos estamos convencidos de reconhecer de modo evidente em determinado momen109  Ratzenhofer, Österr. Gerichtszeitung (Viena), 1923, p. 129 e seguintes. 110  Stammler, Die Lehre vom richtlgen Reccht; Nicolau Hartmann, Ethik., 1926, p. 59; W. Burckhart, Die Organisation der Rechtsgemeinschaft, 1927, p. 14 e seguintes; B. Horvath, Zeitschrift für öffentliches Recht (Viena), VI, 1926, p. 107 e seguintes. 111  L. Strisower, Discurso de abertura pronunciado na sessão do Instituto de Direito Internacional em Viena, Annuaire de l’Institut, 1924, p. 81.

VERDROSS, Alfred. O fundamento do direito internacional. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 1-33

ma é o resultado do direito costumeiro ou dos tratados internacionais”? E ele mesmo responde: “Certamente que não, mas neste caso reconhecemos um princípio geral do direito natural como fundamento do direito internacional”.

16

também reconhecia a necessidade de fundamentar essas convenções sobre uma base acima da vontade das Partes contratantes.

Da mesma forma, a pluralidade dos sistemas morais parece opor-se à consciência de cada um deles ser o único na posse dos verdadeiros princípios, fato que induziu o Positivismo a pretender que essa consciência não é senão uma quimera e que, na verdade, há somente regras morais subjetivas.

A regra pacta sunt servanda tem duplo caráter. De um lado, é, com certeza, uma regra do direito positivo porque aceita pela prática geral dos Estados. Assim, o Protocolo muito conhecido de 17 de janeiro de 1871, da Conferência de Londres, declara solenemente: “Os plenipotenciários da Alemanha, da Inglaterra, da Áustria, da Itália, da Rússia e da Turquia, reunidos, reconhecem que há um princípio essencial do direito internacional que nenhuma potência pode livrar-se dos compromissos de um tratado nem modificar as estipulações senão depois do consentimento das Partes contratantes por meio de um Acordo amigável”. Por outro lado, a norma pacta sunt servanda tem um patamar superior ao direito positivo, porque cada regra do direito positivo, seja do direito convencional, seja do direito costumeiro que não se compõe senão de tratados tácitos, já supõe a regra pacta sunt servanda sobre a qual os tratados se baseiam. Esse pensamento não foi apenas exposto pela escola do direito natural, como já discutimos, mas igualmente reconhecido por um dos primeiros partidários da escola positivista, isto é, pelo renomado holandês Bynkershoek, que a formulou nos termos seguintes: “pacta privatorum tuetur jus civile; pacta publicorum bona fides. Hanc si tollis, tollis inter principes commercia quae orintur ex expressis pactis, quin et tollis ipsum jus gentium, quod oritur e pactis tacitis et praesumtis, quae ratio et usus inducunt116».

Todavia, a escola filosófica denominada fenomenológica resolveu criativamente o problema que parece ser antinômico, demonstrando que a tese de uma ética objetiva e aquela de sistemas morais diferentes não são contraditórias, porque cada sistema moral pode apenas abarcar uma determinada parte do mundo objetivo das ideias éticas, negligenciando as demais. Essa limitação de nossa consciência dos valores (Enge des Wertbewusstseins) explica o fato de que um sistema moral aceita como valor supremo uma ideia que outro sistema não vê absolutamente ou à qual não reconhece senão uma categoria subordinada diante de uma ideia superior que foi omitida pelo outro sistema112. Entretanto, há também ideias éticas que cada civilização reconhece. Assim, o barão Kaorff, do qual já falamos, demonstra que, no âmbito do direito internacional, “sempre existiu uma predominância marcante de ideias ou de concepções morais; estas ideias triunfam sobre a força brutal, as dominam e as controlam firmemente113”. Entre essas ideias figura o princípio fundamental das relações internacionais que foi sempre e por toda a parte o mesmo, isto é, a santidade das obrigações e dos contratos internacionais. A este respeito, diz Kaorff, jamais houve uma diferença em que essas obrigações tenham sido consideradas vinculando o Estado impessoal ou seu principal representante, o rei ou o soberano114. A força obrigatória de todas essas obrigações internacionais permaneceu exatamente a mesma desde os tempos de Ramsés ou Murdoc, de Péricles ou de Cícero até nossos dias115. Essa ideia era exatamente a mesma na base da teoria romana dos tratados internacionais, sobre os quais falamos no Capítulo II, porque 112  N. Hartmann, op. cit., p. 258 e seguintes. Do mesmo autor, Grundzüge einer Metaphysik der Erkenninis, 1925. Ver igualmente o relatório na Zeitschrift für öffentliches Retcht (Viena), VII, 1928, p. 311313. 113  Op. cit., p. 7 e seguintes. 114  Op. cit., p. 21 e seguintes. 115  Op. cit., p. 7 e seguintes.

A regra pacta sunt servanda não é uma simples norma jurídica, é também uma regra ética, isto é, um valor evidente ou que deriva logicamente de uma regra absoluta, por exemplo, da norma suum cuique. Assim, o direito positivo é, na verdade, uma classe especial no mundo dos valores, mas não está absolutamente separado de outros troncos da ordem normativa. O direito positivo é, portanto, um valor relativo, que se modifica com o desenvolvimento da civilização; mesmo assim, está fundamentado sobre o valor absoluto da ideia de justiça. Como todo valor relativo, não é valor senão em relação a um valor absoluto. Este pensamento decide igualmente o litígio científico, se há ou não uma escolha possível entre a primazia do direito nacional e a do direito internacional, porque a justiça universal se opõe à primazia do direito nacional 116  Quaestionum juris publici libri duo, II cap. IX.

VERDROSS, Alfred. O fundamento do direito internacional. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 1-33

to aquilo que é justo; outro, que esses julgamentos de diversos homens não estão sempre em harmonia. Por vezes, um considera justo aquilo que o outro condena.

17

4. A primazia do direito internacional e a concepção unitária do direito

4.1 Os recursos do direito internacional. O legislador na esfera internacional Se reconhecemos que a regra pacta sunt servanda é superior à vontade dos Estados, é fácil demonstrar que as cláusulas estabelecidas entre os Estados em virtude dessa regra lhes são igualmente superordenadas, porque a norma pacta sunt servanda obriga os Estados a se conformarem às regras criadas pelo acordo entre eles. Esse acordo pode produzir-se seja por um tratado expresso, seja por uma convenção tácita das nações, isto é, por atos concluídos pelos quais os Estados participantes deixam entrever que querem estar vinculados de uma determinada maneira118. As regras do primeiro grupo constituem o direito convencional, as do segundo grupo, do direito costumeiro. Tanto um como o outro podem introduzir também regras criadas por outro procedimento. Assim, o artigo 38 do Regulamento da Corte Permanente de Justiça Internacional obriga a Corte a aplicar subsidiariamente “os princípios gerais do direito reconhecidos pelas nações civilizadas” em sua legislação nacional. O mesmo dispositivo é encontrado nos vários tratados de arbitragem119. Portanto, não é a vontade como tal, seja a vontade de um Estado, seja a vontade comum de todos ou de vários Estados, que faz nascer o direito internacional, 117  Escolha científica sustentada ainda por Hans Kelsen em seu Cours de l’Académie de droit international, 1926, IV. No entanto, esse pensamento é apenas a consequência de seu ponto de partida relativista que nega a existência de uma justiça objetiva e absoluta, confundindo o sentimento subjetivo da justiça com a justiça em si. 118  Grotius, De fure belli ac pacis, Prolegomena § 17: “Sed sicut cujusque civitatis jura utilitatem suæ respiciunt, ita inter civitates aut omnes, aut pierasque ex consensu jura quædam nasci potuerunt...”. Bynkershœk, Quaestiones juris publici, III: “Jus gentium oritur e pactis facitis et præsumtis quæ ratio et usus inducunt”; Vattel, Le droit des gens, § 25: Este direito (costumeiro) é fundamentado no consentimento tácito ou... numa convenção tácita das nações que o observam entre elas...” Ver também Triepel, op. cit., p. 7; Moore, Digest of international law, I, 1906, p. 5. 119  Verdross, Die Verfassung der Völkerrechts gemeinschaft, 1926, p. 57 e seguintes.

mas a força obrigatória deste decorre da regra objetiva pacta sunt servanda que impõe aos Estados o respeito à palavra dada. Portanto, o direito internacional todo é superordenado aos Estados. Estes, por sua vez, lhe são subordinados, porque a cada superordenação corresponde sempre uma subordinação. Assim, a crítica da teoria dominante nos conduz à primazia do direito internacional. Entretanto, antes de desenvolver esse pensamento, convém que nos ocupemos, ainda que brevemente, de uma objeção bastante difundida. Frequentemente sustenta-se que, no âmbito do direito internacional, o legislador coincide com os sujeitos aos quais esse direito se endereça. O Estado, dizem, é igualmente legislador e sujeito do direito internacional. Contudo, esta tese está errada, pois esquece que, na realidade, as regras do direito internacional jamais são criadas por um único Estado, mas por uma comunidade de Estados. Os sujeitos do direito internacional, ao contrário, são os Estados particulares120. Além disso, os Estados-membros da comunidade internacional estão subordinados às regras dessa sociedade, criadas pela vontade geral. Não há, portanto, senão que se decidir pela primazia do direito internacional. A primazia do direito internacional é de importância fundamental para o edifício jurídico, por ser capaz de superar a pluralidade das ordens jurídicas, fornecendo uma concepção unitária do direito. 4.2 A constituição dualista do direito e o sistema unitário A doutrina ainda dominante sustenta que os diversos direitos nacionais, assim como o direito estatal de um lado e o direito internacional de outro, são círculos jurídicos fechados sem relação entre eles. Em 1914, propus chamar essa concepção de construção dualista do direito121, denominação que, infelizmente, já penetrou na doutrina, pois seria melhor dizer construção pluralista do direito, porque, para seus autores, não seria somente o direito internacional de um lado e o direito nacional de outro, mas também cada direito nacional forma um sistema isolado do qual um é inteiramente independente do outro. Em suma, a denominação “construção dualis120  Salvioli, Rivista di diritto internationale, XIV, 1921-1922, p. 20 e seguintes, p. 34 e seguintes. 121  Zeitschrift für Völkerrcht, 1914, p. 329 e seguintes.

VERDROSS, Alfred. O fundamento do direito internacional. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 1-33

que nada mais é que a negação do direito no âmbito internacional117.

18

A teoria da primazia do direito nacional, ao contrário, como já desenvolvemos e que procura fundamentar o direito internacional sobre o direito nacional, quer, na verdade, criar uma construção monista, isto é, uma construção unitária do direito. Entretanto, não atinge seu objetivo e isto por duas razões: uma consiste, como já vimos122, na impossibilidade de fundamentar o direito internacional inteiramente sobre o direito nacional. No entanto, mesmo se isto fosse possível, os diversos direitos nacionais, apesar disso, permaneceriam independentes um do outro. Contudo, a primazia do direito internacional não garante apenas a unidade do direito nacional e do direito internacional; está igualmente apta a fundamentar os diversos direitos nacionais da comunidade internacional no sistema unitário do direito. Sozinha, é capaz de fornecer diretamente uma verdadeira construção monista. Essa teoria foi recentemente atacada por uma crítica veemente123 que nos interessa particularmente, pois provém do eminente professor Triepel, o porta-voz da doutrina dualista, defendida também por nosso ilustre colega de Roma, Anzilotti124. A teoria dualista sustenta que o direito internacional e os direitos nacionais são troncos do direito inteiramente diferentes um do outro, particularmente pelas razões seguintes: 1º As fontes jurídicas do direito nacional — segundo essa teoria — diferem totalmente daquelas do direito internacional. A fonte do direito interno é a vontade de um único Estado; o direito internacional deriva da vontade coletiva de vários Estados. Da mesma maneira, o direito nacional de um Estado não tem relação jurídica alguma com o direito dos outros Estados. Portanto, é arbitrário afirmar que esses sistemas jurídicos estão fundamentados no direito internacional. Se isto fosse verdade, diz Triepel, o direito internacional deveria ter existido desde o começo do mundo ou, pelo menos, desde os tempos em que Deus expulsou do paraíso os primeiros homens. A teoria da primazia do direito inter-

122  Capítulo II. 123  Recueil des Cours de l’Académie, 1923, t. I, p. 77 e seguintes. 124  Corso di diritto internazionale, 1923, p. 30 e seguintes.

nacional é, portanto, totalmente anti-histórica125. 2º O direito internacional rege igualmente outras relações além do direito interno. Este regulamenta as relações entre os indivíduos submetidos ao Estado, assim como as relações entre os sujeitos e o Estado. Ao contrário, o direito internacional somente regulamenta as relações entre os Estados perfeitamente iguais. Disto resulta que os sujeitos são obrigados a obedecer também às regras do direito interno contrárias ao direito internacional que não vinculam senão o próprio Estado. Portanto, essas leis, ainda que em oposição às prescrições do direito internacional, são leis válidas para todos os sujeitos que a elas estão submetidos. Em poucas palavras, vamos tentar refutar estes argumentos. A tarefa nos é facilitada pelo próprio Triepel sob dois pontos de vista. Se várias fontes, diz ele inicialmente, são coordenadas uma à outra, uma dependência jurídica de uma vontade diante da outra não é possível a não ser se todas as duas forem submissas a uma terceira vontade que se impõe a elas. Por exemplo, os Estados-membros de um Estado federal dependem um do outro porque são submissos à vontade jurídica do Estado federal126. Ora, a história nos ensina que a maior parte dos Estados federais foi formada pela vontade de determinados Estados até então soberanos. Da mesma maneira, a teoria da primazia do direito internacional não afirma absolutamente que na história o direito positivo dos povos se tenha desenvolvido antes do direito interno; diz apenas que desde o nascimento da comunidade internacional, o direito internacional é superordenado aos direitos internos. Triepel confunde assim uma categoria histórica com uma categoria lógica e jurídica. É, portanto, uma petição de princípios afirmar que entre o direito interno e o direito internacional é impossível uma relação de justaposição. De resto, essa tese está também em contradição com o ponto de partida da teoria triepeliana que distingue claramente a vontade comum dos Estados da vontade dos Estados particulares, admitindo que a primeira é capaz de impor aos membros da comunidade internacional regras obrigatórias de conduta127. Entretanto, essa vontade comum, formada sobre a base da norma primária pacta sunt servanda, é precisamente a vontade sobreposta aos Estados 125  Op. cit. , p. 87. 126  Op. cit., p. 103. 127  Op. cit., p. 82.

VERDROSS, Alfred. O fundamento do direito internacional. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 1-33

ta” pode ser mantida, visto que se trata inicialmente de destacar a independência recíproca do direito internacional e do direito nacional.

19

Daí resulta que é impossível tratar o direito internacional e o direito interno assim como os diversos direitos nacionais da comunidade internacional como sistemas jurídicos absolutamente separados, visto que se encontram numa relação de dependência recíproca que é uma relação de subordinação do direito interno perante o direito internacional e, consequentemente, uma relação de coordenação entre os diversos direitos nacionais. Portanto, não é justo afirmar, como expõe Triepel, por exemplo, que o direito sueco não tem relação jurídica alguma com o direito japonês128. Na verdade, essa relação existe pelo fato de sua subordinação comum ao direito internacional. Do momento em que há essa subordinação, os Estados deixam de ser totalmente livres e fazem parte do sistema jurídico da comunidade internacional. Sem dúvida, conservam ainda nesse âmbito uma liberdade muito ampla, mas esta liberdade não é mais juridicamente ilimitada, porque restrita pelas regras do direito internacional. Contudo, uma liberdade que depende de regras estabelecidas por uma comunidade superior não é senão uma liberdade limitada, isto é, uma competência conferida pelo direito sobreposto. Esse pensamento, agora, está aprovado pelo artigo 15, alínea 8 do Pacto da Sociedade das Nações, que fala dos desacordos sobre uma questão “que o direito internacional deixa à competência exclusiva” de um Estado em litígio. Por esse dispositivo, o Pacto reconhece claramente que a liberdade dos Estados, mesmo sua atividade, que é da competência exclusiva da legislação nacional, deriva do direito internacional129. É, portanto, com razão que o eminente jurisconsulto Lapradelle, advogando diante da Corte de Justiça Internacional, compara a competência exclusiva dos Estados às declarações de direito pelas quais os indivíduos veem ser reservados um certo número de privilégios intangíveis sobre os quais não terá ação a lei majoritária dos diferentes Parlamentos. Além disso, nas Constituições de determinados Estados na forma federativa, há direitos que são direitos reservados130. Todavia, 128  Op. cit., p. 87. 129  Verdross, Die Verfassung der Völkerrechts gemeinschaft, p. 173 e seguintes. 130  Publications de la Cour, série C, n. 2, p. 71.

como esses direitos em sua condição de direitos positivos só existem em virtude da Constituição do Estado, assim toda a esfera de atividade do Estado nada mais é que uma competência sobre a base do direito internacional. Disto resulta claramente que as ordens jurídicas dos Estados-membros da comunidade internacional dependem em última instância do direito internacional. Portanto, impõe-se a concepção unitária do direito. No entanto, para passar ao segundo argumento da doutrina por nós combatida, Triepel afirma que o domínio de uma fonte jurídica sobre outra se apresenta sob duas formas. Num primeiro caso, a fonte jurídica sobreposta limita a competência da fonte subordinada. Concede a ela ou recusa, num determinado limite, a capacidade de criar regras válidas. Estas são, portanto, nulas se ultrapassam os limites estabelecidos pela regra dominante131. No outro caso, “é possível, diz Triepel, que a fonte preponderante, em vez de decidir sobre a capacidade da vontade jurídica subordinada, lhe dê ordens relativas à criação de um direito. Pode dar-lhe a ordem de regulamentar determinadas matérias, proibi-la de legislar em determinadas direções sem que a violação da interdição traga com ela a nulidade132”... Ora, Triepel considera que esse tipo de subordinação é característico para a relação do direito interno em relação ao direito internacional; o melhor exemplo para o primeiro seria, ao contrário, fornecido pelos dispositivos das constituições federais que recusam aos Estados-membros a capacidade de criar um direito nas matérias para as quais a competência legislativa é de exclusividade do Estado federal133. E justamente essa diferença entre as relações do direito internacional com o direito interno, de um lado, e do direito federal com o direito dos Estados-membros de outro, é, segundo Triepel, a causa decisiva do fato de que “o dever de obediência dos sujeitos perante a lei do Estado é absoluto, qualquer atitude que tome essa lei perante o direito internacional, enquanto um ato de um Estado-membro pode ser devido à validade pela Constituição do Estado federal, porque os sujeitos do Estado-membro são também sujeitos do Estado federal134”. Com efeito, não se duvidaria que, para assegurar a legalidade dos atos jurídicos, existem garantias diversas. Entre elas figuram os dispositivos que declaram os atos irregulares seja como ipso jure nulos, seja anuláveis por 131  Op. cit., p. 103 e seguintes. 132  Op. cit., p. 104 e seguintes. 133  Op. cit., p. 103 e seguintes. 134  Op. cit., p. 104.

VERDROSS, Alfred. O fundamento do direito internacional. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 1-33

coordenados que apenas são iguais por sua subordinação igual ao direito internacional.

20

Ora, a posição das leis do Estado contrárias ao direito internacional é exatamente a mesma. É verdade que obrigam os sujeitos assim como as leis conformes ao direito internacional, mas essa validade é igualmente relativa e provisória, porque o Estado lesado está autorizado pelo direito internacional a exigir que esses atos sejam anulados. E o Estado do qual provém o ato irregular está internacionalmente obrigado a conformar sua legislação, até mesmo sua Constituição às prescrições do direito internacional. A prática internacional confirma essa regra. Assim, Van Eysinga atraiu a atenção sobre a troca de notas entre o governo dos Países Baixos e a Santa Sé, em 1852135. Os fatos são os seguintes: a revisão da Constituição de 1848 introduziu a liberdade absoluta para as comunidades religiosas terem a organização que lhes conviesse. A Concordata de 1827, por sua vez, partia de ideias opostas ao princípio da separação da Igreja e do Estado. Ora, o Núncio Apostólico propôs em sua nota de 23 de junho de 1852 que a Concordata de 1827 permanecesse sem execução ao lado da nova organização da Igreja pela Constituição dos Países Baixos. Todavia, o governo holandês recusou esse ponto de vista. Em 14 de agosto de 1852, respondeu: “Se, de um lado, os princípios da lei fundamental permitem a livre organização dos assuntos religiosos dos diferentes cultos, de outro, esses princípios não levam em consideração as convenções existentes entre o Estado e tais cultos, e a adoção da 135  Revue de droit international et de législation comparée, I, 1920, p. 143 3 seguintes. Ver igualmente Garner, op. cit., p. 44 e seguintes; Politis, op. cit., p. 37 e seguintes.

lei fundamental não poderia a esse respeito ser derrogada. Se havia convenções similares, quando da adoção da lei fundamental atual, estas dominam os dispositivos fundamentais e restringem e suspendem a aplicação. Ao lado de outra apreciação, o Estado poderia unilateralmente livrar-se de seus compromissos, modificando a Constituição. Caso contrário, a outra parte ficaria reciprocamente comprometida pelas mesmas convenções e não poderia invocar os dispositivos fundamentais nem aplicá-los em detrimento dos compromissos contraídos sem que previamente as duas partes estivessem concertadas a esse respeito, seja expressa, seja tacitamente”. Em sua resposta, o Núncio declarou em 17 de setembro de 1852 que “a Santa Sé reconhecia e aceitava o princípio enunciado pelo governo dos Países Baixos, referente à força das concordatas, princípio fundamentado no direito público, e que a Santa Sé sempre havia sustentado que as concordatas têm valor superior às leis ainda que fundamentais do Reino”. Outro litígio da mesma natureza surgiu em 1919 entre a Alemanha, de um lado, e as Potências Aliadas e Associadas, do outro136. Essas Potências constataram que os dispositivos da segunda alínea do artigo 61 da nova Constituição alemã constituem uma violação do artigo 80 do Tratado de Versalhes. A Alemanha, ainda que interpretasse o artigo 61 de maneira compatível com o Tratado de Paz, não hesitou em declarar que, se a Constituição e o tratado estavam em contradição, a Constituição não poderia prevalecer. A Constituição alemã reconhece pelo artigo 178 que “as cláusulas do Tratado de Versalhes não poderiam ser afetadas pela Constituição”, artigo que foi inserido para evitar antecipadamente qualquer contradição possível entre as regras da Constituição e as condições do Tratado de Paz. No entanto, apesar desse dispositivo expresso do direito interno, as regras do direito estatal contrárias ao direito internacional não são consideradas como ipso jure nulas. Todavia, esse fenômeno não se opõe absolutamente à concepção unitária do direito, não sendo inicialmente, como vimos, uma singularidade da relação do direito interno frente ao direito internacional. Não é tampouco uma necessidade, mas unicamente uma consequência do direito positivo atual. Em outras palavras: o fato de que as regras do direito interno contrárias ao direito internacional vinculam os sujeitos é apenas con136  Kraus et Rödiger, Urkunden zum Friedensverirag, II, 1921, p. 808 e seguintes.

VERDROSS, Alfred. O fundamento do direito internacional. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 1-33

determinados órgãos. Entretanto, essa diversidade não separa absolutamente a relação do direito interno frente ao direito internacional daquela do direito federal perante o direito dos Estados-membros, porque também no âmbito do direito federal um ato de um Estado-membro pode ser válido, ainda que exceda a competência que lhe foi conferida pela Constituição federal. Assim, segundo a Constituição federal da República da Áustria, toda lei de um Estado-membro é válida ainda que ultrapasse os limites de sua competência. Mesmo o juiz, embora seja um órgão federal, deve aplicá-la. No entanto, o governo federal tem o direito de solicitar à Corte Constitucional a cassação dessas leis irregulares. Portanto, não são nulas como tais, mas sujeitas à anulabilidade. Permanecem assim provisoriamente em vigor até o momento de sua cassação pela Corte Constitucional.

21

Portanto, se afirmamos que o Estado tem a competência da competência, isto só é verdade em senso restrito, isto é, em relação a seus órgãos e aos sujeitos que se encontram em seu território. No entanto, a competência da competência absoluta está em poder da comunidade internacional138, que é a única capaz de modificar todas as competências das comunidades subordinadas. Consequentemente, a concepção unitária do direito é inevitável.

5. Funcionamento do direito internacional 5.1 A hierarquia dos atos jurídicos. As regras gerais A concepção unitária do direito internacional de que já falamos está demonstrada finalmente pelo funcionamento do próprio direito internacional. Isto porque o direito internacional em seu sentido tradicional, isto é, as regras do direito costumeiro e convencional que regularmente se direcionam somente aos Estados e não aos órgãos ou sujeitos particulares, não podem penetrar na vida senão por intermédio dos atos do Estado ou de outros atos jurídicos. Têm, portanto, necessidade desses atos inferiores para cumprir seu dever. 137  Garner, Recent developments in international law, 1925, p. 30 e seguintes; Polits, Le problème des limitations de la souveraineté, Recueil des Cours de l’Académie, 1925, I, t. 6. 138  G. Scelle, Essai de systématique du droit international, Revue générale de droit international public, XXX, 1925, p. 116 e seguintes.

De resto, essa verdade é afirmada pela própria doutrina dualista. Desta forma, Triepel a admite com razão: “para cumprir sua tarefa, o direito internacional é constantemente obrigado a recorrer ao direito interno. Sem ele, é totalmente impotente. Assemelha-se a um marechal que dá suas ordens aos chefes das tropas e não pode atingir seu objetivo se não estiver seguro de que os generais, conformando-se a suas instruções, darão novas ordens àqueles que lhes são subordinados. Se os generais se recusam, ele perde a batalha. E, assim como uma ordem do marechal provoca dezenas de ordens posteriores da parte dos subordinados, assim uma só regra do direito internacional produz, às vezes, uma quantidade de normas do direito interno que todas se reduzem a uma apenas: realizar o direito internacional na vida interior do Estado139”. Entretanto, Triepel não extrai as consequências dessa verdade. Não percebe que essa conexão necessária do direito internacional com o direito interno está em total contradição com a doutrina dualista. Assim, nos conduz, na verdade, como Moisés até as fronteiras da terra prometida, mas sem entrar na estrutura do sistema unitário. Permanece como partidário da doutrina dualista ainda que tenha contribuído fortemente para a vitória da concepção unitária. Esse fenômeno que parece curioso pode ser explicado por duas razões. Inicialmente, o ponto de partida da construção dualista baseia-se no preconceito da doutrina tradicional de que o direito está contido inteiramente nas regras gerais (leis, convenções, costumes). De fato, o direito forma uma pirâmide de atos jurídicos, sejam abstratos ou gerais, sejam concretos ou individuais140. No topo desse edifício está a regra fundamental que tem por função instituir a autoridade suprema criadora do direito positivo. É a regra pacta sunt servanda que designa como lei positiva suprema os pacta concluídos entre Estados, isto é, regras estabelecidas pela vontade coletiva de Estados que se manifestam por meio dos acordos expressos ou tácitos. Entretanto, essas regras constituem somente as etapas superiores da regulamentação jurídica porque delas 139  Op. cit., p. 106. 140  A. Merkl, Die Lehre der Rechtskraft, 1923; Kelsen, Aperçu d’une théorie générale de l’État (tradução francesa por Ch. Elsenmann), p. 64 e seguintes; Verdross, Die Verfassung der Völkerrechtsgemeinschaft, p. 42 e seguintes; Nawiasky, Zeitschrift für öffentliches Recht, Viena, VI, (1927), p. 488 e seguintes.

VERDROSS, Alfred. O fundamento do direito internacional. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 1-33

sequência do direito internacional atualmente em vigor que, de modo geral, não obriga os sujeitos direitamente, mas declara os Estados competentes para criar regras que se impõem aos sujeitos de seus respectivos territórios. Contudo, nada impediria o direito internacional de restringir tal competência dos Estados e dirigir-se diretamente aos sujeitos. Na realidade, ele já o faz em determinados limites e as necessidades da vida internacional imporão, sem dúvida, outras reduções do âmbito reservado ainda aos Estados137. Todavia, se a extensão da competência dos Estados depende do conteúdo do direito internacional, se varia com a mudança desse direito, é evidente que essa competência está fundamentada, a partir do momento da existência do direito positivo dos povos, sobre tal direito.

22

Ora, as regras costumeiras ou convencionais do direito internacional são regularmente executadas por atos estatais, seja por leis ou regulamentos complementares, seja por atos administrativos ou judiciários. O direito internacional, portanto, não é uma classe isolada no âmbito jurídico; não está de forma alguma separado dos outros ramos do direito. Na verdade, coexiste com o direito interno e não forma senão um degrau elevado na pirâmide das regras jurídicas do sistema unitário. No entanto, a construção dualista está ainda contaminada por outro erro, porque os Estados não realizam nem concretizam sempre o direito internacional. Ao lado dessa esfera de execução das regras gerais do direito internacional, há outros caminhos ainda negligenciados pela doutrina dominante, a saber, uma esfera de atos executivos por organismos internacionais. Esses funcionários podem ser de órgãos legislativos, executivos ou judiciários. Sua competência pode desenvolver-se em um país que não é o território de um Estado ou no território de um Estado. Assim, a Comissão de Governo da Bacia do Sarre tem, de acordo com o anexo aos artigos 45-50 do Tratado de Versalhes, todos os poderes de governo pertinentes anteriormente ao Império alemão, à Prússia e à Baviera, incluindo o de nomear e exonerar os funcionários e criar órgãos administrativos e representativos que considere necessários. Tem igualmente plenos poderes para administrar e explorar as ferrovias, canais e os diferentes serviços públicos. As leis e regulamentos 141  Kelsen, op. cit. , p. 68.

em vigor sobre o território da bacia do Sarre desde 11 de novembro de 1918 certamente continuarão sendo aplicados. Entretanto, se por motivos de ordem geral ou para colocar tais leis e regulamentos de acordo com as cláusulas do Tratado de Versalhes, fosse necessário fazer modificações, estas seriam decididas e efetuadas pela Comissão de Governo, após opinião dos representantes eleitos pelos habitantes, depois na forma que a Constituição decidir. Além disso, os tribunais civis e criminais existentes no território da bacia do Sarre até a entrada em vigor do Tratado de Versalhes são mantidos. Todavia, esse tratado autoriza a Comissão de Governo a constituir uma corte civil e criminal para julgar em apelação as decisões assumidas pelos referidos tribunais e estatuir sobre as matérias que esses tribunais desconheciam. Essa Corte julga em nome da Comissão de Governo, por sua vez, composta de cinco membros nomeados pelo Conselho da Sociedade das Nações e compreende um membro francês, um membro originário e habitante do território da bacia do Sarre e três membros indicados por três países, além da França e da Alemanha. Os membros da Comissão de Governo são nomeados por um ano e seu mandato pode ser renovado. Os mandatos poderão ser revogados pelo Conselho da Sociedade das Nações que, no caso, providenciará sua substituição. Entretanto, a soberania da Alemanha sobre esse território está reservada porque, conforme o artigo 49 do Tratado de Versalhes, renunciou somente em favor da Sociedade das Nações como fideicomissária, ao governo desse território por um período de 15 anos, a partir da entrada em vigor do mesmo tratado. Ao término desse prazo, a população do território da bacia do Sarre será convidada a manifestar sua vontade da seguinte forma: um voto ocorrerá por prefeitura ou por distrito e sobre as alternativas seguintes: a) manutenção do regime estabelecido pelo Tratado de Versalhes; b) união com a França; c) união com a Alemanha. A Sociedade das Nações decidirá, então, sob qual soberania o território ficará, levando em consideração o desejo expresso pelo voto da população142.

142  Sobre o estatuto internacional da bacia do Sarre, ver especialmente: Wehberg, Die Staats-und Völkerrechtliche Stellung des Saar gebietes, 1924; Frank, Archiv des öffentlichen Rechts, 43º volume, 1922, p. 20 e seguintes; Redslob, Revue de droit international de sciences diplomatiques, politiques et sociales (Genebra), III, 1925, p. 283 e seguintes; do mesmo autor: Théorie de la Société des Nations, 1927, p. 131 e seguintes; Verdross, die Verfassung der Völkerrechtegemeinschaft, p. 77 e seguintes.

VERDROSS, Alfred. O fundamento do direito internacional. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 1-33

dependem outras regras subordinadas. Desta forma, o direito interno dos Estados está baseado em regras costumeiras do direito internacional que limitam a competência dos Estados. As regras estatais, no entanto, formam também entre si uma hierarquia de atos jurídicos superpostos e subordinados. A simples lei é subordinada à Constituição do Estado. Num patamar mais baixo vêm as prescrições ou regulamentos que contêm ainda regras gerais. No entanto, como todo dispositivo geral é abstrato, ao final deve ser individualizado. É preciso estabelecer se o fato previsto in abstracto pela regra geral existe in concreto e, na afirmativa, aplicar, isto é, inicialmente ordenar e, em seguida, fazer aplicar a sanção prescrita igualmente in abstracto141. Este é o papel dos atos judiciários, como aquele das decisões das autoridades administrativas. Ambos concretizam e realizam as regras gerais pelas regras individuais.

23

Portanto, estamos na presença de regras jurídicas gerais e individuais estabelecidas por um órgão internacional que obrigam diretamente as pessoas desse território. Um organismo internacional de gênero semelhante, embora de competência mais restrita, é a Comissão Europeia do Danúbio Marítimo. “O ato do Congresso de Viena — diz o artigo 15 do Tratado de Paris, de 30 de março de 1856 — tendo estabelecido os princípios destinados a regulamentar a navegação dos rios que separam ou atravessam vários Estados, as Potências contratantes estabelecem entre elas que, no futuro, esses princípios serão igualmente aplicados ao Danúbio e a suas embocaduras. Declaram que esse dispositivo doravante faz parte do direito público da Europa e o assumem sob sua garantia”. Para garantir a aplicação de seus princípios, o Tratado de Paris instituiu duas comissões: uma é temporária e a outra, permanente. Esta foi encarregada de elaborar as normas de navegação e de policiamento fluvial, de fazer desaparecer os entraves de qualquer natureza que se opunham ainda à aplicação dos dispositivos do Tratado de Viena ao Danúbio; de ordenar e de fazer executar os trabalhos necessários ao longo de todo o percurso do rio; enfim, de controlar, após a dissolução da comissão temporária, a manutenção da navegabilidade das embocaduras do Danúbio e das partes vizinhas do mar. E o Tratado de Berlim, de 13 de julho de 1878, declarou em seu artigo 53 que a Comissão Europeia do Danúbio, na qual a Romênia estaria representada, exerceria a partir de então suas funções até o Galatz, numa completa independência da autoridade territorial. No momento, exerce novamente, conforme o artigo 346 do Tratado de Versalhes, os poderes que tinha antes da guerra. Todas as vezes e provisoriamente, os representantes da Grã-Bretanha, da França, da Itália e da Romênia, somente estes, fazem parte dessa Comissão. A competência da Comissão Europeia do Danúbio abarca os poderes legislativo, executivo e judiciário. Visto que emite as normas da polícia fluvial e da navegação, manda executar os trabalhos necessários e decide sobre os litígios concernentes às

infrações às normas fluviais. É, portanto, da mesma forma um órgão internacional competente para estabelecer regras jurídicas, gerais e individuais, diretamente aplicáveis aos indivíduos143. No entanto, existem também órgãos internacionais aos quais incumbe regularmente apenas uma administração e jurisdição indiretas. Esta é, por exemplo, a competência da Comissão Internacional do Danúbio fluvial, organizada pelo artigo 347 do Tratado de Versalhes, assim como da Comissão Internacional do Elba, instituída pela Convenção de 22 de fevereiro de 1922. Estão encarregadas de zelar pela manutenção da liberdade de navegação e pelo bom estado de conservação da via navegável, assim como por sua melhoria; de se pronunciar sobre as reclamações derivadas das aplicações da referida convenção; de constatar se as tarifas correspondem às condições estabelecidas; de se pronunciar sobre intimações que são encaminhadas, assim como de proceder a todos os inquéritos e inspeções que julgar úteis por meio de pessoas que designarão para isso144. Em todos os casos analisados, trata-se de órgãos internacionais competentes no território de um determinado Estado. Todavia, como qualquer órgão internacional é órgão de uma determinada comunidade de Estados, estamos, pois, diante do fato de que uma comunidade de Estados exerce uma competência sobre o território de um Estado por intermédio de um órgão internacional. Se essa competência da comunidade internacional exclui todas as atividades do Estado soberano sobre esse território, fala-se de um coimperium. Assim, antes de 1908, a Áustria-Hungria exercia somente o coimperium sobre a Bósnia e Herzegovina, pois esses países, até o momento da cessão pela Turquia, permaneceram sob a soberania desse país. Da mesma maneira, a competência da Sociedade das Nações na Bacia do Sarre nada mais é que um coimperium. A Alemanha, atualmente, está despojada de todos seus direitos sobre esse território, mas a soberania alemã está preservada. A Sociedade das Nações é a fideicomissária até a decisão definitiva. Entretanto, existem também países que não estão sob o domínio de um Estado, mas de uma comunidade de Estados mais ou menos ampla. É o caso dos condo143  Verdross, Die Verfassung der Völkerrechts gemeinschaft, p. 80 e seguintes. 144  Zeitschrift für Internationales Recht, XXXII, 1924, p. 287 e seguintes.

VERDROSS, Alfred. O fundamento do direito internacional. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 1-33

Eis um exemplo para uma parte de um território de um Estado governado agora por um órgão internacional. Nesse caso, a execução do tratado não é mais confiada a um Estado, mas a uma comunidade internacional parcial, a saber, a Sociedade das Nações que, para exercer essa competência, se serve de um organismo internacional.

24

Com efeito, a existência de qualquer órgão comum supõe que duas ou várias ordens jurídicas sejam isoladamente capazes de conferir às mesmas pessoas uma determinada competência. Assim, dois Estados podem conferir a competência de chefe de Estado (rei ou imperador) ao mesmo homem ou à mesma família porque cada um deles é competente para criar para si essa função. É o caso da união pessoal que poderia existir igualmente em relação aos órgãos subordinados. Por exemplo, dois municípios de Estados distintos situados na fronteira poderiam nomear a mesma pessoa como representante. Se, ao contrário, uma determinada competência não incumbe a cada Estado, mas a vários Estados juntos, estes só podem exercer a função por meio de um órgão internacional, isto é, um órgão que não seja órgão comum desses Estados, mas órgão da comunidade Internacional composta desses Estados146. Um país cedido a dois Estados não é, portanto, um território de cada um deles; é um território sob a competência de uma comunidade internacional parcial. Uma forma especial de tal condomínio encontra-se nos Mandatos da Sociedade das Nações. Essa sociedade está fundamentada no artigo 22 do Pacto que foi inspirado nas ideias do General Smuts, Primeiro-ministro da União Africana, que elaborou para a Conferência da Paz em Paris um projeto conhecido como Projeto dos Mandatos. Seguindo essas ideias, o presidente Wilson propôs as cláusulas que figuram no artigo 22 do Pacto. Esse artigo dispõe que a tutela das colônias e territórios que, após a guerra deixaram de estar sob o domínio dos Estados que as governavam anteriormente e que são habitados por povos ainda não capazes de dirigirem 145  Anzilotti, Corso di diritto internazionale, p. 163; Neumeyer, Wörterbuch des Völkerrechts, I, p. 5 e 9; Kelsen, op. cit., p. 37. 146  Verdross, Staatsgebiet, Staatengemeinschaftsgebiet und Staatengebiet dans Niemeyers Zeitschrift für Internationales Recht,XXXVII, 1927, p. 293 e seguintes.

a si mesmos nas condições particularmente difíceis do mundo moderno, será confiada às nações desenvolvidas; estas exerceriam a tutela na qualidade de Mandatário e em nome da Sociedade das Nações. Contudo, o artigo 119 do Tratado de Versalhes declara: “A Alemanha renuncia em favor das Principais Potências aliadas e associadas a todos seus direitos e títulos sobre seus bens de além-mar”. O artigo 119 parece estar, pois, em plena contradição com o artigo 22 do Pacto. Ora, é evidente que, conforme o artigo 119, a soberania sobre esses territórios foi transferida para as Principais Potências. Estas, entretanto, eram obrigadas pelo artigo 22 do Pacto a transformar esses países em Mandatos da Sociedade das Nações. De fato, concluíram tratados com os Estados Mandatários confirmados pelo Conselho da Sociedade das Nações, cujo preâmbulo reza: “O Conselho da Sociedade das Nações, - Considerando que as Principais Potências aliadas decidiram que o Mandato sobre os territórios citados acima seria conferido ao Governo (por exemplo, da República Francesa) que o aceitou; - Considerando que o Governo da República Francesa se compromete a exercer o referido Mandato em nome da Sociedade das Nações; - Confirmando o referido Mandato, estatuiu nos termos como segue:...” Por esses Tratados dos Mandatos, as Principais Potências abriram mão de sua soberania em favor da Sociedade das Nações. Entretanto, a Sociedade não pode exercer essa competência por intermédio de um órgão qualquer, visto que a administração direta é competência dos Mandatários em nome e sob a vigilância da Sociedade. O caráter de todos os Mandatos, na verdade, não é o mesmo. Difere de acordo com o grau de desenvolvimento do povo, a situação geográfica do território, suas condições econômicas e tantas outras circunstâncias similares. Distinguem-se três tipos de Mandatos: Mandatos A, B e C. No entanto, em todos os casos, os territórios situados sob Mandato são totalmente distintos do território do Estado Mandatário. Da mesma forma, o estatuto dos habitantes autóctones de um território sob Mandato é distinto daquele dos nacionais da Potência Mandatária e não poderia ser assimilado a esse estatuto por decisão alguma de âmbito geral. Os habitantes

VERDROSS, Alfred. O fundamento do direito internacional. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 1-33

mínios. A doutrina tradicional considera que um condomínio é um território sob o domínio comum de dois ou mais Estados, portanto, submetido a regras de diferentes Estados, criadas por um órgão comum145. Todavia, essa construção confunde duas noções que devem ser esclarecidas: a noção de órgão comum e a de órgão internacional.

25

Desta forma, o Mandatário não age senão em nome e sob o controle da Sociedade das Nações. Redslob destacou especialmente um fenômeno análogo na história da Suíça, pois os Confederados Suíços tinham o costume de ter como regentes das terras que lhes pertenciam em comum governadores nomeados alternadamente por um dos codetentores147. E Le Fur ressalta que as atribuições executivas federais são frequentemente confiadas a um dos Estados Confederados, seja sempre o mesmo, seja sucessivamente um dos Estados mais importantes148. Desse modo, os territórios sob Mandato são países de uma Comunidade de Estados, isto é, da Sociedade das Nações, administrados, entretanto, por um Estado Mandatário149. 5.2 A competência de estabelecer as regras do direito interno Assim, não é verdade, como garante a teoria tradicional, que as regras obrigatórias para os órgãos e sujeitos são criadas somente pelos Estados. Os casos de coimpérios e de condomínios nos mostram que a competência de estabelecer as regras jurídicas internas pode ser também de uma Comunidade de Estados mais ou menos vasta. Regularmente, de fato, a Comunidade Internacional cria apenas regras gerais do direito internacional e confia a execução dessas regras aos Estados. Entretanto, de forma excepcional, uma Comunidade de Estados esta147  Bulletin de l’Institut Intermédiaire International, XV, 2, 1926, p. 287. 148  Etat fédéral et confédération d’États, 1896, p. 525. 149  Sobre os mandatos, ver, sobretudo: Schüking et Wehberg. Die Satzung des Völkerbundes, 1924, p. 680 e seguintes; Baty no British year book of international law, 1921-1922, p. 109 e seguintes; Bilesky na Zeitschrift für Völkerrecht, XII, 1923, p. 65 e XIII, 1924, p. 77 e seguintes; Diena, no Recueil des Cours de l’Académie de Droit International, t. 5, 1924, IV, p. 215 e seguintes; Redslob, op. cit.; Wright no American Journal of international law, XVII, 1923, p. 691 e seguintes e XVIII, 1924, p. 786 e seguintes; Verdross, op. cit., p. 212 e seguintes.

belece igualmente as regras que se referem diretamente aos particulares de um determinado território. Consequentemente, é preciso distinguir, de início, no âmbito internacional, as comunidades que governam a si mesmas, isto é, os Estados, dos territórios que são governados por uma comunidade de Estados. Entretanto, existe ainda um terceiro tipo de comunidades. Elas se governam, de fato, mas esse governo está sob um determinado controle de uma comunidade de Estados. Assim, a cidade de Dantzig é realmente uma cidade livre. Governa a si mesma. Todavia, sua constituição é elaborada por representantes da cidade livre, regularmente designados de acordo com um Alto Comissariado da Sociedade das Nações (artigo 103 do Tratado de Versalhes). A cidade livre de Dantzig não está, portanto, somente limitada pelas regras gerais do direito internacional, como qualquer Estado; está também sob a proteção e a garantia da Sociedade das Nações, exercidas em primeira instância por um órgão executivo da Sociedade, o Alto Comissariado. Resulta disso que existem duas esferas de execução das regras gerais do direito internacional. Regularmente não há senão uma execução indireta, porque o direito internacional só funciona normalmente por intermédio dos Estados subordinados que são obrigados a criar por seus próprios órgãos os atos jurídicos necessários para concretizar as regras abstratas do direito internacional. Contudo, em caráter excepcional, há também uma execução direta do direito internacional pelos órgãos próprios de uma comunidade internacional. Um grupo importante dos órgãos internacionais é também compreendido pelas comissões e tribunais de arbitragem, especialmente pela Corte Permanente de Arbitragem e pela Corte Permanente de Justiça Internacional, ambas em Haia. E a própria Sociedade das Nações é um grande organismo internacional cuja atividade se exerce pela Assembleia e pelo Conselho, assistidos por um Secretariado Permanente, assim como por várias comissões e organizações técnicas. De fato, a Sociedade das Nações não exerce na esfera legislativa outro papel senão o de uma conferência ou um congresso internacional, isto é, apenas deve provocar a conclusão dos acordos que, para se tornarem obrigatórios, precisam ainda ser ratificados pelos Estados contratantes. Entretanto, nas esferas executiva e judiciária, a Sociedade das Nações tem cer-

VERDROSS, Alfred. O fundamento do direito internacional. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 1-33

autóctones de um território sob Mandato não adquirem, portanto, a nacionalidade da Potência Mandatária. A esta incumbe apenas a competência claramente definida pelo artigo 22 do Pacto e pelos Tratados dos Mandatos. Cada Mandato deve, por sua vez, enviar uma relação anual concernente aos territórios sobre os quais têm responsabilidade, e uma Comissão Permanente está encarregada de receber e examinar tais relatórios e de apresentar ao Conselho sua opinião sobre todas as questões relativas à execução dos Mandatos.

26

150  Ver Verdross, op. cit.,p. 114 e, sobretudo, D. Schindler, Die Verbindlichkelt der Bershlüsse der Völkerbundes, 1927, Schweizerische Vereinigung für internaionales Recht, nº 20.

Essa grande parte dos atos internacionais administrativos e judiciários não é concebível com a doutrina dualista que somente vê de um lado as regras gerais do direito internacional e de outro, o direito estatal. A concepção unitária, ao contrário, abraça sem dificuldade todos esses ramos do direito, reconhecendo que cada um é somente uma etapa da regulamentação jurídica no movimento da criação das regras do direito, cujo conjunto constitui o sistema universal.

6. As duas noções da soberania do Estado 6.1 A soberania absoluta Nosso caminho nos conduziu através dos vários obstáculos à concepção unitária do direito sobre a base do direito internacional. Entretanto, o triunfo final dessa concepção não parece garantido, visto que um dogma da teoria tradicional a isto se opõe, dogma que serviu de diretriz para toda a vida internacional durante o século XIX. Os Estados são, conforme uma doutrina muito divulgada, pessoas soberanas não submetidas ao império do direito senão na medida em que querem reconhecê-lo. A soberania do Estado, na verdade, não é, conforme essa doutrina, o poder sem limite; é somente a capacidade de determinar-se151. No entanto, os limites jurídicos traçados pela vontade soberana não são absolutos. O Estado pode libertar-se de qualquer obrigação jurídica que impôs a si mesmo. “O desenvolvimento histórico da soberania mostra — como afirma o renomado sábio G. Jellinek152 — que esta implica a negação de qualquer subordinação ou limitação do Estado por outro poder. O poder soberano do Estado é, portanto, um poder que não conhece nada superior acima dele; é, pois, ao mesmo tempo poder independente e supremo. O primeiro sinal característico revela-se, sobretudo, externamente, nas relações do Estado soberano com outras potências; o segundo revela-se internamente, na comparação com as pessoas que lhe são submissas. Todavia, estes dois sinais característicos estão ligados entre si indissoluvelmente.» O 151  G. Jellinek, Die Lehre von den Staatenverbindungen, p. 30 e seguintes. 152  Allgemeine Staatslehre, 3ª edição, 1911, p. 175 e seguintes.

VERDROSS, Alfred. O fundamento do direito internacional. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 1-33

ta competência que lhe é própria150. Especialmente seus dois órgãos principais, a Assembleia e o Conselho, podem votar imediatamente em decisões obrigatórias sem que haja necessidade de ratificação pelos respectivos Estados. Por exemplo: conforme o artigo 1º, alínea 2 do Pacto, a admissão de novos membros pode ser decidida pelos dois terços da Assembleia. Segundo o artigo 22, alínea 8 do Pacto, o Conselho estabelece o grau de autoridade a ser exercido pelo Mandatário. O artigo 16, na última alínea, dispõe que a exclusão da Sociedade é decidida pelo Conselho. Decide também, em segunda instância, sobre os litígios entre a cidade livre de Dantzig e a Polônia; nomeia e demite os membros da Comissão de Governo da Bacia do Sarre; decidirá sobre a soberania desse país, levando em consideração o desejo expresso pelo voto da população. Conforme o artigo 4º do Tratado de Locarno, o Conselho constata se foi cometida violação ou contravenção aos artigos 42 e 43 do Tratado de Versalhes. No caso em que um poder contratante se recusar a conformar-se aos métodos de regulamentação pacífica previstos pelo artigo 3º do mesmo tratado, “o Conselho proporá medidas a serem tomadas; as Altas Partes Contratantes se conformarão a essas proposições”. Portanto, têm na realidade o caráter de uma decisão. Uma Convenção concluída em Lausanne, em 24 de julho de 1923, ao mesmo tempo que o Tratado de Paz com a Turquia concernente ao direito de passagem nas Dardanelles, no Mar de Marmara e no Bósforo, constituiu uma Comissão Internacional dos Estreitos e a responsabilidade da missão de garantir a observância dos dispositivos relativos à passagem dos navios de guerra e aeronaves militares. Esta Comissão exerce sua missão sob os auspícios da Sociedade das Nações à qual deve encaminhar todo ano um relatório prestando contas do cumprimento de sua missão e fornecendo todas as informações úteis sob o ponto de vista do comércio e da navegação. Todavia, se uma violação dos dispositivos da liberdade de passagem, um ataque ou medida ou qualquer ato de guerra ou ameaça de guerra viessem colocar em perigo a liberdade de navegação pelos estreitos ou a segurança das zonas desmilitarizadas, as Altas Partes Contratantes e, em todos os casos, a França, a Grã-Bretanha, a Itália e o Japão são obrigados a impedir conjuntamente esses atos por todos os meios que o Conselho da Sociedade das Nações decidir a respeito.

27

Essa concepção da soberania remonta ao início do século XVI. Foi Maquiavel que libertou seu Príncipe — que para ele encarna o próprio Estado — de todas as prescrições do direito, da moral e da religião. A única ideia que o guia é o aumento do poder de seu Estado. Suas regras de conduta são somente aquelas que lhes são impostas pela «razão de Estado154”. Pensamento similar é encontrado em Spinoza, como já destacamos155. Entretanto, Duguit observa com razão que o Contrato Social de Rousseau, com sua “religião civil”, anuncia também a divinização do Estado156, proclamada mais tarde pela filosofia de Hegel. Segundo a “tese” desse grande filósofo, os direitos recíprocos dos Estados não têm sua realidade em uma vontade geral constituída acima deles como poder, mas em sua vontade especial. Essa tese foi energicamente rechaçada por Triepel para quem um dever jurídico de uma pessoa diante de outra não pode jamais extrair sua força obrigatória de 153  Op. cit., p. 376 e seguintes. 154  W. Sukiennicki, La souveraineté des Etats en droit international moderne (1927), p. 69 e seguintes; Meinecke, Die Idee der Staatsräson in der neueren Geschichte (1924). 155  Capítulo II. 156  Revue du droit public (1918), p. 192 e seguintes. Ver também Sukiennicki, op. cit., p. 172 e seguintes.

um compromisso em relação a si mesmo, mas somente de uma fonte superior à vontade das partes contratantes. “Somente a força comum de vários ou de muitos Estados, fundida numa unidade de vontade pela união das vontades dos Estados individualmente, pode ser a fonte do direito internacional”. Se essa vontade comum dos Estados, superior à vontade dos Estados particulares, estiver em contradição com a noção da soberania de G. Jellinek, “seria o momento, declara Triepel abertamente, de revisar com urgência e radicalmente essa noção duvidosa157”. A concepção da soberania absoluta do Estado não penetrou na ciência do direito internacional propriamente dita senão com a obra de Vattel. Este autor, com efeito, sustenta que “é da competência de todo Estado livre e soberano julgar em sua consciência sobre o que seus deveres exigem dele”. Foi um pensamento de Vattel — diz Van Vollenhoven em sua excelente obra Les trois phases du droit des gens158 — que erradicou a teoria da bellum justum desenvolvida pelos grandes fundadores de nossa ciência, notadamente pela doutrina escolástica159 e por aquela de Grotius160. Segundo esta velha doutrina, a guerra é lícita unicamente como bellum justum, isto é, no caso de um crime por parte do outro Estado. Portanto, a guerra não é senão uma execução do direito internacional. A concepção da soberania em Vattel, ao contrário, torna a guerra de execução um simples duelo, visto que cada Estado livre e soberano pode guerrear quando quiser. Entretanto, se o Estado é soberano nesse sentido, se ele tem o direito de julgar em sua consciência sobre o que seus deveres exigem dele, ocorre logicamente que, na prática, as regras do direito internacional dependem da boa vontade do próprio Estado. Portanto, essa doutrina conduz necessariamente à teoria já refutada da primazia do direito nacional161, teoria que tem como corolários as duas proposições seguintes: 1º Não há ordem jurídica superior ao Estado, nem mesmo o direito internacional; consequentemente, 2º Não há comunidade jurídica que lhe seja coordenada que seja igualmente soberana162. 157  Völkerrecht und Landesrecht (1899), p. 76, nota 2ª. 158  Haia, 1919. 159  De jure belli ac pacis (1625). 160  Cap. II. 161  Cap. II. 162  Kelsen, Aperçu d’une théorie générale de l’Etat (tradução francesa por Eisenmann), p. 29 e seguintes.

VERDROSS, Alfred. O fundamento do direito internacional. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 1-33

sinal da soberania do Estado está, portanto, em não depender senão da própria vontade. “No direito internacional, o Estado também não está juridicamente subordinado senão à própria vontade...” Não é o Estado particular, na verdade, que estabelece as regras do direito internacional. “No entanto, todas as tentativas feitas para direcionar a força do direito internacional a uma fonte jurídica situada acima do Estado fracassaram e fracassarão, segundo G. Jellinek, sempre. Para produzir o direito, a vontade da comunidade internacional deveria ser um novo tipo de civitas maxima, ter uma vontade acima dos Estados — o que equivaleria à negação do processus histórico que a conduziu ao reconhecimento da soberania”. Consequentemente, “quando a observância do direito internacional entra em conflito com a existência do Estado, a regra jurídica cede, porque o Estado está situado acima de qualquer regra jurídica... o direito internacional existe para os Estados e não os Estados para o direito internacional. A comunidade de Estados é, portanto, de natureza puramente anárquica e o direito internacional... pode ser qualificado como direito anárquico153”...

28

6.2 A soberania como competência conferida aos Estados pelo direito internacional Entretanto, ao lado dessa noção da soberania, há também outra inteiramente distinta, que foi fundamentada pelos teólogos fundadores de nossa ciência e desenvolvida por Bodin, Grotius e seus sucessores164. Como já expusemos no primeiro capítulo, segundo a doutrina medieval das duas espadas, a cristandade unida formava uma pirâmide feudal das autoridades cujos chefes eram o Papa e o Imperador. Ora, no âmbito internacional, a proclamação da soberania do Estado declara que o Estado não está mais submetido a um superior, na pirâmide feudal. A soberania constitui, portanto, o caráter de todo o poder não vassalo. Essa noção da soberania encontra suas raízes na doutrina medieval do direito de guerra, pois a Igreja condena qualquer guerra empreendida por aquele que, tendo um superior, não é soberano165. Assim, entre as condições necessárias à justiça de uma guerra, figurava aquela em que a guerra deve ser declarada por um príncipe soberano. Já Santo Agostinho escreve que “a ordem natural mais favorável à paz dos homens exige que a decisão e o poder de declarar a guerra pertençam aos príncipes”. E São Tomás de Aquino afirma que o direito de declarar guerra não pertence a um particular, “porque, para obter justiça, pode recorrer ao julgamento de seu superior”. Entretanto, o que é preciso entender com a expressão: “príncipe que não tem superior?” A isto, Cajetan responde: “quer dizer pessoa pública, mas pessoa pública perfeita”. E Victoria se expressa assim: “A dificuldade toda está em saber o que é um Estado e o que pode propriamente ser chamado de príncipe. A isso 163  Verdross, Die Einheit des rechtlichen Weltbildes, p. 1-35; Sukiennicki, op. cit., p. 89; Kunz, Revue de droit international (Genève, par Sottile), 1927, tomo V, p. 3 e seguintes. 164  Verdross, op. cit., p. 18 e seguintes; Mandeistam, Recueil des Cours de l’Académie de droit international, I (1923), p. 383 e seguintes. 165  Vanderpol, op. cit., p. 76 e seguintes. (É a primeira vez que ele aparece e não se sabe qual é a obra citada).

se pode responder: chama-se Estado uma comunidade perfeita. Entretanto, resta definir a comunidade perfeita. Com efeito, denomina-se imperfeito aquilo a que falta alguma coisa e, ao contrário, perfeito aquilo a que nada falta. É, portanto, perfeito o Estado (ou a comunidade) que é completo em si mesmo, isto é, que não é parte de outro Estado, que tem suas leis, seu conselho e seus magistrados”. O mesmo autor professa em sua obra célebre De Indis que nem o Papa, nem o Imperador são os mestres temporais do mundo. E Suarez escreve: “Muitos duques reivindicam para si o poder supremo e, por outro lado, foi o erro de um determinado número de canonistas sustentar que somente o Imperador era soberano. Na realidade, isto resulta do tipo de jurisdição peculiar de cada Príncipe ou de cada Estado. O sinal da jurisdição suprema é que existe junto ao Príncipe ou ao Estado um tribunal onde terminam todos os debates do Principado e não se pode recorrer a um tribunal superior. Toda vez que é possível recorrer a outro tribunal, prova-se que o Principado é imperfeito, porque a apelação é um ato que demonstra a superioridade de um homem sobre outro”... Tal Estado imperfeito “não pode legitimamente declarar guerra sem a autoridade desse superior. A razão está em que um determinado príncipe pode pedir justiça a seu superior166”... Essa doutrina fala, portanto, da soberania de um Estado caso não tenha superior temporal algum e seja o chefe supremo de seus sujeitos. Jamais sustentou que a vontade desses Estados seja a fonte suprema do direito; ao contrário, sublinha que o Estado está subordinado ao direito natural, assim como às regras criadas pelo costume internacional. Sua soberania não é soberania absoluta; trata-se de uma competência dada aos Estados pelo direito nacional e o direito positivo dos povos. A mesma coisa quanto ao direito de guerra. “Dado que consiste, escreve Suarez, no poder que tem cada Estado ou cada potência soberana de punir, de vingar ou de reparar uma injustiça que lhe tenha sido infligida por outro Estado, compete ao direito internacional, visto que, em virtude da razão natural, não era indispensável que esse poder existisse no Estado ofendido: os homens poderiam ter estabelecido outro modo de vindita, por exemplo, remeter esse poder a uma terceira potência, instituí-la árbitro com poder coativo; mas o modo atual tendo sido adotado 166  Vanderpol, op. cit., p. 505.

VERDROSS, Alfred. O fundamento do direito internacional. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 1-33

Ora, se o direito internacional no sentido próprio do termo, tem por objetivo no futuro obrigar os Estados coordenados da comunidade internacional, é preciso renunciar à existência do direito internacional ou ao princípio da soberania absoluta do Estado, porque as duas noções são inconciliáveis163. A soberania absoluta do Estado tem, portanto, como consequência lógica a negação do direito internacional.

29

Por sua vez, Bodin não explicou a soberania absoluta do Estado. É verdade que afirma que os príncipes que não reconhecem absolutamente superiores, são soberanos, mas acrescenta: “Tanto é que os contratos e testamentos dos particulares não podem derrogar as ordens dos magistrados, nem os editos, nem os costumes e as leis gerais de um príncipe soberano. Todavia, as leis dos príncipes soberanos não podem alterar nem mudar as leis de Deus e da natureza”. Do mesmo modo, “o príncipe está comprometido com os contratos feitos por ele, seja com seu sujeito seja com o estrangeiro167”. O soberano de Bodin não é, pois, um soberano absoluto no âmbito internacional, porque permanece vinculado pelo direito convencional, assim como pelo direito costumeiro que, nessa época, estava mesclado ao direito natural168. Além disso, para Grotius e seus sucessores até Vattel, a soberania do Estado nada mais é que uma competência dada aos Estados pelo direito da humanidade, visto que seu ponto de partida é o gênero humano. Os diversos Estados são apenas membros do universo. Consequentemente, o direito universal que é o direito internacional está superordenado ao direito dos membros, ao direito nacional. Por exemplo, Zouche declara expressamente que os Estados devem sua existência ao direito internacional169. A concepção universal da superordenação do direito internacional encontra-se também na doutrina e na prática anglo-saxônica da época. É o antigo sentido do adágio bastante conhecido international law is a part of common law. O sentido original dessa fórmula diz que o direito internacional deve ser aplicado, ainda que esteja em contradição com o direito nacional, porque o direito internacional forma a constituição mundial da qual dependem todos os estados civilizados170. 167  Bodin, Les six livres de la République (1576), I, capítulo IX, p. 146 e seguintes. 168  H. Lammasch, Das Völkerrecht nach dem Kriege (1918), p. 87; Verdross, op. cit., p. 13 e seguintes. 169  Op. cit., Pars prima, seção I: “... cum ex hoc fure... Gentes discretae sunt regna condita commercia instituta et denique bella introducta...” 170  Blackstone, Commentaries of the law of England (1765), IV, capí-

Portanto, a soberania do Estado não é mais o poder supremo, é somente a expressão da competência conferida diretamente pelo direito internacional. É preciso distinguir de modo claro as comunidades subordinadas diretamente ao direito internacional daquelas que estão encaixadas em um Estado. As primeiras dependem do direito internacional; as outras, ao contrário, não estão em relação direta com esse direito porque subordinadas a um determinado Estado. Por consequência, a competências dessas comunidades está fundamentada sobre o direito estatal enquanto a competência dos Estados encontra seu fundamento somente no direito internacional. E essa competência que decorre diretamente do direito internacional é a soberania, no sentido original do termo171. Assim compreendida, a extensão da soberania é essencialmente variável, porque essa ideia nada diz dos direitos que os Estados soberanos devem ter. Confirma apenas o fato de que cada competência dessas comunidades lhes é conferida pelo direito internacional. Com certeza, pode-se analisar a extensão atual dessa competência e declarar que os Estados soberanos têm numa determinada época esses ou aqueles direitos. Entretanto, se a extensão da soberania depende do estado do direito internacional, varia com a evolução desse direito. Essa ideia da soberania não pode jamais opor-se ao direito internacional, porque o Estado soberano já não pode considerar-se investido de um poder superior a qualquer princípio jurídico. Sua soberania indica somente que não está subordinado a nenhum outro poder a não ser o direito internacional. Os Estados soberanos diferem das comunidades não soberanas pelo fato de que estas estão subordinadas a Estados, enquanto os Estados soberanos não têm outro superior senão o direito internacional. Por este motivo, um Estado não pode jamais invocar sua soberania a fim de subtrair-se a uma obrigação internacional porque, se sua soberania não é senão uma competência fundamentada sobre o direito internacional, é necessário que o Estado que reivindica uma determinada liberdade de ação prove que esta lhe foi concetulo V. Ver também Verdross, op. cit., p. 100 e Kunz, La primauté du droit des gens, Revue de droit international et de législation comparée (1925), p. 17 e seguintes; o mesmo autor em Strupp, Wörterbuch des Völkerrechts, I, p. 793 e seguintes. 171  Verdross, Die Verfassung der Völkerrechts gemeinschaft, p. 118.

VERDROSS, Alfred. O fundamento do direito internacional. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 1-33

pelo costume... É justo do ponto de vista que não se tenha o direito de resistir a ele». O direito de guerra não é, portanto, senão uma competência conferida aos Estados pelo direito costumeiro dos povos. Consequentemente, esse direito cessa de existir se o direito internacional é modificado quanto a esse assunto.

30

A noção da soberania como competência baseada diretamente sobre o direito internacional é também a da prática internacional. A diplomacia, de fato, apoia-se algumas vezes sobre o velho dogma, mas os tratados internacionais, assim como as sentenças arbitrárias não duvidam em absoluto de que a soberania do Estado não existe fora do âmbito do direito internacional. Se, por exemplo, um tratado qualquer pelo qual um Estado cede a outro Estado parte de seu território reza que a soberania sobre esse território foi transferida, vê-se claramente que esta soberania não é outra coisa senão a competência definitiva sobre o conjunto do território cedido, incluso o direito de cessão do território a uma terceira potência. Como consequência, os termos “direito sobre um território” e “soberania” são empregados frequentemente, de forma alternada. Assim, o artigo 15 do Tratado de Viena, de 1815, determina: “Sua Majestade o rei de Saxe renuncia à perpetuidade... , em favor de Sua Majestade ou rei da Prússia, a todos seus direitos e títulos sobre as províncias, distritos, territórios ou partes de territórios do reino de Saxe aqui designadas, e sua Majestade o rei da Prússia terá posse sobre esses países em toda soberania e propriedade”. Da mesma maneira, o artigo 34 do Tratado de Versalhes afirma, de um lado: “A Alemanha renuncia em favor da Bélgica a todos seus direitos e títulos sobre os territórios, compreendendo o conjunto dos círculos de Eupen e Malmédy” e continua, por outro lado: “Durante os seis meses que se seguirem à entrada em vigor do presente tratado, registros serão abertos pela autoridade belga em Eupen e Malmédy e os habitantes dos citados territórios terão a liberdade de expressar por escrito o desejo de ver todo ou parte desses territórios sob o poder alemão”. E o artigo 37 do mesmo tratado cita a “transferência definitiva da soberania sobre os territórios atribuídos à Bélgica”. Todavia, o termo soberania não significa somente a competência territorial definitiva do Estado; visa também a sua competência exclusiva em relação aos sujeitos em seu território. Por exemplo: a última alínea do preâmbu172  Politis, op. cit., p. 21.

lo do tratado da Grécia com as Principais Potências, de 10 de agosto de 1920, referente à proteção das minorias, reza: “Considerado, enfim, que a Grécia deve ser liberada também de outras obrigações que contraiu frente a certas potências e que constituem uma restrição a sua plena soberania interna”. Este trecho utiliza, portanto, o termo soberania interna no sentido de competência normal do Estado em relação aos habitantes de seu território. Uma restrição da plena soberania interna não é, portanto, outra coisa senão uma restrição convencional da competência do Estado sobre a base do direito internacional comum. O termo soberania tem um sentido análogo no artigo 2º do Tratado de Paz entre a Polônia e a Rússia, de 12 de outubro de 1920. Lê-se: “As duas partes contratantes garantem reciprocamente o respeito de sua soberania nacional, a abstenção de qualquer intervenção nos assuntos internos da outra Parte173...” Entretanto, fala-se também de soberania para expressar o direito do próprio Estado de decidir uma questão. Assim, conforme o artigo 16 do Pacto da Sociedade das Nações, os Membros da Sociedade estão obrigados a romper imediatamente todas as relações comerciais e financeiras com o Estado que recorre à guerra, contrariamente às cláusulas do Pacto; contudo, a decisão da questão se há ou não ruptura de Pacto é deixada aos Estados particulares. Motta, representante da Suíça na 2ª Assembleia, falou no caso de um direito soberano. «É preciso entender que há Estados que permanecem os juízes soberanos dessa obrigação...” Constata-se, portanto, que o termo soberania nem sempre tem a mesma extensão. Todavia, em todos os casos analisados, não se trata de um poder ilimitado acima do direito internacional, mas de direitos dos Estados sobre a base do direito internacional. Um conflito entre a soberania do Estado assim entendida e o direito internacional é logicamente impossível, uma vez que todo poder soberano deve provar que decorre do direito internacional. Encontra-se o mesmo ponto de vista na Sentença nº 1 da Corte Permanente de Justiça Internacional, concernente ao assunto do vapor Wimbledon. No texto, a Corte diz expressamente: “A Corte recusa-se a ver na conclusão de qualquer tratado, pelo qual 173  Recueil des traités de la Société des Nations, IV, (1921), p. 34 e seguintes.

VERDROSS, Alfred. O fundamento do direito internacional. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 1-33

dida pelo direito internacional ao qual está submetido. Quando, ao contrário, como afirma com razão Politis172, “para legitimar uma atitude, invoca-se a soberania, derruba-se o ônus da prova, porque se pretende justamente ter o direito de agir a seu modo”...

31

Em outro trecho do mesmo parecer, a Corte declara: “Considerando que inicialmente convém destacar que a questão de soberania de uma nação para legislar em matéria de nacionalidade sobre seu campo domina a situação... e que a aplicação desse princípio... não pode ser refutada ou suspensa senão por uma regra formal do direito internacional aplicável aos fatos da causa ou por uma cláusula dos tratados ou convenções internacionais existentes entre as partes175”. Resulta daí que, segundo o parecer da Corte, mesmo a soberania legislativa do Estado sobre seu território não é ilimitada, mas uma competência nos limites estabelecidos pelo direito internacional. Estamos, portanto, na presença de duas noções da soberania no âmbito internacional. Uma é a da soberania ilimitada que supõe o pensamento do Estado onipotente, criador de todo direito. Está em plena contradição com o fato do direito internacional e da comunidade internacional. A outra, ao contrário, nada mais é que uma criação do próprio direito internacional, porque é uma competência que o direito internacional confere aos Estados e que varia com o desenvolvimento do direito internacional. Portanto, pode-se ainda chamar de soberania tal competência? Não seria necessário eliminar completamente esse termo da linguagem jurídica? O problema, ainda que seja, sobretudo, uma questão de terminologia, não é sem importância,porque de um lado, o termo soberania desperta a falsa ideia da onipotência do Estado e parece justificar todas as pretensões arbitrárias dos governos176. Todavia, deve-se reconhecer que o termo dis174  Parecer nº 4, p. 24. 175  Parecer nº 4, p. 12. 176  Politis, op.cit., p. 20.

tingue claramente a competência das comunidades que estão subordinadas apenas ao direito internacional daquelas que não estão em relação direta com este último, mas submetidas a um determinado Estado. Se, libertado dos dogmas e reduzido à realidade internacional que demonstra em tudo a interdependência recíproca dos Estados, o termo soberania pode ser mantido com a condição de que seja sempre ressaltada a diferença fundamental entre a soberania absoluta, de um lado, e a soberania como competência internacional, de outro. A soberania absoluta é, com efeito, uma noção extrajurídica, porque considera o Estado, em última instância, como poder acima do direito; a soberania-competência, ao contrário, acentua precisamente que todas as competências do Estado, mesmo seu âmbito reservado, decorrem do direito internacional e que, como consequência, toda a atividade do Estado deve conformar-se às regras do direito internacional. Kelsen177, assim como Sukiennicki178, é verdade, se recusa a aceitar tal noção de soberania relativa. Se a soberania, questionam, não deve mais responder à ideia do superlativo, se, consequentemente, não é mais uma noção absoluta, porém uma noção relativa por excelência, por que não se pode falar, por exemplo, da soberania dos municípios? Se não se exige mais que o Estado soberano seja supremo, mas somente superior a todas as demais organizações humanas, exceção feita para aquelas que se encontram ao lado do Estado e em pé de igualdade no mesmo sistema jurídico regido pelo direito internacional, poder-se-ia chamar da mesma forma soberano o município. Afinal, este também está acima dos indivíduos e das famílias e é igual aos outros municípios que se encontram no mesmo sistema estatal. Sem dúvida, esta objeção tem razão de ser, considerando que nega a existência de uma diferença essencial entre o Estado e as outras organizações jurídicas, se entendermos como diferença essencial uma diferença extrajurídica, pois no domínio jurídico não pode haver senão diferenças jurídicas, isto é, diferenças que se destacam do conteúdo do direito. Ora, a diferença jurídica entre o Estado e as organizações subordinadas ao Estado consiste precisamente no fato de que o Estado é uma organização diretamente subordinada ao direito internacional, enquanto as organizações englobadas no 177  Das Problem der Souveränität und die Theorie des Völkerrechts,p. 39 e 244 e seguintes. 178  Op. cit., p. 312 e seguintes.

VERDROSS, Alfred. O fundamento do direito internacional. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 1-33

um Estado se compromete a fazer ou não alguma coisa, um abandono de sua soberania. Sem dúvida, toda convenção envolvendo uma obrigação desse gênero contém uma restrição ao exercício dos direitos soberanos do Estado... mas a faculdade de assumir compromissos é precisamente um atributo da soberania do Estado.” E no parecer consultivo referente aos decretos de nacionalidade, promulgados em Túnis ou em Marrocos, a Corte declara que a extensão da soberania depende do estado do direito internacional atualmente em vigor. “A questão de saber se determinada matéria entra ou não no âmbito exclusivo do Estado é uma questão essencialmente relativa: depende do desenvolvimento das relações internacionais174.”

32

Entretanto, como essa competência é muito mais ampla que as competências derivadas do direito estatal, é justo reservar o termo soberania à competência dos Estados sobre a base direta do direito internacional. Todavia, se a competência dos Estados é limitada pelo direito internacional, a competência da Comuni-

dade Internacional é juridicamente ilimitada, porque a competência da competência lhe pertence. Entretanto, essa competência não é mais uma soberania absoluta, se a entendermos como um poder arbitrário, porque a própria comunidade internacional está encarregada de uma missão social. Assim, a comunidade internacional como instância suprema na pirâmide das autoridades temporais é, de fato, juridicamente ilimitada; apesar disso, está submetida às regras da humanidade e da justiça.

VERDROSS, Alfred. O fundamento do direito internacional. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 1-33

Estado não têm regularmente relação direta com esse direito. Consequentemente, somente a competência dos Estados deriva diretamente do direito internacional.

33

Indigenous rights movement: is the same needed to prevent continued human rights violations of the mentally ill Movimento dos direitos indígenas: sua necessidade para a prevenção das violações continuas dos direitos humanos dos doentes mentais*

Liesel LeCates

doi: 10.5102/rdi.v10i2.2643

Indigenous rights movement: is the same needed to prevent continued human rights violations of the mentally ill Movimento dos direitos indígenas: sua necessidade para a prevenção das violações continuas dos direitos humanos dos doentes mentais* Liesel LeCates**

Abstract Known as “society’s lepers,” the mentally ill endure suffering that transcends borders. This affliction is often the result of cross-cultural social stigma, and includes treatments such as chaining people to beds and solitary confinement. Some scholars have proposed the necessity of an international convention to further obligate states to protect the interest of the mentally ill, but this action alone is insufficient. In order to decrease stigma, and the injustice inflicted upon the mentally ill, the root of social stigma must be degraded prior to the successful implementation of mental health legislation. Changes in societal perspectives and an increase in mental health awareness will positively impact, not only those suffering from mental illness, but society as a whole. But, how should this be done? Unlike past scholarship, this article addresses current problems associated with mental health treatment, and through an interdisciplinary approach, compares the effects of the indigenous rights movement to a mental health movement. Specifically, this article discusses the potential to effectuate change through an analysis of current problems which include: (1) lack of available care, (2) lack of cooperation to acquire the multidisciplinary action necessary to care for the mentally ill, (3) lack of Education, and (4) lack of effective mental health policy. Through integrating social movement theory, the article bridges the gap between laws and effective implementation, which has the potential to curb continued human rights violations of the mentally ill. Keyword: Global, Mental Health, Indigenous Rights, Social Movement, International law

Resumo *  Recebido em 03/10/2013    Aprovado em 14/10/2013 **  University of California, Berkeley. Email: [emailprotected]

Conhecidos como “leprosos da sociedade” os doentes mentais vivem o sofrimento que transcende fronteiras. Esta aflição é muitas vezes o resultado do estigma social transcultural, e inclui tratamentos como amarrar as pessoas à camas e submetê-las a confinamento solitário. Alguns acadêmicos têm proposto a necessidade de uma convenção internacional para obrigar os Esta-

Palavras chaves: Global, saúde mental, direitos dos povos indígenas, movimento social, direito internacional.

1. Introduction The World Health Organization (“WHO”) has recognized the plight of those suffering from mental illness as a “hidden emergency” that needs to be addressed immediately.1 Known as “society’s lepers,”2 the mentally ill suffer horrific circumstances that exaggerate mental illnesses.3 Treatment commonly includes solitary confinement and chaining people to beds.4 When addressing many human rights violations, the moral wrongfulness of a violation is universally recog1  WHO Quality Rights Project – addressing a hidden emergency, World Health Organization (2013), available at http://www.who.int/mental_health/policy/quality_rights/en/. 2  D. L. Rosenhan, Symposium, On Being Sane in Insane Places, 13 Santa ClaraLawyer 379, 390 (1973), available at http://digitalcommons.law.scu.edu/lawreview/vol13/iss3/3 3  WHO Quality Rights Project – addressing a hidden emergency (2013). 4  Id.

nized. Genocide, torture, withholding food and water; all of these wrongs evoke a cross-cultural feeling of injustice. Thus, these abuses can be approached in similar ways; through treaties that further obligate states to uphold human rights standards followed by domestic legislation and international pressure. However, mental illnesses should to be approached differently from many human rights violations because the injustice is not necessarily promoted by the state, but communities and families. Due to cross-cultural stigma, obliging states to abide by rules regarding the human rights of those suffering from mental ailments is necessary; yet, insufficient alone. To effectively change current treatment practices associated with the mentally ill, social changes must occur to penetrate cultural practice and to inform individual persons of the misconceptions and stigmas associated with these disabilities and illnesses. The United States and other developed nations have long-imposed cultural ideas of proper human treatment on developing states. However, developed nations have historically failed to recognize basic human rights of the mentally ill and disabled. Although the poor are disproportionately affected, the stigma associated with mental illness is a global problem, one which penetrates cultures and political lines. Due to the scope of the violations, further degradation of cultural stigmas must be increased cross culturally and nationally before adequate legislation can be passed and effectuated. In order to change societal perceptions, a social movement must take place resulting in increased public awareness and political activism. That said, there is difficulty in assessing a balance between the necessary restrictions on freedom through the institutionalization of the dangerous or severely ill; however, the current balance is often weighed down by the over-breadth of patients institutionalized. Therefore, this article does not promote the elimination of mandatory institutionalization for those who are a danger to self or others, but rather promotes legislation to protect persons from unnecessary involuntary commitment, and inhumane and degrading treatment while institutionalized. Financing is an additional problem, many global struggles could be corrected with adequate financing; however, the global financing is insufficient to provide community care, and adequate treatment for every person suffering from mental illness. To solve the problems through increased financing would be an unreasonable expectation when

LECATES, Liesel. Indigenous rights movement: is the same needed to prevent continued human rights violations of the mentally ill. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 34-52

dos a proteger o interesse dos doentes mentais, mas esta ação por si é insuficiente. A fim de diminuir o estigma e a injustiça infligidos aos doentes mentais, a raiz deste estigma social deve ser combatida antes da implementação bem-sucedida da legislação de saúde mental. Mudanças nas perspectivas sociais e um aumento na consciência da saúde mental terá um impacto positivo sobre, não somente aqueles que sofrem de doença mental, mas também para a sociedade como um todo. Mas, como isso deve ser feito? Ao contrário de estudos passados, o presente artigo aborda problemas atuais associados com o tratamento de saúde mental, e através de uma abordagem interdisciplinar, compara os efeitos do movimento dos direitos indígenas a um movimento de saúde mental. Especificamente, este artigo discute o potencial para efetuar a mudança através de uma análise dos problemas atuais, que incluem: (1) a falta de assistência disponível, (2) a falta de cooperação para adquirir a ação multidisciplinar necessário para cuidar dos doentes mentais, (3) a falta da educação, e (4) a falta de política de saúde mental eficaz. Através da teoria da integração dos movimentos sociais, o artigo faz a ponte entre as leis e a implementação efetiva que tem o potencial para reduzir as violações continuas dos direitos humanos dos doentes mentais.

36

Specifically, through the seven sections, the paper will attempt to demonstrate that in order to reduce cultural stigma and discrimination, the international community should continue to promote and recognize mistreatment of individuals through social movements. These social movements could effectuate change not only in international and domestic legislation, but also increase awareness of illness while changing society’s views of the mentally ill.

2. What is Mental Health and Illness? First, to know how to adequately treat a disease or ailment, the condition must be differentiated from health. Yet there exists difficulty in separating the mentally fit from mentally ill. The World Health Organization has described mental health as: Not just the absence of mental disorder. It is defined as a state of well-being in which every individual

realizes his or her own potential, can cope with the normal stresses of life, can work productively and fruitfully, and is able to make a contribution to her or his community.5

The Princeton Web Definition of mental illness includes “any disease of the mind; the psychological state of someone who has emotional or behavioral problems serious enough to require psychiatric intervention.”6 Although a generally accepted definition, difficulties in distinguishing mental infirmities manifest through psychosomatic complaints should also be considered. Often society fails to recognize that there is not a bright line between mental health and physical health. From a holistic approach, the two are bound and one condition can lead to the other. However, current definitions cause difficulty in distinguishing a psychosomatic physical complaint from a primary physical ailment, further leading to complexity when diagnosing the mentally ill. Mental illness is a grand scheme which, although affected by environmental factors such as poverty; strikes all races, cultures, and people of all socioeconomic status.7 The failure to identify and treat these illnesses in a timely and appropriate manner can lead to significant long-term costs as failure to treat is associated with criminal behavior, homelessness, and unemployment.8

3. Why the Current Mental Health System is Failing? 3.1 Stigma of Mental Illness The ability to treat mental illness is compounded by the societal stigma associated. Stigma is described as “a mark separating individuals from one another based on a socially conferred judgment that some persons or

5  What is Mental Health, World Health Organization (Sept 3 2007), available at http://www.who.int/features/qa/62/en/index.html. 6  Mental Illness, WordNet Search 3.1, available at http://wordnetweb.princeton.edu/perl/webwn?s=mental%20illness (last visited April 6, 2013). 7  Mental Illnesses, National Alliance on Mental Illness (2006-2013) available at http://www.nami.org/template.cfm?section=about_ mental_illness (last visited April 6, 2013). 8  See generally Draine, Jeffrey, et al., Role of social disadvantage in crime, joblessness, and homelessness among persons with serious mental illness,Psychiatric Services53.5, 565-573 (2002), available at http://journals.psychiatryonline.org/article.aspx?Volume=53&page=565&journalID=18

LECATES, Liesel. Indigenous rights movement: is the same needed to prevent continued human rights violations of the mentally ill. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 34-52

the international community has failed to provide even the basic necessities of life such as food and shelter. Therefore, this paper illustrates social mechanisms necessary to improve international treatment of the mentally ill through a change is stigma rather than idealistic, costly care or institutionalization. The theoretical product of changed views includes an increase in financing; but this paper proposes that instead of merely attempting change through traditional international human rights treaties, or increased financing, there exist a need for a collaborative social approach. The topic will be subdivided, discussing the need for a mental health social movement through seven sections. First, the meaning of mental health and illnesses will be discussed. Second, the stigmatized problems associated with the current mental health system will be summarized in four sections: (1) lack of available care, (2) lack of cooperation to acquire the multidisciplinary action necessary to care for the mentally ill, (3) lack of Education, and (4) lack of effective mental health policy. Third, particular problems will be identified in the context of both developed and developing countries using specific examples of the United States, Great Britain, and Ghana. Fourth, mental illnesses will be distinguished from other groups suffering human rights violations. Fifth, the applicable principles of social movement theory will be briefly addressed. Sixth, a synopsis of the indigenous rights movement. Lastly, the previous sections will be applied to the mental health crisis in order to stipulate the effects of a global mental health movement.

37

Studies also indicate that the mental illness stigma can have an impact not only on an individual’s self-esteem, but also quality of life.13 In fact, stigma “occupies 9  Martin, K. Jac; Lang, Annie; and Olafsdottir, Sigrun, Rethinking Theoretical Approaches to Stigma, A Framework Integrating Normative Influences on Stigma (FINIS), US National Library of Medicine National Institutes of Health, http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/ PMC2587424/. 10  Definition of. “stigma”, no. 2.,The Oxford English Dictionary. 2nd edition (1989) available at http://www.oed.com/ [accessed on 3 July 2009] as cited by Ferguson, Laura & Gruskin, Sofia, Using indicators to determine the contribution of human rights to public health efforts, Program on International Health and Human Rights, Harvard School of Public Health (07 July 2009) As cited in Bulletin of the World Health Organization2009;87:714-719. doi: 10.2471/BLT.08.058321 available at http://www.who.int/bulletin/volumes/87/9/08-058321/en/ 11  Definition of “discrimination”, no.1. The Oxford English Dictionary. 2nd edition (1989) available athttp://www.oed.com/[accessed on 3 July 2009]. As cited by Ferguson (2009). 12  Crisp AH, Gelder MG, Rix S, Meltzer HI, Rowlands OJ, Stigmatisation of people with mental illnesses, Br J Psychiatry 177:4-7 (July 2000); Martin JK, Pescosolido BA, Tuch SA, Of fear and loathing: The role of disturbing behavior, labels and causal attributions in shaping public attitudes toward persons with mental illness, Journal of Health and Social Behavior,41(2):208–233 (2000); Pescosolido BA, Monahan J, Link BG, Stueve A, Kikuzawa S, The public’s view of the competence, dangerousness, and need for legal coercion of persons with mental health problems.American Journal of Public Health, 89:1339–1345 (1999); Stuart H, Arboleda-Florez J. Community attitudes toward persons with schizophrenia. Canadian Journal of Psychiatry. 2000;46:245–252 as cited by Martin, K. Jac; Lang, Annie; and Olafsdottir, Sigrun, Rethinking Theoretical Approaches to Stigma, A Framework Integrating Normative Influences on Stigma (FINIS), US National Library of Medicine National Institutes of Health, http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2587424/. 13  Chung, K.F. & Wong M. C., Experience of stigma among Chinese mental health patients in Hong Kong,Psychiatric Bulletin,28,451– 454 (2004) available at http://pb.rcpsych.org/content/28/12/451.full citing Link, B.G., Struening, E. L., Neesetodd, S.,et al(2001); The consequences of stigma for the self-esteem of

a central place in explanations of low service use, inadequate research funding and treatment infrastructures, and hindered progress toward recovery from mental illness.”14 Society’s view detrimentally impacts persons suffering from mental illness, because the implications include withdrawing from treatment and worsening of the condition.15 The failure to receive treatment could then lead to great societal costs.16 For example, certain untreated mental illnesses, including substance abuse disorders, could lead to increased suicide rates which are projected to be “1.53 million by the year 2020.”17 In A Call for Action by World Health Ministers, Brundtland identifies “critical strategies to start dispelling the indelible mark, the stigma caused by mental illness.”18 These strategies are not only necessary, but also practical tactics that can be feasibly implemented in order to prevent suicide and increase quality of life. The list includes: Public information campaigns using mass media in its various forms; involvement of the community in the design and monitoring of mental health services; provision of support to nongovernmental organizations and for self-help and mutual-aid ventures, families and consumer groups; and education of personnel in the health and judicial systems and employers19 people with mental illnesses. Psychiatric Services,52,1621-1626, Rosenfield, S., Labeling mental illness: the effects of received services and perceived stigma on life satisfaction,American Sociological Review660-672, 62 (1997). 14  Estroff SE, Making it crazy: An ethnography of psychiatric clients in an American community, University of California Press; Berkeley, (1981); Markowitz FE, Modeling processes in recovery from mental illness: Relationships between symptoms, life satisfaction, and self-concept,Journal of Health and Social Behavior, 42:64–79 (2001); Sartorius N., Stigma: What can psychiatrists do about it?The Lancet 352:1058–1059 (1998) as cited by Martin, K. Jac; Lang, Annie; and Olafsdottir, Sigrun, Rethinking Theoretical Approaches to Stigma, A Framework Integrating Normative Influences on Stigma (FINIS), US National Library of Medicine National Institutes of Health, http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/ articles/PMC2587424/. 15  Chung, Experience of stigma among Chinese mental health patients in Hong Kong, Psychiatric Bulletin28:451– 454 (2004) citing Sirey, J. A., Bruce, M. L., Alexopoulos, G. S.,et al, Perceived stigma and patient-rated severity of illness as predictors of antidepressant drug adherence,Psychiatric Services 52:1615-1620( 2001). 16  Id. 17  The World Health Report 2001. Mental Health: New Understanding, New Hope, World Health Organization (2001), as cited by Khan, Murad M, Suicide prevention and developing countries J R Soc Med98(10): 459–463(October 2005). 18  Brundtland, Gro Harlem, Director General of the World Health Organization, Mental Health: A Call for Action by World Health Ministers 19 (2001), available at http://www.who.int/mental_health/advocacy/en/Call_for_Action_MoH_Intro.pdf. 19  Id.

LECATES, Liesel. Indigenous rights movement: is the same needed to prevent continued human rights violations of the mentally ill. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 34-52

groups are tainted and ‘less than.’”9 A World Health Organization Bulletin cites Gruskin and Ferguson, from Harvard’s Program on International Health and Human Rights, who state that “stigma” is the state of “being devalued by individuals orcommunities on the basis of real or perceived health status.”10 Stigma is often intertwined with discrimination which as defined by the authors: “refers to the legal, institutional and procedural ways that people are denied access to their rights because of their real or perceived health status.”11 Further, “Recent research continues to show that individuals fear and avoid persons with mental illness, even as psychiatry claims dramatic increases in effective treatments and social scientists document greater levels of public acceptance of medical theories about underlying biological and genetic causes of mental illness.”12

38

3.1.1 Lack of Available Care The stigma of mental illness prevents the recognition and treatment of disorders that with effective treatments could increase productivity and life satisfaction.20 At the 54th World Health Assembly of 2001, neuropsychiatric disorders were responsible for 30.8 percent of all disabilities, and the number is rising.21 The Assembly also recognized that depression is expected to be the second leading cause of global burden of disease by 2020.22 The burden further increases as depression rates increase; major depressive disorder is linked to suicide, and the majority of “people who commit suicide are also clinically depressed.”23 As these illnesses affect not only the person with the illness, but family and friends who surround them, action should be taken immediately in order to provide adequate care and stifle the burden of disease upon us. Although there is a cross-cultural stigma related to mental illness, the severity varies, and the availability of mental health professionals can fluctuate greatly between countries. For example, Switzerland had a ratio of 42 psychiatrists per 100,000 persons, while the nearby country of Poland reported less than 10 psychiatrists per 100,000 persons in 2009.24 And, not only does variance exist between countries, but the shortage of 20  See supra note 6. 21  See supra note 18, at 6. 22  Id. 23  Id. 24  Health at a Glance 2011: OECD Indicators 3.5 psychiatrist, OECD ilibrary, available at http://www.oecd-ilibrary.org/sites/health_ glance-2011-en/03/06/index.html;jsessionid=n0hmk5pigd1k. d e l t a ? c o n t e n t Ty p e = & i t e m I d = / c o n t e n t / c h a p t e r / health_glance-2011-25-en&containerItemId=/content/ serial/19991312&accessItemIds=/content/book/health_glance2011-en&mimeType=text/html (last visited April 5, 2013).

mental healthcare practitioners is often exaggerated in rural areas as the available professionals also varies dramatically between urban and rural settings.25 For instance, in Australia the ratio of psychiatrist in major cities is 4.6 times that of “remote” regions.26 The lack of anonymity in rural settings can create additional problems for those suffering from mental illness. In 1999, the U.S. Surgeon General warned that due to the difficulty of maintaining anonymity, “stigma is particularly intense in rural communities.”27 The stigma in these communities “can lead to under-diagnosis and under-treatment,”and the lack of available care can cause additional problems as some persons with mental illnesses spend “more time traveling to see a provider than at actual appointments.”28 3.1.2 Lack of Multi-Sectoral Cooperation Regarding the promotion of global mental health, the World Health Organization has stated that “multi-sectoral action” is needed. 29 In the Mental Health Policy and Service Guidance Package, the WHO specifies that, “Mental health is necessarily an inter-sectoral issue involving the education, employment, housing, social services and criminal justice sectors. It is important to engage in serious consultation with consumer and family organizations in the development of policy and the delivery of services.”30 This includes government and non-government organizations, and “the focus should be on promoting mental health throughout the lifespan to ensure a healthy start in life for children and to prevent mental disorders in adulthood and old age.”31

25  Id. 26  Id. citing (AIHW, 2010a). 27  Mental Health: A Report of the Surgeon General (1999) as cited in Rural Communities, Substance Abuse and Mental Health Service Administration, SAMHSA’s Resource Center to PromoteAcceptance, Dignity andSocial Inclusion Associated with Mental Health (ADS Center), (last updated June 22, 2012), http:// stopstigma.samhsa.gov/topic/rural/. 28  Id. 29  What is Mental Health, World Health Organization (Sept 3 2007), available at http://www.who.int/features/qa/62/en/index. html 30  Advocacy For Mental Health, Mental Health and Service Guidance Package, World Health Organization, xiii (2003), available at http://www.who.int/mental_health/resources/en/Advocacy.pdf. 31  What is Mental Health (Sept 3 2007).

LECATES, Liesel. Indigenous rights movement: is the same needed to prevent continued human rights violations of the mentally ill. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 34-52

Each of these tactics could be an effective tool to increase public awareness and decrease social stigma. However, these strategies are insufficient alone to provide protection to the mentally ill. Specifically, stigma has resulted in four problems which need separate strategies implemented in order to forestall a global mental health crisis. These problems include: (1) Lack of available care, (2) lack of cooperation to acquire the multidisciplinary action necessary to care for the mentally ill, (3) lack of public education and (4) lack of effective mental health policy.

39

Ignorance instinctively leads humanity to fear what it does not understand, and the current misunderstanding of mental illness can potentially lead to disastrous consequences. Just as the lepers of old, the mentally ill are often ostracized by society.32 The WHO states that “The image of leprosy has to be changed at the global, national and local levels. A new environment, in which patients will not hesitate to come forward for diagnosis and treatment at any health facility, must be created.”33 Similar to mental illness, the “age-old stigma associated with the disease remains an obstacle to self-reporting and early treatment.”34 Additionally, “the image of leprosy has to be changed at the global, national and local levels” in order to create “A new environment.”35 One in which patients will not hesitate to come forward for diagnosis and treatment at any health facility.”36 Education provides that leprosy is currently understood as “not highly contagious” and treatable with multidrug therapy.37 As the medical care staff and general public’s understanding of leprosy has improved, so has the treatment, decreasing leper numbers. Education is fundamental in improving treatment of any condition and in preventing bias. In 2003, the WHO released a list of “common misconception” and “how to combat stigma.”38 Some “common misconceptions” of the mentally include that they are “lazy,” “unintelligent,” “unsafe,” “violent,” “possessed by demons,” “recipients of divine punishment,” “untreatable,” “in need of hospitalization,” “without conscience and unpredictable.”39 Interestingly, in order to combat stigma, the WHO list include many educational interventions.40 Some of these interventions involve: “community education on mental disorders,” “anti-stigma training for teachers and health workers,” “psychoeducation for consumers and families on how to live 32  Leprosy, Media Centre, World Health Organization (September 2012), available at http://www.who.int/mediacentre/factsheets/ fs101/en/. 33  Id. 34  Id. 35  Id. 36  Id. 37  Id. 38  See supra note 30, at 11. 39  Id. 40  Id.

with persons who have mental disorders,” and “education of persons working in the mass media, aimed at changing stereotypes and misconceptions about mental disorders.”41 3.1.4 Lack of Mental Health Policy David Rosenhan in his famous On Being Sane In Insane Places, indicates the problems of defining the sane and insane.42 He states that what is “normal in one culture may be seen as quite aberrant in another.”43 In 1973, Rosenhan performed an experiment to assess health care providers’ ability to distinguish the sane from insane. In the study, eight “sane” people, with no previous psychiatric symptoms, gained admission into twelve psychiatric hospitals of different regions of the United States.44 After being admitted with falsified symptoms, the “secret” patients behaved “normal.”45 Hospitalization of the psuedopatients then “ranged from 7 to 52 days, with an average of 19 days.”46 Rosenhan notes: Despite their public “show” of sanity, the pseudopatients were never detected. Admitted, except in one case, with a diagnosis of schizophrenia,8 each was discharged with a diagnosis of schizophrenia “in remission.” The label “in remission” should in no way be dismissed as a formality, for at no time during any hospitalization had any question been raised about any pseudopatient’s simulation. Nor are there any indications in the hospital records that the pseudopatient’s status was suspect. Rather, the evidence is strong that, once labeled schizophrenic, the pseudopatient was stuck with that label.47

Also, unlike medical illnesses, a false positive psychiatric diagnosis “carry with them personal, legal, and social stigmas.”48 Rosenhan retells the injustice stating, “I have records of patients who were beaten by staff for the sin of having initiated verbal contact. During my own experience, for example, one patient was beaten in the presence of other patients for having 41  Id. 42  D. L. Rosenhan, Symposium, On Being Sane in Insane Places, 13 Santa ClaraLawyer 379, 379 (1973), available at http://digitalcommons.law.scu.edu/lawreview/vol13/iss3/3. 43  Id. 44  Id. at 380-81. 45  Id. at 383. 46  Id. at 384. 47  Id. 48  Id. at 385.

LECATES, Liesel. Indigenous rights movement: is the same needed to prevent continued human rights violations of the mentally ill. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 34-52

3.1.3 Lack of Education

40

The patient is deprived of many of his legal rights by dint of his psychiatric commitment. 2 He is shorn of credibility by virtue of his psychiatric label. His freedom of movement is restricted. He cannot initiate contact with the staff, but may only respond to such overtures as they make. Personal privacy is minimal. Patient quarters and possessions can be entered and examined by any staff member, for whatever reason. His personal history and anguish is available to any staff member (often including the “grey lady” and “candy striper” volunteer) who chooses to read his folder, regardless of their therapeutic relationship to him. His personal hygiene and waste evacuation are often monitored. The water closets may have no doors.50

Although the Rosenhan experiment reflects the U.S. mental health care of 1973, still there remains a mistreatment of institutionalized mental health patients. The Rosenhan experiment reveals the need for further legislation to protect those institutionalized, and individuals from unnecessary commitment. Policy-makers should restricting commitment only to those individuals who are a danger to self and others, and protect the rights of those patients who are institutionalized from inhumane and degrading treatment. Mental health legislation has improved in since 1973, but the World Health Organization reports that still 40% of states have no mental health policy.51 For many of the states with mental health legislation, the policy is outdated.52 At this time, there are no universal binding treaties or resolutions regarding the specific treatment of the mentally ill. However, even if there were, the question arises, would these treaties be effective alone, or would they more resemble the other ineffective legislation? In December of 1991, the General Assembly adopted the Principles for the protection of persons with mental illness and the improvement of mental health care, under Resolution 46/119.53 Under this non-binding re49  Id. at 394. 50  Id. at 395. 51  Promoting the Rights of People with Mental Disabilities, available at http://www.who.int/mental_health/policy/legislation/1_ PromotingHRofPWMD_Infosheet.pdf (last visited April 5, 2013), citing Mental Health Atlas, World Health Organization (2005). 52  Id. 53  Principles for the protection of persons with mental illness and the improvement of mental health care, Office of the High Commissioner for Human Rights, available at http://www.equalrightstrust.org/ertdocumentbank/UN_Resolution_on_protection_ of_persons_with_mental_illness.pdf (last visited April 4, 2013).

solution, principle one articulates the standard of “best available mental health care,” available to “all persons.”54 This is the ideal standard, but binding legislation must be enacted to promote the availability of the “best” mental healthcare to all persons. The WHO has also affirmed that, “mental health policies and plans for their implementation are essential for coordination of services and activities to improve mental health and reduce the burden of mental disorders.”55 The need for further policy enactment is evident, but this is insufficient alone. As social movements increase awareness of mental illness, stigma decreases, and access to treatments increases. Through increased education, and through a cooperative multi-sectoral approach the quality of care will also increase. As these changes occur, the effect of new policy will be more efficient and society will take less time to adapt. In many cases, for lack of incentive, many governments will not be persuaded to pass new regulations without some form of activism or pressure from the international community. Additionally, once the regulations are passed, activism will be necessary in order to prevent a repeat of the U.S. desegregation laws there must be some pressure or incentive to implement the new regulations.

4. Cross-cultural stigmatization: Examples of “developed” and “developing” world 4.1 Current Problems within Developing Nations 4.1.1 Government Spending and Poverty Although human rights violations occur throughout the world, people within developing nations are especially susceptible to mental health abuses. Studies have found a positive correlation between mental health and poverty indicators such as: income, material possessions, and education.56 In ten stand-alone studies, 54  Id. at Principle 1(1). 55  Saxena, S., Thornicroft, 878 (2007) citing Mental health policy, plans and programmes, World Health Organization (2004). 56  Patel, Vikram & Kleinman, Arthur, Poverty and common mental disorder in Developing Countries, Bulletin of the World Health Organization 81 (8) 609, 609-10(2003), available at http://www.who.int/

LECATES, Liesel. Indigenous rights movement: is the same needed to prevent continued human rights violations of the mentally ill. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 34-52

approached an attendant and told him, “I like you.””49 Further describing the violations the “committed” endure, Rosenhan states:

41

Government spending on mental health in most countries is lower than needed, but the poorer the countries the lower the percentage of healthcare spending put towards mental health.59 Within all countries, the lowest socioeconomic populations have the highest incidence of mental illness, and the least available care.60 These problems need to be addressed; however, the greater problem is not just in the lack of available care or the omission of care, but affirmative violations of human rights. 4.1.2 An Example from Ghana A report of human rights abuses of the mentally ill in Ghana found that family members are the individuals who typically send the mentally ill to receive care.61 These individuals are customarily sent to either a hospital or prayer camp to receive treatment.62 The prayer camps are founded to give support by church organizations, while the hospitals can provide institutionalization. Human Rights Watch (“HRW”) tells the story of Doris, who at twenty-two was taken to a prayer camp by her father and was treated for demons.63 HRW reports some of her circumstances over the course of years, including being “tethered by a rope to a wall for about two months, forced to fast for days at a time, and left to sleep, bathe, and defecate in the open.”64 bulletin/volumes/81/8/en/Patel0803.pdf (last visited March 15, 2013). 57  Id. at 610. 58  10 Facts on Mental Health, (Fact 8), World Health Organization, available at http://www.who.int/features/factfiles/mental_health/mental_health_facts/en/index7.html (last visited April 5, 2013). 59  Saxena, S., Global Mental Health 2-Resources for mental health: scarcity, inequity, and inefficiency, 878 (2007). 60  Id. at 878. 61  Like a Death Sentence, Abuses against Persons with Mental Disabilities in Ghana, Human Rights Watch 1 (2013), available at http://www.hrw.org/reports/2012/10/02/death-sentence. 62  Id. at 2. 63  Id. 64  Id.

Like Ghana, in many regions the majority of the people believe that mental illness is caused by evil spirits or demons; thus, the health treatment can differ significantly from conventional medicine.65 In addition to the lack of proper treatment, there is little access to treatment. With an estimated 2.8 million suffering from mental illness in Ghana, the entire country has only twelve practicing psychiatrist, and very little access to outpatient therapy.66 4.2 Current problems within Developed Nations 4.2.1 Statistics within the United States Although human rights violations of the mentally ill are prevalent in developing countries, many developed countries have similar problems. A 2009 study found that 26.4 percent of the population of the United States could be diagnosed with a mental illness at any given time.67 By comparison, in china the number is roughly 17.5 percent.68 The U.S. Center for Disease Control (“CDC”) reports that only 17% of the population is within a state of optimal mental health.69 4.2.2 Discrimination in the United Kingdom A survey response of 556 people in the United Kingdom who received psychiatric treatment, found that “56% experienced discrimination within the family, 51% from friends, 47% in the workforce and 44% from general practitioners.”70 Although the survey could in65  Id. 66  Id. 67  China Tackles Surge in Mental Illness, nature468, 145 (Published online November 10, 2010),corrected 17 November 2010, available at http://www.nature.com/news/2010/101110/ full/468145a.html citing The WHO World Mental Health Survey Consortium,J. Am. Med. Assoc.291,2581–2590 (2004) 68  China Tackles Surge in Mental Illness, nature468, 145 (Published online November 10, 2010),corrected 17 November 2010, available at http://www.nature.com/news/2010/101110/ full/468145a.html citing M. R. Phillipset al, Lancet373,2041–2053 (2009). 69  Mental Health Basics, Center for disease Control and Prevention, available at http://www.cdc.gov/mentalhealth/basics.htm (last visited March 18, 2013). See Note 2, Mental Health: A Report of the Surgeon General, U.S. Department of Health and Human Services,Substance Abuse and Mental Health Services Administration, Center for Mental Health Services, National Institutes of Health, National Institute of Mental Health (1999). 70  Chung, Experience of stigma among Chinese mental health

LECATES, Liesel. Indigenous rights movement: is the same needed to prevent continued human rights violations of the mentally ill. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 34-52

there was especially high correlation between education level and prevalence of common mental disorders.57 The dearth of skilled providers is especially prevalent in low-income countries. Reports indicate that “low-income countries” have proportions as low as “0.05 psychiatrist and 0.42 nurses per 100,000 people. [While] The rate of psychiatrist in high income countries is 170 times greater and for nurses 70 times greater.”58

42

4.2.3 Prisons in the United States Within the United States the prison system is overrun by the mentally ill. Yet, within this system, the inmates are often unable to obtain therapy and can be placed in solitary confinement. These conditions can potentially worsen the illness and cause additional public safety problems as many individuals leave jail without receiving therapeutic care. For example, solitary confinement has reportedly increased within the United States as a mechanism to cope with difficult and dangerous prisoners.72 Solitary confinement is a hazardous practice and “recognized as difficult to withstand; indeed, psychological stressors such as isolation can be as clinically distressing as physical torture.”73 According to news sources, in April of 2013, “U.S. District Judge Lawrence Karlton in Sacramento ruled that the state failed to prove that it is providing the level of care required by the U.S. Constitution for the state’s more than 32,000 mentally ill inmates.”74 According to Time magazine, California has historically been known for the defective prison system.75 In 1991, the original suit was initiated under the premise that life within the prisons violated the constitution as “cruel and unusual punishment.”76 Although officials have recognized improvements in the system since that time, Judge patients in Hong Kong, Psychiatric Bulletin28:451– 454 (2004) citing Pull Yourself Together: A Survey of the Stigma and Discrimination Faced by People Who Experience Mental Distress, Mental Health Foundation (2000). 71  Id. 72  Metzner, Jeffrey L., & Fellner, Jamie, Solitary Confinement and Mental Illness in U.S. Prisons: A Challenge for Medical Ethics, J Am Acad Psychiatry Law38:1:104-108(March 2010), available at http://www.jaapl.org/content/38/1/104.full. 73  Id. citing Reyes H, The worst scars are in the mind: psychological torture,Int Rev Red Cross89:591–617(2007); Basoglu M, Livanou M, Crnobaric C, Torture vs. other cruel, inhuman and degrading treatment: is the distinction real or apparent?Arch Gen Psychiatry64:277–85(2007). 74  Feds Retain Control of Calif. Prison Mental Health, Associated Press, Time (April 5, 2013), available at http://nation.time. com/2013/04/05/feds-retain-control-of-calif-prison-mentalhealth/. 75  Id. 76  Id.

Karlton’s ruling cited the continued inability to lower prisoner’s suicide and maintain adequate staff.77

5. Why is mental health different from other Human Rights violations? When the laws are implemented, many do not find the treatment of mentally ill wrong. These are people with “demons” after all. The UN World Health Organization (“WHO’), reports that: Misunderstanding and stigma surrounding mental ill health are widespread. Despite the existence of effective treatments for mental disorders, there is a belief that they are untreatable or that people with mental disorders are difficult, not intelligent, or incapable of making decisions. This stigma can lead to abuse, rejection and isolation and exclude people from health care or support. Within the health system, people are too often treated in institutions which resemble human warehouses more than places of healing.78 Although legislative changes are necessary for improved care of the mentally ill, these reforms alone are insufficient to safeguard against further violations. In A Call for Action by World Health Ministers, the authors articulate this important point. Introducing legislative reforms that protect the civil, political, social, economic, and cultural entitlements and rights of the mentally ill is also crucial. However, this step alone will not bear the fruits expected by legislators without a concerted effort to erase stigmatization as one of the major obstacles to successful treatment and social reintegration of the mentally ill in communities.79

The current maltreatment of many individual suffering from mental illness is so entrenched in society, even thought of as necessary, that mental health legislation without a societal backing would be unenforceable de facto rules. 77  Id. 78  End human rights violations against people with mental health disorders, December 10: International Human Rights Day, World Health Organization (News releases 2005), available at http://www. who.int/mediacentre/news/releases/2005/pr68/en/index.html (last visited March 15, 2013). 79  Brundtland, Gro Harlem, Director General of the World Health Organization, Mental Health: A Call for Action by World Health Ministers 19 (2001), available at http://www.who.int/mental_health/advocacy/en/Call_for_Action_MoH_Intro.pdf

LECATES, Liesel. Indigenous rights movement: is the same needed to prevent continued human rights violations of the mentally ill. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 34-52

dicates bias due to the return rate of 13 percent, these numbers are still very high, indicating at least a portion of society experiences bias towards those who use the mental health system.71

43

6. Social Movement Theory In the book, The Social Movement Society, social movements are defined as “collective challenges to existing arrangements of power and distribution by people with common purposes and solidarity, in sustained interaction with elites, opponents, and authorities.”80 Classic definitions include a “desire for change.”81 Multiple studies have indicated that organizational changes are the direct result of social movement activism.82 Burgmann states 80  The Social Movement Society, Contentious politics for a new century, 3 (Meyer, David S. & Tarrow, Sidney G. eds., 1998), google books available at http://books.google.com/books?id=D5_ kahOwxaEC&printsec=frontcover&dq=tarrow+social+movem ents&hl=en&sa=X&ei=xo9cUdnJEKiMigLv-YDoCw&ved=0 CDcQ6AEwAQ#v=onepage&q=tarrow%20social%20movements&f=false. 81  How social movements matter. Berstein, Paul, Ch. 1: social movements and public policy, Vol. 10. U of Minnesota Press, 7 (Giugni, Marco, Doug McAdam, & Charles Tilly eds., 1999) available at http://books.google.com/books?hl=en&lr=&id=URFq34yxCaYC &oi=fnd&pg=PR7&dq=Tilly+social+movements&ots=WA4U4Y PgDp&sig=AOAaytJfyQJQPTU0kUPqGULhir4, citing McCarthy and Zald, 1217-18(1977); Tilly 305 (1984). 82  Social Movements, Risk Perceptions, and Economic Outcomes: The Effect of Primary and Secondary Stakeholder Activism on Firms’ Perceived Environmental Risk and Financial Performance, American Sociological Review77(4):573-596, 573 (2012), available at http://asr.sagepub.com/ content/77/4/573.full, citing LounsburyMichael, Cultural Entrepreneurship: Stories, Legitimacy, and the Acquisition of Resources, Strategic Management Journal22:545–64(2001);Hayagreeva, Rao &Market Rebels: How Activists Make or Break Radical Innovations,Princeton University Press (2009); Schurman,Rachel & Munro,William, Targeting

that as globalization of politics and institutions takes place, so too must the social movements become global.83 That the success of certain movements is determined not only by the ability to pressure politicians for change, but the ability to change perceptions of the problem.84 In sum, the fundamental idea of “social-movement” is that through highly motivated activist, those who care about the cause, but are less ardent will too become motivated to promote change.85 This activism leads to a domino effect that promotes change, and brings awareness of the problem to the public as a whole. However, even if there are activists, for the social movement to become a collective action social ties must exist.86 The difference between activists solely protesting and the power of a ‘social movement’ is the ability to achieve networks and mobilization. Capital: A Cultural Economy Approach to Understanding the Efficacy of Two Anti-Genetic Engineering Movements,American Journal of Sociology115:155–202 (2009); Sine,Wesley &Lee,Brandon, Tilting at Windmills? The Environmental Movement and the Emergence of the U.S. Wind Energy Sector,Administrative Science Quarterly54:123–55 (2009); Soule,Sarah,Contention and Corporate Social Responsibility, Cambridge University Press (2009); Vasi,Ion Bogdan, Social Movements and Industry Development: The Environmental Movement’s Impact on the Wind Energy Industry,Mobilization: An International Journal14:315– 36 (2009); VasiIon Bogdan,Winds of Change: The Environmental Movement and the Global Development of the Wind Energy Industry, Oxford University Press (2011); ZaldMayer,MorrillCalvin &Rao,Hayagreeva, The Impact of Social Movements on Organizations: Environment and Responses,Social Movements and Organization Theory,Cambridge University Press 253-79 (DavisG.,McAdamD.,ScottR.,Zald M.. eds., 2005). 83  Burgmann, Verity, Power, Profit, and Protest: Australian Social Movements and Globalisation 2-3 (2003), available at http://books. google.com/books?id=atpiAdA9IEMC&printsec=frontcover&dq =indigenous+rights+social+movement&hl=en&sa=X&ei=4Wde UfemKoL4yQGJ44CgBw&ved=0CDoQ6AEwAQ 84  Social Movements, Risk Perceptions, and Economic Outcomes: The Effect of Primary and Secondary Stakeholder Activism on Firms’ Perceived Environmental Risk and Financial Performance, American Sociological Review77(4):573-596 (2012). (Authors discussing within context of environmental activism, “The influence of environmental activism—and, more generally, of any type of social movement activism—results not only from activists’ pressure on corporations to adopt certain practices, but also from activists’ ability to change perceptions about a firm’s behavior, potentially altering a firm’s image, reputation, and risk profile.”). 85  Oliver, Pamela E. & Gerald Marwell, Mobilizing Technologies for Collective Action, Frontiers in social movement theory, 251 (Morris, Aldon D. & Mueller, Carol Mclurg eds., 1992) available at http://www.ssc.wisc.edu/~oliver/PROTESTS/ArticleCopies/OliverMarwell1992MobilizingTechnologies.pdf. 86  Diani, Mario & McAdam, Doug,Social movements and networks: Relational approaches to collective action, Oxford University Press on Demand (2003) (Author states that “collective action is significantly shaped by social ties).

LECATES, Liesel. Indigenous rights movement: is the same needed to prevent continued human rights violations of the mentally ill. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 34-52

Some problems or human rights violations can be regulated strictly by the change in domestic laws or policies. However, mental health problems occur in every socioeconomic class, culture, and country. This stigma, unlike many social stigmas, is associated at differing degrees of severity, but cross-culturally. When articulating policies for anti-corruption and genocide, or even gender equality, the impact of these violations can depend upon cultural stigmas. However, when cross-cultural persecution occurs, the situations of those burdened has historically improved through social movements. Many movements have taken years to develop, but when the general public is educated on a problem, governments are pressured to sign conventions, pass legislation, and then enforce the laws. Taking the opportunity to learn from history, a social movement should be implemented.

44

6.1.1 Perception and Actual Opportunity According to McAdam, there exists a strong correlation between “subjective perception and structure of opportunities.”87 In fact, it was due to a change in federal policies that created the positivism of the civil rights movements in the 1930s and 60s.88 In the late 1960s when opportunities began to decrease, the perception of this decrease also occurred.89 According to “Tarrow, people join in social movements in response to political opportunity.”90 Yet, “Political opportunities are both seized and expanded by social movements, turned into collective action and sustained by mobilizing structures and cultural frames.”91 As this principle of necessary opportunities is applied, the law has a fundamental purpose in creating an increase of opportunities in a positive feedback loop. However, the opportunity does not need to be great; Tarrow also explains that the original protestors can create optimism as they “make evident” opportunities not previously discernible.92 6.2 Authority In the late 1800s, sociologist Max Weber developed a theory of three types of authority that movements rely on to gain success. Morris and Staggenborg describe a movement leader as a “strategic decision-makers who Inspire[s] and organize[s] others to participate in social movements.”93 The leader has two fundamental roles, functioning as an internal “mobilizer” to make things happen, and an external “articulator” so that the 87  Kurzman, Charles, The social movements reader: cases and concepts. Vol. 12, 5 Wiley-Blackwell, 42 (Goodwin, Jeff & James M. Jasper, eds.,2009), available at http://books.google.com/books?hl=en&lr= &id=Wq5ELSlaZlgC&oi=fnd&pg=PP12&dq=relative+deprivatio n+in+social+movements&ots=lQCWfV7dU4&sig=tCvIJG5hWV N9C3GoGAT3KQMmTrk, citing McAdam (1982). 88  Id. Citing McAdam (1982 at 83-86, 108-110, and 156-163). 89  Id. citing McAdam at page 202. 90  See Goodwin 42, citing Tarrow 17 (1994). 91  Woliver, Laura R., Review of Sidney Tarrow ‘Power in Movement: Social Movements, Collective Action, and Politics’, The Journal of Politics 57, 1206-1207 (1995), see also text cited from Tarrow 251(1994). 92  See Goodwin 42 citing to Tarrow 96-97 (1994). 93  Morris, Aldon, Leadership in Social Movements Aldon Morris and Suzanne Staggenborg, 1 (2002), available at http://www.sociology. northwestern.edu/people/faculty/documents/Morris-Leadership. pdf.

outside world legitimizes the cause.94 Without authority the movement will not progress as there are specific instances when leadership is critical to the success of a movement.95 6.2.1 A charismatic leader Within movement leaders is a “subset,” referred to as charismatic leaders. These are they who “represent revolutionary social forces” that “are responsible for significant societal transformations.”96 These leaders, “by the force of their personal abilities are capable of having profound and extraordinary effects on followers,”97 because the “followers perceive the charismatic leader as one who possesses superhuman qualities and accept unconditionally the leader’s mission and directives for action.”98 Many past social movements have relied upon charismatic leaders to propel individual activist into action. 6.2.2 Rational Authority/Bureaucratic Authority According to Weber, the belief in bureaucratic authority stems from normative rules when individuals are formally appointed or elected under these rules.99 This is a common form of governing recognized by West, essential to global movements in order to propel legislation and promote safeguards to its enforcement. 6.2.3 Traditional Authority Often recognized as patriarchal leadership within families, the traditional authority model is a result of custom and respect. Recognized commonly in indigenous cultures, traditional authority can at times conflict with state authority. For example, Lungisile Ntsebeza 94  Id. at 2. 95  Id. 96  Conger, Jay A. & Rabindra N. Kanungo, Toward a behavioral theory of charismatic leadership in organizational settings,Academy of management review637, 637(1987), available at http://www.jstor.org/di scover/10.2307/258069?uid=3739928&uid=2&uid=4&uid=37392 56&sid=21102168162797 citing House and Baetz, 399 (1979). 97  Id. 98  Conger, 637 citing Willner 1984. 99  Max Weber, available at http://business.nmsu.edu/~dboje/ teaching/503/weber_links.html (last visited August 20, 2013) (referencing Weber, Max The Theory of Social and Economic Organization. (1947 Translated by A. M. Henderson & Talcott Parsons 1947), See also Weber, Max, Three types of Legitimate rule, 3.

LECATES, Liesel. Indigenous rights movement: is the same needed to prevent continued human rights violations of the mentally ill. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 34-52

6.1 Relative Deprivation

45

6.3 Mobilization According to Doug McAdam, a number of factors and processes facilitate mobilization.101 These factors, such as political opportunity, can lead to different methods of mobilization.102 In his book, Social Movements and The Legal System, Joel Handler states the ability “to mobilize resources depends primarily on size, on its ability to attract elite support, or on its capacity to provide meaningful selective incentives to its leaders and staff.103 There are however, problems when attempting to promote a selective good as opposed to a collective good which would benefit society as a whole.104 Specifically, mobilizing resources and support from those who view the benefit is immaterial for oneself.105 Some individuals join organizations for solidarity or for a sense of satisfaction when the benefits go to the larger society or groups other than the joiner,”106 but “the most powerful incentives are material ones.”107 Historically, some movements and organizations have relied upon different techniques to acquire support, mobilize resources, and maintain effectiveness. Some organizations rely upon mass memberships where the incentive to join is small, but the participation is minimal, usually including a small yearly membership

100  Ntsebeza, Lungisile, Democratic decentralisation and traditional authority: Dilemmas of land administration in rural South Africa,The European Journal of Development Research16.1, 7189, 81 (2004), available at http://pdf.wri.org/eaa_decentralization_ ejdr_final_chap5.pdf. 101  Comparative Perspectives on Social Movements: Political Opportunities, Cambridge Un Press, 26 (McAdam, Doug, McCarthy, John, D. & Zald, Mayer N. eds., May 1996), available at http:// books.google.com/books?hl=en&lr=&id=8UamWMisjtkC&oi=f nd&pg=PR7&dq=mobilization+in+social+movements&ots=Dt Uz1_kwxg&sig=krEA1SYjdSS4B_qgZc1MiNs8cMo#v=onepage &q=mobilization%20in%20social%20movements&f=false. 102  Id. 103  Handler, Joel, F., Social Movements and the Legal System, A Theory of Law Reform and Social Change, 5 (1979). 104  Id., see generally, discussion of Olson’s theory of collective good and selective good, and the need to overcome “free riders.” 105  Id. at 7. 106  Id. 107  Id. See Gamson quote, 60-66 (1975) “organizations that are successful in supplying material selective incentives have the best success rates.”

fee.108 For example, a common technique employed in “funded social movement organizations,” includes providing prestige and career development as selective incentives for leadership while support is provided by nonmembers.109 With professional full-time staff, these leaders “use the media to attract members, gather support, and influence elites.”110 This however can be “unstable,” as the majority of contributors “do not directly experience the grievances of the group; their relationship is tenuous” as they pay “for the collective goods but [who] do not consume them.” 6.4 Globalization Sidney G. Tarrow explains that “globalization from below” will be a slow process he describes as “transnational contention.”111 Below he defines the five emerging methods of “transnational contention.” •

Domestication: the use of internal protest tactics that pressure national governments to defend people’s interest

Global framing: the framing of domestic issues in broader terms than their original claims would seem to dictate

Transnational diffusion: the spread of similar forms of action and similar claims across borders

Externalization: domestic actors targeting external actors in attempts to defend their interests

Transnational coalition formation: the creation of transnational networks to support cooperation across borders112

As movements rely upon these methods, globalization can occur, even if the process at times yields results slowly.

108  Id. See generally example Common Cause at 9. 109  Id. at 8. 110  Id. 111  Tarrow, Sidney G., Power in Movement, Social Movements and Contentious Politics, 3rd Ed., 235 (2011). 112  Id., See Lanham, MD: Rowman & Littlefield (transnational coalition formation, text includes citation to. Coalitions Across Borders: Transnational Protest and the Neoliberal Order. (Bandy, Joe and Jackie Smith, eds., 2004).

LECATES, Liesel. Indigenous rights movement: is the same needed to prevent continued human rights violations of the mentally ill. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 34-52

writes that rural South Africa should take “into account the incompatibility of democratic decentralization and hereditary rule that underlines traditional authority.”100

46

Historically, mental illness is not the only injustice provoked by cultural stigma. Physical disabilities, race, and gender have all benefited from social movements to increase awareness of the immorality of stigma induced unfair and unequal treatment. These social movements can take years to progress, but have dramatically changed human rights. An example of an effective social movement is the global Indigenous movement which will be discussed and compared below. 7.1 Indigenous Social movement In 1957, the first international convention specific to indigenous persons was adopted by the International Labor Organization (“ILO”) “at the request of the UN-System.”113 This Convention No. 107 was a step in the right direction, but embraced an “integrationist approach,” which did not preserve the indigenous right to self-determination and failed to preserve language and culture.114 Then in 1989,115 the ILO adopted Convention No. 169, which as of August 2013, has been ratified by 20 countries.116 Unlike Convention 107, 169 incorporated a conservationist approach in order to protect the valued rights and customs of indigenous persons.117 Convention 169 was once again a step in the right direction, but still insufficient protection. Augusto Willemsen Diaz states that from 1977 onward, relying “on enthusiastic, devoted, brilliant and effective struggle of indigenous peoples and their members, as well as on the international indigenous movement that was forming and growing around the task,” pursued “obtaining recognition of indigenous peoples. . . along with their human rights and fundamental freedoms. . .”118 During the United Nations Decade for Indigenous Peoples (19952004), transnational organizations sought “recognition 113  International Labour Organization, Convention No. 107 (1996-2013) available at http://www.ilo.org/indigenous/Conventions/no107/lang--en/index.htm. 114  Id. 115  Id. 116  International Labour Organization, Convention No. 169 (1996-2013), available at http://www.ilo.org/indigenous/Conventions/no169/lang--en/index.htm. 117  Id. 118  Making the Declaration Work, IWGIA, 18 (Charters, Claire & Stavenhagen, Rodolfo eds., December 2009), Available for PDF download http://www.iwgia.org/publications/searchpubs?publication_id=11.

and rights” for indigenous peoples specifically related to “property and possessions (such as territories, resources, material culture, genetic material, and sacred sites), practices (cultural performances, arts, and literature), and knowledge (cultural, linguistic, environmental, medical, and agricultural).”119 Then finally, in September 2007, the United Nations adopted the United Nations Declaration on the Rights of Indigenous Peoples by a vote of 144 States.120 Scholars describe the success through both a top-down and bottom-up approach. Lillian Aponte Miranda describes this “macro-level” scenario, stating that “a narrative of indigenous peoples’ role in international lawmaking defies a “top-down/bottom-up” dichotomy. Indigenous peoples’ participation reflects a bottom-up transnational social movement that engages both informal mechanisms of knowledge production and norm-generation and formal, top-down decision-making structures with the aim of establishing indigenous peoples’ distinctiveness.”121 As a means of furthering such resistance to local circumstances, these communities engage informal mechanisms of transnational knowledge production such as transnational networks and non-governmental organizations. They further engage formal channels of decision-making through advocacy before international and regional human rights bodies. Indigenous communities’ multi-layered participatory efforts focus on strategically identifying core indigenous norms and values that distinguish indigenous communities from other groups. These efforts serve as a foundation for the recognition of a distinctive transnational identity and framework of rights.122

Describing the involvement of individual communities, Aponte indicates that many indigenous communities engage “in bottom-up resistance against affronts to their way of life through participation in informal norm-building processes.”123 These communities worked in conjunction with “transnational networks 119  Hodgson, Dorothy L, Introduction: Comparative perspectives on the indigenous rights movement in Africa and the Americas,American Anthropologist104.4, 1037, 1037 (2002), available at http://graduateinstitute.ch/webdav/site/mia/shared/mia/cours/ IA010/Hodgson%202002%20intro.pdf. 120  Wiessner, Siegfried, Audiovisual Library of International Law, United Nations Declaration on the Rights of Indigenous Peoples, New York, (13 September 2007), available at http://untreaty. un.org/cod/avl/ha/ga_61-295/ga_61-295.html. 121  Lillian Aponte Miranda, Indigenous Peoples As International Lawmakers, 32 U. Pa. J. Int’l L. 203, 213 (2010) 122  Id. (discussing communities such as “Awas Tingni in Nicaragua, U’wa in Colombia, and Western Shoshone in the United States”). 123  Id at 228.

LECATES, Liesel. Indigenous rights movement: is the same needed to prevent continued human rights violations of the mentally ill. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 34-52

7. History of social movements

47

Aponte further states that “through a transnational social movement that has capitalized upon the politics of difference, indigenous peoples have participated significantly in the construction of a distinctive international, legal identity and derivative framework of human rights.”127 The indigenous rights movement has effectuated worldwide change. There are still innumerable violations of rights, but this movement has facilitated great improvement and is regarded as a success by the international community. Although a global change has taken root, the process was slow. For example, in the 1920s the Australian movement began when an aborigine man named Anthony Martin Fernando, moved to Europe and began protesting the inequality in Australia.128 It took forty years, but in 1967, “90 per cent of Australians voted in a referendum in favor of removing references in the Australian constitution that discriminated against Aboriginal people.”129 Although Anthony Fernando did not live to see success, future activist were inspired by his work.130 In this case it was “not the government,” but the ordinary people who decided to change things.131 124  Id. 125  Id. 126  Dinah Shelton, Normative Hierarchy in International Law, 100 AM. J. INT’L L. 291, 319–23 (2006) (discussing the “dynamic interplay” between “hard law” and “soft law”) as cited note 10, 81 by Lillian Aponte Miranda, Indigenous Peoples As International Lawmakers, 32 U. Pa. J. Int’l L. 203, 228 (2010). 127  Lillian Aponte Miranda, Indigenous Peoples As International Lawmakers, 32 U. Pa. J. Int’l L. 203, 205 (2010) 128  Australian geographic, The Fight for Aboriginal Civil Rights, (May 25, 2010), available at http://www.australiangeographic.com. au/journal/indigenous-civil-rights.htm 129  Id. 130  Id. 131  Id. quoting an interview of Jay Arthur (curator of a Mel-

8. Mental Health Social Movements Social movements have the potential to impact human rights violations of the mentally ill, because social movements have the capacity to revolutionize when developed across multiple states.132 According to the WHO, as mental health advocacy movements have developed in countries such as Australia, Canada, Europe, New Zealand and others, it has helped to change society’s perceptions of persons with mental disorders.133 In 2003, the WHO also reported that current movement “comprises a diverse collection of organizations and people with various agendas [, and] although many groups join together to work in coalitions or to achieve common goals, they do not necessarily act as a united front.”134 However, although many developed countries have begun the formation of social movements, many developing countries have only infant mental health advocacy groups or have yet to form any.135 Yet, even if the movements have not begun, there exist a “potential for rapid development, particularly because costs are relatively low, and because social support and solidarity are often highly valued in these countries.”136 In order to realize the potential within these societies, “technical assistance and financial support from both public and private sources” are likely needed. 137 Although indigenous peoples have not traditionally had equal access to justice and due to language and cultural barriers, there are individuals within indigenous communities who have successfully self-advocated. Also similar to the disability movement, persons suffering from severe mental illness would theoretically have difficulty advocating justice. The institutionalized mentally ill will be more productive with the assistance of others. Likely relying even more on outside assistance than indigenous persons who often advocated on their own behalf through NGOs and systems of government.

bourne, Australia), From Little Things Big Things Grow, (Exhibition on Aboriginal Rights). 132  Castells, Manuel, The City and Social Movements, Human Geography 2 available at http://socgeo.ruhosting.nl/html/files/ geoapp/Werkstukken/Castells2.pdf (Last visited April 4, 2013), citing Tarrow, S.G. Power in movement: social movements and contentious politics (Cambridge 1998). 133  Supra note 30, at 3. 134  Id. 135  Id. 136  Id. 137  Id.

LECATES, Liesel. Indigenous rights movement: is the same needed to prevent continued human rights violations of the mentally ill. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 34-52

and non-governmental organizations dedicated to the production of knowledge and generation of norms regarding the recognition of a distinctive transnational indigenous identity and a derivative framework of indigenous rights.”124 However, communities have also mobilized “through participation in more formal, institutionalized, top-down structures that contribute to the development of norms and decision-making regarding indigenous peoples’ rights.”125 Through both the “formal” and “informal” processes have the indigenous rights movement rendered success through contributing “to the formulation of “hard” and “soft” law” principles applicable to indigenous peoples.”126

48

8.2.1 Actual Opportunity

An example of budding changes occurred in the United States. In the 1950s proponents of mental health reform within the United States instituted litigation to promote the right to treatment.138 This litigation protected involuntarily committed individuals from going to prison when they had not committed a crime; affording these the right to receive psychiatric treatment.139 In the 1970s Wyatt v. Stickney140 eventually led to hearings where courts adopted standards that included requirements such as the “right to privacy and dignity.”141 Studies found that there was a “was a significant increase in public expenditures for mental health, and this was directly attributable to the litigation,” along with “great improvement in the personal cleanliness of the patients and the sanitary conditions of the facilities and ‘most life-endangering conditions were removed.’”142 The Wyatt circumstances were distinctive, the judge was an activist and he appointed a unique Human Rights Committee to oversee the defendant institutions.143 These were “extraordinary,” “non-traditional” measures, but the scenario is still applicable as evidence that feasible changes in mental healthcare can occur under prejudice circumstances.144 Finally, Handler notes that the mental health law reformers did not have favorable circumstances, that unlike the civil rights lawyers, “there were no groups to which the lawyers could belong,” and although these persons had the “legal expertise,” they had “no expertise or resources in the enforcement stage.”145

Similar to mentally ill individuals, indigenous peoples have traditionally been inflicted by injustice.147 However, the public must become aware of the Relative Deprivation between those perceived as mentally healthy and those with mental health problems. As Tarrow states, the opportunity need not be great, but as opportunities present there will be a positive-feedback loop. Recently, as the disabilities movement has resulted in some success, the moment to “make evident” the available opportunities for change has arrived.148

8.2 How to implement a Mental Health Social Movement Similar to the indigenous movement, through both a “top-down” and “bottom-up” approach, the mentally ill could advocate in order to formulate both “’hard’ and ‘soft’ law principles.”146

138  Supra note 102, at 167. 139  Id. 140  Wyatt v. Stickney, 344 F. Supp. 373, 344F Supp. 387 (M.D. Ala. 1973) enforcing 325 F. Supp. 781, 334 F. Supp. 1341, aff ’d. in part. 503 F.2d 1305 (5th Cir. 1974). As cited by Handler, note 13 at 167. 141  Supra note 95, at 168. 142  Id. 143  Id. 144  Id. 145  Id. at 175. 146  See Supra note 125.

8.2.2 Leadership and Authority In order to implement a global social movement there must be “strategic decision-makers who Inspire[s] and organize[s] others to participate in social movements.”149 There can exist more than one leader; however, there must be leadership in order to “articulator” the cause of the mentally ill, and to gain and retain support for the movement.150 According to the Weber paradigm, this movement would be the most successful if all three types of leadership were included. For example, a charismatic leader would act as a voice of the mentally ill, one who could articulate the problems to gain support of the general public. A charismatic leader could also benefit a mental health movement in order to unify the bureaucratic and traditional societies. However, rational authority would also be beneficial. With politicians and bureaucrats advocating on behalf of the mentally ill, the process of change would occur rapidly. Although, not leaders of the movement, sub-traditional leaders could also benefit society as families and groups begin to recognize the injustice on a larger scale. 8.2.3 Mobilization A concern with regards to Mental Health Social Movement is the ability to mobilize, and, as discuss above, 147  University of Minnesota Human Rights Library, Introduction, Study Guide: The Rights of Indigenous People (2003) available at http:// www1.umn.edu/humanrts/edumat/studyguides/indigenous.html 148  Goodwin 42, citing to Tarrow 96-97 (1994). 149  Morris, Aldon, Leadership in Social Movements Aldon Morris and Suzanne Staggenborg, 1 (2002), available at http://www.sociology. northwestern.edu/people/faculty/documents/Morris-Leadership. pdf. 150  Id. at 2.coo

LECATES, Liesel. Indigenous rights movement: is the same needed to prevent continued human rights violations of the mentally ill. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 34-52

8.1 United States Movement

49

8.2.4 Globalization According to Tarrow, “since the 1990s, an increasing number of contentious actors and actions have crossed national boundaries, united challenger from different countries, or targeted foreign and international targets.”154 For example, the transnationalization of a movement are the campaigns “mounted by coalitions of indigenous groups with support from NGOs abroad” in Northern Quebec, South America, and rural India “to stop the construction of major dams. . .” 151  Cook, Thomas M., Disability Rights: A global grass-roots movement, The Gazette (July 28, 2011), available at http://thegazette. com/2011/07/28/disability-rights-a-global-grass-roots-movement/ 152  See Supra note 30, at 13. 153  Id. 154  See Supra note 110, at 235.

Similar to these movements, a mental health movement could feasibly transcend national borders. In the case of the dam construction, specific indigenous groups were represented by global NGOs who had the experience and ability to halt construction through litigation. In the case of mental illnesses, with the support of global mental health advocacy groups, the mental health advocacy groups could also effectively campaign through both global framing and transnational diffusion.155 8.3 Outcomes of a mental health social movement As mentioned above, the current problems associated with human rights violations of the mentally ill include: (1) Lack of available care, (2) lack of cooperation to acquire the multidisciplinary action necessary to care for the mentally ill, (3) lack of education and (4) lack of effective mental health policy. Through a successful social movement, the four problems can feasibly be improved as “Advocacy has helped consumers make their voices heard and to show the real people behind the labels and diagnoses.”156 The following section will briefly discuss how according to social movement theory, these problems could be improved to afford better protection to those currently suffering from mental illness. 8.3.1 Available Care Globally, the available mental health care is appalling. “Only a small minority of people with mental disorders receive even the most basic treatment,”157 “only 51% of the world’s population have access to treatment for severe mental disorders at the primary care level,” and this treatment is “not necessarily effective or comprehensive.”158 As a movement advocates and increases persons understanding of mental illnesses, available care will increase due to demand, and also through promotion similar to physical healthcare advocates. This will likely be a slow process as mental health personnel are trained and societal perspectives are changed, but the outcome will greatly benefit society.

155  Id. See description. 156  See Supra note 30, at 9. 157  Id. 9. 158  Id. 10.

LECATES, Liesel. Indigenous rights movement: is the same needed to prevent continued human rights violations of the mentally ill. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 34-52

in creating incentives to join the movement. Although Indigenous peoples had to overcome language, location, and other barriers to participate in the Indigenous movement, the many mentally ill would have even more difficulty advocating on their own behalf. Additionally, the Indigenous peoples often had the “material” incentive to mobilize, if they failed to act, often their land, resources, and way of life would be jeopardized. However, to advocate on behalf of the mentally ill would more similarly parallel the Disability Movement where many of those disabled received support from individuals whose selective incentives differed from direct material goals. This movement too has brought success. For example, the Americans with Disabilities Act (“ADA”) was passed in the United States in the 1990s after multiple social movements of the 1960s and 1970s were effective in increasing awareness of unneeded institutionalization and the unequal treatment of these persons.151 Also, similar to the disabilities movement, a mental health movement could partially rely on persons unaffected by mental illness. Recently, the WHO has recognized that over the last 40 years the concept of “self-advocacy” has emerged, giving power and motivation to those who are affected by mental disorder and their family members.152 Additionally, within the 25 years the movement has grown to comprise not only severe illnesses, but also the mildly ill, and public mental health.153 This incorporation provides an incentive for mobilization as the general public could have more material gain from advocating than just “selective goods.”

50

8.3.4 Optimal Legislation

Lack of disciplinary cooperation causes a lacuna in care, but a multi-sectoral approach can also prevent deaths secondary to mental illness. Mental illness is a major risk factor for suicide within North America and Europe, and according to the WHO, there are currently one million suicides a year worldwide.159 The WHO also suggest that lack of suicide awareness and societal taboos have prevented countries from adequately addressing suicide.160 In reality the complexities of suicide are such that change in one sector of society alone is insufficient; suicide prevention necessitates a multidisciplinary approach from many professionals.161

One of the prospects of the activism would be to implement ideal mental health legislation. In order to implement effective norms the cooperation of both non-state and state actors is needed as both contribute to the development of “international norm-building.”163

Through a global movement, more institutions can be involved in mental illness care. This multi-disciplinary involvement will not only decrease suicide rates, but increase productivity as children with mental illnesses receive proper treatment. As children and adolescents receive adequate care, the likelihood of future criminal activity also decreases. Educators will be more aware of rights and privileges, the criminal justice system will be more efficient and housing could be fairly regulated. 8.3.3 Education The general public should be educated in order to decrease stigma.162 Without an educated public, optimal legislation would be ineffective. It would resemble the desegregation laws which many states within the United States failed to enforce until further progression of the civil rights movement. As education changes perspectives and increases understanding of the pathophysiology of the illnesses, person will be more likely to abide by the laws enforced. Educating mental health care providers could also lead to increased quality of care. As those performing the care are more educated, this creates the atmosphere to educate patients and families concerning illnesses.

159  Mental Health, Suicide Prevention (SUPRE), World Health Organization, available at http://www.who.int/mental_health/prevention/suicide/suicideprevent/en/ (last visited April 4, 2013). 160  Id. Challenges and Obstacles. 161  Id. 162  See Supra note 30, at 42. (See comment explanation of initiatives of developed countries to reduce stigma, increase financing, and laws to protect the rights of the mentally ill).

In 1996, the WHO Division of Mental Health and Prevention of Substance Abuse released ten basic principles of mental healthcare law after comparing the legislation of 45 different countries.164 These principles also draw upon the ideas recognized in the “Principles for the Protection of Persons with Mental Illness and the Improvement of Mental Health Care adopted by UN General Assembly Resolution 46/119 of 17 December 1991.”165 These principles include: (1) promotion of mental health and prevention of mental disorders (2) access to basic mental health care (3) mental health assessments in accordance with internationally accepted principles, (4) provision of the least restrictive type of mental health care, (5) self-determination, (6) right to be assisted in the exercise of self-determination, (7) availability of review procedure, (8) automatic periodical review mechanism , (9) qualified decision-maker, and (10) respect of the rule of law.166 These basic principles when applied would prevent numerous violations. For example, number four provides that the “least restrictive type of mental healthcare” be given.167 The components of this principle include providing community based-care when applicable and limiting restraints, chemical restraints, and isolation to the most extreme circumstances when necessary to prevent harm to the patient or others.168 Additionally, these mechanisms should have strict time limitations to prevent abuse, such as four hour restriction for physical restraints.169 163  See generally discussion, Levit, Reflections on the New Haven School (conveying the importance of “bottom-up” international lawmaking); Mertus, Kitchen Table (exploring how social movements wield influence over international norms); Mertus, Transnational Civil Society (arguing that non-state actors play a role in protecting human rights). As cited by Lillian Aponte Miranda, Indigenous Peoples As International Lawmakers, 32 U. Pa. J. Int’l L. 203, 210 (2010). 164  Mental Healthcare Law: Ten Basic Principles, Foreword, World Health Organization (1996), available at http://www.who. int/mental_health/media/en/75.pdf 165  Id. 166  Id. see Table of Contents 167  Id. 168  Id. at 4, Provision of the Least Restrictive Type of Mental Health Care: components. 169  Id.

LECATES, Liesel. Indigenous rights movement: is the same needed to prevent continued human rights violations of the mentally ill. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 34-52

8.3.2 Multidisciplinary Cooperation

51

These basic standards, although “not a model act,” provide a fundamental framework for change that can guide rule-makers to implement legislation which could significantly impact and reduce abuses of persons suffering from mental illness.171 However, to change policy, and implement the new policy, social awareness that a problem exist must too increase.

9. Conclusion: The Need for a Current Social Movement A social movement is essential in order to forestall the forthcoming mental health crisis. Through increa170  Id. at 7 Availability of Review Procedure. 171  Id. at Foreword

sed awareness, and decreased stigma association, a social movement could be key to decreasing human rights violations of the mental ill. The public needs to be engaged in a dialogue about the true nature of mental illnesses, their devastating individual, family and societal impacts, and the prospects of better treatment and rehabilitation alternatives. At the same time, stigmatizing attitudes need to be tackled frontally through campaigns and programmes aimed at professionals and the public at large.172

As activist initialize social movements, results could significantly assist millions of people suffering from stigma induced injustice. As a movement increases education, available care, multi-sectoral action, and legislation, it has the potential to increase not only quality of care, but availability of care. As quality of life improves for those suffering from mental illness, public productivity will also increase. Society’s current taboo towards treatment disincentives those who need care to seek it, causing future problems, and without action, many receiving treatment will continue to suffer prolonged solitary confinement, unnecessary restraints, and other physical and verbal abuses, burdening the public, families, while worsening the conditions of those suffering. 172  See Supra note 18, at 19.

LECATES, Liesel. Indigenous rights movement: is the same needed to prevent continued human rights violations of the mentally ill. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 34-52

Principle number seven provides another example of a protective mechanism to prevent unnecessary restrictions of freedom, and greater patient autonomy. This principle, “the availability of review procedure,” allows the individual to “be heard in person,” and for the review to assure that a certain action is absolutely necessary to protect the individuals or others from harm.170

52

O discurso das drogas construído pelo direito internacional The discourse of drugs built by international law

Camila Soares Lippi

doi: 10.5102/rdi.v10i2.1993

O discurso das drogas construído pelo direito internacional The discourse of drugs built by international law* Camila Soares Lippi**

Resumo O objetivo deste artigo é sistematizar e problematizar os tratados internacionais de controle penal das drogas, situando-os historicamente. Os marcos teóricos foram a criminologia crítica de Alessandro Baratta, Nilo Batista e Eugenio Raul Zaffaroni, e, na área de Relações Internacionais, teoria crítica das Relações Internacionais, principalmente as obras de Robert Cox. A hipótese central deste trabalho é a de que a construção do discurso de criminalização das drogas se desenvolveu no Direito Internacional enquanto consequência da hegemonia norte-americana. Para isso, em termos metodológicos, empreendeu-se esta pesquisa, de caráter interdisciplinar, nas áreas de Direito Penal Internacional, Criminologia e Relações Internacionais. Ainda em relação à metodologia, optou-se por realizar pesquisa documental, assim como realizar revisão bibliográfica sobre a temática. Ao final da pesquisa, confirmou-se a hipótese de que a hegemonia norte-americana foi decisiva para moldar o discurso das drogas no Direito Internacional, com o regime internacional de controle penal das drogas se tornando mais rígido conforme a hegemonia norte-americana se tornava mais forte. Trata-se de pesquisa relevante por haver uma carência de estudos sobre drogas do ponto de vista do Direito Internacional, e também por promover o diálogo entre essa área e as Relações Internacionais. Palavras-chave: Regime internacional de controle das drogas. Proibicionismo. Hegemonia norte-americana.

Abstract

*  Recebido em 26/07/2012   Aprovado em 31/01/2013 **  Mestre e Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Bacharel em Relações Internacionais pelo Centro Universitário Metodista Bennett. Pesquisadora do Laboratório de Direitos Humanos da UFRJ (LADIH-UFRJ). Advogada. A autora gostaria de agradecer à preciosa orientação de Luciana Boiteux, cuja cuidadosa orientação foi essencial para a qualidade deste trabalho. Email: [emailprotected]

This paper aims to systematize and questioning the international treaties on criminal control of drugs, situating them historically. The theoretical underpins were the critical criminology of Alessandro Baratta, Nilo Batista and Eugenio Raul Zaffaroni, and, on the International Relations field, we use the critical theory of International Relations, especially the writings of Robert Cox. This article’s central hypothesis is that the construction of the drug criminalization discourse was developed in International Law as a consequence of the North-American hegemony. So, as a methodology, it was made an interdisciplinary research, on the fields of International Criminal Law, Criminology and International Relations. It was also made documental research and bibliographic review. In the end of the research, the hypothesis was confirmed: the North-American hegemony was decisive to build the discourse about drugs in International Law,

Keywords: International regime on drug control. Prohibitionism. North-American hegemony.

1. Introdução O objetivo deste artigo é sistematizar e problematizar os tratados internacionais de controle penal das drogas, situando-os historicamente. Os marcos teóricos foram a criminologia crítica de Alessandro Baratta, Nilo Batista e Eugenio Raul Zaffaroni, e, na área de Relações Internacionais, utiliza-se a teoria crítica das Relações Internacionais, principalmente as obras de Robert Cox. A hipótese central deste trabalho é a de que a construção do discurso de criminalização das drogas se desenvolveu no Direito Internacional enquanto consequência da hegemonia norte-americana. Para isso, em termos metodológicos, empreendeu-se essa pesquisa, de caráter interdisciplinar, nas áreas de Direito Penal Internacional, Criminologia e Relações Internacionais. Ainda em relação à metodologia, optou-se por realizar pesquisa documental (nos próprios tratados que são objeto deste trabalho e nos comentários oficiais das Nações Unidas em relação aos mesmos), assim como realizar revisão bibliográfica sobre a temática. Quanto ao percurso analítico adotado, começamos estudando a Conferência de Xangai, cujo documento final não foi um tratado, não tendo, portanto, qualquer caráter vinculante, sendo norma de soft law apenas. Em seguida, são analisadas as duas Convenções Internacionais do Ópio, a Convenção Internacional para Limitar a Fabricação e Regulamentar a Distribuição dos Estupefacientes, a Convenção para a Repressão do Tráfico Ilícito das Drogas Nocivas, a Convenção Única de Entorpecentes, a Convenção sobre Substâncias Psicotrópicas, e a Convenção sobre o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e de Substâncias Psicotrópicas. Finalmente, é realizada uma análise de todo esse aparato normativo de controle penal das drogas sob a ótica da teoria crítica das Relações Internacionais, particularmente sob a ótica de Robert Cox.

2. A conferência de Xangai (1909) Em 1909, ocorreu a Conferência de Xangai, o primeiro grande encontro internacional sobre o tema de drogas, cujo foco foi discutir a limitação do comércio de ópio e seus derivados. Para regozijo do governo chinês, que há pouco tempo havia sido derrotado pela Grã-Bretanha na Guerra do Ópio, essa Conferência havia sido organizada por um novo aliado, marcadamente proibicionista: os Estados Unidos.1 A Conferência de Xangai aconteceu em um contexto de grandes mudanças políticas, em que começava a declinar a hegemonia britânica. Além disso, os Estados Unidos emergiam como potência, em uma ordem internacional na qual, grande parte do mundo ainda estava dividida entre os Estados europeus.2 Os Estados Unidos e a China se posicionavam de forma favorável à proibição do comércio do ópio, sendo essa postura proibicionista estadunidense o fio condutor para se compreender a gênese das normas internacionais de controle penal das drogas. Os países europeus, porém, não desejavam esse tipo de limitação, pois esse lobby foi feito por suas indústrias farmacêuticas, tanto para o uso hedonista quanto para o uso medicinal, que enxergavam nisso a queda de seus lucros. Além do lobby dessas indústrias farmacêuticas, esse continente tinha monopólio sobre a extração de matéria prima para produzir as drogas em seus territórios ultramarinos.3 A Conferência de Xangai criou o primeiro documento relativo ao controle das drogas, que não era exatamente um tratado, e, portanto, era desprovido de caráter vinculante. Ele fazia recomendações genéricas à necessidade de redu1  RODRIGUES, Thiago. A infindável guerra americana: Brasil, o narcotráfico e o continente. São Paulo em perspectiva, v.12, n. 6, p. 103, 2002. Disponível em:< http://www.scielo.br/pdf/spp/ v16n2/12116.pdf>. Acesso em: 15 maio 2011; RODRIGUES, Thiago. Tráfico, guerra proibição. LABATE, Beatriz Cauby, et al. Drogas e cultura: novas perspectivas. Salvador: EDUFBA, 2008. p. 92. 2 RODRIGUES, Thiago. Política e drogas nas Américas. São Paulo: Educ, 2004. p. 48. RODRIGUES, Thiago. Tráfico, guerra proibição. LABATE, Beatriz Cauby, et al. Drogas e cultura: novas perspectivas. Salvador: EDUFBA, 2008. p. 92. 3 RODRIGUES, Luciana Boiteux de Figueiredo. O controle penal sobre as drogas ilícitas: o impacto do proibicionismo sobre o sistema penal e a sociedade. 2006. f ?. Tese (Doutorado em Direito)-Faculdade de Direito da USP, São Paulo, 2006. p. 37-38; JELSMA, Martin. Bolivia’s denunciation of the 1961 Convention on Narcotic Drugs. Transnational Institute, 30 de junho de 2011. p. 2-3. Disponível em: . Acesso em: 2 jul. 2011; RODRIGUES, Thiago, Op. cit., 2002, p. 103.

LIPPI, Camila Soares . O discurso das drogas construído pelo direito internacional. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 53-65

with the international regime on drug control becoming more rigid as the North-American hegemony became stronger. This research is relevant because there is a lack of studies about drugs under the standpoint of International Law, and also because it promotes the dialogue between this field and International Relations.

55

3. As convenções internacionais do ópio (1912 e 1925) Contrariando a vontade das potências europeias, os EUA lançaram a proposta de uma conferência de plenipotenciários para a elaboração de um tratado internacional sobre o controle de drogas. Todavia, essas potências não tivessem interesse em um tratado sobre essa matéria, não podiam ignorar essa proposta, dado o precedente da Conferência de Xangai, a magnitude do problema e o poderio que os Estados Unidos já exerciam nesse período.5 Assim, em 1911, as principais potências internacionais daquela época se reuniram para o início das negociações sobre esse novo tratado. Ficava patente uma postura proibicionista estadunidense, com o objetivo de controlar o uso não médico de ópio e derivados. Porém, as potências europeias defendiam o controle limitado e a legalidade do uso “quase médico”, categoria vaga e indefinida que pretendia incluir, sob a forma de automedicação, usos correntes e habituais do ópio fumado.6 Em 1912, é aprovada a Primeira Convenção Internacional do Ópio, ou Convenção sobre o Ópio da Haia, que limita a produção de ópio, morfina e cocaína, as substâncias de maior visibilidade nas sociedades americana e europeia do início do século XX. Estabeleceu-se, nesse tratado, a necessidade de cooperação internacional no controle dos narcóticos, restringindo-se seu uso recreativo, apenas permitido o uso médico. 7 4 RODRIGUES, Thiago. Política e drogas nas Américas. São Paulo: Educ, 2004. p. 48. RODRIGUES, Thiago. Tráfico, guerra proibição. LABATE, Beatriz Cauby, et al. Drogas e cultura: novas perspectivas. Salvador: EDUFBA, 2008., p. 93. 5  RODRIGUES, Thiago. Política e drogas nas Américas. São Paulo: Educ, 2004. p. 48. 6  RODRIGUES, Thiago. Política e drogas nas Américas. São Paulo: Educ, 2004. p. 48-49. 7  RODRIGUES, Luciana Boiteux de Figueiredo. O controle penal

Conforme sublinha Thiago Rodrigues, os Capítulos I e II desse tratado versavam sobre o controle da venda do ópio já preparado para fumar. O Capítulo III, por sua vez, pretendia estabelecer limites ao comércio de derivados do ópio (morfina, codeína e heroína) e cocaína. Porém, a pressão das potências europeias enfraqueceu bastante a aplicabilidade das cláusulas de controle dispostas nesse tratado. Finalmente, seu quarto e último Capítulo tratava especificamente da China, exortando que as potências Ocidentais auxiliassem esse país no controle do abuso do ópio. 8 Esse tratado internacional de controle das drogas foi usado como estratégia para justificar a alteração das legislações nacionais, sendo emblemático, nesse sentindo, a aprovação, nos EUA, sob a justificativa de adequação às Convenções Internacionais, do “Harrison Act” de 1914. Trata-se de legislação proibicionista fruto tanto de uma pressão de grupos moralistas internos, quanto do Poder Executivo estadunidense, que usou esse tratado internacional como forma de pressionar o poder Legislativo a legislar com o objetivo de efetivar os compromissos internacionais dos Estados Unidos.9 Em 1925, quando já existia a Liga das Nações, é aprovada, no âmbito dessa organização internacional, a Segunda Convenção Internacional do Ópio, que cria o Permanent Central Opium Board, primeira burocracia internacional a ter como mandato o controle penal das drogas, à qual os Estados-parte deveriam enviar, anualmente, estatísticas sobre a produção, consumo e fabricação de drogas.10 Ambos os tratados eram mais regulatórios do que propriamente proibitivos. Em virtude disso, os EUA e a China, os mais ardentes proibicionistas presentes às negociações das Convenções Internacionais do Ópio, retiraram-se durante as negociações da Segunda Convenção, porque, na visão deles, medidas suficiensobre as drogas ilícitas: o impacto do proibicionismo sobre o sistema penal e a sociedade. 2006. f ?. Tese (Doutorado em Direito)-Faculdade de Direito da USP, São Paulo, 2006. p. 37-38. 8  RODRIGUES, Thiago. Política e drogas nas Américas. São Paulo: Educ, 2004. p. 49. 9 RODRIGUES, Luciana Boiteux de Figueiredo. O controle penal sobre as drogas ilícitas: o impacto do proibicionismo sobre o sistema penal e a sociedade. 2006. f ?. Tese (Doutorado em Direito)-Faculdade de Direito da USP, São Paulo, 2006. p. 38; RODRIGUES, Thiago. Política e drogas nas Américas. São Paulo: Educ, 2004. p. 49-51; RODRIGUES, Thiago. Tráfico, guerra proibição. LABATE, Beatriz Cauby, et al. Drogas e cultura: novas perspectivas. Salvador: EDUFBA, 2008. p. 93-94. 10  RODRIGUES, Luciana Boiteux de Figueiredo. O controle penal sobre as drogas ilícitas: o impacto do proibicionismo sobre o sistema penal e a sociedade. 2006. f ?. Tese (Doutorado em Direito)-Faculdade de Direito da USP, São Paulo, 2006. p. 38.

LIPPI, Camila Soares . O discurso das drogas construído pelo direito internacional. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 53-65

zir lentamente o mercado de opiáceos. Essa Conferência, segundo Thiago Rodrigues, lançava dois conceitos fundamentais na argumentação estadunidense ao logo de toda a construção do aparato normativo internacional em torno do controle de drogas no século XX: o primeiro é o de que o único uso “legítimo” seria aquele destinado a propósitos científicos e médicos, devendo ser o uso para outros propósitos criminalizado; o outro era o de combate à oferta, ou seja, combate às áreas de produção.4

56

Como afirma Thiago Rodrigues, é no período em que houve a aprovação dessas duas Convenções Internacionais do Ópio (décadas de 1910 e 1920) que o uso de drogas psicoativas deixa de ser considerado pelos governos como um problema sanitário de importância muito reduzida para ser tratado como uma epidemia e, como desdobramento disso, como crime. O motivo disso é que é nesse período que o hábito de intoxicar-se deixa ser um hábito de membros da elite, e começa a se difundir entre prostitutas, pequenos criminosos, nas classes trabalhadoras urbanas etc.12 Isso ajuda a explicar a emergência de normas vinculantes internacionais justamente nesse período.

4. Convenção internacional para limitar a fabricação e regulamentar a distribuição dos estupefacientes (1931)

A Convenção Internacional para Limitar a Fabricação e Regulamentar a Distribuição dos Estupefacientes, aprovada em 1931 no âmbito da Liga das Nações, e ratificada pelo Brasil em 1934, limita a produção dessas drogas aos usos científico e medicinal, e restringiu as quantidades de drogas disponíveis em cada Estado e território, não podendo os Estados-parte do tratado que excederem a fabricação ou importação das suas necessidades de narcóticos previstas. 13

11  JELSMA, Martin. Lifting the ban on coca chewing. Bolivia’s proposal to amend the 1961 Single Convention. Series on Legislative Reform of Drug Policies n. 11, Mar. 2011. Disponível em: .Acesso em: 10 jun. 2011. p. 56; RODRIGUES, Thiago. Política e drogas nas Américas. São Paulo: Educ, 2004. p. 56. 12  RODRIGUES, Luciana Boiteux de Figueiredo. O controle penal sobre as drogas ilícitas: o impacto do proibicionismo sobre o sistema penal e a sociedade. 2006. f ?. Tese (Doutorado em Direito)-Faculdade de Direito da USP, São Paulo, 2006. p. 95. 13  BOITEUX, Luciana. Política internacional e redução de danos: o fim do “Consenso de Viena”? Versus: Revista de Ciências Sociais Aplicadas do CCJE/UFRJ, Rio de Janeiro, Ano 2, n. 6, p. 104-108, jun. 2011. BRASIL. Decreto n. 113, de 13 de outubro de 1934. Promulga a Convenção para limitar a fabricação e regulamentar a distribuição dos estupefacientes e o respectivo Protocolo de assinatura, firmados em Genebra, a 13 de julho de 1931. Disponível em: . Acesso em: 11 jun. 2011.

Da mesma forma que as Convenções Internacionais do Ópio, esse tratado era mais regulatório da produção e do comércio de drogas que proibitivo. 14

5. Convenção para a repressão do tráfico ilícito das drogas nocivas (1936) A Convenção para a Repressão do Tráfico Ilícito das Drogas Nocivas, por sua vez, foi aprovada em 1936, no âmbito da Liga das Nações. Os Estados-parte, consoante seu art. II, se comprometem a tomar as medidas legislativas necessárias para: [...] punir severamente, e, sobretudo com pena de prisão ou outras penas privativas de liberdade, os seguintes atos: a) fabricação, transformação, extração, preparação, detenção, oferta, exposição à venda, distribuição, compra, venda, cessão sob qualquer título, corretagem, remessa, expedição em trânsito, transporte, importação e exportação dos estupefacientes, contrárias às estipulações das referidas Convenções [Convenção da Haia, de 23 de janeiro de 1912, e das Convenções de Genebra, de 19 de fevereiro de 1925, e de 13 de julho de 1931]; b) participação intencional nos atos mencionados neste artigo; c) sociedade ou entendimento para a realização de um dos atos acima enumerados; d) as tentativas e, nas condições previstas pela lei nacional, os atos preparatórios”.15

Essa Convenção criminaliza a venda de drogas cuja produção e comércio já eram regulamentados pelos tratados anteriormente citados, sendo o primeiro tratado de controle das drogas com mandato criminalizante. Ela também prevê mecanismos de cooperação jurídica internacional em matéria penal, regulamentando a extradição de pessoas que cometam qualquer dos atos previstos em seu art. II, transcrito acima, e também de cartas rogatórias em processos que tenham como objeto qualquer 14 JELSMA, Martin. The development of international drug control. Lessons learned and strategic challenges for the future. Series on Legislative Reform of Drug Policies n. 10, February 2010, p. 2. Disponível em: . Acesso em: 20 maio. 2011. 15  BRASIL. Decreto N. 2.994, de 17 de agosto de 1938. Promulga a Convenção para a repressão do tráfico ilícito das drogas nocivas, Protocolo de Assinatura e Ato final, firmado entre o Brasil e diversos países, em Genebra, a 26 de junho de 1936, por ocasião da Conferência para a repressão do tráfico ilícito das drogas nocivas. Disponível em:< http:// www2.mre.gov.br/dai/drogas.htm>>. Acesso em: 20 set. 2009.

LIPPI, Camila Soares . O discurso das drogas construído pelo direito internacional. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 53-65

temente restritivas não estavam sendo impostas. Além disso, os Estados Unidos não assinaram a Segunda Convenção. 11

57

Porém, essa Convenção só foi assinada por 13 países, e somente entrou em vigor durante a Segunda Guerra Mundial, quando o controle das drogas não era uma prioridade para a maioria dos países, especialmente para os europeus. Eles viam de forma particularmente cética as tentativas estadunidenses de criminalizar o comércio e a produção de drogas, devido ao lucro, mencionado anteriormente, que eles e suas indústrias farmacêuticas tinham com esse setor.18

6. Convenção única de entorpecentes (1961) Somente após a Segunda Guerra Mundial, com a Europa definitivamente enfraquecida, com a emergência dos Estados Unidos enquanto potência dominante, e com a criação da Organização das Nações Unidas, foi criada a atmosfera política que possibilitou a criação de um robusto regime internacional de controle penal das drogas.19 Nesse contexto, foi aprovada a Convenção Única de Entorpecentes. Os trabalhos preparatórios em torno da Convenção 16  BRASIL. Decreto N. 2.994, de 17 de agosto de 1938. Promulga a Convenção para a repressão do tráfico ilícito das drogas nocivas, Protocolo de Assinatura e Ato final, firmado entre o Brasil e diversos países, em Genebra, a 26 de junho de 1936, por ocasião da Conferência para a repressão do tráfico ilícito das drogas nocivas. Disponível em:< http://www2.mre.gov.br/dai/drogas.htm>>. Acesso em: 20 set. 2009. JELSMA, Martin. The development of international drug control. Lessons learned and strategic challenges for the future. Series on Legislative Reform of Drug Policies n. 10, Feb. 2010, p. 2. Disponível em: . Acesso em: 20 maio. 2011. p. 2. 17  RODRIGUES, Thiago. Política e drogas nas Américas. São Paulo: Educ, 2004. p. 58. 18  RODRIGUES, Thiago. Política e drogas nas Américas. São Paulo: Educ, 2004. p. 59; JELSMA, Martin. The development of international drug control. Lessons learned and strategic challenges for the future. Series on Legislative Reform of Drug Policies n. 10, Feb. 2010. Disponível em:< http://www.tni.org/sites/www.tni.org/files/download/dlr10.pdf>. Acesso em: 20 maio 2011. p. 2-3. 19  JELSMA, Martin. The development of international drug control. Lessons learned and strategic challenges for the future. Series on Legislative Reform of Drug Policies n. 10, Feb. 2010. Disponível em:< http://www.tni.org/sites/www.tni.org/files/download/dlr10.pdf>. Acesso em: 20 maio 2011. p. 2-3.

Única de Entorpecentes começaram em 1948, quando o Conselho Econômico e Social da Organização das Nações Unidas (ECOSOC) adotou uma resolução da Comissão de Drogas Narcóticas dessa mesma organização internacional. Essa resolução solicitava ao Secretário-Geral das Nações Unidas que preparasse um projeto de tratado internacional para substituir os tratados anteriores sobre controle de drogas. 20 A Convenção Única de Entorpecentes, que substitui esses outros tratados anteriores, em torno dessa matéria, em seu preâmbulo, expressa os seus objetivos, no qual adota o discurso das drogas como um mal à saúde pública, conforme a passagem abaixo: Preocupadas com a saúde física e moral da humanidade, Reconhecendo que o uso médico dos entorpecentes continua indispensável para o alívio da dor e do sofrimento e que medidas adequadas devem ser tomadas para garantir a disponibilidade de entorpecentes para tais fins, Reconhecendo que a toxicomania é um grave mal para o indivíduo e constitui um perigo social e econômico para a humanidade, Conscientes de seu dever de prevenir e combater êsse [sic] mal.21

Essas cláusulas preambulares são sintomáticas do discurso dominante em torno da questão das drogas na década de 1960, denominado por Rosa del Olmo de “médico-sanitarista”, no qual se observa uma clara separação entre o delinquente-traficante e o consumidor-doente, recaindo a ênfase desse discurso justamente na figura do consumidor, com a política de fortalecer a indústria da saúde mental e, de maneira particular, o tratamento.22 Em relação à última cláusula que é citada aqui do preâmbulo dessa Convenção, Bewley-Taylor chama a atenção para o fato de ser a primeira vez que a palavra “mal”, dotada de carga emotiva, aparece num documento internacional sobre controle de drogas. 23 20 BEWLEY-TAYLOR, David, JELSMA, Martin. Fifty Years of the 1961 Single Convention on Narcotic Drugs: A Reinterpretation. Series on Legislative Reform of Drug Policies n. 12, p. 5, Mar. 2011. Disponível em:< http://www.tni.org/sites/www.tni.org/files/download/dlr12.pdf. Acesso em: 20 maio 2011. 21  BRASIL. Decreto N. 54.216, de 27 de agosto de 1964. Promulga a Convenção Única sobre Entorpecentes. Disponível em: . Acesso em: 20 set. 2009. 22 DEL OLMO, Rosa. Las drogas y sus discursos. PIERANGELI, José Enrique (Coord.). Direito criminal. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. v. 5, p. 125. 23 BEWLEY-TAYLOR, David; JELSMA, Martin. Fifty years of

LIPPI, Camila Soares . O discurso das drogas construído pelo direito internacional. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 53-65

dessas condutas.16 Houve proposta, por parte dos Estados Unidos, de criminalizar não apenas a produção e a distribuição para objetivos não medicinais, proposta essa que foi aprovada, mas também de criminalizar o uso pessoal com objetivos não medicinais, o que foi rejeitado ao longo do processo de negociação, e de forma maciça.17

58

Embora tenha sido aprovada na década de 1960, a Convenção, por ter sido negociada em um período de transição entre duas décadas, parece refletir as preocupações da década anterior no que tange às drogas, cuja produção, venda e consumo ela pretende controlar, como a maconha e o ópio, pelo seu uso por grupos considerados marginais, como músicos de jazz, habitantes dos guetos das grandes cidades, dentre outros. A preocupação se dá, sobretudo, sobre o consumo da maconha, que, na década de 1950, seguia sendo percebida como “a erva maldita”, produtora de criminalidade.25 Assim, a Convenção de 1961 serviu para legitimar o controle estadunidense sobre certas áreas da América Latina (mais particularmente, os Andes) e do sudeste asiático, onde essas plantas (respectivamente, o arbusto de coca, de onde se extrai a folha, e a dormideira, da qual se extrai a papoula) são tradicionalmente cultivadas. Ela vem para substituir a Convenção de 1936, que teve um baixo número de ratificações. O artigo 36 da Convenção 1961, por exemplo, lida com matérias constantes nos artigos 2, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 14 e 15 da Convenção de

the 1961 Single Convention on Narcotic Drugs: A reinterpretation. Series on Legislative Reform of Drug Policies n. 12, Mar. 2011. Disponível em: . Acesso em: 20 maio 2011. p. 6 24  BEWLEY-TAYLOR, David; JELSMA, Martin. Fifty years of the 1961 Single Convention on Narcotic Drugs: A reinterpretation. Series on Legislative Reform of Drug Policies n. 12, Mar. 2011. Disponível em: . Acesso em: 20 maio 2011. p. 10. RODRIGUES, Luciana Boiteux de Figueiredo. O controle penal sobre as drogas ilícitas: o impacto do proibicionismo sobre o sistema penal e a sociedade. 2006. f.?. Tese (Doutorado em Direito)-Faculdade de Direito da USP, São Paulo, 2006. p. 39. BRASIL. Decreto N. 54.216, de 27 de agosto de 1964. Promulga a Convenção Única sobre Entorpecentes. Disponível em: . Acesso em: 20 set. 2009. JELSMA, Martin. The development of international drug control. Lessons learned and strategic challenges for the future. Series on Legislative Reform of Drug Policies n. 10, Feb. 2010. Disponível em:< http://www.tni.org/sites/www.tni.org/files/download/ dlr10.pdf>. Acesso em: 20 maio 2011. p. 3. 25  DEL OLMO, Rosa. Las drogas y sus discursos. PIERANGELI, José Enrique (Coord.). Direito criminal. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. v. 5. p. 122-123.

1936.26 Segue a transcrição do parágrafo 1º do artigo 36 da Convenção Única de Entorpecentes, que enumera as condutas que constituem o crime de tráfico de drogas: Com ressalva das limitações de natureza constitucional, cada uma das Partes se obriga a adotar as medidas necessárias a fim de que o cultivo, a produção, fabricação, extração, preparação, posse, ofertas em geral, ofertas de venda, distribuição, compra, venda, entrega a qualquer título, corretagem, despacho, despacho em trânsito, transporte, importação e exportação de entorpecentes, feitos em desacordo com a presente Convenção ou de quaisquer outros atos que, em sua opinião, contrários à mesma, sejam considerados como delituosos, se cometidos intencionalmente, e que as infrações graves sejam castigadas de forma adequada, especialmente com pena prisão ou outras de privação da liberdade.27

É importante afirmar que a “posse” ao qual se refere o dispositivo supracitado não é a posse para consumo pessoal, e sim a posse para fins de tráfico, conforme os Comentários Oficiais à Convenção Única de Entorpecentes.28 A Convenção de 1961 não se preocupa em criminalizar a posse para consumo pessoal, mas somente o tráfico de drogas. O artigo 36, parágrafo 1, da Convenção Única de Entorpecentes, ao estabelecer a obrigatoriedade de que as partes adotem medidas penais contra o tráfico de drogas, afirma que essas medidas devem ser implementadas “Com ressalva das limitações de natureza constitucional [...]”,29 o que abre a possibilidade de que cláusulas desse tratado que violem os direitos fundamentais protegidos constitucionalmente sejam derrogadas. Em 1972, a Convenção Única de Entorpecentes sofreu uma emenda, por meio da aprovação de um protocolo adicional que a modificou. A principal mudança foi a de que pessoas que cometessem o crime de tráfico das drogas proibidas pelo tratado, devido ao abuso dessas mesmas substâncias, podem sofrer, como alternativa à pena, ou adicionalmente a ela, medidas de tratamento, educação, reabilitação e integração social. Porém, o Brasil não é parte desse Protocolo de 1972, não estando, 26 UNITED NATIONS. Commentary on the Single Convention on Narcotic Drugs, 1961. New York: United Nations, 1973. p. 425. 27  BRASIL. Decreto N. 54.216, de 27 de agosto de 1964. Promulga a Convenção Única sobre Entorpecentes. Disponível em: . Acesso em: 20 set. 2009. 28  UNITED NATIONS. Commentary on the Single Convention on Narcotic Drugs, 1961. New York: United Nations, 1973. p. 428. 29 BRASIL. Decreto N. 54.216, de 27 de agosto de 1964. Promulga a Convenção Única sobre Entorpecentes. Disponível em: . Acesso em: 20 set. 2009.

LIPPI, Camila Soares . O discurso das drogas construído pelo direito internacional. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 53-65

Esse tratado estabelece um amplo sistema internacional para controlar o uso e o tráfico de drogas, adotando uma política de “tolerância zero”. Trata-se da primeira vez em que é introduzido o objetivo de proibir o uso “quase medicinal” e tradicional da papoula, da folha de coca e da cannabis, sendo permitido somente o uso medicinal dessas três plantas e de seus derivados.24

59

7. Convenção sobre substâncias psicotrópicas (1971) Em 1971, novamente sob a égide da Organização das Nações Unidas, é criada a Convenção sobre Substâncias Psicotrópicas (daqui em diante denominada Convenção de 1971), que limita o uso das drogas psicotrópicas (as artificiais), como LSD, a fins médicos e científicos. Seu preâmbulo adota termos muito similares aos da Convenção Única de Entorpecentes,30 refletindo, portanto, ainda, o discurso médico-sanitarista dos anos 1960 (já que essa Convenção, como a outra, foi adotada na transição dessa década para a posterior).31 É importante mencionar que o uso de drogas como a cannabis e o LSD foram símbolos da cultura hippie nas décadas de 1960 e de 1970. Era muito conveniente para os Estados Unidos criminalizarem, naquele momento, esse segmento populacional, porque ele desafiava a cultura belicista desse país.32 E os instrumentos através dos quais essa repressão se legitimou foram as Convenções de 1961 e de 1971. Dessa forma, pode-se dizer que ambos os tratados foram fundamentais para um processo de criminalização primária33 desse segmento populacional. O dispositivo referente a medidas de caráter penal é o art. 22 da Convenção sobre Substâncias Psicotrópicas. Esse tratado, em seu parágrafo 1º, alínea a,34 utiliza uma 30 BRASIL. Decreto N. 79.388, de 14 de março de 1977. Promulga a Convenção sobre Substâncias Psicotrópicas. Disponível em:< http://www2.mre.gov.br/dai/psicotr%C3%B3picas.htm>. Acesso em: 20 set. 2009. 31 DEL OLMO, Rosa. Las drogas y sus discursos. PIERANGELI, José Enrique (Coord.). Direito criminal. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. v. 5. p. 125. 32  RODRIGUES, Thiago. Tráfico, guerra proibição. In: LABATE, Beatriz Cauby, et al. Drogas e cultura: novas perspectivas. Salvador: EDUFBA, 2008. p. 99. 33  Para a Criminologia Crítica, todas as sociedades contemporâneas que institucionalizam o poder punitivo selecionam um determinado segmento populacional, que é submetido à sua coação com o fim de impor-lhes uma pena. Esse fenômeno é denominado por essa escola como criminalização e se desenvolve em duas etapas: a criminalização primária, aquela que é feita na lei penal, e a criminalização secundária, feita pelas agências policiais. Para maiores detalhes sobre esse conceito, consultar: BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia criminal. 3. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2002. p. 161. 34  “Ressalvadas suas limitações constitucionais, cada parte tratará como delito punível qualquer ato contrário a uma lei ou regulamento adotado em cumprimento às obrigações oriundas da presente Con-

fórmula mais geral para definir os atos sujeitos ao Direito Penal, ao passo que o artigo 36 da Convenção Única de Entorpecentes enumera tais atos. Segundo os Comentários Oficiais à Convenção sobre Substâncias Psicotrópicas, não há, nesse tratado, a obrigação de se criminalizar o consumo de substâncias psicotrópicas, e nem se recomenda isso nesses comentários. Ao contrário, o que se afirma é que o objetivo da Convenção de 1971 é criminalizar o tráfico dessas substâncias, e os redatores dos Comentários adotam a opinião de que a Convenção sobre Substâncias Psicotrópicas não criminaliza o uso de tais drogas. Porém, assume-se, nesse documento, que o tratado também não impõe uma obrigação de não se criminalizar o consumo de substâncias psicotrópicas. O Estado-parte trata penalmente do consumo como bem entender. 35 Ao tratar das medidas de caráter penal a serem aplicadas a indivíduos em caso de tráfico de drogas, o parágrafo 1º do art. 22 da Convenção sobre Substâncias Psicotrópicas também adota a frase: “Ressalvadas suas limitações constitucionais [...]”36 o que, conforme mencionado ao tratarmos da Convenção Única de Entorpecentes, abre a possibilidade de que cláusulas desse tratado que violem os direitos fundamentais protegidos constitucionalmente sejam derrogadas.

8. Convenção sobre o tráfico ilícito de entorpecentes e de substâncias psicotrópicas

(1988)

Finalmente, houve a aprovação da Convenção das Nações Unidas sobre o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e de Substâncias Psicotrópicas em 1988 (daqui em diante chamada de Convenção de 1988). Esse tratado estabelece mecanismos de repressão tanto contra o tráfico de drogas quanto contra a posse para uso pessoal (pela primeira vez, o uso pessoal é criminalizado por tratado internacional) por meio de punição, de confisco, de extradição, de assistência jurídica recíproca e de cooperação internacional. Porém, a extradição, a coopevenção, quando cometido intencionalmente, e cuidará que delitos graves sejam passíveis de sanção adequada, particularmente de prisão ou outra penalidade privativa de liberdade”. 35  NACIONES UNIDAS. Comentarios al Convenio sobre Sustancias Sicotrópicas. Naciones Unidas: Nueva York, 1977. p. 349-352. 36  BRASIL. Decreto N. 79.388, de 14 de março de 1977. Promulga a Convenção sobre Substâncias Psicotrópicas. Disponível em: >. Acesso em: 20 set. 2009.

LIPPI, Camila Soares . O discurso das drogas construído pelo direito internacional. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 53-65

portanto, submetido a essa versão modificada da Convenção Única de Entorpecentes.

60

Além disso, o artigo 3º, parágrafo 2º38 da Convenção de 1988, ao tratar da criminalização da posse, aquisição ou cultivo de drogas para consumo próprio, afirma que as medidas necessárias para caracterizá-la enquanto delito devem estar de acordo com os princípios constitucionais e os conceitos fundamentais do ordenamento jurídico de cada Estado-parte desse tratado, o que dá margem a que medidas penais para implementar esse tratado que estejam em desacordo com direitos fundamentais constitucionalmente assegurados possam ser derrogadas. A ampliação do controle penal das drogas no âmbito internacional pode ser compreendida situando-a no contexto do fim da Guerra Fria. Ela foi aprovada, curiosamente, um ano antes da queda do Muro de Berlim, quando a União Soviética já estava extremamente fragilizada, e, consequentemente, o tema do tráfico de drogas adquiria importância na agenda diplomático-militar dos Estados Unidos, na medida em que diminuía a atenção dada por esse país ao “perigo vermelho”.39 Dessa forma, nesse contexto de fim de Guerra Fria, a Convenção de 1988 e o uso de termos bélicos nela presentes podem ser vistos como uma forma de procurar um inimigo coletivo para o país que substituísse a antiga potência opositora, o que foi utilizado pelos Estados Unidos para manter a coesão nacional dentro do país. Porém, não aconteceu uma substituição total do inimigo nacional, dado que houve um período de hibridização das ameaças, simbolizadas pelo termo “narco-guerrilha”, inventado na política antidrogas estadunidense do período, da qual são exemplos as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) e o Sen37  UNITED NATIONS. Commentary on the United Nations Convention Against Illicit Traffic in Narcotic Drugs and Psychotropic Substances, 1988. New York: United Nations, 1998. p. 48-49. 38  “Reservados os princípios constitucionais e os conceitos fundamentais de seu ordenamento jurídico, cada Parte adotar as medidas necessárias para caracterizar como delito penal, de acordo com seu direito interno, quando configurar a posse, a aquisição ou o cultivo intencionais de entorpecentes ou de substâncias psicotrópicas para consumo pessoal, contra o disposto na Convenção de 1961, na Convenção de 1961 em sua forma emendada, ou na Convenção de 1971”. 39  RODRIGUES, Thiago. Tráfico, guerra proibição. In: LABATE, Beatriz Cauby, et al. Drogas e cultura: novas perspectivas. Salvador: EDUFBA, 2008. p. 99.

dero Luminoso, do Peru. A partir dos anos 1990, isso se consolidou na associação tráfico-terrorismo. Faz-se importante analisar o seguinte trecho do preâmbulo da Convenção da Organização das Nações Unidas sobre o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e de Substâncias Psicotrópicas: Preocupadas [...] pela exploração de crianças em muitas partes do mundo, tanto na qualidade de consumidores como na condição de instrumentos utilizados na produção, na distribuição e no comércio ilícitos de entorpecentes e de substâncias psicotrópicas, o que constitui um perigo de gravidade incalculável. Reconhecendo os vínculos que existem entre o tráfico ilícito e outras atividades criminosas organizadas, a ele relacionadas, que minam as economias lícitas e ameaçam a estabilidade, a segurança e a soberania dos Estados. Reconhecendo também que o tráfico ilícito é uma atividade criminosa internacional, cuja supressão exige atenção urgente e a mais alta prioridade. Decididas a privar as pessoas dedicadas ao tráfico ilícito do produto de suas atividades criminosas e eliminar, assim, o principal incentivo a essa atividade. Conscientes de que o tráfico ilícito gera consideráveis rendimentos financeiros e grandes fortunas que permitem às organizações criminosas transnacionais invadir, contaminar e corromper as estruturas da administração pública, as atividades comerciais e financeiras lícitas e a sociedade em todos os seus níveis”.40

A primeira cláusula preambular que é citada nesse trecho, ao falar da utilização de crianças na produção, na distribuição e no comércio de drogas, vem dotada de grande carga emocional, o que indica que o debate sobre controle penal das drogas é desprovido de qualquer racionalidade. Além disso, todavia essa Convenção tenha sido aprovada na década de 1980, identifica-se, nas demais cláusulas preambulares desse tratado, o discurso dominante da década de 1990 em torno da temática das drogas, que Rosa del Olmo qualifica de “econômico-transnacional”, no qual se cria e se reforça o estereótipo financeiro, associando o tráfico de drogas com a “lavagem de dinheiro”. Sob essa percepção do comerciante de drogas ilícitas, torna-se prioridade desarticular supostas redes de traficantes e confiscar seus bens. 41 40 BRASIL. Decreto N. 154, de 26 de junho de 1991. Promulga a Convenção Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas. Disponível em: >. Acesso em: 20 set. 2009. 41  DEL OLMO, Rosa. Las drogas y sus discursos. PIERANGE-

LIPPI, Camila Soares . O discurso das drogas construído pelo direito internacional. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 53-65

ração jurídica internacional, o confisco e a cooperação jurídica recíproca não se aplicam ao delito de posse para uso pessoal, estando essas medidas restritas aos crimes mais graves de tráfico de drogas. 37

61

Também são estabelecidas pela Convenção de 1988 medidas contra a lavagem de dinheiro, decorrente do discurso “econômico-transnacional” sobre as drogas, do qual tratamos acima.43 Isso porque os redatores desse tratado consideram que o tráfico de drogas viola não somente os tratados internacionais e as leis de controle das drogas, mas também envolvem outras atividades tidas como “antissociais”, como sonegação fiscal e evasão de divisas, conforme transparece nos Comentários Oficiais à Convenção das Nações Unidas sobre o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e de Substâncias Psicotrópicas.44 Ao tratarem de estabelecer mandatos criminalizantes em relação ao tráfico de drogas, a Convenção Única de Entorpecentes e a Convenção sobre Substâncias Psicotrópicas estabelecem que medidas penais em relação a esse crime devem obedecer aos princípios constitucionais dos ordenamentos jurídicos internos de cada país. A Convenção de 1988, por sua vez, não adota essa mesma fórmula ao tratar desse crime.45 Segundo os Comentários Oficiais à Convenção das Nações Unidas sobre o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e de Substâncias Psicotrópicas, tal opção foi considerada inapropriada na ocasião das negociações sobre esse tratado, pois os

autores da Convenção estavam ansiosos por torná-la totalmente obrigatória, sem permitir margens para interpretações diferentes por cada Estado-parte.46 Isso pode levar à aplicação de medidas penais que firam os direitos fundamentais positivados constitucionalmente. É importante mencionar que a década de 1980, conforme assinala Rosa del Olmo, é caracterizada pelo discurso da “guerra contra as drogas” do governo Ronald Reagan, nos Estados Unidos, no qual se enxergava como droga prioritária a ser combatida a cocaína, sendo o principal campo de batalha a região Andina, estendendo-se, posteriormente, a toda a América Latina. A ideia era manter as drogas afastadas dos Estados Unidos. 47 Identifica-se, nesse período, o problema das drogas como um problema de “ameaça à segurança nacional”, ampliado posteriormente para uma visão das drogas como “ameaça à segurança regional”, a partir da qual as drogas estariam minando as bases morais da América Latina. Ocorre uma militarização do controle de drogas, com programas de treinamento de forças policiais e militares do continente americano dirigidos ao combate às drogas. 48 Junto com as Convenções de 1961 e de 1971, a Convenção de 1988 cria uma obrigação para o sistema Nações Unidas de, dentro de seu aparato burocrático, controlar o fenômeno do abuso de drogas. 49

9. Uma análise do regime internacional de controle penal das drogas sob a ótica da

LI, José Enrique (Coord.). Direito criminal. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. v. 5. p. 135. 42  RODRIGUES, Luciana Boiteux de Figueiredo. O controle penal sobre as drogas ilícitas: o impacto do proibicionismo sobre o sistema penal e a sociedade. 2006. f.?. Tese (Doutorado em Direito)-Faculdade de Direito da USP, São Paulo, 2006. p. 41-43; BRASIL, Op. cit., 1991. 43  RODRIGUES, Luciana Boiteux de Figueiredo. O controle penal sobre as drogas ilícitas: o impacto do proibicionismo sobre o sistema penal e a sociedade. 2006. f.?. Tese (Doutorado em Direito)-Faculdade de Direito da USP, São Paulo, 2006. p. 41-43; BRASIL. Decreto N. 154, de 26 de junho de 1991. Promulga a ConvençãoContra o Tráfico I>. Acesso em: 20 set. 2009. DEL OLMO, Rosa. Las drogas y sus discursos. PIERANGELI, José Enrique (Coord.). Direito criminal. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. v. 5. p. 133-135. 44  UNITED NATIONS. Commentary on the United Nations Convention Against Illicit Traffic in Narcotic Drugs and Psychotropic Substances. New York: United Nations, 1998. p. 50. 45  BRASIL. Decreto N. 154, de 26 de junho de 1991. Promulga a Convenção Contra o Tráfico I>. Acesso em: 20 set. 2009.

teoria crítica das relações internacionais

Como pôde ser percebido ao longo deste artigo, o regime internacional de controle penal das drogas se desenvolveu em grande medida devido à hegemonia 46  UNITED NATIONS. Commentary on the United Nations Convention Against Illicit Traffic in Narcotic Drugs and Psychotropic Substances. New York: United Nations, 1998. p. 50. 47  DEL OLMO, Rosa. Las drogas y sus discursos. In: PIERANGELI, José Enrique (Coord.). Direito criminal. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. v. 5. p. 130-131. 48  DEL OLMO, Rosa. Las drogas y sus discursos. In: PIERANGELI, José Enrique (Coord.). Direito criminal. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. v. 5. p. 131-132. 49  RODRIGUES, Luciana Boiteux de Figueiredo. O controle penal sobre as drogas ilícitas: o impacto do proibicionismo sobre o sistema penal e a sociedade. 2006. f.?. Tese (Doutorado em Direito)-Faculdade de Direito da USP, São Paulo, 2006. p. 44.

LIPPI, Camila Soares . O discurso das drogas construído pelo direito internacional. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 53-65

A Convenção de 1988 determina também a erradicação da cultura de qualquer planta da qual possam ser extraídos entorpecentes. Além disso, é estabelecido um sistema de monitoramento e de controle sobre as substâncias químicas utilizadas na produção de drogas, e não apenas a repressão do tráfico de drogas. 42

62

Segundo Cox, historicamente, para se tornar hegemônico, um Estado teria que fundar e proteger uma ordem mundial universal em termos de concepção, na qual um Estado não explore o outro diretamente, mas na qual a maioria deles possa considerá-la compatível com seus interesses. Ainda segundo o autor, hegemonias no plano mundial foram fundadas por Estados poderosos, que passaram por uma revolução social e econômica completa (caso dos Estados Unidos), que modifica não só as estruturas desse Estado, como também libera estratégias que se expandem além de suas fronteiras. Assim, uma hegemonia mundial é, inicialmente, uma expansão para o exterior de uma hegemonia mundial estabelecida por uma classe dominante. Essa hegemonia é, então, imposta aos países periféricos como revolução passiva (conceito que o autor retira de Gramsci, referente a revoluções sem sublevação das classes populares). Esses países não passaram por nenhuma revolução social completa, nem desenvolveram suas economias da mesma forma, mas procuram incorporar elementos do poder hegemônico sem que as antigas estruturas de poder sejam afetadas. Embora os países periféricos adotem alguns aspectos econômicos e culturais do núcleo de poder hegemônico, têm menos condições de adotar seus modelos políticos. Dessa forma, no modelo hegemônico mundial, a hegemonia é mais coerente no centro, e mais contraditória na periferia. 50 Cox também sublinha o papel das organizações internacionais no sistema internacional. Para o autor, as organizações internacionais são mecanismos de hegemonia mundial, pois elas: 1) corporificam as regras que facilitam a expansão das ordens mundiais hegemônicas; 2) é, ela própria, produto da ordem mundial hegemônica; 3) legitima ideologicamente as normas da ordem mundial; 4) coopta as elites dos países periféricos; 5) absorve idéias contra-hegemônicas.51 50  COX, Robert W. Gramsci, hegemonia e relações internacionais: um ensaio sobre o método. GILL, Stephen (Org.). Gramsci, materialismo histórico e relações internacionais. Rio de Janeiro: UFRJ, 2007. p. 117-118. 51  COX, Robert W. Gramsci, hegemonia e relações internacionais: um ensaio sobre o método. GILL, Stephen (Org.). Gramsci, materialismo histórico e relações internacionais. Rio de Janeiro: UFRJ, 2007. p. 119.

Nessa perspectiva, pode-se dizer que as organizações internacionais cumprem no plano internacional o papel que a sociedade civil cumpre no plano interno, ou seja, o de garantir o consenso social no sistema. Em nossa opinião, o arcabouço teórico geral que Robert Cox criou para compreender o sistema internacional é precisamente o que ocorre no regime internacional de controle penal do tráfico de drogas. Um exemplo disso é que a Organização das Nações Unidas, na qual se desenvolveram os mais significativos tratados internacionais sobre essa temática, corporificou normas que facilitaram a expansão da hegemonia norte-americana, fazendo com que o modelo punitivo e repressivo de controle das drogas fosse aplicado mundo afora. Além disso, a Organização das Nações Unidas legitimou ideologicamente esse regime, apresentando-o como protetor dos direitos humanos e das políticas de saúde pública, quando, de fato, não foi isso que aconteceu (essa legitimação ideológica fica bastante patente no mote “A drug free world: we can do it”). Isso acontece devido às estruturas de funcionamento das organizações internacionais. Justamente por serem fruto de uma ordem hegemônica, essas estruturas das organizações internacionais cristalizam essa hegemonia. Isso ocorre independentemente de a participação formal pesar em favor das potências dominantes ou basear-se em um voto por Estado (caso da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas e das conferências para confecção e aprovação de tratados internacionais), pois, mesmo nesse último caso, há estruturas informais de funcionamento das organizações internacionais nas quais o Estado dominante encarrega-se de garantir a aquiescência de outros Estados.

10. Considerações finais Como demonstrado anteriormente, o discurso das drogas, cuja moldagem inicial se deu no Direito Internacional, para depois ser refletido nas legislações dos países, foi resultado da hegemonia norte-americana. Quanto mais essa hegemonia se fortalecia, mais duro esse regime se tornava. Exemplo disso é que o esse discurso surge quando a hegemonia britânica começa a enfraquecer e vai se fortalecendo à medida que os Estados Unidos foram se fortalecendo. O mais duro dos tratados internacionais de controle das drogas, a Convenção de 1988, foi aprovada quando os Estados Unidos começavam a dar sinais de que se tornariam o grande hegemon.

LIPPI, Camila Soares . O discurso das drogas construído pelo direito internacional. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 53-65

norte-americana. Devido a esse aspecto, cabe aqui trabalhar com Robert Cox. Esse autor, um dos maiores expoentes da teoria crítica das Relações Internacionais, aplica ao sistema internacional o conceito de hegemonia gramsciano (hegemonia como consenso –obtido pela sociedade civil- e coerção- utilizada de forma latente).

63

Além disso, o discurso das Nações Unidas sobre drogas, frequentemente associando a criminalização do uso e do comércio delas à saúde pública e aos direitos humanos, deve ser visto com cuidado, dado que muitos dos dispositivos dos tratados de controle penal das drogas foram utilizados como forma de legitimar o poderio norte-americano na arena internacional.

Referências BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia criminal. 3. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2002. BASSIOUNI, M. Cherif ; THONY, Jean François. The international drug control system. International criminal law: crimes. New York: Transnational Publishers, 1999. BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. 11. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2007. BATISTA, Nilo. Política criminal com derramamento de sangue: discursos sediciosos: crime, direito e sociedade, n. 5/6. Rio de Janeiro: F. Bastos, 1998. BEWLEY-TAYLOR, David; JELSMA, Martin. Fifty years of the 1961 Single Convention on Narcotic Drugs: A reinterpretation. Series on Legislative Reform of Drug Policies n. 12, Mar. 2011. Disponível em: . Acesso em: 20 maio 2011. BOITEUX, Luciana. Política internacional e redução de danos: o fim do “Consenso de Viena”? Versus: Revista de Ciências Sociais Aplicadas do CCJE/UFRJ, Rio de Janeiro, Ano 2, n. 6, p. 104-108, jun. 2011.

BRASIL. Decreto n. 113 – de 13 de outubro de 1934. Promulga a Convenção para limitar a fabricação e regulamentar a distribuição dos estupefacientes e o respectivo Protocolo de assinatura, firmados em Genebra, a 13 de julho de 1931. Disponível em: >. Acesso em: 11 jun. 2011. BRASIL. Decreto N. 2.994 – de 17 de agosto de 1938. Promulga a Convenção para a repressão do tráfico ilícito das drogas nocivas, Protocolo de Assinatura e Ato final, firmado entre o Brasil e diversos países, em Genebra, a 26 de junho de 1936, por ocasião da Conferência para a repressão do tráfico ilícito das drogas nocivas. Disponível em: >. Acesso em: 20 set. 2009. BRASIL. Decreto N. 54.216, de 27 de agosto de 1964. Promulga a Convenção Única sobre Entorpecentes. Disponível em: . Acesso em: 20 set. 2009. BRASIL. Decreto N. 79.388, de 14 de março de 1977. Promulga a Convenção sobre Substâncias Psicotrópicas. Disponível em: . Acesso em: 20 set. 2009. BRASIL. Decreto N. 154, de 26 de junho de 1991. Promulga a convenção contra o tráfico Disponível em: . Acesso em: 20 set. 2009. CARVALHO, Salo de. A política criminal de drogas no Brasil: estudo criminológico e dogmático. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2006. COX, Robert W. Gramsci. Hegemonia e relações internacionais: um ensaio sobre o método. GILL, Stephen (Org.). Gramsci, materialismo histórico e relações internacionais. Rio de Janeiro: UFRJ, 2007. p. 101-123. DEL OLMO, Rosa. Las drogas y sus discursos. In: PIERANGELI, José Enrique (Coord.). Direito criminal. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. v. 5. p. 115-146. DEL OLMO, Rosa. A legislação no contexto das intervenções globais sobre drogas. Discursos sediciosos: crime, direito e sociedade, Rio de Janeiro, v. 7, n. 12, p. 65-80, jul./dez. 2002. DUDOUET, Fraçois-Xavier. La formation du contrôle international des drogues. Déviance et Société, Liège, v. 23, n. 4, p. 395-419, déc. 1999.

LIPPI, Camila Soares . O discurso das drogas construído pelo direito internacional. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 53-65

O regime de controle penal das drogas foi imposto aos demais países na forma de revolução passiva, em decorrência da hegemonia estadunidense. As Nações Unidas foram utilizadas para legitimar essa ordem mundial hegemônica, de forma que o consenso, essencial para estabelecer o poder hegemônico, fosse obtido. O Direito Internacional foi utilizado para se obter um suposto consenso, através de tratados internacionais, sobre a temática das drogas. Nesse sentido, a teoria crítica das Relações Internacionais, retirando seus conceitos de Antonio Gramsci, dá-nos uma valiosa contribuição para compreender como esse regime, e o discurso das drogas no Direito Internacional, foram construídos.

64

JELSMA, Martin. Lifting the ban on coca chewing. Bolivia’s proposal to amend the 1961 Single Convention. Series on legislative reform of drug policies n. 11, Mar. 2011. Disponível em: .Acesso em: 10 jun. 2011. JELSMA, Martin. The development of international drug control. Lessons learned and strategic challenges for the future. Series on legislative reform of drug policies, n. 10, Feb. 2010. Disponível em: < http://www.tni.org/ sites/www.tni.org/files/download/dlr10.pdf>. Acesso em: 20 maio 2011. LEVINE, Harry G. Global drug prohibition: its uses and crisis. International Journal of Drug Policy, v. 14, p. 145-153, 2003. LEVINE, Harry G. Worldwide drug prohibition: the varieties and uses of drug prohibition. The Independent Review, v. 7, n. 2, p. 165-180, Fall, 2002. McALLISTER. William. Drug diplomacy in the XXth century. Nova Iorque: Routledge, 2000. RODRIGUES, Luciana Boiteux de Figueiredo. O controle penal sobre as drogas ilícitas: o impacto do proibicionismo sobre o sistema penal e a sociedade. 2006. f.?. Tese

(Doutorado em Direito)-Faculdade de Direito da USP, São Paulo, 2006. RODRIGUES, Thiago. A infindável guerra americana: Brasil, o narcotráfico e o continente. São Paulo em perspectiva, v. 12 n. 6, p. 102-111, 2002,. Disponível em: >. Acesso em: 15 maio 2011. RODRIGUES, Thiago. Narcotráfico: uma guerra na guerra. São Paulo: Desatino, 2003. RODRIGUES, Thiago. Política e drogas nas Américas. São Paulo: Educ, 2004. RODRIGUES, Thiago. Tráfico, guerra proibição. In: LABATE, Beatriz Cauby, et al. Drogas e cultura: novas perspectivas. Salvador: EDUFBA, 2008. p. 91-104. UNITED NATIONS. Commentary on the Single Convention on Narcotic Drugs, 1961. New York: United Nations, 1973. UNITED NATIONS. Commentary on the United Nations Convention Against Illicit Traffic in Narcotic Drugs and Psychotropic Substances. New York: United Nations, 1998. UNITED NATIONS OFFICE ON DRUGS AND CRIME. Drug control, crime prevention and criminal justice: an human rights perspective. Note by the Executive Director. 2010. Disponível em: . Acesso em: 15 ago. 2011. ZACCONE, Orlando. Acionistas do nada: quem são os traficantes de drogas? Rio de Janeiro: Revan, 2007.

LIPPI, Camila Soares . O discurso das drogas construído pelo direito internacional. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 53-65

JELSMA, Martin. Bolivia’s denunciation of the 1961 Convention on Narcotic Drugs. Transnational Institute, 30 de junho de 2011. Disponível em: . Acesso em: 2 jul. 2011.

65

O estado democrático de direito LAICO e a “neutralidade” ante a intolerância religiosa The lay rule of law and its neutrality in face of religious intolerance

Antonio Baptista Gonçalves

doi: 10.5102/rdi.v10i2.1975

O estado democrático de direito LAICO e a “neutralidade” ante a intolerância religiosa The lay rule of law and its neutrality in face of religious intolerance* Antonio Baptista Gonçalves**

Resumo Os Estados laicos são os responsáveis por implementarem a tolerância e as liberdades no âmbito interno do Estado Democrático de Direito. Contudo, o que se percebe na prática, é que o Estado somente é laico na proporção de sua própria intolerância. Assim, se questiona a neutralidade do Estado laico e, principalmente, o papel do Estado no cenário internacional da proteção das liberdades em conformidade com o sistema internacional de Direitos Humanos, desenvolvido pela Organização das Nações Unidas, ao qual os Estados laicos são signatários. Palavras-chaves: Intolerância. Neutralidade. Estado laico.

Abstract The secular states are responsible for implementing tolerance and freedoms within the internal democratic state. However, what is perceived in practice is that the state is secular only in proportion to its own intolerance. Thus, one questions the neutrality of the secular state, and especially the state’s role in the international protection of freedoms in accordance with international human rights system developed by the United Nations to which the secular states are signatories. Keywords: Intolerance. Neutrality. Secular State. *  Recebido em 16/07/2012   Aprovado em 25/01/2013 **  Advogado. Membro da Associação Brasileira dos Constitucionalistas. Membro da Association Internationale de Droit Pénal. Doutor e Mestre em Filosofia do Direito – PUC/ SP. Especialista em International Criminal Law: Terrorism´s New Wars and ICL´s Responses – Instituto Superiore Internazionale di Scienze Criminali. Especialista em Direitos Fundamentais pela Universidade de Coimbra. Especialista em Direito Penal Econômico Europeu pela Universidade de Coimbra. Pós-graduado em Direito Penal – Teoria dos Delitos – Universidade de Salamanca. Pós-graduado em Direito Penal Econômico da Fundação Getulio Vargas – FGV. Bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Email: [emailprotected]

1. Introdução O tema neutralidade na relação com a tolerância religiosa ganha cada vez mais importância na agenda do dia das discussões globais, dados os eventos recentes de demonstrações de intolerância dos Estados Democráticos de Direito, supostamente laicos. De tal sorte, será necessária uma incursão do que vem a ser neutralidade e como esta se processa nos Estados, em especial os Democráticos, para, enfim, analisar o impacto da intolerância ante ao Estado Moderno e a neutralidade.

Aqui, oferecemos uma definição preliminar do que vem a ser neutralidade e levantaremos alguns aspectos a serem discutidos acerca do assunto, em especial, após a Segunda Guerra Mundial. Importante destacar que a discussão ainda será deveras incipiente e tem o condão apenas de suscitar mais questionamentos do que dirimi-los, tarefa que faremos ao longo do próprio texto. Neutralidade é definida como a condição daquele que permanece neutro; condição de um país que não participa de uma guerra.1 Neutralidade, na acepção do Direito Internacional Público, exprime a posição de imparcialidade, imposta pela neutralidade declarada, o país neutro fica na obrigação de não intervir no conflito, de qualquer forma, devendo, por isso, abster-se da prática de qual ato que possa aproveitar um dos beligerantes em prejuízo do outro. Assim, a neutralidade, no sentido do Direito Internacional, não se presume mera indiferença. Revela-se a obrigação de não intervenção ou auxílio, sob qualquer pretexto, salvo para a paz, a favor ou contra quaisquer dos beligerantes.2 Neutralidade, portanto, significa a não tomada de posição de uma Nação sobre um tema em específico. No entanto, a grande reflexão a ser feita é: em tempos de globalização, é possível um Estado se manter completamente neutro sobre qualquer outro assunto que reverbere em outra Nação? Assim, temos alguns exemplos: os eventos recentes da Primavera árabe, a queda do governo do Egito, a revolta popular na Líbia, os problemas enfrentados na Síria e no Iêmen, apenas para citar alguns exemplos que envolvem a democracia e o povo. Pode-se afirmar que a Europa, os Estados Unidos, o Brasil ou qualquer outro Estado-nação se manteve neutro, de fato, nesses assuntos, ou o correto é afirmar que os Estados, em verdade, deixaram o próprio povo resolver o conflito no âmbito interno em um restaurar dos próprios princípios conformadores da Democracia? Ou, o objetivo foi não adquirir o espólio de um Estado em crise e sem governo? A neutralidade foi para legitimar o processo democrático, ou para proteger a si próprio de um eventual dispêndio econômico? 1  DICIONÁRIO Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009. p. 2014. 2  Neutralidade. Derivado do latim neutralis, de neuter (que fica indiferente), em sentido genérico quer significar o estado de neutro, ou seja, a situação daquele que se coloca indiferente ou fica imparcial diante da questão ou luta referida entre outros. Assim, é a situação de quem não tem ou não mostra qualquer interesse a respeito do que outros estão fazendo. SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 28. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 950.

Ainda no tocante à neutralidade, se aliarmos os acontecimentos da última década em conflitos armados e terrorismo, como fica a questão da neutralidade com as medidas adotadas pelos países laicos em torno da intolerância religiosa? Esse tema nos parece ser o emblemático na análise acerca do primado fundamental da neutralidade: a laicidade3 do Estado Democrático de Direito.4 Se um Estado é laico,5 ele não poderá ser mais ou menos intolerante na medida de seus interesses. A liber3  A laicidade foi formada no século XIX a partir do adjetivo laïc (leigo, aquele que não pertence ao clero). O termo deriva do grego Laos, que significa povo. Esse termo vai aparecer em 1871, quando será associado ao ensino público francês e seu surgimento será assinalado pelo Novo Dicionário de Pedagogia e de instrução primária, de autoria de Ferdinand Buisson, publicado em 1887. No verbete laicidade, contido nesse dicionário, Buisson nos informa que: a Revolução Francesa fez aparecer pela primeira vez com clareza a ideia de Estado laico, de Estado Neutro entre todos os cultos, independente de todos os clérigos, liberado de toda concepção teológica. “[...] a grande ideia, a noção fundamental do Estado laico, quer dizer, a delimitação profunda entre o temporal e o espiritual entrou nos costumes de maneira a não o mais sair”. DOMINGOS, Marília de Franceschi Neto. Escola e laicidade: o modelo francês. Interações: cultura e comunidade, Uberlândia, v. 3, n. 4, p. 153-170, 2008. Ainda sobre o tema: “A laicidade é um dos princípios dos Estados Modernos, como por exemplo, o Brasil. Mas o tema carrega significados bem mais fortes do que o mero fato de ser um preceito. Atribui-se ao inicio das discussões sob o assunto ao Estado Francês, que em 1880 notadamente com leis escolares institucionaliza este princípio... A laicidade francesa deu-se através de uma construção histórica de mais de um século e hoje encontra-se difundida em diversos países, sem jamais ter suscitado tantos debates como naquele país, em especial no campo da Educação”. DOMINGOS, Marília de Franceschi Neto. Escola e laicidade: o modelo francês. Interações: cultura e comunidade, Uberlândia, v. 3, n. 4, p. 153-170, 2008. 4  Carlos Ari Sundfeld identifica os elementos que determinam um Estado Democrático de Direito: “a) criado e regulado por uma Constituição; b) os agentes públicos fundamentais são eleitos e renovados periodicamente pelo povo e respondem pelo cumprimento de seus deveres; c) o poder político é exercido, em parte diretamente pelo povo, em parte por órgãos estatais independentes e harmônicos, que controlam uns aos outros; d) a lei produzida pelo Legislativo é necessariamente observada pelos demais Poderes; e) os cidadãos, sendo titulares de direitos, inclusive políticos e sociais, podem opô-los ao próprio Estado; f) o Estado tem o dever de atuar positivamente para gerar desenvolvimento e justiça social”. SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de direito público. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 56 e 57. 5  Sobre laico e laicidade: “Significa a separação entre Estado e as religiões. Tal sentido encontra a sua origem no contraste entre as palavras laico e religioso – é laico o que independe da religião. Logo, o Estado laico é o Estado separado das religiões. Isto é, é o Estado que decide, governa e promove interesses com base em critérios religiosos. Embora esta concepção mais específica se apresente a partir de um contraste, ela não se revela, essencialmente, um conflito, mas tão somente uma distinção, assinalando a fronteira que existe, ou que deveria existir entre o Estado e a religião”. CASSAMANO, Marco Aurélio. Política e religião: o estado laico e a liberdade religiosa à luz do constitucionalismo brasileiro. 2006. f. Tese (Doutorado na área de concentração de Direito, Estado e Sociedade)— Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2006. p. 133.

GONÇALVES, Antonio Baptista. O estado democrático de direito LAICO e a “neutralidade” ante a intolerância religiosa. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 66-85

2. Conceito preliminar de neutralidade

68

O Estado que não adota a religião de forma oficial deve ser neutro no que tange à questão religiosa, isto é, ser tolerante e professar e instituir as liberdades de acordo com os direitos fundamentais em consonância com o sistema internacional de Direitos Humanos desenvolvidos pós-Segunda Guerra Mundial. O Estado Democrático de Direito, ao ser intolerante, promove e ocasiona o entrave de uma série de direitos que deveriam ser por ele instituídos, tais como: o desenvolvimento das liberdades, o neoconstitucionalismo, a laicidade, o pluralismo e a defesa da vida humana por meio da defesa da dignidade da pessoa humana. Um Estado não pode ser um pouco neutro, assim como não pode ser igualmente um pouco laico. A laicidade não pode ser condicionada à proporção da própria intolerância do Estado. Isso não se coaduna com a neutralidade religiosa. Ademais, a proteção da dignidade da pessoa humana também perpassa pela defesa das liberdades individuais.6 E sobre liberdades,7 podemos elencar: religiosa, expressão, consciência, circulação, opinião, sexo e raça, dentre outras. De tal sorte que o mote fundamental, o fio condutor para o pleno exercício dessas liberdades,8 inclusive 6  “[...]. A liberdade, ao contrário, é colocada junto a outros direitos, tais como o direito à vida e à felicidade. [...] ‘Liberdade’ e ‘igualdade’ hoje não significam o mesmo que significavam nas páginas de Locke ou nas declarações do século XVIII: o seu conteúdo ampliou-se, tornou-se cada vez mais rico e denso; o seu significado fez-se cada vez mais pleno”. BOBBIO, Norberto. O terceiro ausente. Tradução Daniela Versiani. Barueri: Manole, 2009. p. 82 e 87. 7  O conteúdo moderno da liberdade compreende os direitos de todos os homens de exercer suas atividades civis, intelectuais e morais; o direito de ir e vir; de não ser detido arbitrariamente; a inviolabilidade do domicílio; o direito de praticar qualquer religião; o direito de associar-se; o direito de petição; o direito de tomar parte na organização e no exercício do poder político; o direito de votar e ser votado; o direito à independência econômica etc. SILVA, José da. Liberdade, realidade política e eficácia da constituição. In: ROCHA, Maria Elizabeth Guimarães Teixeira; MEYER-PFLUG, Samantha Ribeiro. Lições de direito constitucional em homenagem ao professor Jorge Miranda. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 137. 8  “A ordem prática ou ordem ética é a que se deve submeter às ações conscientes do ser humano. É esta a ordem da liberdade. Relativamente a ela, os homens são livres. Aqui, o homem é ator, cumpre-lhe conhecê-la, intervir nela, buscando por via de suas ações os fins que julgar autênticos. Nessa ordem do agir humano, os fins são livremente escolhidos pelos agentes, pois é regida por leis éticas e leis de um mundo de liberdade, onde a vontade do homem age”.

da dignidade da pessoa humana, é a execução, pelos indivíduos e, principalmente pelo Estado, da tolerância. Pois, se não for respeitado o direito da pluralidade de opiniões, de crenças, de ideias e de posições políticas, as liberdades,9 por conseguinte, estarão comprometidas. Assim, o grande desafio continua sendo a neutralidade do Estado Democrático de Direito e a sua função primordial: efetivar e garantir as liberdades sem limitá-las ou relativizá-las. No entanto, para a compreensão da neutralidade do Estado Democrático de Direito, entendemos ser necessário analisar uma etapa ainda anterior: a criação do Estado enquanto Nação, pois, a transição do período dos Impérios para o que temos e conhecemos hoje como Estado e Nação nos propiciará analisar como que a neutralidade se forma em conformidade com o conceito do próprio Estado.

3. A identificação de um conceito de estado na época dos impérios: um comparativo com a concepção de estado-nação e a controvérsia acerca do conceito do que vem a ser estado

Não é correto afirmar que não existiam Estados no período dos Impérios e nem mesmo anterior a eles, pois, ainda que de forma mais simples ou rudimentar, o Estado em sua concepção já existia.10 SILVA, José da. Liberdade, realidade política e eficácia da constituição. In: ROCHA, Maria Elizabeth Guimarães Teixeira; MEYERPFLUG, Samantha Ribeiro. Lições de direito constitucional em homenagem ao professor Jorge Miranda. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 135 - 136. 9  “O significado tradicional de liberdade – pelo qual se falava de uma liberdade religiosa, ou de pensamento, ou de reunião, ou de associação, em sentido geral e específico, de uma liberdade pessoal – era aquele relacionado à faculdade de fazer ou não fazer determinadas coisas não impedidas por normas vinculantes; era a liberdade entendida como não-impedimento, ou liberdade negativa. A esfera da liberdade coincidia com a esfera dos comportamentos não regulados, e, portanto lícitos ou indiferentes. Montesquieu expressou muito bem o conceito quando afirmou que a liberdade consiste em fazer tudo o que as leis permitem”. BOBBIO, Norberto. O Terceiro ausente. Tradução Daniela Versiani. Barueri: Manole, 2009. p. 88. 10  “É comum, entre os teóricos da política, o reconhecimento de que o Estado é uma figura teorética da Era Moderna. Os grupos arcaicos constituíam sistemas simples, identificados, em geral, por fatores totêmicos, cujo exemplo típico é a tribo. Os agrupamentos antigos que veem aumentada a sua complexidade estrutural pelo desenvolvimento da agricultura e pelo aparecimento dos mercados passam a ser identificados por outros fatores, o que nos permite falar em polis, regnum, respublica. A expressão ‘Estado’ só adquire um es-

GONÇALVES, Antonio Baptista. O estado democrático de direito LAICO e a “neutralidade” ante a intolerância religiosa. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 66-85

dade é do povo e cabe ao Estado assegurá-la e efetivá-la. Se os Estados pregam e preconizam a tolerância, não podem, na prática, ser intolerantes.

69

Contudo, não podemos desenvolver o conceito de Estado-nação sem perpassar pela definição de Estado e, antes disso, por um período de transição entre o Império, ao conceito de nação-Estado, portanto, um momento ainda anterior ao de Estado-nação. Então, o conceito moderno de Estado,11 apesar de ainda que rudimentarmente similar, é diferente daquele que poderíamos aplicar, em seu substrato, ao modelo de Estado da época do Império e, ainda, anterior a ele.12 Tercio Sampaio Ferraz Jr. acerca do surgimento do Estado: Não se pode precisar exatamente quando nasce a forma Estado. É certo que as guerras do fim do séc. XV conduzem Espanha, França e Inglaterra a constituir-se em Estados. A Itália conhece uma transição, a dos principados, mas no séc. XVII, aí incluída a República de Veneza, já são constituídos tatuto teórico na Era Moderna e é utilizada para designar formações bastante peculiares que, não obstante, parecem reproduzir caracteres comuns aos grupos políticos em geral. Essa aparência é que nos faz falar, às vezes e impropriamente, do ‘Estado’ grego, do ‘Estado’ romano, dos ‘Estados’ orientais”. FERRAZ JÚNIOR, Tercio Sampaio. Direito constitucional: liberdade de fumar, privacidade, estado, direitos humanos e outros temas. São Paulo: Manole, 2007. p. 413. 11  Nem todos entendem por Estado o mesmo conjunto de fatos. Para sermos exatos, precisemos o que denominamos como tal. A palavra Status, stato, estat (état), Estado, apareceu para marcar a passagem da organização política medieval para as formas estatais transcendentes à Land, a terra, à terre. Maquiavel e Jean Bodin usaram dela. Nela couberam todas as repúblicas e principados (tutti gli Stati). Compreende-se, pois, que houve adotado termo tão expressivo – lembrando “estabilidade”, “peso” – e já o empregassem os Ingleses desde o século XIV, inclusive Shakespeare, e tardassem a precisar dele os alemães (século XVII). MIRANDA, Pontes de. Democracia, liberdade, igualdade: os três caminhos. Campinas: Bookseller, 2002. p. 28- 29. 12  De maneira geral, pode-se dizer que as organizações políticas da Antiguidade não chegam a se caracterizar como Estado, na medida em que as suas administrações eram dominadas pela indistinção da organização constitucional pela ausência de nomeação própria, pelo fato de ser a organização administrativa referida ao officia singularmente tomada. A presença do trabalho escravo permitia que boa parte dos serviços ditos hoje públicos fosse desempenhada por servos, libertos ou escravos. Estes não estavam a serviço da respublica, mas dos officia publicae (o senado, os cônsules, que tinham, cada qual, os seus servidores), regulados ou por normas comuns ou por regras sociais e religiosas. Em suma, em tempos modernos, dir-se-ia que as organizações antigas não conheciam a distinção entre administrar e governar. FERRAZ JÚNIOR, Tercio Sampaio. Direito constitucional: liberdade de fumar, privacidade, estado, direitos humanos e outros temas. São Paulo: Manole, 2007. p. 413 - 414.

como Estados. Portugal, por causa de sua luta com os árabes e de sua afirmação política diante dos reinos espanhóis, assume precocemente o caráter estatal.13

Dalmo de Abreu Dallari: A denominação Estado (do latim status = estar firme), significando situação permanente de convivência e ligada à sociedade política, aparece pela primeira vez em “O Príncipe” de MAQUIAVEL, escrito em 1513, passando a ser usada pelos italianos sempre ligada ao nome de uma cidade independente, como, por exemplo, stato di Firenze. Durante os séculos XVI e XVII a expressão foi sendo admitida em escritos franceses, ingleses e alemães. Na Espanha, até o século XVII, aplicava-se também a denominação de estados a grandes propriedades rurais de domínio particular, cujos proprietários tinham poder jurisdicional. De qualquer forma, é certo que o nome Estado, indicando uma sociedade política, só aparece no século XVI, e este é um dos argumentos para alguns autores não admitem a existência do Estado antes do século XVII.14

Em suma, após essa incursão do que vem a ser Estado, no Império é possível notar um modelo de Estado ainda pouco diferente do que conhecemos hoje. No entanto, ainda não se pode atrelar esse modelo ao de Estado-nação, por uma questão simples: ainda não havia a consonância entre a nação com o Estado. Como o Império anexava uma série de povos e cidades, não existia, portanto, uma uniformização da cultura, escrita, língua, uma única ideologia, em suma, uma identidade. Anthony Giddens conceitua Estado: “Um Estado pode ser definido como uma organização política cujo domínio é territorialmente organizado e capaz de acionar os meios de violência para sustentar esse domínio”.15 Assim, é possível se desenvolver o conceito de Estado. Há uma grande concordância entre os cientistas quanto e como o Estado deve ser definido. Uma definição composta incluiria três elementos: primeiro, um Estado é um conjunto de instituições, definidas pelos próprios agentes do Estado. A instituição mais importante do Estado são os meios de violência e coerção; segundo, essas instituições encontram-se no centro do território geográfico limitado a que geralmente nos referimos como sociedade. De modo crucial, o Estado olha para dentro de si mesmo, no caso de sua sociedade nacional, e para 13  FERRAZ JÚNIOR, Tercio Sampaio. Direito constitucional: liberdade de fumar, privacidade, estado, direitos humanos e outros temas. São Paulo: Manole, 2007. p. 414. 14  DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 43. 15  GIDDENS, Anthony. O estado-nação e a violência. Tradução Beatriz Guimarães. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2001. p. 45.

GONÇALVES, Antonio Baptista. O estado democrático de direito LAICO e a “neutralidade” ante a intolerância religiosa. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 66-85

No entanto, para a análise de nosso trabalho, é necessário um corte epistemológico, portanto, o período ao qual devemos nos ater é o da formação do Estado-nação e, por conseguinte, o surgimento do nacionalismo.

70

Porém, apesar de esta definição de Estado se aplicar aos Impérios, ainda que não em sua integralidade, existe uma justificativa para o estudo da neutralidade a partir do Estado-nação. A razão de tal análise se calca no cenário político de uma pluralidade de Estados, o que não se observa quando da dominação dos povos por um único Império, como fora o caso dos persas, dos gregos, dos romanos e, mesmo no lado Oriental, com os otomanos, mais recentemente. Assim, a pluralidade de Estados, com os conflitos e disputas por seus próprios interesses em um cenário mais plural, é o tema central que propiciará o estudo da neutralidade.

4. Quando a nação ainda não se mistura com o estado e o momento posterior: da nação-estado ao surgimento do estado-nação Eric J. Hobsbawm traça o perfil do mundo em um comparativo do ano de 1800 com o que temos atualmente: Não só o “mundo conhecido” era menor, mas também o mundo real, pelo menos em termos humanos. Já que para fins práticos não se dispunha de recenseamentos, todas as estimativas demográficas eram pura especulação, mas é evidente que a Terra abrigava somente uma fração da população de hoje; provavelmente não muito mais que um terço. Se as suposições mais comumente citadas não estiverem muito longe da realidade, a Ásia e a África tinham uma proporção um tanto maior de população mundial do que hoje; a Europa, com aproximadamente 187 milhões de habitantes em 1800 (contra cerca de 600 milhões hoje), tinha uma proporção um tanto menor, e as Américas tinham obviamente uma proporção muito menor ainda. Aproximadamente, dois de cada três seres humanos eram asiáticos em 1800; um de cada cinco, europeu, um de cada dez, africano, e um de cada 33, americano ou da Oceania.17 16  DICIONÁRIO do pensamento social do século XX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996. p. 257. 17  HOBSBAWM, Eric. A era das revoluções 1789-1848. Tradução Maria Tereza Teixeira e Marcos Pimentel. 25. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2010. p. 28.

A Revolução Francesa18 teve o condão de modificar o cenário mundial em termos do conceito de Estado.19 Porém, como se tratou de uma revolução de um único País, ainda não era possível o desenvolvimento de um cenário plural e, quiçá do modelo de Estado-nação que conhecemos modernamente. A modificação do cenário ocorreu no período entre 1848 e 1871, nos dizeres de Eric J. Hobsbawm: Entre 1848 e 1871, ou mais precisamente durante a década de 1860, três fatos ocorreram. Primeiro, a expansão da industrialização produziu outras potências essencialmente industriais e capitalistas além da Inglaterra: os Estados Unidos, a Prússia (Alemanha) e, muito antes disso, a França, tendo o Japão se somado mais tarde. Segundo, o progresso da industrialização fez que, de forma crescente, a riqueza e a capacidade viessem a ser os fatores decisivos no poderio internacional, diminuindo, assim, a posição relativa da Rússia e da França e aumentando a da Prússia (Alemanha). Terceiro, a emergência como potências independentes de dois Estados extraeuropeus, os Estados Unidos (unidos sob o norte na Guerra Civil) e o Japão (sistematicamente embarcando na “modernização” da Restauração Meiji de 1868), criava pela primeira vez a possibilidade de um conflito global entre potências.20

Assumia-se, portanto, um caráter mais mundial, um cenário plural com a disputa econômica entre as potências.21 18  Se a economia do mundo do século XIX foi formada principalmente sob a influência da Revolução Industrial Britânica, sua política e ideologia foram formadas fundamentalmente pela Revolução Francesa. “[...] A Revolução Francesa é assim a revolução do seu tempo, e não apenas uma, embora a mais proeminente, do seu tipo HOBSBAWM, Eric. A era das revoluções 1789-1848. Tradução Maria Tereza Teixeira e Marcos Pimentel. 25. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2010. p. 97 e 100. 19  O mundo em 1789 era essencialmente rural e é impossível entendê-lo sem assimilar este fato fundamental. Em países como a Rússia, a Escandinávia ou os Bálcans, onde a cidade jamais se desenvolvera de forma acentuada, cerca de 90% a 97% da população era rural. “[...] A palavra ‘urbano’ é certamente ambígua. Ela inclui as duas cidades europeias que por volta de 1789 podem ser chamadas de genuinamente grandes segundo os nossos padrões – Londres, com cerca de 1 milhão de habitantes, e Paris, com meio milhão – e umas 20 outras com uma população de 100 mil ou mais. HOBSBAWM, Eric. A era das revoluções 1789-1848. Tradução Maria Tereza Teixeira e Marcos Pimentel. 25. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2010. p. 32 - 33. 20  HOBSBAWM, Eric. J. A era do Capital 1848-1875. Tradução Luciano Costa Neto. 15. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2011. p. 133. 21  “A estrutura formal internacional passou a divergir da estrutura real. A política internacional tornou-se política mundial, na qual pelo menos duas potências não europeias interviram de fato, embora isso não fosse evidente até o século XX. Mais ainda, esses países tornaram-se uma espécie de oligopólio de potências capitalistas industriais, exercendo um monopólio sobre o mundo, mas com-

GONÇALVES, Antonio Baptista. O estado democrático de direito LAICO e a “neutralidade” ante a intolerância religiosa. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 66-85

fora, no caso de sociedades mais amplas entre as quais ele precisa abrir seu caminho; seu comportamento em uma área, em geral, só pode ser explicado pelas atividades na outra; terceiro, o Estado monopoliza a criação das regras dentro do seu território. Isso tende à criação das regras dentro do seu território e à criação de uma cultura política comum, partilhada para todos os cidadãos.16

71

A nação-Estado se traduz em uma união, ainda que não tão sólida, entre o povo e o Estado, porque, em verdade, o segundo usa do primeiro para o seu desenvolvimento. Ainda não há uniformidade de ideias, mas sim, o uso do Estado do próprio povo. O que temos de novo é a presença de uma unidade, de uma uniformização de cultura, escrita e linguagem dentro de um território ao qual se reconhece a figura de um ente superior, no caso, o Estado. Nesse sentido John G. Stoessinger: O que constitui uma nação-estado em nosso tempo pode ser caracterizado do seguinte modo. Em primeiro lugar, é uma unidade política soberana. Em segundo lugar, é uma população que, entregue a uma dada identidade coletiva através de uma imagem comum do passado e do futuro, comunga de um maior ou menor grau de nacionalismo. E, finalmente, é uma população que habita um território definido, que reconhece um governo comum e que usualmente – conquanto nem sempre – exibe padrões linguísticos e culturais comuns.25

Logo, se percebe uma evolução em um comparativo com o modelo dos Impérios em que os territórios eram petindo entre si, embora isso não fosse evidente até a era do imperialismo, depois do fim do nosso período”. HOBSBAWM, Eric. J. A era do Capital 1848-1875. Tradução Luciano Costa Neto. 15. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2011. p. 134. 22  BOBBITT, Philip. A guerra e a paz na história moderna: o impacto dos grandes conflitos e da política na formação das nações. Tradução Cristiana Serra. Rio de Janeiro: Campus, 2003. p. 135. 23  “A nação-Estado não visa ao bem-estar do povo; pelo contrário, é legitimada pela criação de uma consciência nacional, pela fundição da nação ao Estado”. BOBBITT, Philip. A guerra e a paz na história moderna: o impacto dos grandes conflitos e da política na formação das nações. Tradução Cristiana Serra. Rio de Janeiro: Campus, 2003. p. 163. 24  BOBBITT, Philip. A guerra e a paz na história moderna: o impacto dos grandes conflitos e da política na formação das nações. Tradução Cristiana Serra. Rio de Janeiro: Campus, 2003. p. 136. 25  STOESSINGER, John G. O poder das nações: a política internacional de nosso tempo. Tradução Jamir Martins. São Paulo: Cultrix, 1978. p. 31.

agregados e as culturas miscigenadas, sem nenhuma unidade, e a impossibilidade de se criar um território único em termos linguísticos, culturais, de idioma etc. Contudo, ainda não se pode vislumbrar uma unidade entre o Estado e o povo. Essa construção, iniciada na Revolução Francesa, teve o seu desenvolvimento definitivo com Napoleão Bonaparte no final do século XVIII e começo do XIX. Assim, o que temos até o momento é a nação-Estado; logo, para chegarmos ao conceito de Estado-nação e suas implicações, cremos ser importante definir, primeiramente, o que vem a ser nação, para depois, analisar o conceito em relação ao Estado. De Plácido e Silva: Nação. Por sua origem etimológica, do latim natio, de natus (nascido), já se tem a ideia de que nação significa a reunião de pessoas, nascidas em um território dado, procedentes da mesma raça, falando o mesmo idioma, tendo os mesmos costumes e adotando a mesma religião, formando, assim, um povo, cujos elementos e características raciais e se mantêm unidos pelos hábitos, tradições, religião e língua.26

A nação27 é o substrato espiritual ou cultural em que se forma o Estado. Por isso, no mundo moderno, tendem a coincidir em múltiplos aspectos o Estado e a nação com o chamado Estado nacional. O Estado é considerado como a nação politicamente organizada, visto que tende a assumir limites nacionais.28 Para John G. Stoessinger, “A nação continua sendo a última instância no que se refere à vida do cidadão, não lhe restando nenhum outro recurso a autoridade superior”.29 Eric J. Hobsbawm sinaliza a dificuldade de harmonia entre a nação e o Estado: [...] continua intrigante o problema da relação dessa ‘nação’ vernácula, mesmo tão alargada, com o Estado, pois parece evidente que, em 26  SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 28. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 937. 27  Eric J. Hobsbawm cita a tradicional definição de nação proposta por Josef Stalin: “Uma nação é uma comunidade desenvolvida e estável, com linguagem, território, vida econômica e caracterização psicológica manifestos em uma comunidade cultural”. HOBSBAWM, Eric. Nações e nacionalismo desde 1780. Tradução Maria Celia Paoli e Anna Maria Quirino. São Paulo: Paz e Terra, 2011. p. 15. 28  FRANÇA, R. Limongi. Enciclopédia Saraiva de direito. São Paulo: Saraiva, 1977. v. 53. p. 497. 29  STOESSINGER, John G. O poder das nações: a política internacional de nosso tempo. Tradução Jamir Martins. São Paulo: Cultrix, 1978. p. 23.

GONÇALVES, Antonio Baptista. O estado democrático de direito LAICO e a “neutralidade” ante a intolerância religiosa. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 66-85

Philip Bobbitt aponta o surgimento das nações-Estado: “Dos Estados territoriais, aqueles que, como a Inglaterra, conseguiram sobreviver acabaram transformando-se em nações-Estado no século XIX”.22E o que seria nação-Estado? A resposta é trazida por Philip Bobbitt: “A nação-Estado23 é um Estado que mobiliza uma nação – um grupo nacional étnico-cultural – para agir em benefício do Estado. Assim, pode contar com as receitas de toda a sociedade e o talento humano de toda a população”.24

72

Então é possível perceber que havia nações e Estados, porém, ainda não se concebia, em sua maioria, a união entre os dois. E essa união somente foi percebida pouco mais tarde com Napoleão Bonaparte que agregou o povo31 para seus ideais em defesa de um Estado francês, isto é, o Estado-nação França, que seria o governo feito para e em conformidade com o povo, eis o que mais tarde se conheceria como o nacionalismo.32 30  HOBSBAWM, Eric. Nações e nacionalismo desde 1780. Tradução Maria Celia Paoli e Anna Maria Quirino. São Paulo: Paz e Terra, 2011. p. 29 e 30. 31  “Na prática, havia apenas três critérios que permitiam a um povo ser firmemente classificado como nação, sempre que fosse suficientemente grande para passar da entrada. O primeiro destes critérios era sua associação histórica com um Estado existente ou com um Estado de passado recente razoavelmente durável. Havia pouca controvérsia sobre a existência de um povo-nação inglês ou francês ou de um povo russo ou polonês, e também pouca controvérsia fora da Espanha sobre a existência de uma nação espanhola com características nacionais bem compreendidas. Pois uma vez dada a identificação da nação com o Estado, era natural que estrangeiros pressupusessem que o único povo em um país fosse aquele pertencente ao povo-Estado, um hábito que ainda irrita os escoceses. O segundo critério era dado pela existência de uma elite cultural longamente estabelecida, que possuísse um vernáculo administrativo e literário escrito. Isso era a base da exigência italiana e alemã para a existência de nações, embora os seus respectivos “povos” não tivessem um Estado único com o qual pudessem se identificar. Em ambos os casos, a identificação nacional era, em consequência, fortemente linguística, mesmo que (em nenhum dos dois casos) a língua nacional fosse falada diariamente por mais do que uma minoria – na Itália foi estimado que esta era 2,5% da população no momento da unificação – e que o resto falasse vários idiomas com frequências incompreensíveis mutuamente. O terceiro critério, que infelizmente precisa ser dito, era dado por uma provada capacidade para a conquista. Não há nada como um povo imperial para tornar uma população consciente de sua existência coletiva como povo. HOBSBAWM, Eric. Nações e nacionalismo desde 1780. Tradução Maria Celia Paoli e Anna Maria Quirino. São Paulo: Paz e Terra, 2011, p. 49 e 50. 32  “De forma mais específica e concreta, o nacionalismo sustenta que o estado nacional, identificado como uma cultura nacional e comprometido com a sua proteção, é a unidade política natural. [...] O nacionalismo é um subproduto de condições predominantes no mundo moderno, quando a maioria das pessoas não mais vive em comunidades aldeãs fechadas, quando o trabalho é semântico, e não físico, e exige a capacidade de se comunicar em um idioma e uma escrita comuns, razoavelmente livres de contexto, quando a estrutura empregatícia muda rapidamente e não pode tolerar com facilidade uma divisão étnica do trabalho, e quando o contrato com grandes burocracias, tanto políticas quanto econômicas, e a dependência em relação a elas permeiam todos os aspectos da vida”. DICIONÁRIO do pensamento social do século XX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996. p. 508-510.

No entanto, Napoleão Bonaparte não teve o mérito exclusivo do nacionalismo, pois a grande mudança paradigmática foi a modernização e, principalmente, a alfabetização da população, para que fosse possível disseminar as ideias pretendidas e assimilar a língua, os costumes e a identidade do Estado francês para, então, usar do sentimento nacional a fim de unir a nação com o Estado. Eric J. Hobsbawm destaca a importância da proliferação das escolas para o Estado-nação: De fato, para os novos Estados-nação, essas instituições eram de importância crucial, pois apenas através delas a ‘língua nacional’ (geralmente construída antes por esforços privados) podia transformar-se na língua escrita e falada do povo, pelo menos para algumas finalidades.33

.E a consequência direta do Estado-nação e da cultura penetrando nas camadas do povo foi a modernização e a urbanização, como demonstra Eric J. Hobsbawm: “Na medida em que os Estados-nação eram formados, postos públicos e profissões da civilização progressista se multiplicavam, a educação escolar se tornava mais geral e, acima de tudo, a migração urbanizava populações rurais”.34 Assim, com o uso do nacionalismo e da uniformização, houve aproximação maior entre o povo e os governantes, portanto, a outrora distancia entre o povo e a nobreza deixava de existir. De tal sorte que a população mais bem instruída participava do desenvolvimento do próprio Estado o que gerava sentimento de inclusão, formando, por conseguinte, uma unidade, uma união entre a nação e o Estado. Para Anthony D. Smith: No mundo moderno, somente uma forma de unidade política é reconhecida e permitida. Nós chamados esta forma de “Estado-nação”. É fácil descobrir de que se trata. Estados-nação têm fronteiras, capitais, bandeiras, hinos, passaportes, moedas, paradas militares, museus nacionais, embaixadas e usualmente uma representação nas Nações Unidas. Eles também têm um governo para o território do Estado-nação, um sistema educacional úbico, um único sistema econômico e ocupacional, e usualmente um conjunto de direitos para todos os cidadãos, embora existam exceções.35 33  HOBSBAWM, Eric. J. A era do Capital 1848-1875. Tradução Luciano Costa Neto. 15. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2011. p. 157. 34  HOBSBAWM, Eric. J. A era do Capital 1848-1875. Tradução Luciano Costa Neto. 15. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2011. p. 158. 35  SMITH, Anthony D. Criação do estado e construção da nação. In: HALL, John A. (Org.). Os estados na história. Tradução Paulo Vaz, Almir Nascimento e Roberto Brandão. Rio de Janeiro: Imago, 1992.

GONÇALVES, Antonio Baptista. O estado democrático de direito LAICO e a “neutralidade” ante a intolerância religiosa. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 66-85

termos étnicos, linguísticos e outros, na maioria, os Estados, qualquer que fosse seu tamanho, não eram homogêneos e portanto não poderiam ser simplesmente equalizados com as nações.30

73

O nacionalismo37 propiciava, portanto, a inclusão do povo nas questões estatais, o que ocasionava um elo entre a nação e o Estado,38 como já foi dito, no entanto, essa crescente participação popular é o que mais tarde se denominou de democracia. No entanto, não podemos perder de vista o fato de que os Estados democráticos ainda não eram uma realidade, uma vez que ainda predomina a monarquia na realidade global.

p. 334. 36  HOBSBAWM, Eric. J. A era do Capital 1848-1875. Tradução Luciano Costa Neto. 15. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2011. p. 160. 37  “Não confundir este conceito de nacionalismo com o que foi amplamente utilizado no final do século XIX. A própria palavra ‘nacionalismo’ apareceu pela primeira vez em fins do século XIX, para descrever grupos ideólogos de direita na França e na Itália, que brandiam entusiasticamente a bandeira nacional contra os estrangeiros, os liberais e os socialistas, e a favor daquela expansão agressiva de seus próprios Estados, que viria a ser tão característica de tais movimentos”. HOBSBAWM, Eric. A era dos impérios 1875-1914. Tradução Sieni Maria Campos e Yolanda Steidel de Toledo. 13. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2011. p. 228. 38  “Os termos ‘Estado-nação’, ‘Nação’ e ‘Nacionalismo’ são, muitas vezes, caracteristicamente nivelados, usados na literatura das ciências sociais e da história como se fossem sinônimos. Mas devo fazer uma distinção entre eles. Por ‘Nacionalismo’ quero dizer um fenômeno que é basicamente psicológico – a adesão de indivíduos a um conjunto de símbolos e crenças enfatizado comunalmente entre membros de uma ordem política. Embora os sentimentos de nacionalismo frequentemente coincidam com a distribuição real da população dos Estados, e, enquanto aqueles que governam os Estados modernos normalmente procuram promover tais sentimentos sempre que possível há, sem dúvida, uma clara correspondência entre eles. Por ‘Nação’ refiro-me a uma coletividade existente dentro de um território claramente demarcado, sujeito a uma unidade administrativa, reflexivamente monitorada tanto pelo aparato de Estado interno como por aqueles de outros Estados. Tanto a nação quanto o nacionalismo são propriedades distintas dos Estados modernos, e no contexto de sua emergência original, assim como em outros locais, há mais do que uma conexão fortuita entre eles. Não pode haver nacionalismo, ao menos em sua forma moderna, sem a formação de nações. [...] O Estado-nação, que existe em um complexo de outros Estado-nação, é um conjunto de formas institucionais de governo, mantendo um monopólio administrativo sobre um território com fronteiras (limites) demarcados, seu domínio sendo sancionado por lei e por um controle direto dos meios internos e externos de violência”. GIDDENS, Anthony. O estado-nação e a violência. Tradução Beatriz Guimarães. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2001. p. 140 a 145.

5. Do estado-nação ao período expansionista: as I e II guerras mundiais Nesse novo cenário de Estado-nação com interesses econômicos e o aparecimento das potencias em termos globais, os Estados de menor tamanho e com limitações, em termos de desenvolvimento, também almejaram ingressar neste novo momento global. Como consequência disso, o que se viu foi um período expansionista com o surgimento de novos Estados39 e nítida disputa por territórios. Nesse cenário, temos o surgimento do período expansionista e que culminou com o que viria ser a Alemanha, a Itália, a Áustria e alguns outros Estados que se tornariam as potências do século XX. E, após as revoluções do final do século XVIII, já era possível vislumbrar o conceito moderno de Estado, como mostra Eric J. Hobsbawm:40 O Estado moderno típico, que recebeu sua forma sistemática na era das revoluções francesas – embora, de vários modos, ele tivesse sido antecipado pelos principados europeus que evoluíram a partir dos séculos XVI e XVII -, era uma novidade em muitos aspectos. Era definido como um território (de preferência, contínuo e inteiro) dominando a totalidade de seus habitantes; e estava separado de outros territórios semelhantes por fronteiras e limites claramente definidos. Politicamente, seu domínio e sua administração sobre os habitantes eram exercidos diretamente e não através de sistemas intermediários de dominação e de corporações autônomas.41

E o que permeou a realidade do final do século XIX para o principio do século XX foi a expansão, as alian39  “A construção de nações foi inevitavelmente um processo de expansão”. HOBSBAWM, Eric. Nações e nacionalismo desde 1780. Tradução Maria Celia Paoli e Anna Maria Quirino. São Paulo: Paz e Terra, 2011. p. 44. 40  “Procurava, o mais possível, impor as mesmas leis e arranjos administrativos instituídos por todo o território, embora, depois da era das revoluções, estes não fossem mais as ideologias religiosas ou seculares. Crescentemente, esse Estado era obrigado a ouvir as opiniões dos indivíduos ou cidadãos, porque seu arranjo político lhes havia dado voz – geralmente através de várias espécies de representação eleita – e/ou porque o Estado precisava do seu consentimento prático ou de sua atividade em outras coisas, como, por exemplo, contribuintes ou soldados potencialmente convocáveis”. HOBSBAWM, Eric. Nações e nacionalismo desde 1780. Tradução Maria Celia Paoli e Anna Maria Quirino. São Paulo: Paz e Terra, 2011. p. 101. 41  HOBSBAWM, Eric. Nações e nacionalismo desde 1780. Tradução Maria Celia Paoli e Anna Maria Quirino. São Paulo: Paz e Terra, 2011. p.101.

GONÇALVES, Antonio Baptista. O estado democrático de direito LAICO e a “neutralidade” ante a intolerância religiosa. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 66-85

Como finaliza Eric J. Hobsbawm, o nacionalismo, portanto, parecia facilmente manejável dentro da estrutura do liberalismo burguês e compatível com ele. Um mundo de nações viria a ser, acreditava-se, um mundo liberal, e um mundo liberal seria feito de nações.36

74

As guerras, não que se trate de um enredo inédito,42 porém, mostraram o viés do terror, como que o homem pode ser altamente destrutivo e que, se não fosse criado algum instrumento de controle, a própria espécie humana poderia padecer.43

6. A organização das nações unidas e a busca pela tolerância e a assunção das liberdades

Desde o final da Segunda Guerra Mundial, as Nações se preocuparam em desenvolver instrumentos que protegessem a vida humana, pois a quantidade de vidas que foram perdidas em virtude das Guerras de 1914 a 1918 – I Guerra Mundial44 e de 1939 a 1945 – II Guerra 42  Antes das guerras mundiais, as disputas nos períodos dos Impérios já se destacavam pela crueldade e pela violência exacerbada. 43  Eric Hobsbawm: “[...] As décadas que vão da eclosão da Primeira Guerra Mundial aos resultados da Segunda foram uma Era de Catástrofe. Durante quarenta anos, ela foi de calamidade em calamidade. Houve ocasiões em que mesmo conservadores inteligentes não apostariam em sua sobrevivência. Ela foi abalada por duas guerras mundiais, seguidas por duas ondas de rebelião e revoluções globais que levaram ao poder um sistema que se dizia a alternativa historicamente predestinada para a sociedade capitalista e burguesa e que foi adotado, primeiro, em um sexto da superfície da Terra, e, após a Segunda Guerra Mundial, por um terço da população do globo. Os imensos impérios coloniais erguidos a Era do Império foram abalados e ruíram em pó. Toda a história do imperialismo moderno, tão firma e autoconfiante quando da morte da rainha Vitória, da Grã-Bretanha, não durara mais que o tempo de uma vida humana – digamos, a de Winston Churchill (1874-1965). HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos. O breve século XX 1914-1991. Tradução Marcos Santarrita. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 16. 44  Calcula-se que morreram cerca de 9 milhões de civis e militares na I Guerra Mundial. A França teve 1,4 milhão de mortos, isto é, correspondente a 27% dos homens de 18 a 27 anos, ou 10% de sua população ativa masculina. A Alemanha teve 1,8 milhão de mortos, isto é, 9,8% de sua população ativa masculina; a Áustria-Hungria, 1 milhão, ou 9,5%, respectivamente; a Itália, 530 mil, ou 6,2%; a Inglaterra, 780 mil, ou 5,1%; a Rússia, 1,7 milhão, ou 4,5%; a Bélgica, 44 mil, ou 1,9%; os EUA, 114 mil, ou 0,2%; a Romênia contou com 600 mil mortos; a Sérvia, 400 mil; e a Turquia, 400 mil. GRANDE enciclopédia larousse

Mundial45 ultrapassaram os 50 milhões. Um número expressivo de vidas perdidas em um espólio sem sentido decorrente de disputas por poder, exercício de dominação, busca por territórios e expansão forçada. Para Eric J. Hobsbawm: A Primeira Guerra Mundial reduziu a cacos o império dos Habsburgo e completou a desintegração do Império Otomano. Não fosse pela Revolução de Outubro, esse também teria sido o destino do império czar da Rússia, já muito enfraquecido, como foi o do império alemão, que perdeu tanto a Coroa quanto as colônias. A Segunda Guerra Mundial destruiu o potencial imperial da Alemanha, que alcançara breve realização com Adolf Hitler, e destruiu também os impérios coloniais da era imperial, grandes e pequenos: o britânico, francês, o japonês, o holandês, o português e o belga, assim como o que restava do espanhol.46

De tal sorte que a banalização da vida humana, em especial, com a Segunda Guerra Mundial, fez com que as Nações desenvolvessem um elemento, um organismo transnacional, que fosse responsável por criar diretrizes de condutas positivas e protetivas a serem seguidas pelas Nações signatárias. Nascia, em 26 de junho de 1945, em São Francisco, a Organização das Nações Unidas – ONU, órgão que iria representar os 51 países signatários e proteger os cidadãos, suas relações, liberdades etc. O foco, isto é, o objetivo central já fora estabelecido no Preâmbulo da Carta das Organizações Unidas.47 O marco fundamental dos direitos humanos, sem dúvida é a Declaração Universal dos Direitos do Homem, cuja aprovação ocorreu em 10 de dezembro de 1948, na Assembleia Geral das Nações Unidas. Contucultural. São Paulo: Nova Cultural, 1998. v. 12. p. 2859. 45  As estimativas avaliam entre 40 a 52 milhões os mortos, entre os quais 7 milhões de deportados para a Alemanha, por motivos raciais e políticos. GRANDE enciclopédia larousse cultural. São Paulo: Nova Cultural, 1998. v. 12. p. 2863. 46  HOBSBAWM, Eric. Globalização, democracia e terrorismo. Tradução José Viegas. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. p. 78. 47  “Nós, os povos das Nações Unidas, resolvidos a preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra, que por duas vezes no espaço de nossa vida trouxe sofrimentos indizíveis a humanidade, e resolvidos a reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor do ser humano, na igualdade de direitos dos homens e das mulheres, assim como das nações grandes e pequenas, resolvidos também a estabelecer condições sob as quais a justiça e o respeito às obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes de direito internacional possam ser mantidos e a promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de uma liberdade mais ampla”. DALLARI, Dalmo de Abreu. In: VIEIRA, Oscar Vilhena (Coord.). Direitos humanos, estados de direito e a construção da paz. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 42.

GONÇALVES, Antonio Baptista. O estado democrático de direito LAICO e a “neutralidade” ante a intolerância religiosa. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 66-85

ças em busca de maior representatividade no cenário global, logo, a disputa passava a ser por poder. Com essa sede expansionista e a busca desenfreada pelo controle dos territórios não fica difícil imaginar que um conflito bélico era apenas uma questão de tempo. De tal sorte, a humanidade presenciou, em um período de 31 anos, de 1914 a 1945, a Primeira Guerra Mundial e a Segunda Guerra Mundial, com a disputa clara por poder, influência e territórios.

75

Para tanto, uma série de Tratados, Convenções e Pactos48 foram desenvolvidos a fim de compromissar seus signatários a assegurar no âmbito interno e externo as liberdades entre os povos. Ademais, após ratificarem as Convenções, Tratados ou Pactos, os Estados deveriam desenvolver em seu ordenamento jurídico instrumentos compatíveis com as premissas dos Direitos Humanos. Assim, os Estados criaram um sistema que privilegiava uma sociedade pluralista, aberta, que tem por objetivo assegurar a liberdade de pensamento, religião, crença, credo, expressão e consciência. 48  Declaração Francesa de Direitos do Homem, por meio do seu artigo 10; Carta das Nações Unidas, de 26 de junho de 1945; Preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos do Homem, bem como o seu artigo 2°; Convenção Europeia dos Direitos do Homem, firmada em Roma, em 4 de novembro de 1950, por meio dos artigos 14, 18 e 26; Declaração sobre a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio; Carta Encíclica PACEM IN TERRIS, editada pelo Vaticano, em 11 de abril de 1963; na sequência, o Vaticano emitiu, em 1965, a Declaração DIGNITATIS HUMANAE; artigo 4° da Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados; no mesmo sentido, a proteção à pratica religiosa em relação aos apátridas, conforme os artigos 3° e 4° da Convenção relativa aos Apátridas; em 1965, um novo marco histórico com a criação da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial; na mesma esteira temos o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, de 1966; ainda em 1966 tivemos o Pacto Internacional Sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e a questão da liberdade religiosa está presente no artigo 13; em 1979, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres; em 1980, o então Papa João Paulo II emitiu uma mensagem aos países signatários do Ato final de Helsinque; e, em 1981, a ONU emitiu a mais importante Declaração sobre o assunto religião: a Declaração sobre a Eliminação de Todas as Formas de Intolerância e Discriminação Baseadas em Religião ou Crença; em 1° de janeiro de 1988, o Papa João Paulo II emite uma mensagem por ocasião da celebração do XXI dia mundial da paz; em 1989, a ONU edita a Convenção Sobre os Direitos da Criança, e sobre liberdade religiosa é importante destacar o artigo 14. Em 1992 tivemos a importante Declaração Sobre os Direitos das Pessoas Pertencentes a Minorias Nacionais ou Étnicas, Religiosas e Linguísticas; em 1994, foi editado o Conselho da Liga dos Estados Árabes, isto é, a Carta Árabe de Direitos Humanos; em 1993 um novo passo para a ratificação dos direitos humanos, com a Declaração e Programa de Ação de Viena por meio da Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, realizada em Viena entre os dias 14 e 25 de junho; em 2005, a Declaração Universal da Laicidade no século XXI; e, recentemente, a União Europeia, em 30 de março de 2010, criou o próprio regramento de direitos humanos mediante a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. A liberdade religiosa também foi mencionada no capítulo Liberdade de pensamento, de consciência e de religião, além de uma menção expressa ao respeito à diversidade religiosa no artigo 22.

Então, nesse novo cenário, os Estados desenvolveram importantes mecanismos de combate contra a intolerância e a violência, física, moral ou psicológica dela advinda.

7. A organização das Nações Unidas e a questão da soberania dos estados

Com a criação da Organização das Nações Unidas, em 1945, o que se viu foi a edificação de um sistema de Direitos Humanos, o qual valoriza a proteção da dignidade da pessoa humana. Assim, firmou-se um conjunto amplo de proteções que passam pela garantia das liberdades, inclusive a religiosa. De tal sorte que, portanto, criou-se, em consonância com a vontade e a livre manifestação dos Estados aderentes, um Estado representativo aos quais os demais deveriam, em ratificando seus Pactos, Convenções, Tratados e demais instrumentos, respeitar e implementar tais medidas em seu cenário nacional. Com a criação da Organização das Nações Unidas, a questão das potências e das disputas entre Estados ganhou novo capítulo, pois, agora, havia além das disputas econômicas, as pressões para a consolidação da proteção ao ser humano. O resultado foi o debate se, com a criação da Organização das Nações Unidas, os Estados teriam seus “poderes” limitados. Instaurava-se, portanto, discussão em torno de soberania. E, uma vez mais o desenvolvimento de um instrumento tão importante e debatido no cenário global atual foi construído e desenvolvido em decorrência direta da Revolução Francesa, pois a ideia moderna de soberania do Estado é desenvolvida no art. 3° da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789.49 No entanto, o próprio diploma gerou consequências na França, em relação à monarquia. Assim, a questão da soberania também deve ser entendida em torno do contexto histórico da Revolução como relata Fábio 49  “Art. 3° O princípio de toda soberania reside essencialmente na Nação. Nenhuma corporação, nenhum indivíduo pode exercer autoridade que dela não emane expressamente.” COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 154.

GONÇALVES, Antonio Baptista. O estado democrático de direito LAICO e a “neutralidade” ante a intolerância religiosa. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 66-85

do, não podemos renegar o passado que impulsionou e motivou o surgimento dos Direitos Humanos que se concretizaram, de fato, pós-Segunda Guerra Mundial.

76

berania não foi diferente. Afinal, foi um francês, Jean Bodin,53 o primeiro autor54 a sistematizar o tema55 por meio de sua obra Os Seis Livros da República, datada de 1576 e, assim, conceituar soberania:56

Christopher W. Morris destaca a soberania no Estado moderno:

Soberania é o poder perpétuo de um Estado, que os latinos denominam maiestas; os gregos akra exousi, kurion arché e kurion politeuma; e os italianos segnioria, um termo usado tanto por pessoas privadas quanto por aqueles que tem poder total do Estado, enquanto os hebreus chamam de tomechet shévet – que é o poder mais alto de comando.57

Os Estados são ‘soberanos’ em seus territórios e reivindicam o monopólio do uso de força legítima dentro desse espaço. Isso é sustentado para diferenciar os Estados da Máfia ou de corporações multinacionais. Dados o seu poder e autoridade, as instituições estatais oferecem a muitos os meios de realizarem suas maiores ambições e sonhos. Não é de se estranhar a enormidade dos crimes associados aos Estados modernos.52

Exatamente na pretensão de limitar esse poder de concretizar o dano ao ser humano, que os próprios Estados decidiram limitar, no plano internacional, sua soberania em favorecimento à Organização das Nações Unidas, um órgão supranacional com efetividade garantida pelos Estados-membros. No entanto, para compreender como se relaciona a Organização das Nações Unidas com o combate à intolerância, e como que esta se processa nos Estados laicos, importante aprofundar um pouco mais o tema da soberania. 7.1 Conceito de soberania A França se notabilizou por desenvolver importantes construtos para o conceito de Estado e, sobre so50  “A ideia de monarquia absoluta, combatida por todos os pensadores do “século das luzes”, tornou-se inaceitável para a nova classe ascendente a burguesia. Tinha esta, de fato, sólidos argumentos para retomar o movimento histórico em favor da limitação de poderes dos governantes, iniciados na Baixa Idade Média com a Magna Carta e seguido na Inglaterra pela Petition of Rights de 1628, o Habeas Corpus Act e o Bill of Rights. Não foi, aliás, por outra razão que Voltaire e Montesquieu sempre apresentaram a Inglaterra como o exemplo a ser seguido na França. Acontece que essa sequência histórica de atos de limitação de poder supunha, logicamente, a manutenção de um centro de poder a ser limitado, o qual, no caso da França, era tradicionalmente o rei. A partir do momento em que esse centro de poder político desaparecia, ou se encontrava seriamente enfraquecido, desequilibrava-se todo o edifício político. Dos três estamentos que compunham oficialmente a sociedade francesa, o clero e a nobreza não tinham, naquele momento histórico, a menor legitimidade para reivindicar para si a soberania, porque continuavam apegados a privilégios que oprimiam o povo humilde e restringiam a liberdade econômica dos burgueses”. COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 137. 51  COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 137. 52  MORRIS, Christopher W. Um ensaio sobre o estado moderno. Tradução Sylmara Beletti. São Paulo: Landy, 2005. p. 33 e 34.

53  A primeira obra teórica a desenvolver o conceito de soberania foi Les Six Livres de la République, de Jean Bodin, havendo inúmeras fontes que apontam o ano de 1576 como o do aparecimento dessa obra. A leitura dos seis livros, que contêm apreciações e conclusões de caráter teórico, ao lado de fartas referências a ocorrências históricas citadas em apoio da teoria, deixa entrever que Bodin tomou como padrão, sobretudo, a situação da França, fazendo a constatação e a justificação dos costumes e complementando-as com apreciações que não são mais do que a revelação de sua própria concepção do que haveria de ser a autoridade real. Inicia-se o Livro I com a conceituação da República, como um direito de governo de muitas famílias e do que lhes é comum, com um poder soberano. O Capítulo VIII do Livro I é totalmente dedicado ao esclarecimento do conceito de soberania. Diz Bodin: “É necessário formular a definição de soberania, porque não há qualquer jurisconsulto, nem filósofo político, que a tenha definido e, no entanto, é o ponto principal e o mais necessário de ser entendido no Trabalho da República”. Esclarece então que a “[...] soberania é o poder absoluto e perpétuo de uma República, palavra que se usa tanto em relação aos particulares quanto em relação aos que manipulam todos os negócios de estado de uma República”. DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 67. 54  Temos, também contribuição igualmente preciosa de F. H. Hinsley acerca da visão de Jean Bodin ao inaugurar a visão de Direito Internacional: “En la obra de Bodin, de la republique (1577) por fin lós dos cabos se unen, produciendo la doctrina de la soberania en relación con la estructura interna de la comunidad política y, por lo que toca a las relaciones entre comunidades, el reconocimiento de que la largamente establecida división romana del derecho en ius naturale, ius gentium y ius civile no pudiendo proporcionar un derecho público para las relaciones entre Estados independientes, era menester una nueva categoría de derecho: el derecho internacional”. HINSLEY, F. H. El concepto de soberania. Tradução Fernando Morera e Angel Alandí. Barcelona: Labor, 1972. p. 154 e 155. 55  Maquiavel e Bodin, por certo ângulo, viam na soberania um poder absoluto, de aparência ilimitada. BONAVIDES, Paulo. Teoria geral do estado. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 38. 56  Não podemos deixar de ressaltar que a obra de Jean Bodin data do final do século XVI, logo, todo o modelo de Estado moderno ainda não existia, logo, sua visão de soberania se aplicava aos principados e, em especial, a Monarquia, o poder soberano do rei. Sobre o tema: A ideia de grandeza, majestade e sacralidade da soberania coroava a cabeça do príncipe e levantava as colunas de sustentação do Estado Moderno, que era o Estado da soberania ou do soberano, antes de ser Estado da Nação ou do povo. BONAVIDES, Paulo. Teoria geral do estado. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 36. 57  Definição em BERARDO, Telma. Soberania e direitos humanos: reconceituação com base na dignidade da pessoa humana. 2003. f. Tese (Mestrado na área de concentração de Direito Constitucional)—Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2003. p. 30.

GONÇALVES, Antonio Baptista. O estado democrático de direito LAICO e a “neutralidade” ante a intolerância religiosa. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 66-85

Konder Comparato:50 “O grande problema político do movimento revolucionário francês foi, exatamente, o de encontrar um outro titular da soberania, ou poder supremo, em substituição ao monarca”.51

77

lação dos Estados no âmbito interno e externo, bem como as questões modernas envolvendo a soberania.

Essa imagem política universal tem dois aspectos principais. Em primeiro lugar, o homem dotou a nação-Estado de uma qualidade que ela não partilha com nenhuma outra associação humana – o atributo de soberania. Aliás, não é mera coincidência que a teoria da soberania fosse primeiro formulada no século dezesseis, numa ocasião em que o sistema das nações-estado estava em vias de emergir do universalismo do mundo medieval.58.

Dalmo de Abreu Dallari destaca a importância do tema para o Estado Moderno:

Tercio Sampaio Ferraz Jr. afirma que a soberania já era conhecida na Idade Média:

Assim, ofertamos o nosso conceito de soberania. Soberania, portanto, significa a fortificação do Estado como um ente soberano, isto é, que nas questões atinentes a seu povo e ao modo de resolver os problemas internos, nenhum outro Estado poderá se intrometer, criticar ou intervir, pois o poder decisório cabe exclusivamente ao Estado, pois este é soberano. Esse conceito se aplica no âmbito interno em relação aos demais Estados.

A Soberania – como poder/direito do soberano, já existia desde a Idade Média. Sua raiz social estava na relação direta e concreta entre o soberano e o súdito por meio dos mecanismos de apossamento da terra. Por isso, até hoje soberania e territorialidade são conceitos próximos. Ora, a partir do Renascimento, o crescimento da atividade mercantil, o intercâmbio com o Oriente, as Cruzadas, as grandes descobertas afetam essa relação extremamente concreta do senhor sobre a terra e sobre os que nela vivem.59

Thomas Hobbes,60 no século XVII, em sua obra Leviatã, menciona, na introdução, seu conceito de soberania: [...] pela arte é criado aquele grande Leviatã a que se chama Estado, ou Cidade (em latim Civitas), que não é senão um homem artificial, embora de maior estrutura e força que o homem natural, para cuja proteção e defesa foi projetado. E no qual a soberania é uma alma artificial, pois dá vida e movimento ao corpo inteiro.61

O que se pode perceber é o desenvolvimento de um importante instrumento em nossos dias: a instituição das primeiras linhas do que vem a ser hoje o Direito Internacional, pois, nessa seara, igualmente, temos a re58  STOESSINGER, John G. O poder das nações: a política internacional de nosso tempo. Tradução Jamir Martins. São Paulo: Cultrix, 1978. p. 23. 59  FERRAZ JÚNIOR, Tercio Sampaio. Direito constitucional: liberdade de fumar, privacidade, estado, direitos humanos e outros temas. São Paulo: Manole, 2007. p. 421. 60  “[…] O poder soberano como algo que constitui a comunidade política e garante as relações sociais da propriedade. Foi isso que Hobbes percebeu e expôs com genialidade. É a clássica figura do Leviathan. Ao descrevê-lo Hobbes fala dele como um homem artificial, que faz todas as leis, mas não se submete a nenhuma delas, que não é igual nem desigual em relação aos súditos, apenas é diferente, é um outro, caracterizado pelo direito de ditar as leis e pela força de fazê-las cumprir” FERRAZ JÚNIOR, Tercio Sampaio. Direito constitucional: liberdade de fumar, privacidade, estado, direitos humanos e outros temas. São Paulo: Manole, 2007. 421. 61  HOBBES, Thomas. Leviatã. São Paulo: Nova Cultural, 1999. (Os Pensadores).p. 4.

O que se verifica é que o conceito de soberania é uma das bases da idéia de Estado Moderno, tendo sido de excepcional importância para que este se definisse, exercendo grande influência prática nos últimos séculos, sendo ainda uma característica fundamental do Estado.62

Para Lucas E. Barreiros: Cada Nación que se gobierna a si misma, bajo cualquier forma, y que no depende de ninguna outra, es un Estado soberano. [...] La libertad de una Nación no resultaría completa si otras naciones se tomaran la libertad de inspeccionar y controlar su conducta; una presunción que sería contraria al derecho natural, que declara a cada Nación libre e Independiente de todas las otras naciones.63

Agora, no cenário externo, se todos os Estados são soberanos e ninguém pode intervir em sua soberania, logo podemos afirmar que todos são iguais entre si e que, portanto, existe uma paridade de relações.64 Podemos concluir que o Estado moderno tem duas soberanias: uma interna, absoluta e outra externa, realtiva, uma vez que todos os Estados tem uma paridade no plano internacional, os Estados somente se obrigam entre si por mútuo consentimento. E aos conceitos desenvol62  DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 63. 63  EMILIANO BARREIROS, Lucas. El derecho internacional contemporáneo y el problema de la soberanía: un intento de reconciliación. In: PINTO, Mónica. (Org.). Las fuentes del derecho internacional en la era de la globalización. Buenos Aires: Eudeba, 2009. p. 41. 64  “En la medida en que las naciones son libres, independientes e iguales, y en la medida en que cada una de ellas tiene el derecho de decidir en su conciencia ló que debe hacer para satisfacer sus obligaciones, el efecto de esto es producir, al menos ante el mundo, una perfecta igualdad de derechos entre las Naciones en la conducción de sus asuntos y en las prosecución de sus políticas”. EMILIANO BARREIROS, Lucas. El derecho internacional contemporáneo y el problema de la soberanía: un intento de reconciliación. In: PINTO, Mónica. (Org.). Las fuentes del derecho internacional en la era de la globalización. Buenos Aires: Eudeba, 2009. p. 42.

GONÇALVES, Antonio Baptista. O estado democrático de direito LAICO e a “neutralidade” ante a intolerância religiosa. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 66-85

John G. Stoessinger acerca da visão de soberania desenvolvida no século XVI:

78

7.2 A fortificação do papel do estado x a contenção das mazelas ocasionadas pelo excesso de poder O Estado, em sua concepção moderna, ganhou força, representatividade e independência. Como mostramos, essa evolução foi decorrente do avanço do próprio papel do Estado na História. E, a Revolução Francesa pavimentou o caminho para a consolidação do Estado, pois se até então o que se via eram monarquias e a Igreja atuando em beneficio próprio, e a nobreza extraindo o máximo possível de riquezas, tudo começou a mudar com a Revolução e com a Independência dos Estados Unidos. Somado a isso, temos de acrescer o nacionalismo e as revoluções industriais que fizeram os Estados prosperarem e se desenvolverem em um cenário mais globalizado, assim, tornando-se potencias. O resultado foi a união de interesses entre o Estado e seus governantes com o povo que passou a ser incluído no processo de governo. Com a expansão dos territórios e a busca por influência, o que se viu de 1848 até 1914 foi o anseio dos Estados por poder e influência e, ao mesmo tempo, a consolidação da independência de seu território e de seu povo em relação aos demais 65  Dalmo de Abreu Dallari complementa: “Quanto às características da soberania, praticamente a totalidade dos estudiosos a reconhece como uma, indivisível, inalienável e imprescritível. Ela é uma porque não se admite num mesmo Estado a convivência de duas soberanias. Seja ela poder incontrastável, ou poder de decisão em última instância sobre a atributividade das normas, é sempre poder superior a todos os demais que existam no Estado, não sendo concebível a convivência de mais de um poder superior no mesmo âmbito. É indivisível porque, além das razões que impõem sua unidade, ela se aplica à universalidade dos fatos ocorridos no Estado, sendo inadmissível, por isso mesmo, a existência de várias partes separadas da mesma soberania. Não se deve confundir a teoria da divisão do poder, de que mais adiante se tratará pormenorizadamente, com uma forma de divisão da soberania, pois a chamada divisão do poder é, na verdade, uma distribuição de funções. A soberania é inalienável, pois aquele que a detém desaparece quando ficar sem ela, seja o povo, a nação, ou o Estado. Finalmente, é imprescritível porque jamais seria verdadeiramente superior se tivesse prazo certo de duração. Todo poder soberano aspira a existir permanentemente e só desaparece quando forçado por uma vontade superior”. DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 69.

Estados. Vale dizer que os Estados começaram a ser plenos em suas atividades internas não partilhando as decisões com os demais. A busca pela ampliação e fortificação de suas fronteiras, nos dizeres de Christopher W. Morris: A territorialidade do preceito moderno significa que todos os que se encontram dentro das fronteiras da organização política são, por esse fato, governados. O território se torna um domínio jurisdicional. Em certo sentido, o exercício do poder se torna direto. Nos impérios o governo é tipicamente indireto e considerável poder é legado às autoridades e administradores locais. [...] No mundo moderno o governo se torna direto; cada cidadão e todos os cidadãos são governados pelo soberano ou o Estado, sem mediação.66

Esse processou fortificou os Estados e permitiu a seus governantes acumularem poder. De tal sorte que os Estados ganharam tamanha importância, que seus governantes acharam-se acima dos demais a ponto de criar uma expansão desenfreada e deflagrar uma guerra entre eles, como forma de determinar e quantificar a força de um eventual protagonista. Como afirma John G. Stoessinger: Nosso mundo se compõe de mais de uma centena de unidades políticas chamadas nações-estado. Quase não há lugar algum neste planeta que alguma nação-estado não considere propriedade sua. Há apenas um século, o mundo ainda tinha muitas fronteiras e terras que permaneciam sem dono. Em nosso tempo, porém, o homem não pode mais escapar ao sistema de nações-estado – a ao ser que emigre para as relegadas zonas polares ou para as estrelas.67

O problema é que a humanidade não suportou essa disputa insana por poder e os Estados perceberam, ainda que tardiamente, que não é possível existir Estado sem o povo. Logo, após a Segunda Guerra Mundial, ou se limitava o jogo do poder para, assim, se defender o humano, ou uma nova guerra, novos derramamentos de sangue poderiam ocorrer, inclusive com a própria extinção da raça humana.68 66  MORRIS, Christopher W. Um ensaio sobre o estado moderno. Tradução Sylmara Beletti. São Paulo: Landy, 2005. p. 66 e 67. 67  STOESSINGER, John G. O poder das nações: a política internacional de nosso tempo. Tradução Jamir Martins. São Paulo: Cultrix, 1978. p. 22. 68  “Todos experimentam hoje e todos falam de grande crise dentro da qual vivemos, se bem sabermos as curvas que descreverá. A sucessão de guerras, cada vez mais próximas, seguidas do rápido destroçamento de algumas instituições, – que se criam permanentes – faz de interesse imediato e capital o problema de hoje. As próprias

GONÇALVES, Antonio Baptista. O estado democrático de direito LAICO e a “neutralidade” ante a intolerância religiosa. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 66-85

vidos acerca da soberania, sua ilimitabilidade, incondicionalidade e independência65 é que, em grande parte, ocasionarão os problemas no século XX – leiam-se Guerras Mundiais – e, enseja-se, assim, uma reformulação do conceito.

79

Além de toda a desgraça e banalização da vida humana as guerras trouxeram outro prejuízo para os Estados: no nível externo/internacional sua soberania, agora, seria limitada na questão dos direitos do ser humano.

foi mais paradigmático acerca da limitação da soberania do que a globalização e o desenvolvimento dos blocos econômicos. A globalização70 propiciou a queda das fronteiras, algo tão ferrenhamente defendido até 1914, pois, com o livre-comércio, a livre circulação dos povos dentro dos Estados-parte dos blocos econômicos se criava outro conceito de soberania: a soberania dos blocos econômicos,71 logo, supranacional, porém distinta da soberania supranacional da ONU, do TPI e de outros.72 Para Shankar Vedantam:

8. A globalização e o questionamento acerca da soberania

Após toda essa incursão histórica acerca do Estado, primeiramente, e depois, acerca da soberania, estamos aptos a tratar do tema central: a neutralidade. Não foi apenas com a criação da Organização das Nações Unidas que a soberania dos Estados ficou em xeque, pois outros organismos foram criados, como a Organização Mundial do Comércio, a Organização Internacional do Trabalho e, mais recentemente, o Tribunal Penal Internacional. Todos esses organismos limitaram, de alguma forma ou aspecto, a soberania dos Estados. Contudo, nada populações que só veem o lado material (os edifícios, as cidades, as estradas milenares ou recentes), param hoje diante de ruínas nunca vistas. O espírito destrutivo, na sua faina diabólica, desperta-as com o estourar dos bombardeios e o avançar dos tanques”. MIRANDA, Pontes de. Democracia, liberdade, igualdade: os três caminhos. Campinas: Bookseller, 2002, p. 27. 69  As Nações Unidas representam o mais ambicioso experimento relativo ao estabelecimento da ordem política no mundo. Num sentido realmente básico, sua concepção se enraíza no passado. Seu edifício foi erigido em tempos de guerra, durante um período de esforço conjunto para derrotar as potências do Eixo. A Organização devia ser criada “[...] para aniquilar, na fonte, outro Hitler, antes que ele se tornasse grande demais. As nações deviam ser ‘unidas’ contra esse tipo de criminoso. Nesse sentido, a ONU tencionava evitar outra Guerra Mundial como a Segunda, tal como a Liga das Nações, antes, tinha sido criada para prevenir outra guerra mundial como a primeira. [...]. A rocha sobre a qual a ONU se firmaria era a unidade das Grandes Potências, que assumiriam entre si a responsabilidade pela paz e pela ordem mundial. [...] Para capacitar-se a operar a implementação de seus fins, a Organização das Nações Unidas foi dotada de seis órgãos principais. A ambiciosas tarefa de promover a segurança coletiva foi legada ao Conselho de Segurança. Na fiúza de que a paz era indivisível e de que os Cinco Grandes – Estados Unidos, União Soviética, Grã-Bretanha, França e China – pudessem estabelecer unanimidade entre si, o Conselho de Segurança deveria ser o grande guardião internacional da paz”. STOESSINGER, John G. O poder das nações: a política internacional de nosso tempo. Tradução Jamir Martins. São Paulo: Cultrix, 1978. p. 386 - 387.

Na medida em que Estados-nações se tornavam cada vez mais poderosos na segunda metade do século XX, constituições, judiciários e o sufrágio universal forneceram meios mais pacíficos para efetuar mudanças sociais, e o terrorismo passou de uma forma de violência patrocinada pelo Estado a 70  Globalização é, certamente, uma expressão ambígua e vaga. De um lado, admite sentidos conceituais distintos, de outro, aponta para distintos objetos. Na sua vagueza, refere-se ora a um entrelaçamento das economias nacionais em planos mundiais, ora para formas extensas de comunicação, ora para uma interpretação cultural etc. Na sua ambiguidade, ora revela a simultaneidade in praesentia dos eventos, ora uma generalização dos sentidos prevalecentes, inaugurando uma forma cultural diferente. Samuelson, em artigo publicado em periódicos norte-americanos, vê no encurtamento das distâncias o marco decisivo e inicial da globalização. FERRAZ JÚNIOR, Tercio Sampaio. Direito constitucional: liberdade de fumar, privacidade, estado, direitos humanos e outros temas. São Paulo: Manole, 2007. p. 540. 71  Esta é supranacional, porém, ao contrário da soberania das organizações internacional como Organização das Nações Unidas ou do Tribunal Penal Internacional que possuem soberania que limita parcialmente a soberania dos Estados, a soberania do bloco econômico confere soberania plena, nos moldes de outrora: independência é ilimitada e incondicional em relação aos outros blocos econômicos. 72  Desde o princípio da história, os seres humanos sofreram transformações. E, na medida em que sofriam essas transformações, resistiam a elas. Individualmente ou em grupos, as pessoas resistem a mudanças quando as vivenciam como ameaça, tanto às suas adaptações internas quanto às externas, aos seus ambientes e às suas vidas em geral. A globalização – um tópico bastante discutido nos últimos anos e um agente de mudança acompanhado de grande resistência – é um conceito difícil de descrever. Para o indivíduo, significa desenvolver um tipo de universalidade e um tipo de cidadania mundial. Em uma escala mais prática, o conceito de globalização, hoje, refere-se geralmente às normas culturais, econômicas e políticas da América do Norte e da Europa ocidental que se infiltram em outras populações por todo o globo terrestre. Enquanto no passado houve muitos grupos dominantes – como os Impérios Romano, Bizantino e Islâmico – que também influenciaram profundamente as pessoas que viviam em áreas vizinhas, hoje, por causa da tecnologia avançada, a “globalização” está mais generalizada. ÇEVIK, Abdülkadir. Globalização e identidade. In: VARVIN, Sverre; VOLKAN, Vamik D. (Orgs.). Violência ou diálogo?: reflexões psicanalíticas sobre terror e terrorismo. Tradução Tânia Mara Zalcberg. São Paulo: Perspectiva, 2008. p. 79.

GONÇALVES, Antonio Baptista. O estado democrático de direito LAICO e a “neutralidade” ante a intolerância religiosa. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 66-85

E, portanto, a solução encontrada foi criar uma entidade que estivesse em nível hierárquico superior aos dos Estados, uma entidade supranacional, que fosse plena em relação aos demais, para que não houvesse uma disputa, mas sim um consenso. Nascia, assim, a Organização das Nações Unidas.69

80

Assim, o que se vê é a mudança do conceito de Estado-nação, como demonstra Anthony D. Smith:74 Se queremos dizer com o termo “Estado-nação” que as fronteiras do território do Estado e de uma comunidade étnica homogênea são coextensivas, e que todos os habitantes de um Estado possuem uma cultura idêntica, não conseguiremos reunir mais do que cerca de 10 por cento dos Estados hoje existentes como candidatos ao título de “Estadonação”.75

Com a instituição do Estado Democrático de Direito e o compromisso dos Estados em combates às mazelas perpetradas contra a humanidade, o que se viu desde a metade do século XX foi um esforço coletivo e globalizado no sentido de a soberania ainda ser plena, porém que o ser humano e, mais ainda, a defesa da dignidade da pessoa humana, seja o mote fundamental, e com ela não haveria possibilidade de questionamentos ou violações, nem em nome da defesa da soberania deste ou daquele Estado. 73  ÇEVIK, Abdülkadir. Globalização e identidade. In: VARVIN, Sverre; VOLKAN, Vamik D. (Orgs.). Violência ou diálogo?: reflexões psicanalíticas sobre terror e terrorismo. Tradução Tânia Mara Zalcberg. São Paulo: Perspectiva, 2008. p. 11. 74  Deixando de lado as minorias insignificantes, nós talvez consigamos incluir alguns poucos Estados além de Portugal, Grécia, polônia e Somália; Holanda, Dinamarca e as duas Alemanhas têm pequenas minorias, mas, se deixarmos de lado os trabalhadores imigrantes, também são hoje bastante homogêneos. Em outros Estados – Suécia, Noruega e Finlândia, por exemplo – as minorias dos lapões e dos carelianos não ameaçam, talvez por não poderem, a unidade cultural do Estado. Mesmo assim, ainda resta um número bastante considerável, talvez mais da metade, com sérias divisões étnicas que podem transformar em antagonismo, e em outro grande grupo, talvez mais de um quarto do total, onde a cultura ou comunidade dominante deve apaziguar as reivindicações de etnias “periféricas”, como na Grã-Bretanha, França e Canadá, Romênia e Bulgária. Nos 50 por cento com diferenças culturais profundas, nem sempre tem sido possível conter as reivindicações antagônicas ou atender às exigências de comunidades rivais. Na Índia, Sri Lanka, Birmânia, nas Filipinas, Indonésia, Laos, Irã, Iraque, Turquia, Chipre, Espanha, Iugoslávia, Córsega (França), Irlanda, Chade, Nigéria, Camarões, Zaire, Zâmbia, Zimbábue, África do Sul, Uganda, Quênia, Sudão e Etiópia, essas divisões já explodiram em violência aberta e mesmo em guerra posteriormente a 1914. SMITH, Anthony D. Criação do estado e construção da nação. In: HALL, John A. (Org.). Os estados na história. Tradução Paulo Vaz, Almir Nascimento e Roberto Brandão. Rio de Janeiro: Imago, 1992. p. 335. 75  SMITH, Anthony D. Criação do estado e construção da nação. In: HALL, John A. (Org.). Os estados na história. Tradução Paulo Vaz, Almir Nascimento e Roberto Brandão. Rio de Janeiro: Imago, 1992. p. 334 e 335.

Os Estados, então, manteriam de lado o anseio deliberado pelo poder, pela conquista e pela demonstração de força para, enfim, valorizar o ser humano. O resultado é a assunção de uma posição neutra, isto é, a Organização das Nações Unidas criou o sistema de Direitos Humanos e uma série de instrumentos protetivos das liberdades e os Estados, em contrapartida, trariam para o âmbito interno, em que são soberanos, os mandamentos instaurados no plano externo. Com isso, as Constituições nacionais tiveram de ser modificadas e um novo conceito se instituía: a defesa e proteção dos direitos fundamentais, por meio de um Estado Democrático de Direito cuja principal característica seria a neutralidade. Assim, no plano religioso, mote desta obra, o Estado se declarava laico, isto é, não adotava, portanto, uma religião de forma oficial.

9. A neutralidade dos estados x soberania externa e interna

Com a edificação de um primado de Direitos Humanos, os Estados laicos adquiriram posição de neutralidade, isto é, não interfeririam no cenário externo no tocante à intolerância e o que prevaleceria seria o entendimento protecional estabelecido pela Organização das Nações Unidas. Já no âmbito interno, os Estados laicos deveriam recepcionar a normatização internacional em seu ordenamento jurídico para efetivar as liberdades dentro do Estado Democrático de Direito. No plano teórico, tudo funciona perfeitamente, porém, o que se viu no princípio do século XXI foi uma realidade cindida do plano teórico. Especialmente em decorrência dos atentados terroristas de 11 de Setembro de 2001, os Estados laicos adotaram posturas ambíguas em relação à tolerância religiosa e uma série de medidas foram adotadas em contrariedade ao primado da neutralidade. Os Estados laicos se mostraram intolerantes e a postura neutra de outrora ganha contornos de intolerância à medida que alguma ameaça se manifesta no plano internacional. Assim, o Estado Democrático de Direito é mais ou menos laico na exata proporção de sua intolerância.

GONÇALVES, Antonio Baptista. O estado democrático de direito LAICO e a “neutralidade” ante a intolerância religiosa. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 66-85

técnica favorita de grupos subnacionais. Assim, o terrorismo tem sido descrito como ‘uma estratégica do fraco contra o forte’ – em que nações avançadas com exércitos e forças aéreas não precisam recorrer à criação sistemática do medo para atingir seus fins.73

81

Se os Estados pregam e preconizam a tolerância, não podem, na prática, ser intolerantes. Porém, é exatamente o que acontece com a França,76 com a Turquia,77 com a Austrália,78 com a Dinamarca79 e com os Estados Unidos da América,80 apenas para citar alguns Estados laicos. A neutralidade inexiste em matéria religiosa. Um Estado Democrático de Direito não pode criar lei que favorece esta ou aquela religião, seu primado fundamental é se manter neutro, seja no cenário externo ou no interno. Porém, sob o mote da segurança a neutralidade é ignorada. Os Estados Unidos da América, um dos membros do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas, portanto, um dos Estados responsáveis pela promoção da paz e da tolerância entre os Estados-nações em resposta aos atentados terroristas de 11 de Setembro de 2001, deflagraram uma guerra contra o terror, ao partir para um conflito bélico, primeiro contra o Afeganistão e, depois, contra o Iraque. Um dos Estados que deveria lutar contra a guerra e estabelecer os Direitos Humanos e a dignidade da pessoa humana foi o primeiro a abandonar a neutralidade ao adotar postura extremamente intolerante no que tange à religião, ao instituir um centro de torturas contra pessoas, em sua maioria islâmicas, localizado na Baia de Guantánamo. Na Baia de Guantánamo não existem direitos e garantias e muito menos tolerância religiosa. A posição é salvaguardar a segurança do Estado. 76  Aliás, sobre a questão francesa, existem, ainda, alguns agravantes de intolerância com a introdução da Lei nº 228/2004, que proíbe o uso de sinais e vestimentas religiosas ostensivas nas escolas públicas de primeiro e segundo graus em todo o território francês. 77  Proibição do uso do véu islâmico nos colégios públicos. 78  A autorização de a polícia obrigar a mulher a tirar sua burca sem mais justificativas. 79  Se uma pessoa se declarar muçulmana no controle de imigração ao preencher o formulário de ingresso no País, sua entrada será sumariamente rejeitada. 80  A caça às bruxas com o vilipêndio de direitos por meio da Baia de Guantánamo, na qual um incontável número de muçulmanos foram levados de seus lares para serem torturados com o intuito de indicarem o paradeiro dos líderes de células terroristas.

E como fica a neutralidade? A Organização das Nações Unidas? O Sistema de Direitos Humanos? A resposta é simples: a soberania interna, como vimos, é intocável. E como os Estados Unidos da América não ratificaram o Estatuto de Roma que institui o Tribunal Penal Internacional, não há como se julgar crimes contra a humanidade cometidos por aquele Estado. Na mesma esteira temos uma série de medidas intolerantes praticadas pelos Estados laicos que abandonaram a neutralidade para impingir a intolerância religiosa no cenário interno, portanto, no qual detêm soberania plena. De tal sorte que a neutralidade do Estado laico se encontra prejudicada por conta de um instrumento que os organismos internacionais ainda não conseguiram encontrar, ou seja, um caminho para viabilizar uma igualdade e uma tolerância: a soberania interna dos Estados. O limite dos organismos internacionais é o cenário externo. Ainda não é possível forçar um Estado a ser mais democrático, a respeitar a neutralidade e a garantir as liberdades em seu âmbito interno, pois a soberania ainda é inquestionável. Por isso, o entrave para a questão da intolerância religiosa passa diretamente pela soberania interna do Estado Democrático de Direito. Enquanto os próprios Estados não implementarem modificações em seu cenário interno, o âmbito externo ainda permanece em compasso de espera. O efeito prático da adoção de medidas de tolerância e, de assunção de liberdades não corresponde ao plano teórico por puro e completo desinteresse dos próprios Estados que se dizem democráticos e laicos. De fato, os Estados ainda convivem com o mesmo problema que os corrompeu e deflagrou as duas Grandes Guerras Mundiais: a busca por poder.81 Para Ives Gandra da Silva Martins: O homem, que tem sua própria individualidade, mas que só sobrevive coletivamente, não dirige no Estado Moderno, como não dirigia, nas estruturas políticas passadas, seu destino, sendo este definido 81  Com efeito, o jogo político não deixa de lado qualquer Estado, por insignificante que seja, os afrontamentos mais remotos se refletem em toda parte, bem como os meios de guerra não deixam em segurança ponto algum do planeta. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Especulações sobre o futuro do Estado. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). O estado do futuro. São Paulo: Pioneira, 1998. p. 103.

GONÇALVES, Antonio Baptista. O estado democrático de direito LAICO e a “neutralidade” ante a intolerância religiosa. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 66-85

A efetivação da proteção do ser humano e da conseguinte efetivação das liberdades e do exercício da tolerância perpassa definitivamente pela laicidade/tolerância do Estado Democrático de Direito. Não há como ignorar leis que segregam direitos religiosos, limitam e restringem as liberdades das minorias religiosas.

82

A solução para a intolerância dos Estados laicos e o regresso à neutralidade perpassa pela superação do Estado-nação e seus interesses internos. Enquanto os Estados não efetivarem sua postura neutra no que tange à tolerância religiosa, os conflitos permanecerão. Como salienta Celso Ribeiro Bastos e Samantha Meyer-Pflug: [...] o Estado deve manter-se absolutamente neutro. Isso implica no fato de ele não poder discriminar entre as diversas igrejas e templos existentes, quer para beneficiá-los, quer para prejudicá-los. A separação entre Estado e religião vem prevista no inc. I do art. 19 da Constituição de 1988, que declara ser vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público.83

A paz tão almejada ainda não se efetivará enquanto o cenário de “neutralidade” dos Estados Democráticos de Direito não for convertida para uma neutralidade efetiva e a palavra “laico” seja levada a cabo. No modelo que temos hoje, com a laicidade refém da intolerância do próprio Estado, inviabiliza-se a neutralidade e a assunção das liberdades, tanto no plano interno quanto no cenário internacional.

10. Considerações finais O modelo estatal parece ter alcançado uma incompatibilidade com o que se busca em termos de liberdade, igualdade e fraternidade na sociedade global do século XXI, pois o modelo de busca pelo poder ainda persiste e a mão controladora do Estado ainda obstaculiza a assunção das liberdades no cenário interno e, por conseguinte, promove a inaplicabilidade do próprio sistema de tolerâncias no cenário internacional.

82  MARTINS, Ives Gandra da Silva. O Estado do futuro. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). O estado do futuro. São Paulo: Pioneira, 1998. p. 17 e 18. 83  BASTOS, Celso Ribeiro; MEYER-PFLUG, Samantha. Do direito fundamental à liberdade de consciência e de crença. Revista de Direito Constitucional e Internacional, São Paulo, n. 36, p. jul./set. 2001.

Para que a neutralidade seja efetiva no plano internacional, é necessário que os Estados modifiquem sua postura intolerante no cenário interno em que são soberanos. Assim, ainda não há que se falar em um sistema plurinacional que convive de forma harmônica em busca da paz se os sistemas nacionais ainda buscam alternativas para, justamente, caminhar na direção oposta da paz. O Estado Democrático de Direito se mostra plural, em sua maioria com uma Constituição aberta, com a possibilidade de harmonia entre os povos, o respeito às diferenças e a tolerância como mote fundamental desse Estado. Porém, o que se vê nas Constituições democráticas não se aplica na realidade desses mesmos Estados. Assim, a humanidade vive o entrave de buscar sua liberdade e depender do Estado para concedê-las, porém, na prática, o primeiro não se vê satisfeito por ineficiência do segundo. É preciso se efetivar o modelo teórico, uma vez que todos os primados, todas as liberdades pretendidas já estão estipuladas e estabelecidas, porém, ainda lhes falta efetivação. E, sobre isso, o problema perpassa pela carência da efetiva neutralidade do Estado laico. Toda a apresentação em torno do que vem a ser Estado e como que esse adquiriu o contorno hoje conhecido de Estado-nação foi necessário para poder mostrar que o que se pretende, enquanto sociedade plural, não corresponde à realidade desse mesmo Estado-nação e, este, sim, representa o problema moderno a ser saneado para desanuviar o sentimento de uma nova guerra, pois, a cada dia temos a impressão de que uma guerra mundial, uma vez mais se aproxima. Uma guerra ou, no mínimo, uma bipolarização entre o Ocidente e o Oriente no que tange à questão religiosa. E, assim, qualquer passo democrático não calculado pode eclodir uma beligerância mundial. Essa visão parece ser uma antecipação do cataclisma e o suprassumo do pessimismo; todavia, foi com esse pensamento, o de se evitar a destruição do ser humano que se desenvolveu e se criou a Organização das Nações Unidas e seu primado de Direitos Humanos. No entanto, transcorridos pouco mais de 60 anos, o que se vê é um comprometimento parcial, com enorme relutância em efetivar o que se assume no plano internacional no âmbito interno. A humanidade ainda padece com essa relutância dos Estados. A neutralidade efetiva é o caminho a ser pavi-

GONÇALVES, Antonio Baptista. O estado democrático de direito LAICO e a “neutralidade” ante a intolerância religiosa. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 66-85

por aqueles que assumem o poder, legitimamente ou não, e que, na esmagadora maioria das vezes, ambicionam apenas ter o poder pelo poder, inclusive nas mais avançadas democracias do mundo.82

83

DICIONÁRIO do pensamento social do século XX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996.

Referências

EMILIANO BARREIROS, Lucas. El derecho internacional contemporáneo y el problema de la soberanía: un intento de reconciliación. In: PINTO, Mónica. (Org.). Las fuentes del derecho internacional en la era de la globalización. Buenos Aires: Eudeba, 2009.

BASTOS, Celso Ribeiro; MEYER-PFLUG, Samantha. Do direito fundamental à liberdade de consciência e de crença. Revista de Direito Constitucional e Internacional, São Paulo, n. 36, jul./set. 2001. BERARDO, Telma. Soberania e direitos humanos: reconceituação com base na dignidade da pessoa humana. 2003. f. Tese (Mestrado na área de concentração de Direito Constitucional)—Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2003. BOBBIO, Norberto. O Terceiro ausente. Tradução Daniela Versiani. Barueri: Manole, 2009. BOBBITT, Philip. A guerra e a paz na história moderna: o impacto dos grandes conflitos e da política na formação das nações. Tradução Cristiana Serra. Rio de Janeiro: Campus, 2003.

DICIONÁRIO Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009. DOMINGOS, Marília de Franceschi Neto. Escola e laicidade: o modelo francês. Interações: cultura e comunidade, Uberlândia, v. 3, n. 4, p. 153-170, 2008.

FERRAZ JÚNIOR, Tercio Sampaio. Direito constitucional: liberdade de fumar, privacidade, estado, direitos humanos e outros temas. São Paulo: Manole, 2007. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Especulações sobre o futuro do Estado. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). O estado do futuro. São Paulo: Pioneira, 1998. FRANÇA, R. Limongi. Enciclopédia Saraiva de direito. São Paulo: Saraiva, 1977. v. 53. GIDDENS, Anthony. O estado-nação e a violência. Tradução Beatriz Guimarães. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2001.

BONAVIDES, Paulo. Teoria geral do estado. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2010.

GRANDE enciclopédia larousse cultural. São Paulo: Nova Cultural, 1998. v. 12.

CASSAMANO, Marco Aurélio. Política e religião: o estado laico e a liberdade religiosa à luz do constitucionalismo brasileiro. 2006. f. Tese (Doutorado na área de concentração de Direito, Estado e Sociedade)—Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2006.

HINSLEY, F. H. El concepto de soberania. Tradução Fernando Morera e Angel Alandí. Barcelona: Labor, 1972.

ÇEVIK, Abdülkadir. Globalização e identidade. In: VARVIN, Sverre; VOLKAN, Vamik D. (Orgs.). Violência ou diálogo?: reflexões psicanalíticas sobre terror e terrorismo. Tradução Tânia Mara Zalcberg. São Paulo: Perspectiva, 2008. COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. DALLARI, Dalmo de Abreu. In: VIEIRA, Oscar Vilhena (Coord.). Direitos humanos, estados de direito e a construção da paz. São Paulo: Quartier Latin, 2005.

HOBBES, Thomas. Leviatã. São Paulo: Nova Cultural, 1999. (Os Pensadores). HOBSBAWM, Eric. A era das revoluções 1789-1848. Tradução Maria Tereza Teixeira e Marcos Pimentel. 25. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2010. HOBSBAWM, Eric. A era dos impérios 1875-1914. Tradução Sieni Maria Campos e Yolanda Steidel de Toledo. 13. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2011. HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos. O breve século XX 1914-1991. Tradução Marcos Santarrita. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. HOBSBAWM, Eric. Globalização, democracia e terrorismo. Tradução José Viegas. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

GONÇALVES, Antonio Baptista. O estado democrático de direito LAICO e a “neutralidade” ante a intolerância religiosa. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 66-85

mentado para a consolidação do que busca a Organização das Nações Unidas: a tolerância religiosa e a liberdade para pensar, agir, acreditar e expressar sua fé. Que não seja preciso mais uma guerra para os governantes perceberem que a disputa por poder é, de fato, o maior obstáculo a ser superado.

84

HOBSBAWM, Eric. Nações e nacionalismo desde 1780. Tradução Maria Celia Paoli e Anna Maria Quirino. São Paulo: Paz e Terra, 2011. MARTINS, Ives Gandra da Silva. O Estado do futuro. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). O estado do futuro. São Paulo: Pioneira, 1998. MIRANDA, Pontes de. Democracia, liberdade, igualdade: os três caminhos. Campinas: Bookseller, 2002. MORRIS, Christopher W. Um ensaio sobre o estado moderno. Tradução Sylmara Beletti. São Paulo: Landy, 2005. SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 28. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010.

SILVA, José da. Liberdade, realidade política e eficácia da constituição. In: ROCHA, Maria Elizabeth Guimarães Teixeira; MEYER-PFLUG, Samantha Ribeiro. Lições de direito constitucional em homenagem ao professor Jorge Miranda. Rio de Janeiro: Forense, 2008. SMITH, Anthony D. Criação do estado e construção da nação. In: HALL, John A. (Org.). Os estados na história. Tradução Paulo Vaz, Almir Nascimento e Roberto Brandão. Rio de Janeiro: Imago, 1992. STOESSINGER, John G. O poder das nações: a política internacional de nosso tempo. Tradução Jamir Martins. São Paulo: Cultrix, 1978. SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de direito público. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 1997.

GONÇALVES, Antonio Baptista. O estado democrático de direito LAICO e a “neutralidade” ante a intolerância religiosa. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 66-85

HOBSBAWM, Eric. J. A era do Capital 1848-1875. Tradução Luciano Costa Neto. 15. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2011.

85

Um direito sem estado? Direitos humanos e a formação de um novo quadro normativo global Law without the state? Human rights and the formation of a new global regulatory framework

Anderson Vichinkeski Teixeira Rafael Köche

doi: 10.5102/rdi.v10i2.2561

Um direito sem estado? Direitos humanos e a formação de um novo quadro normativo global Law without the state? Human rights and the formation of a new global regulatory framework * Anderson Vichinkeski Teixeira** Rafael Köche***

Resumo

*  Recebido em 27/08/2013   Aprovado em 23/10/2013 **  Doutor em Teoria e História do Direito pela Università degli Studi di Firenze (IT), com estágio de pesquisa doutoral junto à Faculdade de Filosofia da Université Paris Descartes-Sorbonne. Estágio pós-doutoral junto à Università degli Studi di Firenze. Mestre em Direito do Estado pela PUC/RS. Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito (Mestrado/Doutorado) da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Advogado. Outros textos em: www.andersonteixeira.com. Email: [emailprotected]. ***  Mestrando em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Bolsista de Mestrado do CNPq. Integrante do Projeto de Pesquisa “Direitos Humanos e Transnacionalização do Direito” (UNISINOS). Advogado. Email: rafakoche@ gmail.com.

A transnacionalidade e a policontexturalidade do fenômeno jurídico começa a colocar em crise uma noção de Direito que há muito estava sedimentada: um Direito que só existe porque existe Estado. Há tamanha ambivalência nessa noção que seria possível dizer que o Estado seria um produto do Direito (constituinte), ao mesmo tempo em que o Direito seria um produto do Estado (constituído) – mesmo no plano internacional. Nesse contexto, apesar dos efeitos da ressignificação da noção de soberania, o Estado acaba sendo uma forma de organização que ainda não conhece substituto. Ainda que haja divergências entre as teorias jurídicas dominantes, de um modo geral, todas se fundamentam em uma instância centralizada de decisão que produza aquilo que se pode denominar “Direito”, em uma clara aproximação a uma domestic analogy. Assim, uma questão fundamental deve ser posta: há Direito sem Estado? Ou, há Direito sem uma instância centralizada de decisão que declare o “sentido oficial” em termos de normatividade? Admitindo isso como verdadeiro, toda a teoria do direito ocidental acabaria condenada a revisitar seus pressupostos básicos para compreender o fenômeno jurídico, em um contexto em que o Direito não seria produto de uma estrutura institucionalizada, verticalizada e centralizada de poder, mas produto de uma intersubjetividade, difusa, descentralizada e multidimensional, em que a formação de múltiplas conexões (relações) estruturaria um Direito mais próximo da figura de uma rede (normativa), um Direito fundamentado em paradoxos, uma teoria pluriversalista dos Direitos Humanos, de modo a reavaliar as atuais concepções de sociedade civil e, por conseguinte, de Direito dos Povos. Palavras-chave: Direito. Estado. Sociedade. Globalização. Direito dos povos.

Abstract: The transnationality and polycontexturality of the normative phenomenon begins to set in crisis a notion of Law that had long been cemented: a Law that only exists because the State exists. This notion is so ambivalent that could say that the State would be product of Law (constituent) at the same time that Law would be product of the State (constituted) – even internationally. In this context, despite the effects of reframing notion of sovereignty, the

Keyword: Law. State. Society. Globalization. People’s Rigths.

1. Considerações iniciais Nenhum ramo do saber ficou imune às mudanças ocorridas nos últimos anos. A intensificação das relações sociais em escala mundial conecta localidades distantes de tal maneira que acontecimentos locais são modelados por eventos ocorridos a muitas milhas de distância e vice-versa.1 Em um cenário pós-Holocausto, o final do século XX e o início do século XXI notabilizam-se pelas transformações na forma de explicar a realidade, pelo desenvolvimento daquilo que vem se chamando de revolução tecnológica, pela expansão das relações internacionais e transnacionais e, claro, pelos efeitos da globalização. Inúmeros outros fatores dariam conta de descrever parcialmente a sociedade contemporânea, mas nos concentraremos apenas nesses, pois 1  GIDDENS, Anthony. The Consequences of Modernity.Cambridge: Polity, 1990, p. 61-9. “Hoje vivemos num mundo em que o fracasso da colheita de látex na Malásia afeta profundamente os trabalhadores em Birmingham ou em Detroit, enquanto uma negociação na bolsa de valores de Nova Yorke pode arruinar os produtores de cacau da África Ocidental, que pouco sabem da existência de Londres, e com certeza não conhecem nada sobre ações ou sobre valores”. (CROSSMAN, R. H. S. Biografia do Estado Moderno. Trad. Evaldo Amaro Vieira. São Paulo: Livraria Editora Ciências Humanas, 1980, p. 18-9).

entendemos que são suficientes para desenvolver um pano de fundo mínimo capaz de retratar as relações intersubjetivas e intertextuais (discursivas) capazes de “produzir sentido” para fins deste texto. Por isso, a principal noção que estará por trás deste escrito será a noção de globalização,2 ainda que se fizesse necessária uma análise crítica desse processo. Tais mudanças foram tão devastadoras para as teorias sociais, políticas e jurídicas contemporâneas, que o advento da internet, por exemplo, levou muitos autores a anunciar o “fim das cidades”, uma vez que ela perderia a sua necessidade, visto que as pessoas poderiam estar “conectadas” vivendo no topo de uma montanha suíça ou no meio de uma pradaria americana. Como as pessoas não precisariam se mover, até mesmo os problemas de tráfego seria reduzidos. Como bem assinala Manuel Castells, “tais prelúdios de longe não se concretizaram”. Ao contrário: estamos (vi)vendo o maior movimento de urbanização da história. Soulignons tout d’abord que toutes les prédictions faites par des futurologues depuis vingt ans ont été démenties. Par exemple, la fin de la ville a été annoncée mille fois en considérant qu’à partir des technologies de communication, ou d’Internet, la ville perd de sa nécessité, car les individus peuvent habiter au sommet d’une montagne suisse ou au milieu d’une prairie américaine et rester connectés. Dès lors les personnes n’auraient plus besoin 2  Quando nos referimos à globalização, estamos nos referindo a um fenômeno mais abrangente que um mero “conjunto de estratégias para realizar a hegemonia de conglomerados industriais, corporações financeiras, majors do cinema, da televisão, da música e da informática, para apropriar-se dos recursos naturais e culturais, do trabalho, do ócio e do dinheiro dos países pobres”. (CANCLINI, Néstor García. A globalização imaginada. São Paulo: Iluminuras, 2003, p. 29). Dentre as variadas terminologias existentes para descrever esse processo, talvez “globalização” não sintetize a pluridimensionalidade fenomênica a que estamos nos referindo, contexto sobre o qual estamos partindo. Reconhecemos que talvez o termo “mundialização” exprima com mais propriedade o sentido desse processo, em razão da alta carga semântica que a “globalização” acabou assumindo. Para fins deste texto, ressaltamos, no entanto, que o leitor deve ler esses termos como sinônimos desse processo, permeado por dinâmicas plurais, de intensificação e multiplicação das relações, que extrapola as fronteiras nacionais, transformando as referências modernas centradas nas nacionalidades. Trata-se, assim, de um processo, pluridimensional, contraditório, paradoxal e ambíguo, na linha que trabalha autores como: GIDDENS, Anthony. (The Consequences of Modernity. Cambridge: Polity, 1990); TOURAINE, Alain (Um novo Paradigma: para compreender o mundo de hoje. Tradução de Gentil Avelino Titton. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 2007); BECK, Ulrich (O Que é Globalização? Equívocos do globalismo. Respostas à globalização. Tradução de André Carone. São Paulo: Paz e Terra, 1999); HELD, David e MCGREW, Anthony (Prós e Contras da Globalização. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001); e SEN, Amartya (Globalizzazione e libertà. Milano: Mondadori, 2003); para ficarmos apenas nestes.

TEIXEIRA, Anderson Vichinkeski; KÖCHE, Rafael. Um direito sem estado? Direitos humanos e a formação de um novo quadro normativo global. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 86-100

State ends up being a form of organization that knows no substitute. Although there are differences between dominant theories of Law, in general, all are based on centralized instance of decision that produces what might be called “Law”, a clear approach to a “domestic analogy”. Thus, a fundamental question must be put: Is there Law without the State? Or, is there Law without a centralized instance of decision that declares the “official meaning” in terms of normativity? Assuming this to be true, the whole Western theory of Law ultimately doomed to revisit its basic assumptions to understand the normative phenomenon, in a context which Law wouldn’t be product of an institutionalized, vertical and centralized power structure, but product of an diffuse intersubjectivity, decentralized, multi-dimensional, which the formation of multiple connections (relationships) would structure a Law nearer the figure of a (normative)network, a Law grounded in paradox, a pluriversalistHuman Rights theory, in order to reassess current conceptions of civil society and, therefore, Peoples’sRigths.

88

Com base nos números assombrosos assinalados por Castells, que afirma que metade da população mundial atualmente vive em áreas urbanas e que as projeções populacionais preveem uma elevação desse número para 75% até 2050, só é possível chegar a uma conclusão: não estamos testemunhando o “fim da cidade”, mas, em vez disso, uma profunda transformação das cidades e do espaço – o que evidencia a reafirmação do local em um contexto global, elemento característico do paradoxo inerente ao processo de globalização. É dizer: “Toute région urbaine a une portion de global, une de local et une de déconnecté”4. E o Direito? Ele esteve imune a todas essas mudanças que alteraram inclusive a noção de espaço-tempo? Evidentemente que não. Mas como é possível, então, descrever o fenômeno jurídico atualmente? Essa questão complexa é base de muitos edíficios teóricos sofisticados, construídos com base em determinado aspec3  CASTELLS, Manuel. The Networked City: Réseaux, espace, société. Disponível em: . “Observe, em primeiro lugar, que todas as previsões feitas pelos futurólogos foram negadas 20 anos depois. Por exemplo, o ‘fim da cidade’ foi anunciado mil vezes, em decorrência das tecnologias de comunicação e da Internet, a cidade perderia a sua necessidade, porque as pessoas podem viver no topo de uma montanha suíça ou meio de uma pradaria americana e ficarem conectadas. Assim, as pessoas não precisariam se locomover ou fariam isso apenas quando desejado, reduzindo assim os problemas de tráfego. Sérios pesquisadores sugeriram há vinte, dez ou cinco anos cenários anunciando o fim da cidade. Mas, ao mesmo tempo, temos visto e ainda estamos vendo a maior onda de urbanização da história. Atingimos uma taxa de 50% da população mundial que vive em áreas urbanas e projeções populacionais para os próximos vinte anos preveem que até 2025 dois terços da população mundial viverá em áreas urbanas e três quartos, até 2050. [...] Portanto, não testemunhamos o fim da cidade, mas, em vez disso, uma profunda transformação das cidades e do espaço”. (Tradução livre). Acesso em: 06 jun. 2013. 4  “Qualquer área urbana tem uma porção de global, uma de local e uma desconectado”. (CASTELLS, Manuel. The Networked City: Réseaux, espace, société. Disponível em: . (tradução livre). Acesso em: 06 jun. 2013.

to normativo característico do Direito a que se está se referindo. Analisaremos o fenômeno jurídico, todavia, por dois vieses – ou duas matrizes, se assim quiser denominar. Em um primeiro aspecto, a abordagem inevitavelmente acaba partindo da identidade entre Direito e Estado. Ou seja, ainda que se possa falar em um cenário “pós-nacional”,5 permanecemos reféns do paradigma estatal, pois partimos de categorias como nacional, internacional e transnacional, relativizando, reafirmando ou ressignificando o Estado e, nesse sentido, o Direito. Intitulamos essa abordagem, portanto, como a “transnacionalidade do fenômeno jurídico”, que parte de um paradigma intersubjetivo para descrever a compreensão, a atribuição de sentido e a produção de subjetividade. Em seguida, buscamos avaliar o fenômeno jurídico a partir de outras relações; uma reflexão que busca pensar a normatividade sem o necessário elemento coercitivo – elemento que justifica uma instância centralizada de decisão e que até hoje motiva críticas ao Direito Internacional Público, porque os juristas não estão acostumados a pensar o Direito de forma totalmente difusa, descentralizada e multidimensional. A essa segunda abordagem trataremos como a “policontexturalidade do fenômeno jurídico”, que parte de outro paradigma, que poderíamos denominar de intertextual (ou interdiscursivo). Por fim, retomaremos os contornos lançados, a partir de uma determinada “semiologia política”, desenvolvendo uma análise de alguns aspectos da doutrina dos Direitos Humanos, em especial, a noção de Direito dos Povos, buscando avaliar sua condição de possibilidade em um contexto compreendido na alcunha de democrático.

2. Transnacionalidade do fenômeno jurídico Os acontecimentos históricos delineados nos últimos anos, portanto, redefiniram os contornos do fenômeno do constitucionalismo6 em um cenário 5  Cf. HABERMAS, Jürgen. A Constelação Pós-Nacional: ensaios políticos. Tradução de Márcio Seligmann-Silva. São Paulo: Littera Mundi, 2001; HABERMAS, Jürgen. Más Allá Del Estado Nacional. Trad. Manuel Jiménez Redondo. Cidade do México: Fondo de cultura Económica, 2000; HABERMAS, Jürgen. Identidades Nacionales y Postnacionales. Trad. Manuel Jiménez Redondo. 2. ed. Madri: Tecnos, 2002; HABERMAS, Jürgen. El Derecho Internacional en la Transición hacia un Escenario Posnacional. Trad. Daniel Gamper Sachse. Madrid; Barcelona: Katz; CCCB, 2008. 6  Constitucionalismo entendido, nesse ponto, em uma definição

TEIXEIRA, Anderson Vichinkeski; KÖCHE, Rafael. Um direito sem estado? Direitos humanos e a formação de um novo quadro normativo global. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 86-100

de se déplacer ou seulement lorsqu’elles le désirent, ce qui réduit les problèmes de trafic. Des chercheurs sérieux ont proposé il y a vingt, dix ou cinq ans des scénarios annonçant ainsi la fin de la ville. Mais, simultanément, nous avons assisté et assistons toujours à la plus forte vague d’urbanisation de l’histoire de l’humanité. Nous venons d’atteindre le taux de plus de 50% de la population de la planète vivant en zone urbaine et les projections démographiques pour les vingt prochaines années prédisent qu’en 2025 les deux tiers de la population de planète vivront en zone urbaine et les trois quarts à l’horizon 2050. (...) Nous n’assistons donc pas à la fin des villes, mais, au contraire, à une transformation profonde des villes et de l’espace.3

89

O discurso jurídico da soberania, apesar de ter origem no ocidente, em um momento histórico determinado (a formação do Estado capitalista ocidental), é um discurso que mesmo possuindo essa mesma matriz teórica, como representação simbólica das ideologias sociais, varia de acordo com as relações de força da sociedade. Trata-se de um discurso contraditório, dependente das relações de poder, para definir seu sentido hegemônico.8

Além disso, a emergência de jurisdições internacionais e órgãos normativos que tratam de matérias específicas, tais como a Organização Mundial do Comércio, a Organização Internacional do Trabalho, a Organização das Nações Unidas, além dos diversos tribunais internacionais, “produziram uma sorte de ‘normatividade transversal’ em condições de limitar a soberania dos Estados e concentrar na esfera internacional o poder de definir a noção substantiva de muitos dos direitos presentes tanto nas ordens nacionais quanto na ordem internacional”.9 abrangente; ou seja, como “um movimento do pensamento voltado, desde suas origens, a perseguir as finalidades políticas concretas, essencialmente consistentes na limitação dos poderes públicos e na afirmação de esferas de autonomia normativamente garantidas”. (FIORAVANTI, Maurizio. Costituzionalismo. Percorsi della storia e tendenze attuali. Roma-Bari: Laterza, 2009, p. 5). 7  Cf. ICISS. The Responsibility to Protect. Report of the International Commission on Intervention and State Sovereignty. Ottawa: International Development Research Centre, Dezembro, 2001; e ANNAN, Kofi. Two concepts of sovereignty.The Economist, 18 September 1999. Disponível em: .Acesso: em: 1º abr. 2011. 8  ROCHA, Leonel Severo. A Problemática Jurídica: uma introdução transdisciplinar. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1985, p. 54. “O discurso jurídico da soberania apresenta a lei como a moderna manifestação concreta do poder do Estado. A lei aparece como racionalidade necessária à manutenção do poder. O poder não legal é pura força e, consequentemente, ilegítimo. Constitui-se assim, a lei, na única forma legítima de poder. Natural, portanto, dizem os juristas, que os direitos de soberania, o poder que o Estado exerce em nome de todos para atingir o bem comum, sejam direitos expressos por lei”. (ROCHA, Leonel Severo. A Problemática Jurídica: uma introdução transdisciplinar. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1985, p. 61). 9  TEIXEIRA, Anderson Vichinkeski. Qual a função do Estado constitucional em um constitucionalismo transnacional? In:

Em razão disso, eclodiu uma série de teorias que viam na estruturação de uma instância supranacional centralizada a base de uma nova forma de normatividade internacional. Dentre as principais propostas desse “universalismo jurídico”, poderíamos destacar: a Peace throug Law, de Hans Kelsen; o pacifismo cosmopolita, de Norberto Bobbio; o constitucionalismo global, de Richard Falk; a democracia social global, de David Held; o neocontratualismo, de John Rawls; e, claro, o cosmopolitismo, de Jürgen Habermas.10 Assim, assumindo que toda teoria jurídica da modernidade seria uma teoria ligada à noção de Estado11 (e STRECK, Lenio Luiz; ROCHA, Leonel Severo; ENGELMANN, Wilson (Orgs.). Constituição, Sistemas Sociais e Hermenêutica. Anuário do Programa de Pós-Graduação em Direito da Unisinos – Mestrado e Doutorado. n. 9. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 9-10. Além disso, as últimas décadas do século XX ficaram marcadas por uma série de propostas voltadas ao livre-comércio, à desregulação, à privatização das atividades do Estado, à liberalização dos mercados de capitais e, sobretudo, àquelas definidas pelo Consenso de Washington, na linha que denunciou Joseph Stiglitz – “implementadas como uma fé catequizadora pelo Fundo Monetário Internacional e pelo Banco Mundial diante dos países em desenvolvimento”. (TEIXEIRA, Anderson Vichinkeski. Teoria Pluriversalista do Direito Internacional. São Paulo: Martins Fontes, 2011, p. 133). Nesse sentido, ver: STIGLITZ, Joseph. Globalization and its Discontents. New York: W.W. Norman & Company, 2002; e Making Globalization Work. New York/London: Norton & Company, 2003. 10  Cf. TEIXEIRA, Anderson Vichinkeski. Os fundamentos políticos-jurídicos das relações internacionais nas principais propostas de universalismo jurídico. In: Teoria Pluriversalista do Direito Internacional. São Paulo: Martins Fontes, 2011, p. 149-230. Nesse sentido, ver: KELSEN, Hans. Peace Through Law. Chapel Hill: The University of North Carolina Press, [1944]. Reprinted 2008. New Jersey: The Lawbook Exchange, Ltd., 2008; KELSEN, Hans. Principles of International Law. New York: Rinehart & Company, Inc. [1952]. Reprinted 2003. New Jersey: The Lawbook Exchange, Ltd., 2012; BOBBIO, Norberto. O terceiro ausente. Barueri: Manole, 2009; BOBBIO, Norberto. O problema da guerra e as vias da paz. Trad. Álvaro Lorencini. São Paulo: Unesp, 2003; FALK, Richard. Human Rights and State Sovereignty. New York: Holmes & Meier, 1981; HELD, David. Global Covenant: The Social Democratic to the Washington Consensus. Cambridge: Polity Press, 2004; HELD, David; McGREW, Anthony. Globalization/Anti-Globalization. Cambridge: Polity Press, 2002; RAWLS, John. Uma teoria da Justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2000; RAWLS, John. O Direito dos Povos. Trad. Luís Carlos Borges; revisão técnica Sérgio Sérvulo da Cunha. São Paulo: Martins Fontes, 2001; HABERMAS, Jürgen. A Inclusão do Outro: estudos sobre teoria política. Tradução de George Sperber e Paulo Astor Soethe. São Paulo: Loyola, 2002; HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia. Entre Faticidade e Validade. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, Tomo I; HABERMAS, Jürgen. O Ocidente Dividido. Tradução de Luciana Villas-Bôas. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2006; HABERMAS, Jürgen. Verdade e Justificação: ensaios filosóficos. Tradução de Milton Camargo Mota. São Paulo: Edições Loyola, 2004. 11  “Dessa forma, tem-se hoje em plena forma de sociedade globalizada ainda uma teoria jurídica originária da modernidade presa à

TEIXEIRA, Anderson Vichinkeski; KÖCHE, Rafael. Um direito sem estado? Direitos humanos e a formação de um novo quadro normativo global. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 86-100

transnacional, que presenciou a eclosão de soft norms, a descentralização de fontes, a expansão dos mecanismos de controle do direito e a multiplicação de tribunais, o quase desaparecimento da noção de fronteira e a ressignificação do conceito (ou da crise conceitual) de soberania – que passa a não mais simplesmente representar o poder absoluto que o Estado possuía(?) sobre seus “súditos”, mas um poder/dever de proteger seus cidadãos.7 Porém mais do que isso:

90

Em outras palavras, o estado de natureza entre os homens, que “justificou” outrora o contrato social, se converte(ria), agora, em estado de natureza entre nações, “justificando” um novo contrato social, certo “neocontratualismo”. Ou seja, como a guerra é sempre uma possibilidade,14 a forma cooperativa, horizontal, descentralizada e “anárquica” que caracteriza(ria) o sistema de relações internacionais seria substituída por uma forma coordenativa, vertical, centralizada e estável, como forma de manter a paz e segurança internacional. Alguns autores radicalizaram tanto os efeitos da transnacionalidade do fenômeno jurídico, que, para o quadro normativo que propõem, seria necessário estruturar uma instância supranacional nos moldes de uma “República Mundial”, uma espécie de federação mundial formada pelos atuais Estados nacionais.15 Como noção de Estado e norma jurídica”. (ROCHA, Leonel Severo. Epistemologia Jurídica e Democracia. 2. ed. São Leopoldo: Unisinos, 2003, p. 185). 12  HABERMAS, Jürgen. A Short Reply.Ratio Juris, 12 (1999), 4, p. 451. (tradução livre). 13  “Segundo a domestic analogy, as relações anárquicas e a-jurídicas entre Estados nacionais nos permitiriam concluir que o conceito de estado de natureza hobbesiano se aplica, com pouca ou nenhuma ressalva, ao universo das relações entre Estados”. (TEIXEIRA, Anderson Vichinkeski. Teoria Pluriversalista do Direito Internacional. São Paulo: Martins Fontes, 2011, p. 26-7). 14  Não quer dizer que existe reais ameaças bélicas, mas a mera “possibilidade” justificaria a transferência da autoridade soberana dos Estados a um modelo de Estado supranacional na perspectiva desses autores. 15  Hedley Bull faz uma severa crítica, em seu The Anarchical Society (New York: Columbia University Press, 2002), assinalada por Danilo Zolo: “trata-se de uma rejeição à ideia kantiana e neokantiana, desenvolvida pelos ditos Western globalists, segundo a qual a paz e a justiça das relações internacionais somente poderão ser obtidas quando for abolida a soberania dos Estados nacionais. A paz e a justiça triunfarão quando a totalidade do poder político (e, portanto,

realizar isso de forma democrática? Como constituir instâncias normativas desse tipo sem que a “hegemonia discursiva” (ou “soberania na atribuição de sentido”) não implique opressão e autoritarismo? Como delinear tais relações de poder, em um contexto de intensa desigualdade entre os atores envolvidos? As experiências até agora apontam para a inviabilidade de levar a cabo tal projeto – pelo menos, em um contexto democrático. Independentemente das problematizações e ressalvas feitas anteriormente, podemos esboçar uma conclusão prévia, que aparentemente todos esses autores concordam: “de um modelo de Estado axiologicamente centrado em si, vemos se consolidar um modelo de Estado axiologicamente centrado na tutela do humano em suas mais variadas dimensões de realização”.16 Nesse contexto, David Held concebe a sociedade internacional como uma governance global multicêntrica, multiestratificada, multidimensional e multiator, em que diversos organismos internacionais representam interesses dos mais variados possíveis em áreas que vão além dos limites do Estado-nação.17 Por isso, embora se possam questionar os modelos de organização política sugeridos ou os modos de adjetivar o constitucionalismo da atual conjuntura,18 a transnacionalitambém militar) for concentrada em um único órgão supranacional: uma sorte de governo mundial tendo à disposição uma polícia internacional e uma Corte penal internacional. [...] A concentração do poder internacional nas mãos de um diretório de potentíssimos burocratas mundiais teria inevitavelmente posto em perigo a diferenciação social e funcional, bem como a complexidade do mundo”. (ZOLO, Danilo. Apresentação. In: TEIXEIRA, Anderson Vichinkeski. Teoria Pluriversalista do Direito Internacional. São Paulo: Martins Fontes, 2011. p. IX-X). Ademais, “Um poder político fortemente concentrado em instituições supranacionais, na presença de crescentes disparidades econômicas e sociais e de um correspondente aumento da conflituosidade, não poderia deixar de assumir os traços de um Leviatã planetário violentamente repressivo e antidemocrático”. (ZOLO, Danilo. Cosmopolis. Milano: Feltrinelli, 2001, p. 165-6). 16  TEIXEIRA, Anderson Vichinkeski. Qual a função do Estado constitucional em um constitucionalismo transnacional? In: STRECK, Lenio Luiz; ROCHA, Leonel Severo; ENGELMANN, Wilson (Orgs.). Constituição, Sistemas Sociais e Hermenêutica. Anuário do Programa de Pós-Graduação em Direito da Unisinos – Mestrado e Doutorado. n. 9. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 10. 17  HELD, David; McGREW, Anthony. Governing Globalization. Power, Autority and Global Governance. Cambridge: Policy Press, 2002. 18  A Tese de Doutorado de Gustavo Oliveira Vieira caminha justamente no sentido de delinear esse panorama, aduzindo uma série de “constitucionalismos” para descrever o atual estágio desse movimento, chamado também de: “Direito Constitucional Internacional, por Mirkine-Guetzévitch; “Estado Constitucional Cooperativo”, por Peter Häberle, “Internacionalização do Poder Constituinte”, por Nicolas Maziau”; “Constitucionalismo Multinível, por Ingolf Pernice; “Interconstitucionalidade, de J. J. Gomes Canotilho; “Transconstitucionalismo”; por Marcelo Neves; até o “Constitucionalismo

TEIXEIRA, Anderson Vichinkeski; KÖCHE, Rafael. Um direito sem estado? Direitos humanos e a formação de um novo quadro normativo global. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 86-100

que essa racionalidade se desenvolveu, principalmente, em uma dinâmica chamada de normativismo), tais instâncias supranacionais acabariam repetindo o modelo de organização política desenvolvido na Modernidade, “adaptando” o discurso para um cenário “pós-nacional”. Com exceção de Habermas, que propõe um modelo bastante típico, que vai muito além do proposto por Kelsen, Bobbio, Falk e Held – ou seja, um sistema político multinível com uma organização mundial, no nível máximo, amplamente reformada, Estados nacionais domesticados, no nível mais inferior, e uma rede de regimes transnacionais entre esses níveis12 – de um modo geral, há uma forte tendência de explicitar o fenômeno jurídico a partir de uma domestic analogy, forjada, a partir de aspirações kantianas, grocianas ou hobbesianas.13

91

Costuma-se relacionar o constitucionalismo transnacional à terceira geração/dimensão dos direitos humanos, esta que tem como característica principal a defesa de direitos transindividuais, chamados também de direitos de solidariedade e fraternidade, ou ainda “direitos dos povos”.20 Na atual conjuntura, o Estado permanece sendo o grande protagonista: no plano doméstico, internacional ou transnacional. Seja em termos de produção normativa, como instância competente para firmar e cumprir acordos internacionais, seja como responsável pela implementação de políticas públicas internacionais, agente responsável pela observação dos direitos humanos. Ainda que se ressalte o papel das organizações internacionais nesse contexto, o mesmo raciocínio pode ser estendido a essas estruturas. Elas acabam justificando sua própria existência pela existência de outra estrutura, qual seja: o Estado. Enfim, diante desse modelo, se torna quase inviável falarmos em Direito sem falarmos em Estado. Em síntese: permanecemos reféns do paradigma estatal, medindo e ordenando as coisas a partir do Estado, pelo menos no plano normativo. Nesse sentido, não está errado afirmar que: “O Estado nacional é uma forma de organização política que ainda não conhece um concorrente em condições de substituí-lo nos diversos

sem Estado”, de Gunther Teubner, que será explorado mais adiante. Para tanto, ver: VIEIRA, Gustavo Oliveira. O Constitucionalismo no Cenário Pós-Nacional: As implicações constitucionais da Mundialização e a busca por fontes alternativas de legitimidade. 2012. 404f. Tese (Doutorado em Direito) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, RS, 2012. 19  “O constitucionalismo transnacional pode ser concebido, em termos gerais, como um processo global de afirmação da ubiquidade da existência humana como um bem em si, independentemente de concessões de direitos ou atribuições de sentido/significado estatais, que demanda reconhecimento de direitos não mais vinculados apenas a um Estado nacional específico e que termina redefinindo os objetivos finalísticos do próprio Estado, pois pressiona rumo à integração política internacional e promove, por um lado, diversas esferas transversais de normatividade, enquanto que, por outro, reforça o papel do Estado na proteção interna dos direitos individuais, na afirmação dos direitos culturais e na instrumentalização das políticas globais”. (TEIXEIRA, Anderson Vichinkeski. Qual a função do Estado constitucional em um constitucionalismo transnacional? In: STRECK, Lenio Luiz; ROCHA, Leonel Severo; ENGELMANN, Wilson (Orgs.). Constituição, Sistemas Sociais e Hermenêutica. Anuário do Programa de Pós-Graduação em Direito da Unisinos – Mestrado e Doutorado. n. 9. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 27). 20  Idem, p. 20.

setores em que ainda está presente”.21. Desse modo, é extremamente aguçada a provocação feita por Gustavo Oliveira Vieira, ao lembrar as mais variadas formas definidas doutrinariamente para ressignificar o papel do Estado contemporâneo, que, em um rápido olhar, poderiam traduzir uma redução na sua importância, mas, como se vê, de longe se caminha para esse sentido. Ou seja: “enquadrado”, “englobado”, “enfraquecido”, “em declínio”, “em crise”, mas, ainda, “o Estado”.22 Ora, se Thomas Kuhn estiver certo, um paradigma é sempre acompanhado por um conjunto de imagens e metáforas que evocam de modo heurístico a lógica subjacente que o impulsiona.23 Diante do exposto, qual seria, então, a imagem mais apropriada para descrever o atual paradigma normativo? Modelos de transnacionalidade do fenômeno jurídico centralizados, verticalizados e hierarquizados parecem não ser os mais adequados – ainda que em uma perspectiva tradicional, tendo em vista a complexidade das atuais relações. Talvez a noção da “rede” (ou “teia”) consiga com mais propriedade delinear uma figura capaz de explicitar um novo quadro normativo que emerge em termos globais: “En effet, les réseaux s’organisent, par nature, autour des interactions, des échanges et ne s’arrêtent pas aux frontières d’un État-nation ou aux frontières institutionnelles”.24 Nesse contexto, François Ost e Michel Kerchove desenvolvem uma concepção dialética interessante, que delineia essa transição marcada da pirâmide à rede.25 21  TEIXEIRA, Anderson Vichinkeski. Qual a função do Estado constitucional em um constitucionalismo transnacional? In: STRECK, Lenio Luiz; ROCHA, Leonel Severo; ENGELMANN, Wilson (Orgs.). Constituição, Sistemas Sociais e Hermenêutica. Anuário do Programa de Pós-Graduação em Direito da Unisinos – Mestrado e Doutorado. n. 9. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 29. “Os Estados nacionais continuam sendo de central significância na função de distribuir o poder, atribuir legitimidade, ordenar e dar forma aos poderes e agentes que dele decorrem, porque somente o Estadonação possui a exclusiva representatividade política da população no seu território”. (TEIXEIRA, Anderson Vichinkeski. Teoria Pluriversalista do Direito Internacional. São Paulo: Martins Fontes, 2011, p. 139). 22  VIEIRA, Gustavo Oliveira. O Constitucionalismo no Cenário PósNacional: as implicações constitucionais da mundialização e a busca por fontes alternativas de legitimidade. 2012. 404f. Tese (Doutorado em Direito) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, RS, 2012, p. 299-304. 23  KUHN, Thomas. A estrutura das revoluções científicas. 7. ed. São Paulo: Perspectiva, 2003. passim. 24  “De fato, as redes são organizadas por natureza ao redor das interações, trocas e não param nas fronteiras de um Estado-nação ou institucional limites”. CASTELLS, Manuel. The Networked City: Réseaux, espace, société. (tradução livre). Disponível em: . Acesso em: 06 jun. 2013. 25  OST, François; KERCHOVE, Michel van de. De la Pyramide

TEIXEIRA, Anderson Vichinkeski; KÖCHE, Rafael. Um direito sem estado? Direitos humanos e a formação de um novo quadro normativo global. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 86-100

dade do fenômeno jurídico fica verdadeiramente evidenciada – razão pela qual só é possível falar, hoje, em constitucionalismo como “constitucionalismo transnacional”.19

92

3. Policontexturalidade do fenômeno jurídico

Vimos, portanto, que concepções centralizadas de poder e de normatividade não são capazes de explicar e traduzir a transnacionalidade do fenômeno jurídico em termos globais. Vimos que “examinar o Direito dentro da globalização implica relacioná-lo com a complexidade, com todos os processos de diferenciação e regulação social que estão surgindo”.27 Vimos que as principais propostas teóricas no cenário transnacional buscam criar uma instância supranacional ou remodelar organizações já existentes28 para definir os contornos normativos internacionais, uma vez que não conseguem pensar o Direito sem uma instância centralizada de poder que defina o “sentido oficial” de um texto (discurso).

nexões, razão pela qual se faz referência à rede (ou teia), na linha que trabalha François Ost. Essa virada paradigmática procura enaltecer a interdisciplinariedade existente entre os sistemas sociais. Em outras palavras, o sistema político seria uma das fontes para a delimitação daquilo que se poderia dizer “jurídico”. Há movimentos mais intensos (ou não), que determinam esses contornos e que também devem ser levados em consideração para compreender a normatividade que emerge dessas relações, como ocorre nas relações econômicas, por exemplo. Muito do que se considera normativo em termos jurídicos não foi definido deliberadamente por agentes políticos, mas por meio de relações comerciais mais ou menos reiteradas. Nesse contexto, poderíamos referir o “costume” como outra fonte do Direito. O costume implica expectativas que, em última instância, terá contornos normativos. Há normatividade por trás de práticas reiteradas, justamente porque há uma legítima expectativa entre os agentes envolvidos – o que não significa “engessamento” das práticas sociais, mas o reconhecimento dos efeitos da intertextualidade do diálogo, em que sempre haverá produção de diferença. Os movimentos sociais também expressam outra forma de tensão que produz normatividade. Enfim, esses poucos exemplos dão conta da complexidade do fenômeno jurídico e de suas fontes. Não temos como falar em Direito em termos democráticos sem reconhecer essa dimensão plural, que sempre abarcará inúmeras dimensões outras que não propriamente o “direito oficial”.

Admitindo que o Estado ainda é a estrutura de organização macropolítica determinante em termos de normatividade jurídica, vimos, todavia, que essa normatividade não pode ser compreendida nos mesmos moldes que a teoria clássica do Estado procura talhar. Assim, outra imagem deve ser adotada para representar as relações que produzem normatividade – de um modelo hierarquizado, por isso a referência à “pirâmide”, a um modelo totalmente descentralizado, com múltiplas co-

A hipercomplexidade da sociedade contemporânea provocada pela internacionalização crescente das problemáticas tem redefinido profundamente a forma de regulação social, notadamente o direito. Não se pode mais refletir sobre os sentidos do Direito apenas a partir dos pressupostos do Estado normativista, pois as suas manifestações têm adquirido cada vez mais um caráter nitidamente paraestatal, notadamente com a crise do Estado social. Neste sentido, é evidente a constatação de que a interpretação jurídica, tradicionalmente derivada da racionalidade do Estado liberal, também necessita rever suas bases constitutivas.29

au Réseau?Pour une théorie dialectique du droit. Bruxeles: Facultés Universitaires Saint-Louis, 2002. 26  Cf. VIEIRA, Gustavo Oliveira. O Constitucionalismo no Cenário Pós-Nacional: as implicações constitucionais da mundialização e a busca por fontes alternativas de legitimidade. 2012. 404f. Tese (Doutorado em Direito) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, RS, 2012, p. 305. 27  ROCHA, Leonel Severo. Epistemologia Jurídica e Democracia. 2. ed. São Leopoldo: Unisinos, 2003, p. 185. 28  Nesses casos, costuma-se apostar na Organização das Nações Unidas como instância “máxima” de normatividade internacional.

Assim, com Manuel Castells, nos estreitos limites da análise anterior, dissemos que sempre haverá algo de local, algo de global e algo “desconectado”, em um contexto altamente interrelacional; com Günther Teubner, poderíamos dizer que sempre haverá o local, o plural 29  ROCHA, Leonel Severo. Epistemologia Jurídica e Democracia. 2. ed. São Leopoldo: Unisinos, 2003. p. 107.

TEIXEIRA, Anderson Vichinkeski; KÖCHE, Rafael. Um direito sem estado? Direitos humanos e a formação de um novo quadro normativo global. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 86-100

A noção de “rede” dificulta a tradução de noções claras de hierarquia (ou condições de hierarquização), além de esvaziar binômios como “centro-periferia”, “topo-base”, típicos das elaborações tradicionais, permitindo um enfoque normativo descentralizado.26 Além disso, a formação de conexões múltiplas, a partir de entrelaçamentos, emaranhados, confluências, interpenetrações e teias, consegue representar com mais aproximação as relações totais que a sociedade, por meio dos seus agentes, organizações, movimentos e sujeitos, produz, em termos de poder, direito e policontexturalidade.

93

The new legal pluralism moves away from questions about the effect of law on society or even the effect of society on law toward conceptualizing a more complex and interactive relationship between official and unofficial forms of ordering. Instead of mutual influences between two separate entities, this perspective sees plural forms of ordering as participating in the same social field.31

Estamos tratando, portanto, de um “novo” pluralismo jurídico, na linha que trabalha Günther Teubner. Não se trata, portanto, de uma visão antiquada e legalista do pluralismo jurídico – “que define como um problema do direito oficial reconhecer ordens normativas subsidiárias, entre elas as regionais ou as de regimes corporativos”. Ou seja, “supera concepções hierárquicas do pluralismo jurídico que tendem a assimilar certos níveis jurídicos com a estratificação da sociedade, ignorando fenômenos sociais fora dessa hierarquia”. Mais do que isso: “liberta-se do institucionalismo tradicional, que encontrava o lugar social do pluralismo jurídico incorporado em instituições, corporações e organizações formalmente estruturadas”. Em síntese: “o ‘novo’ pluralismo é não-legalista, não-hierárquico e não-institucional. Seu tema são as interações dinâmicas entre uma enorme variedade de ordens jurídicas num campo social”.32 Essa abordagem é extremamente cara para os teóricos pós-modernos do direito e da autopoiese do direito. 30  TEUBNER, Gunther. As Duas Faces de Janus: pluralismo jurídico na sociedade pós-moderna. In: Direito, Sociedade e Policontexturalidade. Trad. Bruna Vieira de Vincenzi e outros. Piracicaba: Unimep, 2005. p. 81. 31  MERRY, Sally E. Legal Pluralism.Law & Society Review, Beverly Hills, 22, p. 869-901, 1988.p. 873.“O novo pluralismo jurídico afasta-se de questões sobre o efeito do Direito sobre a sociedade ou mesmo o efeito da sociedade sobre o Direito para conceituar uma relação mais complexa e interativa entre as formas oficiais e não oficiais de normatividade. Em vez de influências mútuas entre duas entidades separadas, essa perspectiva vê formas plurais de normatividade atuando no mesmo campo social”. (tradução livre) 32  TEUBNER, Gunther. Direito, Sociedade e Policontexturalidade. Trad. Bruna Vieira de Vincenzi e outros. Piracicaba: Unimep, 2005. p. 86-7.

Apesar de cada matriz desenvolver sua explicação dos fenômenos jurídicos, alguns elementos fundamentais para entender essa “interligação do social e do jurídico” que estamos buscando exprimir acabam sendo idênticos para ambas matrizes teóricas, como, por exemplo: a) o giro linguístico, que se afasta da sociologia positivista do direito; b) a dissolução da realidade social e da realidade jurídica em discursividade, que reavalia, inclusive, as noções contemporâneas de intersubjetividade; c) a fragmentação e o fechamento mútuo de discursos; d) o caráter non-foundationalist da argumentação jurídica; e) a desconstrução do sujeito de direito; f) a exploração eclética de diversas tradições de pensamento; g) a preferência pelo differénce, différance e différend diante do um que é necessário; h) e, especialmente, o fundamento do direito em paradoxos, antinomias e tautologias.33 Enquanto é plausível descrever o direito oficial dos Estados como autônomo, auto-referente e auto-reprodutor, o mesmo procedimento torna-se altamente questionável diante da fleeting ambivalence do pluralismo jurídico, em que os limites do jurídico e do social se descaracterizam até ficar irreconhecíveis.34

Evidentemente, estamos tratando de um fenômeno jurídico tão sutil que é extremamente difícil dizer até que ponto não se está simplesmente descrevendo o próprio fenômeno social ou certa normatividade de ordem moral ou convencional – justamente em razão dessa dissolução da realidade social e da realidade jurídica em discursividade. Perdeu-se a noção do que é especialmente jurídico e a “clara ideia do inter-relacionamento” entre o social e o jurídico, uma vez que não possuem mais o “selo do direito estatal”. Nesse sentido, não há mais condições de se falar em “autonomia do Direito” como tradicionalmente se busca falar. Essa noção autônoma só tem sentido no âmbito de um paradigma estatal, em que o Direito “produzido” pela política se diferencia desta, limitando-a, por sua vez.35 Portanto, há necessidade de reconhecermos fenômenos emergentes em instâncias diferentes como sendo efetivamente Direito (“direito não oficial”, como refere Teubner), uma vez que critérios estruturais são insuficientes para descrever o fenômeno jurídico, que é extremamente mais complexo e abrangente do aquele que os juristas 33  TEUBNER, Gunther. Direito, Sociedade e Policontexturalidade. Trad. Bruna Vieira de Vincenzi e outros. Piracicaba: Unimep, 2005, p. 82. 34  Idem, p. 83. 35  De forma circular, a política (estatal) produziria o direito que, uma vez constituído, limitaria o próprio poder político (estatal).

TEIXEIRA, Anderson Vichinkeski; KÖCHE, Rafael. Um direito sem estado? Direitos humanos e a formação de um novo quadro normativo global. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 86-100

e o subversivo. A diversidade de discursos fragmentados e hermeticamente fechados, gerados quase independentemente do Estado, operando em várias esferas “informais”, dá nova roupagem ao pluralismo jurídico, uma vez que ele “descobre, assim, no ‘lado obscuro’ do direito soberano, o potencial subversivo dos discursos oprimidos” – razão pela qual o (novo) pluralismo jurídico “fascina os juristas pós-modernos, que não se preocupam mais com o direito oficial do Estado centralizado e suas aspirações de abstração, generalidade e universalidade”30.

94

4. Sociedade, normatividade e o direito dos povos

Interessante notar que essa “teia” acabaria entrelaçando mutuamente diversos pontos distintos. Falar em embricamento, interação e constituição recíproca pressupõe sempre distinguir o que está sendo entrelaçado.37 Mas estariam tais pontos separados? Entendemos que não. Mas essa distinção acaba sendo cada vez mais difícil de ser feita na ideia que temos de “sociedade”. Ou seja, estamos diante de uma noção de sociedade diferente daquela cunhada nos últimos séculos. A noção tradicional de sociedade civil pretende invocar algo como o conceito, desenvolvido na virada do século XIX, que contrasta com “o Estado”. Bodin e mais tarde Hobbes desenvolvem uma noção de soberania que “solapa em larga medida, ou supera, a noção medieval da sociedade”, “mas na verdade seus interlocutores tentavam articular características do desenvolvimento da civilização ocidental, que remontam a um período bem anterior”.38

um quadro da sociedade como uma “economia”, isto é, “como uma entidade de atos interrelacionados de produção, troca e consumo que tem sua própria dinâmica interna, suas leis autônomas. Isso se cristaliza no século XVIII com a obra de fisiocratas e, de modo mais definitivo, com Adam Smith”. A economia autorreguladora e a opinião pública são duas maneiras pelas quais a sociedade pode alcançar alguma unidade ou coordenação fora das estruturas políticas. “Elas dão corpo à ideia lockiana, que por sua vez tem raízes medievais, de que a sociedade tem sua própria identidade para além da dimensão política”.40 Os desenvolvimentos do século XVIII descritos anteriormente, que nos proporcionaram as noções de “economia” e “opinião pública”, também nos ofereceram uma noção de “civilização”. “Uma sociedade civilizada o era em parte em virtude de sua constituição política”.41 Hegel produziu sua própria variante da doutrina cívico-humanista segundo a qual a vida do cidadão tem valor em si mesma. Ao mesmo tempo, sua teoria da vida moderna, distinguindo-se da dos antigos, voltou-se para o desenvolvimento diferenciado dessa esfera pública não-política, que relaciona os indivíduos em suas identidades separadas. O resultado foi o conceito hegeliano de sociedade civil: “uma esfera separada, mas não auto-suficiente”.42

Nesse contraste, tais perspectivas fazem crer que a sociedade não se definiria em termos de sua organização política, como se isso não fosse um elemento constituinte da própria identidade de uma determinada sociedade. Nesse sentido, Charles Taylor aduz: “Ora, na medida em que é definida por sua organização política, nessa mesma medida uma sociedade é permeável pelo poder político. Falta-lhe um princípio de resistência à força invasiva da autoridade política soberana”. Essa identidade entre sociedade civil e sua organização política é crucial, como uma das origens da noção ulterior de sociedade civil e uma das raízes do liberalismo ocidental.39

É sobre essa esfera pública não política, que relaciona os indivíduos em suas identidades separadas, mas não autossuficiente, que muitas definições de sociedade civil se assentaram. Mais tarde, essa noção de sociedade acaba se fundindo com conceitos de povo e nação, por exemplo, como fonte de autoridade (legitimidade) do poder estatal. Veja-se, nesse sentido, o conceito de nação apresentado por Anthony Giddens: “uma coletividade existente dentro de um território claramente demarcado, sujeito a uma unidade administrativa, reflexivamente monitorada tanto pelo aparato de Estado interno como por aqueles de outros Estados”.43

Há outras versões “extra políticas” para explicar a sociedade, como, por exemplo, o desenvolvimento de

Na aguçada crítica de Charles Taylor, nesse sentido, se desenvolveu uma noção de sociedade em que “os povos têm uma identidade, propósitos e mesmo uma vontade, fora de qualquer estrutura política. Em nome dessa identidade, seguindo essa vontade, eles têm o di-

36  OST, François. Contar a lei: as fontes do imaginário jurídico. Trad. Paulo Neves. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2004, p. 13. 37  TEUBNER, Gunther. Direito, Sociedade e Policontexturalidade. Trad. Bruna Vieira de Vincenzi e outros. Piracicaba: Unimep, 2005, p. 91. 38  TAYLOR, Charles. Invocar a Sociedade Civil. In: Argumentos Filosóficos. São Paulo: Loyola, 2000, p. 221-9. 39  TAYLOR, Charles. Invocar a Sociedade Civil. In: Argumentos Filosóficos. São Paulo: Loyola, 2000, p. 227-8.

40  Idem, p. 234. 41  Ibidem, p. 236. 42  Ibidem, p. 238. 43  GIDDENS, Anthony. O Estado-Nação e a Violência: Segundo volume de uma crítica contemporânea ao materialismo histórico. Tradução de Beatriz Guimarães. São Paulo: Edusp, 2008, p. 141.

TEIXEIRA, Anderson Vichinkeski; KÖCHE, Rafael. Um direito sem estado? Direitos humanos e a formação de um novo quadro normativo global. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 86-100

costumam apresentar: “O direito codifica a realidade, a institui por uma rede de qualificações convencionadas, a encerra num sistema de obrigações e interdições”.36

95

44  TAYLOR, Charles. Invocar a Sociedade Civil. In: Argumentos Filosóficos. São Paulo: Loyola, 2000, p. 236. 45  “O sucesso sem precedentes da consolidação da doutrina dos direitos humanos em comparação a qualquer outra doutrina jurídica abrangente já criada, possuindo pretensão de validade universal, manteve-se substancialmente ligado às possibilidades de comunicação apresentadas pelos diversos processos de globalização”. (TEIXEIRA, Anderson Vichinkeski. Qual a função do Estado constitucional em um constitucionalismo transnacional? In: STRECK, Lenio Luiz; ROCHA, Leonel Severo; ENGELMANN, Wilson (Orgs.). Constituição, Sistemas Sociais e Hermenêutica. Anuário do Programa de Pós-Graduação em Direito da Unisinos – Mestrado e Doutorado. n. 9. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 9). “Contudo, como Lefort e outros pensadores têm procurado ressaltar, embora exista de fato um conteúdo ideológico nos direitos humanos, estes não se esgotam na dominação. Isto por dois motivos: o primeiro é a constatação que se acabou de fazer de que um regime político que diz respeito aos direitos humanos é inevitavelmente (essencialmente) totalitário; o segundo motivo é a constatação de que justamente a ausência do respeito aos direitos humanos tem sido uma bandeira de crítica contra o autoritarismo e o totalitarismo. Os direitos humanos possuem potencial simbólico de reinvindicações que ultrapassam o instituído. Os direitos humanos possuem uma ambiguidade significativa que lhes atribuiu simultaneamente um sentido negativo, ideológico, e um positivo, reivindicador. Ora, nesta perspectiva, eles são políticos enquanto canais simbólicos de produção de novos sentidos. Para Lefort, a partir do momento em que os direitos humanos são postos como última referência, o direito estabelecido está voltado ao questionamento”. (ROCHA, Leonel Severo. Epistemologia Jurídica e Democracia. 2. ed. São Leopoldo: Unisinos, 2003, p. 178). 46  Veja, nesse sentido: ONU. Declaração Universal de Direitos dos Povos Indígenas, de 2007. Rio de Janeiro: UNIC, 2008. Disponível em: ; Acesso em: 06 jun. 2013. ONU. Declaração Universal de Direitos dos Povos, de 1976. In: MARQUES, João Benedito de Azevedo. Democracia, Violência e Direitos Humanos. Anexos. São Paulo: Cortez, 1991; ONU. Declaração Universal de Direitos Humanos, de 1948. Rio de Janeiro: UNIC, 2000. Disponível em: . Acesso em: 06 jun. 2013.– para ficarmos apenas nestas. 47  CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 58-9. “Só o povo entendido como um sujeito constituído por pessoas – mulheres e homens – pode ‘decidir’ ou deliberar sobre a conformação da sua ordem

timidade do exercício do poder no Estado constitucional está baseada no reconhecimento de que a soberania reside no conjunto do povo, ao passo que esse “povo” seria entendido como a comunidade política estatal.48 Ora, o que seria esse “povo”, então? Quais seriam os elementos caracterizadores de sua identidade? Que massa amorfa seria essa, que, fora de qualquer estrutura política, poderia fazer e desfazer tais estruturas? Tais noções perpassam a noção de Estado ou não. O Estado é um modelo de organização política possível. Como bem assinala François Ost, retomando as conclusões de Michael Sandel e Charles Taylor, “uma comunidade política está ligada a um imaginário histórico, e o quanto sua identidade, sua memória e sua capacidade de projeto são devedoras de interpretação do mundo produzidas pelas narrativas fundadoras”.49 Por isso, é preciso compreender a sociedade no âmbito dessa gama de fatores que constituem sua própria identidade, e nesse sentido, François Ost, revisitando os aportes de Cornelius Castoriadis, lembra que: “o direito não se contenta em defender posições instituídas, mas exerce igualmente político-social. Poder Constituinte significa, assim, Poder Constituinte do povo, que nas democracias atuais assumem uma grandeza pluralística, ou seja, como uma pluralidade de forças culturais, sociais e políticas tais como partidos, grupos, igrejas, associações, personalidades, decisivamente influenciadoras da formação de ‘opiniões’, ‘vontades’, ‘correntes’ ou ‘sensibilidades’ políticas nos momentos pré-constituístes e nos procedimentos constituintes”. (CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 75). 48  Segundo Bercovici, “a comunidade não se governa por um corpo estranho (um rei), mas por instituições que são sua direta expressão (constituição), por uma ordem criada pela vontade e pela razão, não como fruto da tradição”. Portanto, o “povo” é entendido como fonte da autoridade estatal e, metaforicamente, enquanto autor da ordem político-jurídica (auto)instituída. (BERCOVICI, Gilberto. Soberania e Constituição: para uma crítica do constitucionalismo. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 127). Em termos constitucionais, Friederich Müller diferencia a expressão “povo” em quatro acepções: a) enquanto utilização icônica, quando a retórica ideológica é desprovida de conexão com a realidade, na medida em que a ação em nome do povo se torna apenas retórica; b) como instância de atribuição de legitimidade, significando o reconhecimento e a efetivação de que as decisões públicas estão baseadas na autoridade popular; c) como povo ativo, ou seja, como “sujeito da dominação”; e d) como povo destinatário das prestações civilizatórias do Estado do ponto de vista da legitimação procedimental das decisões enquanto co-participante, e da implementação dos efeitos produzidos sobre o povo das prescrições. (MÜLLER, Friedrich. Quem é o Povo? a questão fundamental da democracia. Trad. Peter Naumann. 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 2000, p. 67 e seguintes). 49  OST, François. Contar a lei: as fontes do imaginário jurídico. Trad. Paulo Neves. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2004, p. 29. E, nesse sentido, “escrever é governar”. (HUGO, Victor. William Shakespeare. Paris: Flammarion, 1973, p. 505).

TEIXEIRA, Anderson Vichinkeski; KÖCHE, Rafael. Um direito sem estado? Direitos humanos e a formação de um novo quadro normativo global. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 86-100

reito de fazer e desfazer estruturas”44 – e isso traz severas consequências para compreender o atual contexto dos Direitos Humanos,45 em especial a noção de povo que perpassa toda a doutrina. “Nós, o Povo...”, este fragmento encontrado em boa parte das recentes cartas políticas46 representa muito bem o que estamos tratando. Esse conceito aparece já no constitucionalismo estadunidense, em que o “povo” seria o titular da soberania democrática, designando esse “sujeito constituinte” que “toma decisões”: “na cultura revolucionária americana, ela [a retórica expressão We, the People] serviu para ‘constituir’ uma ordem política informada pelo princípio do ‘governo limitado’”.47 Paradoxalmente, a noção de legi-

96

A democracia constitui-se (enquanto forma política – Lefort, 1986) num centro de articulação e autoinstituição da sociedade, onde a política não é vista como uma instância autônoma, mas como mise en forme de sentido e encenação do social. A própria identidade da sociedade é, então, uma questão política. A política é que possibilita a delimitação do espaço de auto-instituição do social (Castoriadis).51

A democracia, nesse sentido, acaba sendo constituída por “uma profunda indeterminação de sentido, gerada por sua permeabilidade constante com a práxis e a história”. A marca da democracia é a interrogação: “cada vez que a questão da democracia é colocada numa sociedade histórica determinada, ela produz no seu tecido social um traço indelével no seu ser”.52 E o direito é “parte constitutiva da complexidade das relações sociais, sendo influenciado por suas relações de forças, em um dado momento histórico, e tendo, por sua vez, papel decisivo na determinação hegemônica dessa configuração de poder”.53 A partir dessa crítica, poderíamos analisar a “teoria do sujeito de direito”, “da nação”, e o “senso comum político-jurídico” da soberania, por exemplo, que correspondem às formas jurídicas necessárias à manutenção de uma determinada sociedade – que, na perspectiva de Leonel Severo Rocha, seria a “sociedade capitalista”.54 Ainda que se amplie ou restrinja a forma de adjetivar a sociedade (o que nos parece fundamental diante da 50  OST, François. Contar a lei: as fontes do imaginário jurídico. Trad. Paulo Neves. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2004. p. 19. “Assim com o ouro não é naturalmente moeda (mesmo se algumas qualidades predispunham esse metal a exercer a função de equivalente universal), ou o indivíduo não é naturalmente ou logicamente cidadão, assim também a cidade escapa a toda determinidade desse gênero: é da imaginação instituinte que ela procede, das grandes narrativas que o homem conta-se a si mesmo”. (OST, François. Contar a lei: as fontes do imaginário jurídico. Trad. Paulo Neves. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2004.p. 27). 51  ROCHA, Leonel Severo. Epistemologia Jurídica e Democracia. 2. ed. São Leopoldo: Unisinos, 2003. p. 105. 52  Idem, p. 155. Nessa linha – e com base nos escritos de Claude Lefort e sua “invenção democrática” (In.: A invenção democrática. 3 ed. São Paulo: Autentica, 2011) –, a democracia seria uma forma simbólica da sociedade, sendo uma manifestação moderna da politica. Nesse sentido, “a democracia é a possibilidade da tomada de decisões sempre diferentes, inserindo a sociedade do paradoxo comunicativo da invenção”. (Ibidem, p. 105). 53  Ibidem, p. 59. 54  Entendemos, todavia, que seria necessário ampliar essa adjetivação para se referir à “sociedade ocidental moderna”, admitindo, todavia, que o modo de produção capitalista é fundamental para compreendê-la.

complexidade das atuais relações), o que importa para nós, nesse ponto, é que tais teorias não correspondem a formas jurídicas definidas para a manutenção de qualquer sociedade, mas de uma determinada sociedade, cuja identidade é possível definir, por meio da qual seria possível distingui-la de qualquer outra. Nesse contexto, é comum se afirmar, por exemplo, que “todo ser humano é sujeito de direito” – embora se admita que tal concepção seja um produto da história, “pois houve tempos em que determinados homens não possuíam tais direitos”, tratando-se “de uma conquista obtida por todos os homens, através de uma conscientização social”. Como se vê, é uma forma duvidosa de descrever a realidade, inserindo-a em um certo “evolucionismo linear e formal da história” – semelhante ao que ocorre com as teorias jurídicas da formação do Estado. Desse modo, questiona-se: seria natural, então, que todos os homens sejam sujeitos de direito? Rocha nega veemente tal conclusão, afirmando que: “esse raciocínio está totalmente equivocado; não é natural que todos os homens sejam sujeitos de direito; isto é a resultante das relações de poder constitutivas da sociedade capitalista e tem um objetivo bem delineado”, pois supõe, como “condição de funcionamento”, certa “atomização” do indivíduo; sendo a sociedade, então, um conjunto de indivíduos (separados e livres).55 Portanto, só é possível compreender a sociedade (e, desse modo, o “povo”), ao desenvolvermos um contexto de significações históricas que reflita sobre suas próprias condições de possibilidade enquanto constituintes de uma identidade capaz de produzir diferença. Em outras palavras, há necessidade de se desenvolver uma perspectiva teórica acerca de uma semiologia que compreenda, além de outros fatores, relações de poder inerentes a qualquer relação. Nesse sentido, uma ressalva especial deve ser feita: Com efeito, teorias subjetivistas, mal-acabadas, neonietzschianas, costumam ser invocadas com frequência nesse debate. Derivando muitas vezes de Foucault e Derrida, elas alegam que todos os juízos de valor se baseiam em padrões em última análise impostos por estruturas de poder que contribuem para se consolidar.56

55  ROCHA, Leonel Severo. A Problemática Jurídica: uma introdução transdisciplinar. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1985, p. 97-8. 56  TAYLOR, Charles. Argumentos Filosóficos. São Paulo: Loyola, 2000, p. 272. “É na produção manipulada da subjetividade que o poder encontra o “caldo de cultivo” mais fértil para a sua reprodução destrutiva. O “idioma social” termina constituindo uma “subjetividade ordenada”, alienada dos fins do poder. Uma subjetividade sem

TEIXEIRA, Anderson Vichinkeski; KÖCHE, Rafael. Um direito sem estado? Direitos humanos e a formação de um novo quadro normativo global. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 86-100

funções instituintes – o que supõe criação de imaginário de significações sociais-históricas novas e desconstrução das significações instituídas que a elas se opõem”.50

97

Em outros termos, a semiologia do poder pretende analisar a significação como instrumento de controle social, como estratégia normalizadora e disciplinar dos indivíduos, como fórmula produtora do consenso, como estágio ilusório dos valores de representação, como fetiche regulador da interação social, como poder persuasivo provocador de verossimilhança sobre as condições materiais da vida social, como fator legitimador do monopólio da coerção e como fator de unificação do contraditório exercício do poder social.58

A partir disso, chegaremos a uma conclusão inevitável: “a matriz teórica dominante no Direito, que é praticamente a mesma em todo o mundo ocidental, não é fruto de apenas uma elaboração científica dos juristas. Ela é constituída, além de suas relações políticas, por um conflito histórico de saberes” – uma ambiguidade permanente das relações do saber jurídico com o social.59

5. Considerações finais Em síntese: as propostas teóricas do Direito mais influentes no ocidente acabam partindo, de certo modo, de origens há muito conhecidas. Falarmos em Direito sem necessariamente falarmos em Estado acaba sendo condição fundamental para a compreensão do fenômecaráter, que permite ir prescindindo da violência física, transformada em “violência significativa”, em “violência imaginária”. Os “fantasmas da violência”, que conseguem anular a espontânea potência criativa da subjetividade em estado de liberdade. Os fantasmas que permitem a instituição alienada da sociedade, que garantem a continuidade do poder instituído”. (WARAT, Luis Alberto. O Direito e sua Linguagem. 2 ed. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1995, p. 110). 57  WARAT, Luis Alberto. O Direito e sua Linguagem. 2 ed. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1995, p. 10. 58  Idem, p. 18. “Uma análise política do conhecimento jurídico pode demonstrar como os pontos de vista imanentes e formais, que comandam a produção da cultura juridicista, não expressam insuficiências metodológicas, mas funções sociais específicas, contribuindo para o estabelecimento de um marco de coerção e controle ‘racional’. Tal marco contribui para que a ‘forma’ materialize o encobrimento das relações sociais. Eis uma parte do poder da significação jurídica”. (Ibidem, p. 102-3). 59  ROCHA, Leonel Severo. A Problemática Jurídica: uma introdução transdisciplinar. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1985, p. 21.

no jurídico, sob pena de esvaziarmos a normatividade inerente a determinados “direitos não oficiais”, que, muitas vezes, são mais determinantes do que aqueles provenientes em instâncias centralizadas de decisão como a organização política estatal. Além disso, as posturas que visam criar uma instância supranacional forjada aos moldes nacionais (domestic analogy) descrevem um “contexto histórico” que não define exatamente como os agentes se comportam no âmbito de uma comunidade, ainda que na perspectiva global. Em outras palavras, a criação de uma instância centralizada, hierarquizada, vertical, que fosse competente para determinar, em última instância, qual o sentido de uma norma, de longe conseguiria abarcar a complexidade do fenômeno jurídico, que emerge nas próprias relações (de qualquer natureza). Não se verifica tal “caos” propalado na defesa do “estado de natureza entre nações”. A criação de um órgão supranacional com uma característica centralizada ou o recrudescimento radical de uma organização existente com tal característica tende a levar a organização a um comportamento autoritário e possivelmente opressivo – justamente o oposto do discurso teórico daqueles que veem esses órgãos como necessários à paz e à segurança internacional. A regulamentação da vida social, a coerção e a repressão, historicamente, não representaram o modo mais adequado (ou democrático) de compreender a normatividade. Assim, buscando desvelar o fenômeno jurídico – entendido em sua dupla face: como aquilo que aparece e o próprio aparecer60 –, procuramos demonstrar que a transnacionalidade e a policontexturalidade do Direito reconfiguraram (e, de certo modo, desconfiguraram) as teorias atuais mais conhecidas, trazendo novos elementos para a reflexão, possibilitando novos contornos de noções assentadas de sociedade civil e de direito dos “povos”, fomentando, de modo provocativo, que há muito mais por trás de uma mera “atribuição de sentido”, ao desenvolvermos uma “teoria da norma”. Essa noção de um “novo” pluralismo jurídico, de uma “reconfiguração”, de “novos contornos”, parece traduzir algo inédito – o que não é necessariamente verdadeiro. Essa abordagem apenas é “nova” no sentido de produzir diferença, ou revolver um contexto de significações sedimentado e reproduzido ao longo do tempo. Desse modo, damos razão a 60  Provocativamente em alusão à fenomenologia merleau-pontiana (Cf. MERLEAU-PONTY, Maurice. O visível e o invisível. 4. ed. São Paulo: Perspectiva, 2007).

TEIXEIRA, Anderson Vichinkeski; KÖCHE, Rafael. Um direito sem estado? Direitos humanos e a formação de um novo quadro normativo global. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 86-100

Assim, o que se pretende não é reduzir tudo a uma estrutura de poder capaz de atribuir sentido e formatar juízos de valor. Trata-se de uma reflexão sobre o poder dos discursos e dos seus saberes, ou seja, “uma semiologia que procure refletir sobre toda a complexidade sócio-política dos fenômenos das significações jurídicas”.57

98

HABERMAS, Jürgen. A Constelação Pós-Nacional: ensaios políticos. Tradução de Márcio Seligmann-Silva. São Paulo: Littera Mundi, 2001. _____. A Inclusão do Outro: estudos sobre teoria política. Tradução de George Sperber e Paulo Astor Soethe. São Paulo: Loyola, 2002. _____. A Short Reply. Ratio Juris, 12 (1999), 4.

Referências ANNAN, Kofi. Two concepts of sovereignty. The Economist, 18 September 1999. Disponível em: . Acesso em: 1º abr. 2011.

_____. Direito e Democracia. Entre Faticidade e Validade. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, Tomo I. _____. El Derecho Internacional en la Transición hacia un Escenario Posnacional. Trad. Daniel Gamper Sachse. Madrid; Barcelona: Katz; CCCB, 2008.

BOBBIO, Norberto. O problema da guerra e as vias da paz. Trad. Álvaro Lorencini. São Paulo: Unesp, 2003.

_____. Identidades Nacionales y Postnacionales. Trad. Manuel Jiménez Redondo. 2. ed. Madri: Tecnos, 2002.

BOBBIO, Norberto. O terceiro ausente. Barueri: Manole, 2009.

_____. Más Allá Del Estado Nacional. Trad. Manuel Jiménez Redondo. Cidade do México: Fondo de cultura Económica, 2000.

BULL, Hedley. The Anarchical Society. A Study of Order in World Politics. 3. ed. New York: Columbia University Press, 2002. CANCLINI, Néstor García. A globalização imaginada. São Paulo: Iluminuras, 2003. CASTELLS, Manuel. A Era da Informação: Economia, Sociedade e Cultura. A Sociedade em Rede. Vol. 1. 5. São Paulo: Paz e Terra, 1999. _____. A Sociedade em Rede. Volume I. 6. ed. Trad. Roneide Venancio Majer. São Paulo: Paz e Terra, 1999. _____. The Networked City: Réseaux, espace, société. Disponível em: . Acesso em: 06 jun. 2013.

_____. O Ocidente Dividido. Tradução de Luciana VillasBôas. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2006. _____. Verdade e Justificação: ensaios filosóficos. Tradução de Milton Camargo Mota. São Paulo: Edições Loyola, 2004. HELD, David. Global Covenant: The Social Democratic to the Washington Consensus. Cambridge: Polity Press, 2004. _____; McGREW, Anthony. Globalization/Anti-Globalization. Cambridge: Polity Press, 2002. _____. Governing Globalization. Power, Autority and Global Governance. Cambridge: Policy Press, 2002.

CROSSMAN, R. H. S. Biografia do Estado Moderno. Trad. Evaldo Amaro Vieira. São Paulo: Livraria Editora Ciências Humanas, 1980.

HOBSBAWM, Eric. A Era dos Extremos: o breve século XX (1914-1991). Trad. Marcos Santarrita. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

FALK, Richard. Human Rights and State Sovereignty. New York: Holmes & Meier, 1981.

HUGO, Victor. William Shakespeare. Paris: Flammarion, 1973.

FIORAVANTI, Maurizio. Costituzionalismo. Percorsi della storia e tendenze attuali. Roma-Bari: Laterza, 2009, p. 5.

ICISS. The Responsibility to Protect. Report of the International Commission on Intervention and State Sovereignty. Ottawa: International Development Research Centre, Dezembro, 2001.

GIDDENS, Anthony. The Consequences of Modernity. Cambridge: Polity, 1990. 61  TAYLOR, Charles. Argumentos Filosóficos. São Paulo: Loyola, 2000, p. 274.

KELSEN, Hans. Peace Through Law. Chapel Hill: The University of North Carolina Press, [1944]. Reprinted 2008. New Jersey: The Lawbook Exchange, Ltd., 2008.

TEIXEIRA, Anderson Vichinkeski; KÖCHE, Rafael. Um direito sem estado? Direitos humanos e a formação de um novo quadro normativo global. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 86-100

Charles Taylor quando diz que: “estamos muitíssimo longe do horizonte último em que o valor reativo de diferentes culturas possa ser evidente. Isso significaria acabar com uma ilusão que ainda mantém muitos multiculturalistas – bem como seus mais acerbos oponentes – sob sua égide”.61

99

LEFORT, Claude. A invenção democrática. 3. ed. São Paulo: Autentica, 2011. MERLEAU-PONTY, Maurice. O visível e o invisível. 4. ed. São Paulo: Perspectiva, 2007. MERRY, Sally E. Legal Pluralism. Law & Society Review, Beverly Hills, 22, p. 869-901, 1988. ONU. Declaração Universal de Direitos dos Povos Indígenas, de 2007. Rio de Janeiro: UNIC, 2008. Disponível em: . Acesso em: 06 jun. 2013. _____. Declaração Universal de Direitos dos Povos, de 1976. In: MARQUES, João Benedito de Azevedo. Democracia, Violência e Direitos Humanos. Anexos. São Paulo: Cortez, 1991. _____. Declaração Universal de Direitos Humanos, de 1948. Rio de Janeiro: UNIC, 2000. Disponível em: . Acesso em: 06 jun. 2013.

_____. Epistemologia Jurídica e Democracia. 2. ed. São Leopoldo: Unisinos, 2003. SEN, Amartya. Globalizzazione e libertà. Milano: Mondadori, 2003. STIGLITZ, Joseph. Globalization and its Discontents. New York: W. W. Norman & Company, 2002. _____. Making Globalization Work. New York/London: Norton & Company, 2003. TEIXEIRA, Anderson Vichinkeski. Qual a função do Estado constitucional em um constitucionalismo transnacional? In: STRECK, Lenio Luiz; ROCHA, Leonel Severo; ENGELMANN, Wilson (Orgs.). Constituição, Sistemas Sociais e Hermenêutica. Anuário do Programa de Pós-Graduação em Direito da Unisinos – Mestrado e Doutorado. n. 9. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 9-32. _____. Teoria Pluriversalista do Direito Internacional. São Paulo: Martins Fontes, 2011. TEUBNER, Gunther. Direito, Sociedade e Policontexturalidade. Trad. Bruna Vieira de Vincenzi e outros. Piracicaba: Unimep, 2005.

OST, François. Contar a lei: as fontes do imaginário jurídico. Trad. Paulo Neves. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2004.

TOURAINE, Alain. Um novo Paradigma: para compreender o mundo de hoje. Trad. Gentil Avelino Titton. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 2007.

_____; KERCHOVE, Michel van de. De la Pyramide au Réseau? Pour une théorie dialectique du droit. Bruxeles: Facultés Universitaires Saint-Louis, 2002.

VIEIRA, Gustavo Oliveira. O Constitucionalismo no Cenário Pós-Nacional: as implicações constitucionais da mundialização e a busca por fontes alternativas de legitimidade. 2012. 404f. Tese (Doutorado em Direito) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, RS, 2012.

RAWLS, John. O Direito dos Povos. Trad. Luís Carlos Borges; revisão técnica Sérgio Sérvulo da Cunha. São Paulo: Martins Fontes, 2001. _____. Uma teoria da Justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2000. ROCHA, Leonel Severo. A Problemática Jurídica: uma introdução transdisciplinar. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1985.

WARAT, Luis Alberto. O Direito e sua Linguagem. 2 ed. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1995. ZOLO, Danilo. Apresentação. In: TEIXEIRA, Anderson Vichinkeski. Teoria Pluriversalista do Direito Internacional. São Paulo: Martins Fontes, 2011. p. IX-XIV. _____. Cosmopolis. Milano: Feltrinelli, 2001.

TEIXEIRA, Anderson Vichinkeski; KÖCHE, Rafael. Um direito sem estado? Direitos humanos e a formação de um novo quadro normativo global. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 86-100

_____. Principles of International Law. New York: Rinehart & Company, Inc. [1952]. Reprinted 2003. New Jersey: The Lawbook Exchange, Ltd., 2012.

100

The U.N. Standard Minimum Rules for the Treatment of Prisoners and North Korea: How North Korea is Violating these Rules with its Operation of the Yodok Concentration Camp

Tom Theodore Papain

doi: 10.5102/rdi.v10i2.2284

The U.N. Standard Minimum Rules for the Treatment of Prisoners and North Korea: How North Korea is Violating these Rules with its Operation of the Yodok Concentration Camp1* Tom Theodore Papain**

Abstract The aim of this paper is to analyze how North Korea is violating the “U.N. Minimum Rules for the Treatment of Prisoners”, the international authority on how U.N. countries treat their prisoners, with its operation of the Yodok concentration camp, and how the International Community can apply pressure on North Korea to close this camp.With this in mind, first it provides the international definitions of “torture” and “cruel, inhuman, and degrading punishment”, as well as some notable examples of torture and relevant international human rights case law. Then, it analyzes the “U.N. Minimum Rules for the Treatment of Prisoners”, and how North Korea is violating these Rules with their continued operation of Yodok. Finally,It analyses the action of formal international bodies to try to convince North Korea to either change the conditions of confinement for its prisoners in Yodok, or to shut down the camp entirely, as well as North Korea’s response to this international pressure. It concludes that these formal attempts at persuading North Korea to close down Yodok have not worked, and have had the unwanted effect of both angering the North Korean government and of further fermenting North Korea’s anti-international sentiment. In the end, it suggest ways in which the International Community can put pressure on North Korea to close the Yodok camp, and providesoriginal examples of how we can stop this concentration camp from existing in the future, with the help of both formal U.N. bodies and independent organizations.

1. Introduction Nine-year old Kang Chol-hwan and his family arrived at the Yodok concentration camp after a long and tumultuous van ride, knowing little about where they were going or what exactly they had done wrong.2 The grandmother, who had attended every Party meeting and assembly and showed only the utmost loyalty to Kim Il-Sung and the Revolutionary cause, felt betrayed by the State which she had devoted her entire life to, while her youn-

*  Recebido em 17/03/2013   Aprovado em 08/07/2013 **  Fordham University School of Law. Email: [emailprotected]

1  Acknowledgments: I would like to thank Professor Martha Rayner of Fordham University School of Law for overseeing the research and drafting of this paper. I would also like to thank Professor Eric Jensen, whose confidence in my writing has motivated me to try and publish my work with international law journals. Last but certainly not least, I would like to thank my mother and father, who have read all three of my papers on North Korea, and have provided me with an endless supply of love and support pivotal to any success I have enjoyed. 2  Kang Chol-Hwan and Pierre Rigoulot, The Aquariums of Pyongyang 46-8 (Basic Books, New York 2005).

The guards [then] pulled the canvas cover off the truck and we all stood up.…I had the vague impression that this was to be a decisive moment. The canvas was like a theater curtain that had been prematurely drawn. A new scene, indeed a new act, had begun, and none of us were ready for it…. But I didn’t have long to inquire because the men and women standing around the truck werealready stepping forward for a closer look. How frightfully filthy they all were, dressed like beggars, theirhair caked and matted with dirt. Panic took hold of me.4

Kang and his family would go on to spend ten long years at the Yodok concentration camp, a mass political penal-labor camp (“kwan-li-so”) where North Korean citizens who are considered enemies of the State are banished and sentenced to a lifetime of “slave labor in mining, logging, and farming enterprises”, without any sort of judicial process involved, unless they are sent to the “revolutionizing zone”.5 Although North Korea is one of the most isolated countries in the world,6 and is not willing to allow international groups or researchers to enter into its country for the purposes of confirming the existence of the Yodok camp,7 satellite images and former prisoner testimonials have provided the international community with more than enough information to confirm not only its existence, but also the torturous and cruel, inhuman, and degrading techniques used therein.8 Run by the National Security Agency9, the Yodok camp, located in the Hamgyong Namdo Province, is ap3  Id. at 45 and 46 (“most of the time I stayed seated…grieving the death of several of my fish”). 4  Id. at 48-9. 5  David Hawk, The Hidden Gulag: Exposing North Korea’s Prison Camps 10, 11. U.S. Committee for Human Rights in North Korea (Washington, D.C. 2003). 6  Robert L. Worden, “North Korea: A Country Study” xxiii. Federal Research Division, Library of Congress, 2008 (“Major Features: Traditionally socialized, centrally planned, and primarily industrialized command economy isolated from rest of world”). 7  SEE Section V of this Paper. 8  Examples include David Hawk’s, The Hidden Gulag: Exposing North Korea’s Prison Camps 10, 11. U.S. Committee for Human Rights in North Korea (Washington, D.C. 2003), and “Yodok, North Korea – Write for Rights 2011”, Amnesty International USA, November 15, 2011, available at http://www.amnestyusa.org/news/multimedia/ yodok-north-korea-write-for-rights-2011 (last visited March 15, 2012). 9  White Paper on Human Rights in North Korea 2005 69-70, Korean Institute for National Unification, Seoul, 2005.

proximately 378 kilometers in area,10 and is surrounded by barbed-wire fences three to four meters high, electrically-wired walls, strategically placed watch towers, and over a thousand prison guards armed with automatic rifles and well-trained guard dogs.11 Because Yodok is a political prisoner camp, it abides by the principle of “guilt by association”, first articulated by Kim Il Sung in 1972, which means that up to three generations of an offender’s family automatically can go to prison, regardless of whether or not the family member committed a crime.12 Yodok is also the only known political camp to have a re-education section (“revolutionizing zone”), a special part of the camp which is separate from the “total control zone”13 and from which a select number of prisoners have been released and allowed to re-enter “normal” North Korean life.14 Regardless of what section of the camp they are in, all Yodok prisoners are subject to torture and cruel, inhuman, and degrading punishment, as well as a subhuman standard of living.15 Yodok prisoners are forced to complete back-breaking labor from dawn to dusk every day,16 eat inadequate amounts of a crudely made 10  Blain Harden, “Outside World Turns Blind Eye to N. Korea’s Hard-Labor Camps”, Washington Post, July 20, 2009, available at http://www.washingtonpost.com/wp-dyn/content/article/2009/07/19/AR2009071902178.html (last visited April 5, 2012). 11  David Hawk, The Hidden Gulag: Exposing North Korea’s Prison Camps 34. U.S. Committee for Human Rights in North Korea (Washington, D.C. 2003). 12  David Hawk, The Hidden Gulag: Exposing North Korea’s Prison Camps 24. U.S. Committee for Human Rights in North Korea (Washington, D.C. 2003), 25 (“The other strikingly abnormal characteristic of the kwan-li-so system is that prisoners are not arrested, charged (that is, told of their offense), or tried in any sort judicial procedure”). 13  Kang Chul Hwan, “A Christian Family Detained for life for Praying”, The Daily NK, Oct. 14, 2005, available at http://www. dailynk.com/english/read.php?cataId=nk02600&num=313 (last visited April 5, 2012). 14  David Hawk, The Hidden Gulag: Exposing North Korea’s Prison Camps 12, 26. U.S. Committee for Human Rights in North Korea (Washington, D.C. 2003). 15  SEE Survey Report on Political Prisoners’ Camps in North Korea, National Human Rights Commission of Korea, Dec. 2009, & David Hawk, The Hidden Gulag: Exposing North Korea’s Prison Camps. U.S. Committee for Human Rights in North Korea (Washington, D.C. 2003). 16  “North Korea: images reveal scale of political prison camps”, Amnesty International, May 4, 2011, available at http://www.amnestyusa.org/news/press-releases/north-korea-images-reveal-scaleof-political-prison-camps (last visited March 28, 2012) (Jeong Kyoungil, former prisoner at Yodok: ‘”A day starts at 4am with an early shift, also called the ‘pre-meal shift’, until 7am. Then breakfast from 7am to 8am but the meal is only 200g of poorly prepared corn gruel

PAPAIN, Tom Theodore . The U.N. Standard Minimum Rules for the Treatment of Prisoners and North Korea: How North Korea is Violating these Rules with its Operation of the Yodok Concentration Camp. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 101-124

gest grandson Kang could not help but bawl over the prospect of losing his most prized and exotic fish.3 Once Kang climbed out of the van with his family, however, he began to realize that the survival of his fish would be the least of his problems:

103

Kang’s story of survival at Yodok21 serves as a reminder that hundreds of thousands of North Koreans still remain imprisoned in concentration camps22 all over North Korea.23 The few North Korean citizens for each meal. Then there is a morning shift from 8am to 12pm and a lunch until 1pm. Then work again from 1pm to 8pm and dinner from 8pm to 9pm. From 9pm to 11pm, it’s time for ideology education. If we don’t memorize the ten codes of ethics we would not be allowed to sleep. This is the daily schedule’”). 17  “North Korea: images reveal scale of political prison camps”, Amnesty International, May 4, 2011, available at http://www.amnestyusa.org/news/press-releases/north-korea-images-revealscale-of-political-prison-camps (last visited March 28, 2012) (Jeong Kyoungil, former prisoner at Yodok: At night, “’200g of poorly prepared corn gruel in a bowl would only be given if we finish our daily tasks). 18  SEE Kang Chol-Hwan and Pierre Rigoulot, The Aquariums of Pyongyang 47-159 (Basic Books, New York 2005). 19  Id. at 77, 93-4, 96. 20  Id. at 47-159 (at 158: “The next day, the liberated families were summoned to the security office of the village, where we each had to sign a document promising never to reveal any information about Yodok or about what they had seen during their incarceration”). 21  Id. at 158. 22  David Hawk, The Hidden Gulag: Exposing North Korea’s Prison Camps 2. U.S. Committee for Human Rights in North Korea (Washington, D.C. 2003) (“The kwan-li-so political penal labor colonies are also variously translated into English as “control centers,” “management centers,” “concentration camps,” or “political prison camps”). 23  Bryna Subherwal, “Families Imprisoned in Secret Camps”, Human Rights Now: The Amnesty International USA Web Log, November 23, 2011, available at http://blog.amnestyusa.org/iar/ families-imprisoned-in-secret-camps-in-north-korea/ (last visited March 15, 2012) (“Although authorities deny the existence of political prison camps in North Korea, Amnesty International has verified that Yodok is one of at least six such camps in which 200,000 political prisoners and their families are held”) (emphasis not added); Yodok, North Korea – Write for Rights 2011, Amnesty International USA, November 15, 2011, available at http://www. amnestyusa.org/news/multimedia/yodok-north-korea-write-forrights-2011 (last visited March 15, 2012) (Currently, “[t]ens of thousands of people are held in Yodok political prison camp, with an

who have been released from Yodok and managed to escape the country have attested to the camp’s horrible conditions, and the inhumane treatment of prisoners therein. Their stories, which are outlined in greater detail later in this paper, provide a vivid account of daily life in Yodok, and all the evidence one needs to conclude that the Yodok prison is nothing short of a 21st century concentration camp. The very existence of the Yodok camp, and its philosophy of political reformation through torture and cruel, inhuman, and degrading punishment, runs contrary to the U.N. Standard Minimum Rules for the Treatment of Prisoners, a non-binding set of guidelines for both international and domestic law regarding how individuals held in prisons and in other forms of custody are to be treated, with the ideals espoused in major human rights instruments - particularly a person’s right to human dignity - permeating throughout the Rules.24 In the pages that follow, Yodok’s most egregious violations of the U.N. Standard Minimum Rules for the Treatment of Prisoners will be analyzed. In particular, the focus will be on the prison’s punishment and discipline of prisoners, since this is arguably the State’s greatest weapon in keeping its prisoners in line and “reforming” them into law-abiding revolutionaries.25 The estimate of around 50,000, and most are imprisoned there without trial or following grossly unfair trials on the basis of “confessions” obtained through torture”); David Hawk, The Hidden Gulag: Exposing North Korea’s Prison Camps 34, U.S. Committee for Human Rights in North Korea, Washington D.C. 2003 (“During An Hyuk’s year-and-a-half imprisonment [1987-89], there were some 30,000 prisoners in the lifetime area, and 1,300 singles and 9,300 family members in the revolutionizing zone along with some 5,900 Koreans, including Kang’s family”); “Liberty in North Korea: The North Korean Human Rights Crisis”, Adrian E. Hong, June 29, 2007, available at http://www.youtube.com/watch?v=zHvf8OLYND4 (last visited March 28, 2012) (approx. 15:27: over 250,000 people are in North Korean concentration camps). 24  United Nations, Standard Minimum Rules for the Treatment of Prisoners, 30 August 1955,available at: http://www.unhcr.org/refworld/ docid/3ae6b36e8.html[accessed 14 May 2012]. 25  Indeed, Kim Il Sung and the Korean Worker’s Party were well aware of the effectiveness of such a policy. Establishing the “Democratic People’s Republic of Korea” (heretofore “North Korea”) on September 9th, 1948, the Korean Workers’ Party – led by premier Kim Il Sung – consolidated power in part by creating a system of political prison and labor camps. Any citizen whose loyalty to both the Party and to the Revolution was deemed questionable was sent to one of these camps, depending on the nature and severity of the crime. SEE Andrea Matles Savada, North Korea: A Country Study 38, U.S. Government Printing Office, Washington, D.C., 1994, & David Hawk, The Hidden Gulag: Exposing North Korea’s Prison Camps 37-8. U.S. Committee for Human Rights in North Korea

PAPAIN, Tom Theodore . The U.N. Standard Minimum Rules for the Treatment of Prisoners and North Korea: How North Korea is Violating these Rules with its Operation of the Yodok Concentration Camp. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 101-124

corn gruel which turns their stomachs inside out,17 and praise and worship the Kim family at nightly meetings, thanking their Dear Leader for his infinite compassion and love in giving them, the lowly political prisoners, the chance to correct their sinful and anti-revolutionary ways.18 All the while, the fear of life-threatening solitary confinement and death by execution looms over their heads, threats made real by the existence of the “sweatbox”, a torture device used to discipline prisoners for what is considered exceptionally bad behavior,19 and by the frequent execution of prisoners in public, prisoners who did nothing more than try to escape the man-made Hell that is Yodok.20

104

This inhumane policy of sending citizens to camps has been a long tradition faithfully adhered to by Kim Il Sung, Kim Jong Il, and the newest leader to date, Kim Jong-un, who was appointed supreme commander of North Korea on December 30th, 2011.29 Even before Kim Jong-un’s accession as the new leader, his father, Kim Jong Il, upon Kim Jong-un being appointed a four-star general in 2010, substantially increased the number of citizens being sent to political prison camps, leading one to believe that such camps, and the torture tactics (Washington, D.C. 2003) (“Kim Il-sung, under Soviet tutelage, instituted what is usually termed a ‘national democratic revolution’… [which] included a purge of Koreans in the colonial bureaucracy, who thought that Korea should follow the Japanese path to economic, social and political modernization, and Korean police officers who had collaborated with the harshly repressive Japanese rule in Korea. Many purged police officials and dispossessed Korean landlords fled to the south. Many of their family members who remained in the north ended up in labor camps); The gulag behind the goose-steps, April 21st, 2012, available at http://www.economist. com/node/21553090 (last visited May 17th, 2013) (“The new edition [of “The Hidden Gulag”] provides testimony starting in 1970 about different types of forced-labour camps: the kwan-li-so for political prisoners, from which there is usually no release; the kyo-hwa-so penitentiaries mostly for those serving out sentences as common criminals; and detention centres for those forcibly repatriated from China) (emphasis added). 26  The reasons why citizens are sent to these camps range from allegations of high treason to accidently dirtying a portrait of Kim Il Sung. Regardless, citizens are not usually told what particular law they have broken or given any sort of judicial process. For some examples, SEE Hidden Gulag 2 and The Aquariums of Pyongyang. 27  David Hawk, The Hidden Gulag, Second Edition: The Lives and Voices of “Those Who are Sent to the Mountains” 37-9. U.S. Committee for Human Rights in North Korea (Washington, D.C. 2012). (“Following the death of Stalin in 1953, the Soviet Union and most of Eastern Europe curbed some of the worst excesses of Stalinism seeking a measure of return to ‘socialist legality,’ and in anticipation of what became known as ‘revisionism,’ the possibility of “peaceful co-existence” between capitalism and socialism. Ruling communist parties in East Asia took a dramatically different course that has been described as ‘national Stalinism’”). 28  Id. at 39-40. 29  “Kim Jong-un appointed supreme commander of North Korea’s military”, The Telegraph, Dec. 30, 2012, available at http:// www.telegraph.co.uk/news/worldnews/asia/northkorea/8985807/ Kim-Jong-un-appointed-supreme-commander-of-North-Koreasmilitary.html (last visited May 7th, 2013).

used therein, are useful in suppressing any trace of anti-revolutionary thought or sentiment, and that sending more citizens to these camps is especially effective in ensuring a smooth transition of power.30 This philosophy is reflected in North Korea’s 1950 Penal Code, which states that the purposes underlying such punishment are “to suppress class enemies, educate the population in the spirit of ‘socialist patriotism,’ and reeducate and punish individuals for crimes stemming from ‘capitalist’ thinking.31 The flow of this paper will be as follows: First, I will briefly provide the international definitions of “torture” and “cruel, inhuman, and degrading punishment”, as well as some notable examples of torture and relevant international human rights case law. Then, I will be looking at the U.N. Standard Minimum Rules for the Treatment of Prisoners, since they provide specific guidelines regarding the treatment of prisoners and because they are considered the international authority on the proper treatment of prisoners (one of the major treaties which helps regulate how a nation-state treats its prisoners – the Convention Against Torture (CAT) - will only be discussed here when analyzing what constitutes torture and when discussing the notes and comments to the U.N. Standard Minimum Rules for the Treatment of Prisoners, since North Korea has yet to sign or ratify CAT)32. After this legal analysis, I will talk about how North Korea is violating the U.N. Standard Minimum Rules with their continued operation 30  SEE “North Korea: Kim Jong-il’s death could be opportunity for human rights”, Amnesty International, Dec. 19, 2011, available at http://www.amnesty.org/en/news/north-korea-kim-jong-il-sdeath-opportunity-improving-human-rights-2011-12-19 (last visited March 28, 2012) (“recent reports received by Amnesty International suggest that the North Korean government has purged possibly hundreds of officials deemed to be a threat to Kim Jong-un’s succession, by having them executed or sent to political prison camps. ’Our information over the last year indicates that Kim Jong-un and his supporters will try to consolidate his new rule by intensifying repression and crushing any possibility of dissent,’ said Sam Zarifi”). 31  Andrea Matles Savada, North Korea: A Country Study 2734, U.S. Government Printing Office, Washington, D.C., 1994 (“the code’s ambiguity, the clear official preference for rehabilitating individuals through a combination of punishment and reeducation, and additional severity for crimes against the state or family reflect the lack of distinction among politics, morality, and law in neo-Confucian thought”). 32  To see the ratification status of the Convention Against Torture, SEE “Chapter IV: Human Rights – 9. Convention against Torture and Other Cruel, Inhuman or Degrading Treatment or Punishment”, United Nations Treaty Collection, available at http://treaties. un.org/Pages/ViewDetails.aspx?src=UNTSONLINE&tabid=2 &mtdsg_no=IV-9&chapter=4&lang=en#Participants (last visited March 21, 2012).

PAPAIN, Tom Theodore . The U.N. Standard Minimum Rules for the Treatment of Prisoners and North Korea: How North Korea is Violating these Rules with its Operation of the Yodok Concentration Camp. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 101-124

policy of sending citizens to concentration camps for both minor and major political infractions,26 part of the country’s “national democratic revolution”, dates at least as far back as the death of Joseph Stalin in 195327 and Kim Il Sung’s establishment of a “hermit kingdom” style of isolation and self-reliance, which meant that citizens who tried to leave the country and were caught were sent to political penal labor camps.28

105

2. Torture and Cruel, Inhuman, and Degrading Punishment, defined 2.1 Torture Arguably the most widely accepted international definition of torture33 is set forth in Article 1 of the Convention Against Torture (“CAT”).34 According to CAT, torture is: [A]ny act by which severe pain or suffering, whether physical or mental, is intentionally

33  There is no one, single definition of torture, although a myriad of definitions exist. This leads governments to call its acts of torture by other names, as pointed out by the 1973 Amnesty International Report on Torture. The acts we will be discussing, however, are clearly torture on their face, and so the purpose of providing the definition stated above is to guide the reader and get her thinking about the acts of torture committed in Yodok in relation to specific elements of an acceptable definition. For more on the definition of torture, SEE Gail H. Miller, Defining Torture, Floersheimer Center for Constitutional Democracy, Cardozo Law School, Dec. 2005, available at http://ranid.mc.yu.edu/cms/uploadedFiles/FLOERSHEIMER/Defining%20Torture.pdf (last visited April 7, 2012). 34  “Defining torture”, International Rehabilitation Council for Torture Victims, available at http://www.irct.org/what-is-torture/ defining-torture.aspx (last visited April 7, 2012); Gail H. Miller, Defining Torture, Floersheimer Center for Constitutional Democracy, Cardozo Law School, Dec. 2005, available at http://ranid.mc.yu.edu/ cms/uploadedFiles/FLOERSHEIMER/Defining%20Torture.pdf (last visited April 7, 2012); Bo Kyi & Hannah Scott, Torture, Political Prisoners and the UN-Rule of Law: Challenges to Peace, Security and Human Rights in Burma, available at http://www.aappb. org/Torture_political_prisoners_and_the_un-rule_of_law.pdf (last visited April 7, 2012).

inflicted on a person for such purposes as obtaining from him or a third person information or a confession, punishing him for an act he or a third person has committed or is suspected of having committed, or intimidating or coercing him or a third person, or for any reason based on discrimination of any kind, when such pain or suffering is inflicted by or at the instigation of or with the consent or acquiescence of a public official or other person acting in an official capacity. It does not include pain or suffering arising only from, inherent or incidental to lawful sanctions.35 (emphasis added)

Following this definition is Article 2’s absolute prohibition on all forms of torture, which according to General Comment No. 2 has the force of customary international law (specifically a jus cogens norm36), making it non-derogable under all circumstances.37 Indeed, the forced internment and torturing of hundreds of thousands of North Korean citizens at Yodok is in clear violation of the universal principle, espoused by the Human Rights Committee, the American Convention for Human Rights, the Inter-American Commission on Human Rights, the European Court of Human Rights, and the former Commission on Human Rights, that the right to humane treatment is a right of universal significance.38 35  UN General Assembly, Convention Against Torture and Other Cruel, Inhuman or Degrading Treatment or Punishment, 10 December 1984,United Nations, Treaty Series, vol. 1465, p. 85,available at: http://www.unhcr.org/refworld/docid/3ae6b3a94.html[accessed 7 April 2012]. 36  Pursuant to Article 53 of the Vienna Convention, a jus cogens norm is defined as “a norm accepted and recognized by the international community of States as a whole as a norm from which no derogation is permitted and which can be modified only by a subsequent norm of general international law having the same character”. Therefore, every State in the world has several non-derogable obligations stemming from the existence of this jus cogen norm, including the duty to prosecute or extradite, the non-applicability of a statute of limitations, the non-derogation of this norm in times of peace, war, or “states of emergency”, and so on. Additionally, the Articles of the International Law Commission explicitly recognizes the prohibition against torture and the prohibition of cruel, inhuman or degrading treatment as a jus cogen norm. For more, SEE Mirgen Prence, Torture as Jus Cogen Norm, Acta U. Danubius Jur. 87 (2011). ALSO SEE Nicaragua v. U.S., 1986 I.C.J. 14 (affirming jus cogens as an accepted doctrine of international law). 37  UN General Assembly, Convention Against Torture and Other Cruel, Inhuman or Degrading Treatment or Punishment, 10 December 1984,United Nations, Treaty Series, vol. 1465, p. 85,available at: http://www.unhcr.org/refworld/docid/3ae6b3a94.html[accessed 7 April 2012]. 38  From North Korea Now - International Law: “Human rights violated in forced internment are either ‘peremptory norms’ (jus cogens, or a fundamental principle of international law) themselves, or affect the protection of such peremptory norms, including the right

PAPAIN, Tom Theodore . The U.N. Standard Minimum Rules for the Treatment of Prisoners and North Korea: How North Korea is Violating these Rules with its Operation of the Yodok Concentration Camp. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 101-124

of Yodok, relying on both the testimonials of prisoners and the reports of non-governmental organizations to outline each specific violation. Once each human rights violation has been accounted for, I will then discuss what The Working Group on the Universal Periodic Review, the U.N. General Assembly, and the U.N. Special Rapporteur of Human Rights have done, if anything, to try and get North Korea to either change the conditions of confinement for its prisoners in Yodok, or shut down Yodok entirely, as well as the State’s response to this international pressure. In the end, I will discuss what the International Community can do to put pressure on North Korea to close Yodok, since the current existence and persistence of Yodok as a full-fledged concentration camp housing thousands of innocent citizens is a human rights situation which should concern everyone.

106

No one shall be subjected to torture or to cruel, inhuman, or degrading treatment or punishment. In particular, no one shall be subjected without his free consent to medical or scientific experimentation.40

General Comment No. 20 to the ICCPR, which deals directly with the Covenant’s prohibition of torture and cruel treatment or punishment, expands upon the ICCPR’s concise definition by outlining the duties which all the State parties have and which they must fulfill to the best of their abilities in order to adequately comply with Article 7, including the duty to “afford everyone protection through legislative and other measures as may be necessary against the acts prohibited by Article 7, whether inflicted by people acting in their official or private capacity.”41 In addition, the General to life and the right to be free from torture. Article 4 of the ICCPR allows for the derogation from certain human rights obligations during times of emergency. However, not only is Article 4 inapplicable to the case of North Korea because no such emergency exists, but the Human Rights Committee, Article 27(2) of the American Convention for Human Rights, the Inter-American Commission on Human Rights, the European Court of Human Rights, and the former Commission on Human Rights, have affirmed that judicial guarantees, because they protect non-derogable rights to life and freedom from torture, cannot be derogated from in times of emergency. This consensus across international human rights bodies affirms the universal significance of the right to liberty and security, the right to a fair trial, and the right to humane treatment”. 39  To see the ratification status of the International Covenant on Civil and Political Rights, SEE “Chapter IV: Human Rights – 4. International Covenant on Civil and Political Rights”, United Nations Treaty Collection, available at http://treaties.un.org/Pages/ViewDetails.aspx?src=TREATY&mtdsg_no=IV-4&chapter=4&lang=en (last visited March 21, 2012) (The “Democratic People’s Republic of Korea”, or North Korea, acceded to the ICCPR on September 14th, 1981, but subsequently sent the Secretary-General a notification of withdrawal on August 23rd, 1997, although, as the Secretary General himself noted, such a withdrawal is not possible unless all the State Parties to the ICCPR consent to the withdrawal. The U.N. Special Rapporteur still considers North Korea a party to the ICCPR, since it was no legally possible for North Korea to unilaterally withdraw from the ICCPR). 40  International Covenant on Civil and Political Rights. United Nations General Assembly Resolution 2200A [XX1] Article 7. 16 December 1966. 41  UN Human Rights Committee (HRC), General comment no. 20, Replaces general comment 7 concerning prohibition of torture and cruel treatment or punishment, 10 March 1992,CCPR/C/GC/20,available at: http://www.unhchr.ch/tbs/doc.nsf/(Symbol)/6924291970754969 c12563ed004c8ae5?Opendocument [accessed 28 January 2013].

Comment points out that Article 7 is reinforced and “complemented by the positive requirements of article 10, paragraph 1, of the Covenant, which stipulates that ‘All persons deprived of their liberty shall be treated with humanity and with respect for the inherent dignity of the human person.’”42 The General Comment also states that Article 7 can never be derogated, even in times of public emergency (Statement 3), that Article 7’s absolute prohibition applies to acts which cause mental suffering and which can be considered corporal punishment (Statement 5), and that solitary confinement is absolutely prohibited under Article 7 (Statement 6). 43 Perhaps the most powerful clause can be found in Statement 13 of General Comment 20, which states that “[t]hose who violate article 7, whether by encouraging, ordering, tolerating or perpetrating prohibited acts, must be held responsible”.44 It is no wonder, then, that five years after the publication of this Comment to the ICCPR, which bolstered Article 7’s already direct and unwavering prohibition of torture and cruel, inhuman or degrading punishment, North Korea considered it in their best interest to try and withdraw from the treaty.45

42  Id. 43  Id. 44  Id. 45  SEE FN 38, supra; in addition, the Inter-American Convention to Prevent and Punish Torture provides a more general definition of torture, e.g. “the use of methods upon a person intended to obliterate the personality of the victim or to diminish his physical or mental capacities, even if they do not cause physical pain or mental anguish”. Organization of American States, Inter-American Convention to Prevent and Punish Torture, Article 2, 9 December 1985,OAS Treaty Series, No. 67,available at: http://www.unhcr. org/refworld/docid/3ae6b3620.html[accessed 28 January 2013] (“For the purposes of this Convention, torture shall be understood to be any act intentionally performed whereby physical or mental pain or suffering is inflicted on a person for purposes of criminal investigation, as a means of intimidation, as personal punishment, as a preventive measure, as a penalty, or for any other purpose. Torture shall also be understood to be the use of methods upon a person intended to obliterate the personality of the victim or to diminish his physical or mental capacities, even if they do not cause physical pain or mental anguish. The concept of torture shall not include physical or mental pain or suffering that is inherent in or solely the consequence of lawful measures, provided that they do not include the performance of the acts or use of the methods referred to in this article”). The European Convention on Human Rights, meanwhile, provides an even more succinct definition of torture than the ICCPR: “No one shall be subjected to torture or to inhuman or degrading treatment or punishment.” Council of Europe, European Convention for the Protection of Human Rights and Fundamental Freedoms, as amended by Protocols Nos. 11 and 14, 4 November 1950,ETS 5, Art. 3,available at: http://www.unhcr.org/refworld/ docid/3ae6b3b04.html[accessed 5 February 2013].

PAPAIN, Tom Theodore . The U.N. Standard Minimum Rules for the Treatment of Prisoners and North Korea: How North Korea is Violating these Rules with its Operation of the Yodok Concentration Camp. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 101-124

In addition to CAT’s definition of torture, the International Covenant of Civil and Political Rights (ICCPR), to which North Korea is a party to, provides a succinct but equally powerful definition of torture and cruel, inhuman and degrading punishment. 39 Article 7 to the ICCPR reads as follows:

107

46  General Comment No. 20, statement 4: “The Covenant does not contain any definition of the concepts covered by article 7, nor does the Committee consider it necessary to draw up a list of prohibited acts or to establish sharp distinctions between the different kinds of punishment or treatment; the distinctions depend on the nature, purpose and severity of the treatment applied.” UN Human Rights Committee (HRC), General comment no. 20, Replaces general comment 7 concerning prohibition of torture and cruel treatment or punishment, 10 March 1992,CCPR/C/GC/20,available at: http://www.unhchr.ch/tbs/doc.nsf/(Symbol)/69242919707549 69c12563ed004c8ae5?Opendocument [accessed 28 January 2013]. 47  “What is the IRCT”, International Rehabilitation Council for Torture Victims, available at http://www.irct.org/about-us/what-isthe-irct.aspx (last visited April 7, 2012) (“Our members comprise more than 140 independent organisations in over 70 countries… [W]e are the largest membership-based civil society organisation to work in the field of torture rehabilitation and prevention”). 48  “What is torture?”, International Rehabilitation Council for Torture Victims, available at http://www.irct.org/what-is-torture/ defining-torture.aspx (last visited April 7, 2012). 49  “Yodok, North Korea – Write for Rights 2011”, Amnesty International, Nov. 15, 2011, available at http://www.amnestyusa.org/ news/multimedia/yodok-north-korea-write-for-rights-2011 (last visited April 7, 2012). 50  “North Korea: Images reveal scale of political prison camps”, Amnesty International, May 4, 2011, available at http://www.amnestyusa.org/news/press-releases/north-korea-images-reveal-scaleof-political-prison-camps (last visited April 7, 2012). 51  “World Report 2012: North Korea”, Human Rights Watch, available at http://www.hrw.org/world-report-2012/world-report-

There is also human rights case law which sheds some light on what constitutes torture in the international human rights community. In Ireland v. U.K., 5310/71 (European Court of Human Rights 1977), the Court stated that “torture…is undoubtedly an aggravated form of inhuman treatment causing intense physical and/or mental suffering.”52 The Court then went on to emphasize that torture should be considered from both an objective and subjective perspective, which means that such factors as the method of torture employed, the duration of such treatment, the age, sex and health of the person exposed to it, the likelihood that such treatment might injure the person exposed, and whether the torture could cause serious long term injuries, all need to be taken into account.53 2.2 Cruel, Inhuman, and Degrading Punishment Neither CAT nor the ICCPR provide a definition of what constitutes cruel, inhuman, and degrading punishment (“CID”). However, the Elements of Crimes for the International Criminal Court provide a useful definition, stating in sum that CID is the same as torture, except that there is no requirement that the punishment be inflicted for a specific purpose.54 In other words, CID can be seen as acts which would be considered torture, but for the lack of a specific motive or intent (i.e. to extract a confession). This distinction is inherent in the definition of torture under CAT, which lists motive or intent as an essential element.55 As mentioned above, ICCPR Article 7 provides in pertinent part that “[n]o one shall be subjected to…cruel, inhuman or degrading treatment or punishment.”56 In addition, General Comment 20 expands upon Article 7’s 2012-north-korea (last visited April 7, 2012). 52  Ireland v. The United Kingdom,5310/71,Council of Europe: European Court of Human Rights,13 December 1977, available at: http://www.unhcr.org/refworld/docid/3ae6b7004.html[accessed 28 January 2013] 53  Ireland v. The United Kingdom,5310/71,Council of Europe: European Court of Human Rights,13 December 1977, available at: http://www.unhcr.org/refworld/docid/3ae6b7004.html[accessed 28 January 2013]. 54  Elements of Crimes for the ICC, Definition of inhuman treatment as a war crime (ICC Statute, Article 8(2)(a)(ii)). 55  UN General Assembly, Convention Against Torture and Other Cruel, Inhuman or Degrading Treatment or Punishment, 10 December 1984,United Nations, Treaty Series, vol. 1465, p. 85,available at: http://www.unhcr.org/refworld/docid/3ae6b3a94.html[accessed 7 April 2012]. 56  International Covenant on Civil and Political Rights. United Nations General Assembly Resolution 2200A [XX1] Article 7. 16 December 1966.

PAPAIN, Tom Theodore . The U.N. Standard Minimum Rules for the Treatment of Prisoners and North Korea: How North Korea is Violating these Rules with its Operation of the Yodok Concentration Camp. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 101-124

While General Comment 20 to the ICCPR sidesteps the opportunity to list instances of prohibited acts which constitute torture,46 examples of acts which fall under the aforementioned definitions of torture (as provided by CAT and the ICCPR) are numerous. The International Rehabilitation Council for Torture Victims, the largest membership-based organization which helps rehabilitate torture victims and prevent the torture of others,47 lists beatings, electrical shocks, suffocation, burns, stretching, and sensory deprivation as examples of acts constituting torture, pursuant to the definition set forth in CAT.48 Along the same lines, Amnesty International, in reporting on the inhumane conditions of Yodok, states that the combination of forced labor in dangerous conditions with inadequate food, beatings, unhygienic living conditions, and virtually no medical care constitutes a systematic policy of torture officially condoned in the camp.49 Amnesty also refers to North Korea’s use of a “torture cell” (or “punishment cell”, as it will be referred to as later), a cell so small that a prisoner can neither stand nor lie down in it, along with its use of solitary confinement and other torture techniques generally.50 Human Rights Watch, in its 2012 World Report on North Korea, cited “sleep deprivation, beatings with iron rods or sticks, kicking and slapping, and enforced sitting or standing for hours” as examples of torture techniques deployed in North Korean prison camps.51.”

108

While the aforementioned treaties may be silent as to what constitutes CID, the European Court of Human Rights, in the Ireland v. U.K. case mentioned above,58 talked about the five specific techniques which they determined constituted cruel, inhuman and degrading treatment, in violation of the European Convention on Human Rights: (i) wall-standing for hours at a time, (ii) hooding for extended periods of time, (iii) subjection to a loud hissing noise, (iv) sleep deprivation, and (v) deprivation of food and drink.59

3. U.N. Standard Minimum Rules for the Treatment of Prisoners60 The U.N. Standard Minimum Rules for the Treatment of 57  UN Human Rights Committee (HRC), General comment no. 20, Replaces general comment 7 concerning prohibition of torture and cruel treatment or punishment, 10 March 1992,CCPR/C/GC/20,available at: http://www.unhchr.ch/tbs/doc.nsf/(Symbol)/6924291970754969 c12563ed004c8ae5?Opendocument [accessed 28 January 2013]. 58  SEE the section on torture in this article, supra. 59  Ireland v. The United Kingdom,5310/71,Council of Europe: European Court of Human Rights,13 December 1977, available at: http:// www.unhcr.org/refworld/docid/3ae6b7004.html[accessed 28 January 2013] (“(a) wall-standing: forcing the detainees to remain for periods of some hours in a “stress position”, described by those who underwent it as being “spreadeagled against the wall, with their fingers put high above the head against the wall, the legs spread apart and the feet back, causing them to stand on their toes with the weight of the body mainly on the fingers”; (b) hooding: putting a black or navy coloured bag over the detainees’ heads and, at least initially, keeping it there all the time except during interrogation; (c) subjection to noise: pending their interrogations, holding the detainees in a room where there was a continuous loud and hissing noise; (d) deprivation of sleep: pending their interrogations, depriving the detainees of sleep; (e) deprivation of food and drink: subjecting the detainees to a reduced diet during their stay at the centre and pending interrogations”). 60  Several binding and non-binding international instruments have been adopted in regards to the detention and treatment of prisoners. Some of these binding instruments include the International Covenant on Civil and Political Rights, Convention Against Torture, and the Geneva Conventions of 1949. Some of the non-binding instruments include the Universal Declaration of Human Rights, the U.N. General Assembly’s Declaration on the Protection of All Persons from Being Subjected to Torture, Basic Principles for the Treatment of Prisoners, United Nations Rules for the Protection of Juveniles Deprived of their Liberty, Declaration on the Protection of All Persons From Being Subjected to Torture and Other Cruel, Inhuman or Degrading Treatment or Punishment, Principles on the Effective Investigation and Documentation of Torture and Other Cruel, Inhuman or Degrading Treatment or Punishment, and Declaration of Basic Principles of Justice for Victims of Crime and Abuse of Power.

Prisoners (“U.N. Standard Minimum Rules”) were adopted by the First United Nations Congress on Crime Prevention and Control in 1955, and were subsequently approved by the Economic and Social Council of the United Nations in 1957.61 The product of thirty years of deliberation and numerous revisions and updates (beginning in 1926 with the work of the International Penitentiary Commission),62 the U.N. Standard Minimum Rules represent the International Community’s general consensus as to what constitutes the humane and proper treatment of prisoners, and have the full support of the U.N., which considers the rules “a body of doctrine representing ‘as a whole, the minimum conditions which are accepted as suitable.’”63 Some of the principles set forth in the U.N. Standard Minimum Rules include rights pertaining to accommodation (Rules 9-14), personal hygiene (15-16), clothing and bedding (17-19), food (20), exercise and sport (21), and medical services (22-26), as well as rules pertaining to the discipline and punishment of prisoners (27-32) and the use of instruments of restraint (33-34). The U.N. Standard Minimum Rules are indicative of the U.N.’s all–important role in setting minimum, baseline human rights standards, with the aim of better protecting people’s human rights and raising the basic standard of living for all.64 Indeed, these rules have 61  Office of the United Nations High Commissioner for Human Rights: International Law, available at http://www2.ohchr.org/english/ (last visited March 21, 2012); ALSO SEE “Analysis of Extent of Applicability of the UN Standard Minimum Rules for the Treatment of Prisoners to Community-Based Supervision and Residential Care for Convicted Offenders” 1, Commission on Correctional Facilities and Services, Washington D.C., 1974 (These standard minimum rules were also endorsed by the U.N. General Assembly in the form of future resolutions, which recommended the implementation and adoption of these rules by all member States). 62  Open-Ended Intergovernmental Expert Group Meeting on the United Nations Standard Minimum Rules for the Treatment of Prisoners 1, United Nations Office on Drugs and Crime, Vienna 2012. 63  “Revision of the UN Standard Minimum Rules?” 1-2, Association for the Prevention of Torture (APT), Dec. 14 2011, available at http://apt.ch/region/unlegal/APT_Position_SMR.pdf (last visited March 21, 2012); Analysis of Extent of Applicability of Standard Minimum Rules for the Treatment of Prisoners to CommunityBased Supervision and Residential Care for Convicted Offenders. 64  William Clifford, The Standard Minimum Rules for the Treatment of Prisoners 233, The American Journal of International Law, Vol. 66, No. 4 (September 1972); Imprisonment Today and Tomorrow 705 (“These Rules have always been considered as the most important international document in the area of prisons. They are the manifestation of the moral and philosophical standards that have consistently inspired progress and reform in prison conditions since the whole concept of imprisonment became the subject of regular international debate and co-operation in the last quarter of the nine-

PAPAIN, Tom Theodore . The U.N. Standard Minimum Rules for the Treatment of Prisoners and North Korea: How North Korea is Violating these Rules with its Operation of the Yodok Concentration Camp. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 101-124

prohibition by outlining the duties of the State Parties and certain acts which fall under the purview of Article 7, although distinctions between torture and cruel, inhuman and degrading punishment are not delineated.57

109

[T]he Rules have been widely recognized as constituting a virtual code of practice in prison administration[;] they reach out with the authority of the United Nations, to provide an important platform for world-wide prison reform…the Rules may have reached the status of customary international law71 teenth century”) (emphasis not added). 65  United Nations Standard Minimum Rules for Non-custodial Measures (The Tokyo Rules)., U.N. General Assembly, A/ RES/45/110, Dec. 14, 1990. 66  Open-Ended Intergovernmental Expert Group Meeting on the United Nations Standard Minimum Rules for the Treatment of Prisoners 2, United Nations Office on Drugs and Crime, Vienna 2012. 67  The Standard Minimum Rules for the Treatment of Prisoners in the Light of Recent Developments in the Correctional Field 13, A/CONF.43/3, United Nations 1970; Open-Ended Intergovernmental Expert Group Meeting on the United Nations Standard Minimum Rules for the Treatment of Prisoners 2. 68  Open-Ended Intergovernmental Expert Group Meeting on the United Nations Standard Minimum Rules for the Treatment of Prisoners 6, United Nations Office on Drugs and Crime, Vienna 2012 (“the Rules continued to be held in high regard and…were the main reference point in terms of measuring minimum standards within the prison environment”). 69  Id. at 4-5(“A large number of reporting countries, including. Austria, China, Finland, Japan, Mauritius, Mexico, New Zealand, South Africa and the United Kingdom, indicated that their national legislation on the treatment of prisoners was based, or had been greatly influenced by the Rules”). 70  “Obituary – IAP Honorary Member, Kurt Neudek, 15 April 1935 – 3 August 2005, available at http://www.zoominfo.com/ CachedPage/?archive_id=0&page_id=1934449955&page_url=// www.iap.nl.com/newsletters/32.html&page_last_updated=200711-23T02:53:36&firstName=Kurt&lastName=Neudek (last visited May 14, 2012). 71  Kenneth G. Zysk & Dirk Van Zyl Smit, Imprisonment Today and Tomorrow: International Perspectives on Prisoners’ Rights and Prison Conditions 706 (Brill Academic Publishers, 2001) (the quote was taken from a paper which Dr. Kurt Neudek wrote describing

Additionally, the European Court of Human Rights and even some U.S. courts have cited the U.N. Standard Minimum Rules for the Treatment of Prisoners in their opinions, particularly in the legal analysis portions of their decisions.72 The Rules also guide the treatment of prisoners in the Detention Center in The Hague.73 For the purposes of this paper, I will be focusing on the following articles, as they pertain specifically to the disciplining and punishing of prisoners: Article 27: Discipline and order shall be maintained with firmness, but with no more restriction than is necessary for safe custody and well-ordered community life. Article 28(1): No prisoner shall be employed, in the service of the institution, in any disciplinary capacity. (2) This rule shall not, however, impede the proper functioning of systems based on self-government, under which specified social, educational or sports activities or responsibilities are entrusted, under supervision, to prisoners who are formed into groups for the purposes of treatment. Article 31: Corporal punishment, punishment by placing in a dark cell, and all cruel, inhuman or degrading punishments shall be completely prohibited as punishments for disciplinary offences. Article 32(1): Punishment by close confinement or reduction of diet shall never be inflicted unless the medical officer has examined the prisoner and certified in writing that he is fit to sustain it.74 (emphasis added)

the process of preparing for the Eighth U.N. Congress on Crime Prevention and the Treatment of Offenders (Havana, Cuba, 1990). 72  SEE Mamatkulov and Askarov v. Turkey 19 (European Ct. of Human Rights 2005) (“Conditions under which detainees are held pre-trial are reportedly so poor as to amount to cruel, inhuman and degrading treatment. In 1997 the Uzbek authorities admitted that conditions of detention fell far short of the UN basic minimum standards for the treatment of prisoners”); Ananyev and Others v. Russia 12-3 (European Ct. of Human Rights 2012); Kane v. Winn, 319 F.Supp.2d 162 (D. Mass. 2004) (talking about the Rules in relation to customary international law). 73  ICC – What are the conditions of detention at the Detention Centre in the Hague? International Criminal Court, available at http://www2.icc-cpi.int/menus/icc/about%20the%20court/ frequently%20asked%20questions/24 (last visited January 31, 2013) (“The ICC Detention Centre operates in conformity with the highest international human rights standards for the treatment of detainees, such as the United Nations Standard Minimum Rules”). 74  United Nations, Standard Minimum Rules for the Treatment of Prisoners, 30 August 1955,available at http://www.unhcr.org/refworld/ docid/3ae6b36e8.html(last accessed 21 March 2012).

PAPAIN, Tom Theodore . The U.N. Standard Minimum Rules for the Treatment of Prisoners and North Korea: How North Korea is Violating these Rules with its Operation of the Yodok Concentration Camp. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 101-124

contributed positively to the establishment and modification of national policies and practices,65 helped in part by Economic and Social Council Resolution 1984/47, which puts forth the procedures by which the U.N. Standard Minimum Rules can be implemented into domestic practices and institutions.66 For example, the Secretary-General invited Member States to send periodic reports to the U.N. regarding the implementation and incorporation of these rules into their domestic law.67 Experts applaud the high standing and legitimacy of these rules in the international community today,68 and their success in guiding countries towards improving their prison system is readily apparent.69 As the late Dr. Kurt Neudek, who served on five U.N. world congresses on the prevention of crime and treatment of prisoners,70 once wrote:

110

On December 21, 2010, pursuant to Resolution 65/230, the U.N. General Assembly requested that the Commission on Crime Prevention and Criminal Justice establish an open-ended intergovernmental expert group (held in Vienna from January 31st to February 2nd, 2012)75 “to exchange information on best practices, as well as national legislation and existing international law, and on the revision of the existing United Nations standard minimum rules for the treatment of prisoners”, 76 in order to better reflect advances in the treatment of prisoners. 77 The General-Secretariat prepared notes and comments for each rule, identifying advancements in relation to each rule by referencing relevant international instruments and any contemporary views on the Rules.78 Several options have been discussed regarding the possible revising and updating of the U.N. Standard Minimum Rules, including the creation of a Convention on the Treatment of Prisoners, a complete restructuring of the Rules, a limited and targeted revision of the Rules, or the mere addition of a preamble.79 With regard to the option of restructuring the U.N. Standard Minimum Rules entirely, Rule 31 (prohibiting corporal punishment) is noted as a rule which Member States may consider reviewing, although rules 27, 28(1), and 32(1)) were not considered to be in danger of major 75  “Open-ended intergovernmental expert group meeting on the United Nations standard minimum rules for the treatment of prisoners, 31 January – 2 February 2012, Vienna, Austria”, United Nations Office on Drugs and Crime, 2012, available at http://www. unodc.org/unodc/en/justice-and-prison-reform/expert-groupmeetings4.html (last accessed 22 March 2012). 76  Open-Ended Intergovernmental Expert Group Meeting on the United Nations Standard Minimum Rules for the Treatment of Prisoners 1. United Nations Office on Drugs and Crime, United Nations Office on Drugs and Crime, Vienna 2012. 77  Id. Note that comments to the U.N. Standard Minimum Rules were also made in 1974, in preparation for the second meeting of the United Nations Working Group of Experts on the Standard Minimum Rules for the Treatment of Prisoners. For our purposes, however, we will focus on the notes and comments made in anticipation of the Open-ended Intergovernmental Expert Group Meeting, held from January 31 to February 2 of 2012. Also note that, prior to the meeting, “the Secretariat requested Member States to provide information on best practices, as well as national legislation and existing international law, and on the revision of the existing United Nations standard minimum rules for the treatment of prisoners.” 78  Id. 79  Id. at 6-7.

revision, were a restructuring of the Rules to occur (in general, the restructuring option seems unlikely to happen).80 In regards to the minimal re-drafting option, special attention would likely be given to rules 31 and 32, especially the use of close / solitary confinement and the reduction of diet as a punishment, although the only option seems to be an expansion – rather than a redaction - of this rule.81 In order to better guide the intergovernmental meeting, the General- Secretariat prepared a comprehensive report detailing the advances made within the subject area of each rule, including the treaties and other international instruments which draw upon the substance of the specific rule.82 Some of these international instruments include the International Covenant on Civil and Political Rights (ICCPR), the International Covenant on Economic, Social and Cultural Rights (ICESCR), the Universal Declaration of Human Rights (UDHR), and the Convention Against Torture (CAT), amongst others. These instruments provide a historical context under which the rules were first enacted, help define the terms found in the rules themselves, and place the rules into a more contemporary context.83 Each rule is analyzed with these three purposes in mind, including rules 27, 28, 31, and 32. Rule 27, which concerns the disciplining and punishing of prisoners, is placed in relation to Article 10 of the ICCPR, which states in part that “[a]ll persons deprived of their liberty shall be treated with humanity and with respect for the inherent dignity of the human person.”84 Rule 27 is also compared to and supplemented by the Rules for Juveniles Deprived of their Liberty,85 80  Id. 81  Id. at 7-8. 82  Notes and comments on the United Nations Standard Minimum Rules for the Treatment of Prisoners: Preliminary Observations. 83  Id. 84  Notes and comments on the United Nations Standard Minimum Rules for the Treatment of Prisoners: Preliminary Observations 18; International Covenant on Civil and Political Rights, G.A. res. 2200A (XXI), 21 U.N. GAOR Supp. (No. 16) at 52, U.N. Doc. A/6316 (1966), 999 U.N.T.S. 171, entered into force Mar. 23, 1976. 85  Notes and comments on the United Nations Standard Minimum Rules for the Treatment of Prisoners: Preliminary Observations 18 (Rule 66 of Rules for Juveniles Deprived of their Liberty states that “[a]ny disciplinary measures and procedures should maintain the interest of safety and an ordered community life and should be consistent with the upholding of the inherent dignity of the juvenile and the fundamental objective of institutional care, namely, instilling a sense of justice, self-respect and respect for the basic rights of

PAPAIN, Tom Theodore . The U.N. Standard Minimum Rules for the Treatment of Prisoners and North Korea: How North Korea is Violating these Rules with its Operation of the Yodok Concentration Camp. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 101-124

3.1 Notes and Comments to the United Nations Standard Minimum Rules

111

Rule 28(1), which states that “[n]o prisoner shall be employed, in the service of the institution, in any disciplinary capacity”, reflects the concern that appointing prisoners for such purposes will undermine the general, overriding principle of creating a healthy and positive prison environment, devoid of fear and distrust.90 According to the “Analysis of Extent of Applicability of the U.N. Standard Minimum Rules for the Treatment of Prisoners to Community-Based Supervision and Residential Care for Convicted Offenders”, published in 1974 in preparation for the second meeting of the U.N.’s Working Group of Experts on the U.N. Standard Minimum Rules, Rule 28 was designed to “bar any disciplinary or authoritarian role of prisoners over other prisoners.”91 “Promoting” certain prisoners to supervise and report on others violates this very interpretation of Rule 28(1), and brings with it the risk that these appointed prisoners will abuse their delegated powers, harshly disciplining their new subjects in an attempt to gain favor with the higher-ups.92 Rule 31, which prohibits corporal punishment and all cruel, inhuman, or degrading punishments, garners significant support from various international legal instruments.93 By definition, corporal punishment is a every person”). 86  Id. (Principle XXI of Principles and Best Practices on the Protection of Persons Deprived of Liberty in the Americas deals with the legality and necessity of bodily searches, inspections, and the like). 87  Id. at 19 (This instrument also deals with bodily searches). 88  Id. at 18. 89  Id. at 17-8. 90  Id. at 20 (ALSO SEE European Prison Rule 62). 91  Analysis of Extent of Applicability of the U.N. Standard Minimum Rules for the Treatment of Prisoners to Community-Based Supervision and Residential Care for Convicted Offenders 12, American Bar Assoc., Washington, D.C. 1974. 92  Chico Harlan, “South Korean report details alleged abuses at North Korea’s prison camps”, The Washington Post, May 9, 2012, available at http://www.washingtonpost.com/world/asia_pacific/ south-korean-report-details-alleged-abuses-at-north-koreas-prisoncamps/2012/05/09/gIQA794LDU_story.html (last visited May 14, 2012). 93  Notes and comments on the United Nations Standard Mini-

form of physical punishment inflicted upon the body, as contrasted with a fine or pecuniary punishment.94 Its definition, in the context of the treatment of prisoners, “includes excessive chastisement ordered as punishment for a crime or as an educative or disciplinary measure”, as articulated in General Comment No. 20 of the U.N. Human Rights Committee (in reference to Article 7 of the ICCPR).95 The other forms of punishment specified in Rule 31 – “punishment by placement in a dark cell, and all cruel, inhuman, or degrading punishments” – are totally prohibited, regardless of whether or not they are used as a means of punishment for disciplinary offenses.96 Finally, the notes and comments elaborate on Rule 32(1), which states that “[p]unishment by close confinement or reduction of diet shall never be inflicted unless the medical officer has examined the prisoner and certified in writing that he is fit to sustain it”.97 Out of the four rules discussed in this paper, Rule 32(1) has the most support in International Law, in terms of treaties and other international instruments which seek to prohibit close confinement as a means of punishment in equally forceful and absolutist terms. First, the authors define close confinement (or “solitary confinement”) as the act of “confining a prisoner in a closed cell on his or her own”, usually involving “extensive sensory deprivation” and “deprivation of any human contact or stimulation.”98 This definition is important because it expands upon Rule 31 by including the deprivation of human contact and stimulation, which can be equally damaging on a person’s psyche.99 The authors then go on mum Rules for the Treatment of Prisoners: Preliminary Observations 22 (the following are the international legal instruments which are directly on point with Rule 31: International Covenant on Civil and Political Rights (Art. 7), expanded upon by General Comment No. 20 of the UN Human Rights Committee, Rules for the Treatment of Women Prisoners and Non-custodial Measures for Women Offenders (23), and the Convention Against Torture. 94  Free Dictionary: “corporal punishment”, available at http:// legal-dictionary.thefreedictionary.com/corporal+punishment (last visited May 14, 2012). 95  Notes and comments on the United Nations Standard Minimum Rules for the Treatment of Prisoners: Preliminary Observations 22. 96  Id. 97  United Nations, Standard Minimum Rules for the Treatment of Prisoners 22, 30 August 1955,available at http://www.unhcr.org/refworld/docid/3ae6b36e8.html(last accessed 21 March 2012). 98  Id. at 22. 99  SEE Brandon Keim, “Solitary Confinement: The Invisible Torture”, Wired, April 29, 2009, available at http://www.wired.com/ wiredscience/2009/04/solitaryconfinement/ (last visited May 14,

PAPAIN, Tom Theodore . The U.N. Standard Minimum Rules for the Treatment of Prisoners and North Korea: How North Korea is Violating these Rules with its Operation of the Yodok Concentration Camp. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 101-124

Principles and Best Practices on the Protection of Persons Deprived of Liberty in the Americas,86 World Medical Association Statement on Body Searches of Prisoners,87 and the Human Rights Committee’s General Comment 16 on Article 17 of the ICCPR.88 The writers also provide clarification for the term “firmness”, a term which, they emphasize, “should never be understood to imply the use of unnecessary force”.89

112

such as a prohibition on solitary confinement exceeding fifteen straight days.104

2012) & Bruce A Arrigo, Heather Y. Bersot, and Brian G. Sellers, The Ethics of Total Confinement: A Critique of Madness, Citizenship, and Social Justice 60-92 (Oxford University Press, New York 2011). 100  Notes and comments on the United Nations Standard Minimum Rules for the Treatment of Prisoners: Preliminary Observations 23 (According to the Istanbul Statement, solitary confinement is generally applied in four scenarios around the world: (i) to enforce disciplinary punishment on sentenced prisoners, (ii) to isolate individuals during an ongoing criminal investigation, (iii) to manage specific groups of prisoners, and (iv) as a judicial sentence. It is also used in some parts of the world as a substitute for caring for mentally ill individuals, and as a means of coercively interrogating certain individuals). 101  Id. at 23-4 (Basic Principles for the Treatment of Prisoners (7): “Efforts addressed to the abolition of solitary confinement as a punishment, or to the restriction of its use, should be undertaken and encouraged”; UN Human Rights Committee, Comment No. 20, paragraph 6: “The Committee notes that prolonged solitary confinement of the detained or imprisoned person may amount to acts prohibited by article 7 (of the International Covenant on Civil and Political Rights)”). 102  Id. at 23. 103  Id.

4. North Korea’s Violation of the U.N. Standard Minimum Rules

In regards to a reduction of diet as a means of punishment, the notes and comments make clear that the International Community considers this a form of inhuman punishment.105 Such a form of punishment is in violation of the principles set forth in ICESCR and the ICCPR, as well as the Principles and Best Practices on the Protection of Persons Deprived of Liberty in the Americas.106 What’s most notable about the analysis of Rule 32(1), however, is the acknowledgment that the portion of the Rule allowing for solitary confinement and reduction of diet as a form of punishment, so long as a “medical officer has examined the prisoner and certified in writing that he is fit to sustain it”, is now a violation which “flies in the face” of a doctor’s sense of professional responsibility towards her patient.107 For if a medical officer approves of a prisoner’s fitness to undergo close confinement or a reduction of diet, she would be in violation of the Principles of Medical Ethics relevant to the Role of Health Personnel, particularly Physicians, in the Protection of Prisoners and Detainees against Torture and Other Cruel, Inhuman or Degrading Treatment or Punishment.108 The authors’ condemnation of this exception in the Rule indicates a willingness to revise it in the future, further updating the U.N. Standard Minimum Rules and bringing it more fully into the 21st century.

Kim Il Sung, former leader and current Eternal President of North Korea,109 once said that“[f]actionalists or enemies of class, whoever they are, their seed must be eliminated through three generations.”110 This state104  Id. at 24. 105  Id. 106  Id. 107  Id. at 25. 108  Id. 109 Nicholas D. Kristof, “Death Doesn’t End Rule of Kim Il Sung, ‘Eternal President’, The New York Times, Sept. 7, 1998, available at http://www.nytimes.com/1998/09/07/world/death-doesnt-end-rule-of-kim-il-sung-eternal-president.html (last visited May 14, 2012). 110  Robert Park, North Korea and the Genocide Movement, Harvard International Review: Web Perspectives, Sept. 27, 2011, available at http://hir.harvard.edu/north-korea-and-the-genocide-

PAPAIN, Tom Theodore . The U.N. Standard Minimum Rules for the Treatment of Prisoners and North Korea: How North Korea is Violating these Rules with its Operation of the Yodok Concentration Camp. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 101-124

to explain the situations in which “close confinement” is generally used by referencing the Istanbul Statement on the Use and Effects of Solitary Confinement, adopted on December 9th, 2007 at the International Psychological Trauma Symposium in Istanbul.100 The Basic Principles for the Treatment of Prisoners, the UN Human Rights Committee (referencing the ICCPR), the Committee against Torture, the Committee on the Rights of the Child, the UN Special Rapporteur on Torture, Rules for the Treatment of Women Prisoners and Non-custodial Measures for Women Offenders, Principles and Best Practices on the Protection of Persons Deprived of Liberty in the Americas, European Prison Rule 53, and the Istanbul Statement on the Use and Effects of Solitary Confinement all condemn, in one form or another, the close confinement of prisoners for the purposes of inflicting disciplinary punishment.101 The distinction placed on close confinement as a means of inflicting punishment, however, cannot be ignored, as it is significantly different from, and does not rise to the level of, an absolute ban, although the authors openly embrace the recommendation of prohibiting its use even when a prisoner is not being punished.102 The Committee against Torture, for instance, in recognition of the harmful mental and physical effects of prolonged solitary confinement, has recommended the abolishment of solitary confinement in all circumstances, except of course in the most extreme cases.103 Others, such as the UN Special Rapporteur on Torture, have called for a more limited ban on the use of close confinement,

113

soner is being sent to Yodok,112 lack of a formal judicial process by which prisoners are properly sentenced,113 wholly inadequate housing conditions114 and food rations,115 and the public execution of prisoners.116 The latter violation, in order that it may be properly treated and analyzed, requires the writing of a separate paper, focused solely on the policy of public executions, its occurrence in Yodok and in other North Korean prisons, and what the International Community should do to ensure its future prohibition.

With this policy of ill-treatment in mind, it is no wonder that former Yodok prisoners who have escaped North Korea attest to acts of torture and cruel, inhuman, and degrading treatment. Indeed, prisoners at Yodok are universally and without reason disciplined with excessive firmness (Rule 27), employed as secret informants in the service of the camp, often against their will (Rule 28), disciplined with corporal punishment and other forms of cruel, inhuman, or degrading punishment (Rule 31), and punished with extensive periods of close confinement and reductions of diet (Rule 32). The following ten Yodok practices will be discussed in detail, since they are vital in keeping the prisoners under control in Yodok, and are amongst the most inhumane practices testified to in Yodok: (1) beating and verbally abusing prisoners, (2) corporal punishment, (3) beating and verbally abusing child prisoners, (4) network of informants, (5) prohibition on sexual activity between men and women, (6) obligation to attend public executions and participate in postmortem stoning, (7) punishment for failure to attend night class / not criticize well enough at a criticism session, (8) reduction of diet as punishment, (9) the “sweatbox”, and (10) punishment cells. Violations of both the articles and the corresponding notes and comments will be accounted for by reference to the testimonials of prisoners who managed to escape or be released from Yodok, as well as official NGO reports. It must be emphasized here that a myriad of other violations occur at the Yodok prison which are equally egregious and amoral in their own right, and should likewise be rectified as soon as possible. These include a lack of notice as to why a pri-

4.1 Beating and Verbally Abusing Prisoners without Cause

movement (last visited May 14, 2012). 111  SEE Hyung-chan and Dong-kyu Kim, Human Remolding in North Korea: A Social History of Education (University Press of America, Inc., Maryland 2005).

During a prisoner’s “normal” work hours, Yodok supervisors shout at, verbally abuse, and beat prisoners caught resting or working at a slower than acceptable pace.117 Guards have admitted to beating prisoners just because they can, and also because they genuinely felt that these prisoners were traitors of the State.118 There have even been reports of sexual abuse committed by the guards.119 Kang Chol-Hwan recalled a guard telling him that he didn’t deserve to live, and to be thankful 112  David Hawk, The Hidden Gulag: Exposing North Korea’s Prison Camps 10. U.S. Committee for Human Rights in North Korea (Washington, D.C. 2003). 113  Id. 114  Kang Chol-Hwan and Pierre Rigoulot, The Aquariums of Pyongyang 50 (Basic Books, New York 2005). 115  David Hawk, The Hidden Gulag, Second Edition: The Lives and Voices of “Those Who are Sent to the Mountains” 31. U.S. Committee for Human Rights in North Korea (Washington, D.C. 2012); Yodok Stories 2008 (approx. 25:37). 116  Kang Chol-Hwan and Pierre Rigoulot, The Aquariums of Pyongyang 57, 137 (Basic Books, New York 2005). 117  David Hawk, The Hidden Gulag: Exposing North Korea’s Prison Camps 31-2. U.S. Committee for Human Rights in North Korea (Washington, D.C. 2003)31-2 (guards have been accused of beating prisoners with wooden sticks); Kenneth Chan, “N. Korean Prison Camp Survivors Speak at UN Meeting”, The Christian Post, April 7, 2005, available at http://www.christianpost.com/ news/n-korean-prison-camp-survivors-speak-at-un-meeting-1325/ (last visited May 14, 2012); David Hawk, The Hidden Gulag, Second Edition: The Lives and Voices of “Those Who are Sent to the Mountains” 65. U.S. Committee for Human Rights in North Korea (Washington, D.C. 2012) (Jung Gwang-il witnessed guards beating prisoners). 118  Yodok Stories 2008, available at http://www.yodokfilm.com/#/ english/people/ahn-myong-chol (last visited May 14, 2012)(Ahn Myong Chol, prison guard in Yodok and other camps in North Korea from 1987-1994). 119  David Hawk, The Hidden Gulag, Second Edition: The Lives and Voices of “Those Who are Sent to the Mountains” 68. U.S. Committee for Human Rights in North Korea (Washington, D.C. 2012).

PAPAIN, Tom Theodore . The U.N. Standard Minimum Rules for the Treatment of Prisoners and North Korea: How North Korea is Violating these Rules with its Operation of the Yodok Concentration Camp. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 101-124

ment is indicative of a policy which treats anyone who questions or doubts the abilities of the Dear Leader or the imminent success of the Revolutionary effort as enemies unworthy of living – as traitors to be thrown into concentration camps, where they will waste away and slowly be stripped of their humanity. Such a policy leaves no room for the humane treatment of political prisoners, especially given North Korea’s constant proclamations to its citizens that enemies outside the country – the U.S., Japan, and any bourgeois imperialist – are threatening to undermine the Revolution.111

114

The routine and senseless beating and abusing of prisoners without cause is in violation of Rule 27, since beating and abusing prisoners in such a manner constitutes the use of unnecessary force which does not further the safe keeping of prisoners or the maintenance of a well-ordered community.122 4.2 Corporal Punishment Corporal punishment is a fairly common phenomenon in Yodok.123 One former prisoner was beaten and forced to endure a sit-down-stand-up punishment124 for an extensive period of time, rendering him unable to walk.125 The same prisoner was also beaten unconscious126 with a burning piece of wood, as punishment for not being able to complete his work.127 Another 120  Kang Chol-Hwan and Pierre Rigoulot, The Aquariums of Pyongyang 59 (Basic Books, New York 2005). 121  Id. at 59-60. 122  United Nations, Standard Minimum Rules for the Treatment of Prisoners Art. 27, 30 August 1955,available at: http://www.unhcr. org/refworld/docid/3ae6b36e8.html[accessed 14 May 2012]; Notes and comments on the United Nations Standard Minimum Rules for the Treatment of Prisoners 17-8. 123  Yodok Stories 2008; David Hawk, The Hidden Gulag: Exposing North Korea’s Prison Camps U.S. Committee for Human Rights in North Korea (Washington, D.C. 2003). 124  For the U.S.’s use of this technique on detainees, SEE Brian Ross, “CIA’s Harsh Interrogation Techniques Described”, ABC News, Nov. 18, 2005, available at http://abcnews.go.com/Blotter/ Investigation/story?id=1322866#.T7J7I-0zLww (last visited May 15, 2012) (“’They would not let you rest, day or night. Stand up, sit down, stand up, sit down. Don’t sleep. Don’t lie on the floor,’ one prisoner said through a translator). 125  David Hawk, The Hidden Gulag: Exposing North Korea’s Prison Camps 32. U.S. Committee for Human Rights in North Korea (Washington, D.C. 2003); Kim Song A, “’Pigeon Torture’, Willing to Surrender Life”, Daily NK, May 3, 2007, available at http:// www.dailynk.com/english/read.php?cataId=nk00100&num=2012 (last visited May 15, 2012) (“Kim said, ‘Once you are made to sit and stand 500 times with a blanket on top of you in a hot stuffy room full of prisoners, you no longer see yourself as human’”). 126  Yodok Stories 2008 (approx. 32:02 – if a prisoner dies during a beating, it doesn’t really matter). 127  Kenneth Chan, “N. Korean Prison Camp Survivors Speak at UN Meeting”, The Christian Post, April 7, 2005, available at http://

prisoner was put in the “pigeon position”,128 whereby his hands were cuffed behind his back as he was hung from a ceiling for two to three days.129 A former Yodok prisoner, going by the name Kim Kwang Soo, described the use of the pigeon torture at Yodok in gruesome detail during a Citizens’ Alliance for North Korean Human Rights: “Your hands are tied behind your back and handcuffed to an iron bar. You cannot sit or stand. After a day of being in this position, your muscles tense up and your chest sticks out like the breastplate of a bird. Your whole body becomes stiff.”130

The use of the sweatbox and punishment cells, discussed later in this paper, are also forms of corporal punishment, used to punish prisoners for the most minor and trifling of offenses.131 Any form of corporal punishment is expressly prohibited by Rule 31, specifically when used as a means of punishment for disciplinary offenses.132 Here, forcing prisoners to endure sit-down-stand-up punishments, beating them unconscious with burning pieces of wood, and placing them in a “pigeon position” as a disciplinary measure, in addition to the use of the sweatbox and punishment cells, runs directly contrary to Rule 31. 4.3 Beating and Verbally Abusing Child Prisoners Not surprisingly, Yodok takes a harsh approach towards the children of political criminals. Teachers in Yodok are notorious for addressing child prisoners “in the harshest, crudest manner”, beating students and subjecting them to humiliating and degrading punish-

www.christianpost.com/news/n-korean-prison-camp-survivorsspeak-at-un-meeting-1325/ (last visited May 14, 2012). 128  Kim Song A, “’Pigeon Torture’, Willing to Surrender Life”, Daily NK, May 3, 2007, available at http://www.dailynk.com/english/read.php?cataId=nk00100&num=2012 (last visited May 15, 2012). 129  AmnestyInternational, “’Hell holes’: North Korea’s secret prison camps”, YouTube, May 4, 2011, available at http://www.youtube.com/watch?v=1y0yhV6IT7o (last visited May 14, 2012). 130  Kim Song A, “’Pigeon Torture’, Willing to Surrender Life”, Daily NK, May 3, 2007, available at http://www.dailynk.com/english/read.php?cataId=nk00100&num=2012 (last visited May 15, 2012). 131  SEE (9) (the “sweatbox”) and (10) (punishment cells). 132  United Nations, Standard Minimum Rules for the Treatment of Prisoners Art, 31, 30 August 1955,available at: http://www.unhcr. org/refworld/docid/3ae6b36e8.html[accessed 14 May 2012]

PAPAIN, Tom Theodore . The U.N. Standard Minimum Rules for the Treatment of Prisoners and North Korea: How North Korea is Violating these Rules with its Operation of the Yodok Concentration Camp. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 101-124

that the Party and the Great Leader had given him a chance to redeem himself.120 According to Kang, the guards were “almost all uneducated, rough people, of a generally bad moral character”, who were carefully picked by the State so as to ensure a “good” background (being from a family of peasants or poor workers with no “anti-Communist criminals”) and sufficient physical strength.121

115

One time a friend of mine from class started complaining to us because he’d been picked for the nasty job [cleaning stalls and emptying septic tanks] several times in a row… Someone must have gone to squeal to the Wild Boar [students’ nickname for their teacher], because a minute later we saw him walking toward us looking mad as hell. He grabbed the guilty student and started beating him savagely, first punching him with his clenched fists, then kicking him. Battered and wobbly-legged, the boy fell into the septic tank…my friend managed to reach the edge and climb out, but he was in such a sad state that no one wanted to help him wash up or bandage his wounds. A few days later he died.138

Treating children in this manner is in violation of Rule 27, in that it is not necessary for the safe custody and maintenance of a well-ordered community,139 and is also not humane.140 Such a policy is also in violation of Rule 31, in that the beating of students constitutes corporal punishment141 (excessive chastisement ordered as punishment so as to discipline the student and educate 133  Kang Chol-Hwan and Pierre Rigoulot, The Aquariums of Pyongyang 63-71 (Basic Books, New York 2005) (one teacher punished his students by making them stand naked in the courtyard with their hands behind their backs. Another beat a student to death). 134  Id. (A teacher ordered a student to go on all fours and say “I’m a dog”). 135  Id. 136  Id. 137  Id. at 69; 71 (as punishment for riding a teacher’s bike, students were given a week of supplementary night work, which included digging ditches and filling them with rocks). 138  Id. at 68. 139  United Nations, Standard Minimum Rules for the Treatment of Prisoners Art. 27, 30 August 1955,available at: http://www.unhcr. org/refworld/docid/3ae6b36e8.html[accessed 14 May 2012]. 140  Notes and comments on the United Nations Standard Minimum Rules for the Treatment of Prisoners 17-8. 141  United Nations, Standard Minimum Rules for the Treatment of Prisoners Art. 31, 30 August 1955,available at: http://www.unhcr. org/refworld/docid/3ae6b36e8.html[accessed 14 May 2012].

him as to how to behave in the future).142 The physical and verbal abusing of children also constitutes cruel, inhuman, and degrading treatment, which is prohibited in all instances, disciplinary or otherwise.143 4.4 Network of informants Yodok maintains a network of informants who report to the Yodok prison guards regarding any treasonous or anti-State comments made by prisoners, including talks of escape.144 Similar to the camps in the Soviet Union and Nazi Germany, Yodok designates certain prisoners to have authoritative power over others, including the power to punish prisoners by denouncing them to the guards.145 These informants, who are chosen without the other prisoners knowing, are often times picked against their will and without consideration as to their opinion, since becoming an informant means alienation from your friends and family.146 It also means that prisoners are less likely to band together to fight for their rights, although inmates become adept at spotting informants over time.147 Regardless, talking too freely in front of an informant can lead to severe punishment, including extra hard labor, a reduction in diet, and time in the “sweatbox.”148 Indeed, the system is an extensive and pervasive one, making any sort of collaborating and scheming highly unlikely: The informants were at every turn. There was no one to confide in, no way to tell who was who. The only advice [their] fellow prisoners could offer was to have patience: they [Kang’s father and 142  Notes and comments on the United Nations Standard Minimum Rules for the Treatment of Prisoners 22. 143  Id. 144  Kang Chol-Hwan and Pierre Rigoulot, The Aquariums of Pyongyang 77, 103-108-9 (Basic Books, New York 2005); Chico Harlan, “South Korean report details alleged abuses at North Korea’s prison camps”, The Washington Post, May 9, 2012, available at http://www.washingtonpost.com/world/asia_pacific/ south-korean-report-details-alleged-abuses-at-north-koreas-prisoncamps/2012/05/09/gIQA794LDU_story.html (last visited May 15, 2012). 145  Id. at 57-8 (“The brigade chiefs are important links in the chain of command between the camp’s authorities and the common detainee”). 146  Id. at 77, 103-108-9 147  Id. 148  Id. at 77, 103-108-9; Chico Harlan, “South Korean report details alleged abuses at North Korea’s prison camps”, The Washington Post, May 9, 2012, available at http://www.washingtonpost.com/ world/asia_pacific/south-korean-report-details-alleged-abuses-atnorth-koreas-prison-camps/2012/05/09/gIQA794LDU_story. html (last visited May 14, 2012).

PAPAIN, Tom Theodore . The U.N. Standard Minimum Rules for the Treatment of Prisoners and North Korea: How North Korea is Violating these Rules with its Operation of the Yodok Concentration Camp. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 101-124

ments.133 Students are made to feel less than human,134 and are assigned hard labor if they show the slightest bit of resistance towards their revolver-wielding teachers.135 For instance, a teacher punished his students by making them stand naked in the courtyard with their hands behind their backs.136 One teacher, nicknamed “The Old Fox” by Kang Chol-Hwan and his friends, made his students peel walnuts until their hands were stained black, and then made them rub their hands back and forth until they were clean, crushing their hands with his boot if they failed to comply.137 One story is particularly disturbing:

116

On at least some occasions, prisoners would on their own volition inform guards about other prisoners complaining, in the hopes of avoiding punishment themselves.150 The maintenance of this network of informants is in violation of Rule 28(1), in that these informants are in a sense “employed” in the service of the institution in a disciplinary capacity, since their reports to Yodok guards regarding what prisoners are saying could land those prisoners in serious trouble.151 Their work in informing the guards of what other prisoners are saying also runs contrary to the idea that some prisoners should not have any disciplinary or authoritarian power over others.152 In addition, the network of informants in Yodok does not fall under the exception stated in Rule 28, since the existence of secret informants does not go to the “proper functioning of systems based on self-government”, such as social, educational, or athletic groups.153 This network also undermines the principle that prisons should foster as healthy and positive an environment as possible, devoid of distrust and fear, since informants are likely to abuse their delegated powers in order to win favor with the Yodok guards.154

149  Kang Chol-Hwan and Pierre Rigoulot, The Aquariums of Pyongyang 77 (Basic Books, New York 2005). 150  Id. at 77; Chico Harlan, “South Korean report details alleged abuses at North Korea’s prison camps”, The Washington Post, May 9, 2012, available at http://www.washingtonpost.com/world/asia_ pacific/south-korean-report-details-alleged-abuses-at-north-koreasprison-camps/2012/05/09/gIQA794LDU_story.html (last visited May 14, 2012). 151  Kang Chol-Hwan and Pierre Rigoulot, The Aquariums of Pyongyang 77, 103-108-9 (Basic Books, New York 2005); Chico Harlan, “South Korean report details alleged abuses at North Korea’s prison camps”, The Washington Post, May 9, 2012, available at http://www.washingtonpost.com/world/asia_pacific/ south-korean-report-details-alleged-abuses-at-north-koreas-prisoncamps/2012/05/09/gIQA794LDU_story.html (last visited May 14, 2012). 152  Analysis of Extent of Applicability of the U.N. Standard Minimum Rules for the Treatment of Prisoners to CommunityBased Supervision and Residential Care for Convicted Offenders 12. 153  United Nations, Standard Minimum Rules for the Treatment of Prisoners Art. 28(1), 30 August 1955,available at: http://www.unhcr. org/refworld/docid/3ae6b36e8.html[accessed 14 May 2012]. 154  Notes and comments on the United Nations Standard Minimum Rules for the Treatment of Prisoners 19-20.

4.5 Prohibition on Sexual Activity between Men and Women One especially harsh disciplinary measure taken at Yodok, consistent with Kim Il Sung’s philosophy of rooting out the enemy seed, is the prohibition on sexual activity between men and women.155 Although Rule 8 of the U.N. Standard Minimum Rules states that men and women should be “detained in separate institutions”,156 Yodok is organized such that entire families are placed in specific villages, which means that men and women are interacting on a consistent basis, including with their spouses.157 It is only natural, then, that these men and women will engage in sexual activity, activity which is not expressly barred by the U.N. Standard Minimum Rules or by any other binding or non-binding international instrument. In Yodok, however, were a man and woman to engage in sexual activity and get caught, the man would be physically punished, and the woman would be forced to recount her sexual encounters in front of the entire village of prisoners.158 One former prisoner stated that women who got pregnant were imposed an additional six months in prison, while their male counterparts were sentenced to another two.159 If the woman managed to conceal her pregnancy from the guards and have a baby, Yodok guards would ensure that the baby did not survive by either abandoning it in the mountains, or by burying it in the ground.160 Such a policy is in violation of Rule 27, in that it goes beyond that which is necessary for safe custody and maintenance of a well-ordered community,161 and because it promotes treating prisoners inhumanely and with no respect for their human dignity, especially sin155  David Hawk, The Hidden Gulag: Exposing North Korea’s Prison Camps 35. U.S. Committee for Human Rights in North Korea (Washington, D.C. 2003). 156  United Nations, Standard Minimum Rules for the Treatment of Prisoners, 30 August 1955,available at: http://www.unhcr.org/refworld/docid/3ae6b36e8.html[accessed 14 May 2012]. 157  SEE Kang Chol-Hwan and Pierre Rigoulot, The Aquariums of Pyongyang 47-159 (Basic Books, New York 2005). 158  Id. at 145-6. 159  David Hawk, The Hidden Gulag, Second Edition: The Lives and Voices of “Those Who are Sent to the Mountains” 68. U.S. Committee for Human Rights in North Korea (Washington, D.C. 2012) (one male was actually transferred to the “total control zone”). 160  Id. 161  United Nations, Standard Minimum Rules for the Treatment of Prisoners Art. 27, 30 August 1955,available at: http://www.unhcr. org/refworld/docid/3ae6b36e8.html[accessed 14 May 2012].

PAPAIN, Tom Theodore . The U.N. Standard Minimum Rules for the Treatment of Prisoners and North Korea: How North Korea is Violating these Rules with its Operation of the Yodok Concentration Camp. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 101-124

uncle] would learn to pick out the snitches soon enough. Until then, they would do well to keep their thoughts to themselves.149

117

4.6 Obligation to attend Public Executions and participate in Postmortem stoning Once Yodok considers you an adult prisoner (which is at age fifteen),164 you are obligated to attend public executions of prisoners.165 Executions are generally carried out when a prisoner tries to escape, and are done in public so as to intimidate those with similar ideas.166 Once the prisoner is shot dead,167 prisoners are required to stone the dead body and shout State-approved propaganda lines (i.e. “down with the traitors of the people”).168 According to Kang Chol-Hwan, prisoners at Yodok learn to adapt to this otherwise cruel and unnecessary requirement, undoubtedly designed for the 162  Notes and comments on the United Nations Standard Minimum Rules for the Treatment of Prisoners 17-8. 163  United Nations, Standard Minimum Rules for the Treatment of Prisoners Art. 31, 30 August 1955,available at: http://www.unhcr. org/refworld/docid/3ae6b36e8.html[accessed 14 May 2012]. 164  There have been varying testimonies as to when prisoners are required to view public executions. For instance, former Yodok prisoner Kim Tae Jin has stated that children are required to watch public executions. SEE Yodok Stories 2008, available http://www. yodokfilm.com/#/english/people/kim-tae-jin (last visited May 14, 2012). 165  Kang Chol-Hwan and Pierre Rigoulot, The Aquariums of Pyongyang 137-41 (Basic Books, New York 2005); “North Korea: Irrefutable Satellite Evidence of Prison Camps in North Korea”, Amnesty International, available at http://www.amnestyusa.org/research/science-for-human-rights/north-korea (last visited May 14, 2012). 166  “North Korea: Irrefutable Satellite Evidence of Prison Camps in North Korea”, Amnesty International, available at http:// www.amnestyusa.org/research/science-for-human-rights/northkorea (last visited May 14, 2012); David Hawk, The Hidden Gulag, Second Edition: The Lives and Voices of “Those Who are Sent to the Mountains” 65. U.S. Committee for Human Rights in North Korea (Washington, D.C. 2012). 167  Kang Chol-Hwan and Pierre Rigoulot, The Aquariums of Pyongyang 139 (Basic Books, New York 2005) (“The custom was to shoot three salvos from a distance of five yards. The first salvo cut the topmost cords, killing the condemned man and causing his head to fall forward. The second salvo cut the chords around his chest and bent him forward further. The third salvo released his last tether, allowing the man’s body to drop into the pit in front of him, his tomb. This simplified the burial”). 168  David Hawk, The Hidden Gulag: Exposing North Korea’s Prison Camps 35. U.S. Committee for Human Rights in North Korea (Washington, D.C. 2003).

purpose of instilling fear in anyone watching.169 Forcing prisoners to watch public executions is in violation of Rule 27, in that requiring them to watch other prisoners get killed and stone their dead bodies does not show respect for the inherent dignity of people, since the majority of human beings do not wish to desecrate and yell at the dead body of a fellow victim.170 These two requirements are also in violation of Rule 31, since making people watch executions and stone dead bodies is cruel, inhuman and degrading, especially in cases where a parent, sibling, or relative must observe and desecrate the victim.171 4.7 Punishment for Failure to Attend Night Class / Not Criticize Well Enough at a Criticism Session All North Korean citizens are required to attend meetings whereby they criticize themselves and others for their shortcomings in helping the Revolutionary cause.172 While normally a North Korean citizen will not be severely punished for failing to adequately self-criticize or criticize others,173 this is not the case at Yodok, where such sessions are taken much more seriously.174 These bi-weekly meetings are made worse by the fact that they are held at night, when prisoners could be getting some much-needed sleep, since the camp considers them absolutely necessary to the political rehabilitation of prisoners.175 Furthermore, all Yodok prisoners must attend these meetings, unless particularly extenuating circumstances permit otherwise.176 Kang Chol Hwan states that 169  Kang Chol-Hwan and Pierre Rigoulot, The Aquariums of Pyongyang 141 (Basic Books, New York 2005) (“I don’t blame the prisoners who unaffectedly went about their business. People who are hungry don’t have the heart to think about others”). 170  Notes and comments on the United Nations Standard Minimum Rules for the Treatment of Prisoners 17-8; Kang Chol-Hwan and Pierre Rigoulot, The Aquariums of Pyongyang 140 (Basic Books, New York 2005) (“Once both men were finally dead, the two or three thousand prisoners in attendance were instructed to each pick up a stone and hurl it at the corpses while yelling ‘Down with the traitors of the people!’. We did as we were told, but our disgust was written all over our faces. Most of us closed our eyes, or lowered our heads, to avoid seeing the mutiliated bodies”). 171  United Nations, Standard Minimum Rules for the Treatment of Prisoners Art. 31, 30 August 1955,available at: http://www.unhcr. org/refworld/docid/3ae6b36e8.html[accessed 14 May 2012]. 172  Kang Chol-Hwan and Pierre Rigoulot, The Aquariums of Pyongyang 127 (Basic Books, New York 2005). 173  Id. 174  Id. at 125-30. 175  Id. 176  Id.

PAPAIN, Tom Theodore . The U.N. Standard Minimum Rules for the Treatment of Prisoners and North Korea: How North Korea is Violating these Rules with its Operation of the Yodok Concentration Camp. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 101-124

ce it prohibits them from engaging in normal human behavior.162 Forcing the women to recount their sexual activities in front of an entire village of prisoners is in violation of Rule 31, in that it is a degrading punishment used to discipline the prisoner.163

118

These criticism and self-criticism sessions are in violation of Rule 27, since they serve no real purpose in maintaining a well-ordered community life. The argument that prisoners will be more likely to follow camp rules if they attend these sessions is undermined by the fact that prisoners must perform forced labor under close and often times abusive supervision. Furthermore, attempting to pit prisoners against each other in these sessions creates a wholly inhospitable atmosphere which is in violation of the spirit of the U.N. Standard Minimum Rules.178 4.8 Reduction of Diet as Punishment Reduction of diet as a form of punishment is used in a number of instances at Yodok. A prisoner who fails to meet his work quota, for instance, could see his food ration cut in half.179 In addition, any prisoner who is considered “unbalanced” (i.e. mentally unstable) is given food to eat in direct proportion to the amount of work he can do.180 This is also the case for normal, mentally stable prisoners, who may suffer a reduction of diet if the entire work group fails to meet a day’s quota.181 A prisoner may also see his diet reduced if he fails a memorization test (i.e. of a Kim Il Sung speech or an important date in the Party’s history).182 In addi177  Id. 178  United Nations, Standard Minimum Rules for the Treatment of Prisoners Art. 27, 30 August 1955,available at: http://www.unhcr. org/refworld/docid/3ae6b36e8.html[accessed 14 May 2012]. 179  Chico Harlan, “South Korean report details alleged abuses at North Korea’s prison camps”, The Washington Post, May 9, 2012, available at http://www.washingtonpost.com/world/asia_pacific/ south-korean-report-details-alleged-abuses-at-north-koreas-prisoncamps/2012/05/09/gIQA794LDU_story.html (last visited May 14, 2012) (“laborers who failed to meet work quotas saw their meager food rations cut in half, a cycle that led to starvation because the less they ate, the weaker they got, and the poorer they became at work”). 180  Kang Chol-Hwan and Pierre Rigoulot, The Aquariums of Pyongyang 123-4 (Basic Books, New York 2005). 181  Amnesty International, “’Hell Holes”: North Korea’s secret prison camps”, YouTube, May 4, 2011, available at http://www. youtube.com/watch?v=1y0yhV6IT7o (last visited May 14, 2012); Kenneth Chan, “N. Korean Prison Camp Survivors Speak at UN Meeting”, The Christian Post, April 7, 2005, available at http://www. christianpost.com/news/n-korean-prison-camp-survivors-speakat-un-meeting-1325/ (last visited May 14, 2012). 182  David Hawk, The Hidden Gulag: Exposing North Korea’s

tion, prisoners sent to the “sweatbox” or punishment cell (discussed in greater detail below) have their already meager diets drastically reduced.183 The reduction of a prisoner’s diet in the aforementioned instances is in violation of Rule 32(1), since punishment by reduction of diet shall never be inflicted,184 and since such a punishment is considered inhumane.185 4.9 The “Sweatbox” The “sweatbox”, a torture device commonly used to punish prisoners for the most trifling of offenses, has been cited by former prisoners and human rights NGOs as one of the harshest torture devices used in Yodok.186 The use of the sweatbox dates back to the United States in the 19th century, where it was used as a form of naval discipline.187 This torture device has also Prison Camps 31-2. U.S. Committee for Human Rights in North Korea (Washington, D.C. 2003). 183  Id. at 94-6; David Hawk, The Hidden Gulag, Second Edition: The Lives and Voices of “Those Who are Sent to the Mountains” 65. U.S. Committee for Human Rights in North Korea (Washington, D.C. 2012); Chico Harlan, “South Korean report details alleged abuses at North Korea’s prison camps, The Washington Post, May 9, 2012, available at http://www.washingtonpost.com/world/asia_pacific/south-korean-report-details-alleged-abuses-at-north-koreasprison-camps/2012/05/09/gIQA794LDU_story.html (last visited May 14, 2012) (“Those who complained about conditions were frequently betrayed by fellow prisoners, Jeong said… Often, Jeong himself informed guards about such misbehavior. “Some people would say, ‘This is worse than being dead.’ And I’d report it. Then the person would be taken to solitary confinement for one month and given one meal per day’”). 184  North Korea is not the only country which uses a reduction of diet as a means of punishment. In prisons throughout the U.S., certain prisoners are served what is called “Nutriloaf ” as a punitive and nutritional punishment for bad behavior. Nutriloaf, or “prison loaf ” as it is sometimes called, is food grounded up and baked in loaves and served to prisoners (often those in solitary confinement) as a form of punishment. Though it purportedly has the same nutritional value as the food served to other prisoners, prisoners who have eaten it have gotten violently ill and have lost a substantial amount of weight as a result of eating Nutriloaf on a daily basis. For more SEE Adam Cohen, “Can Food Be Cruel and Unusual Punishment?”, TIME, April 2, 2012, available at http://ideas.time. com/2012/04/02/can-food-be-cruel-and-unusual-punishment/ (last visited May 14, 2012), & Matthew Purdy, “What’s Worse Than Solitary Confinement? Just Taste This, The New York Times, August 4, 2002, available at http://www.fedcrimlaw.com/visitors/PrisonLore/TheLoaf.html (last visited May 14, 2012). 185  Notes and comments on the United Nations Standard Minimum Rules for the Treatment of Prisoners 22-3. 186  Kang Chol-Hwan and Pierre Rigoulot, The Aquariums of Pyongyang 94 (Basic Books, New York 2005) (Kang Chol-Hwan described it as one of the harshest punishments thought possible) 187  Darius Rejali, “Ice Water and Sweatboxes: The long and sa-

PAPAIN, Tom Theodore . The U.N. Standard Minimum Rules for the Treatment of Prisoners and North Korea: How North Korea is Violating these Rules with its Operation of the Yodok Concentration Camp. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 101-124

such sessions were not taken seriously or personally by most of the adult prisoners, who knew that such sessions were just part of North Korea’s attempts to indoctrinate its citizens, even while they suffer in one of its prisons.177

119

The sweatbox itself is a “kind of shack…devoid of any openings” and shrouded in total darkness.190 It is extremely small and cramped, such that the prisoner cannot fully stand or lie down, forcing him to crouch on his knees.191 This close confinement punishment is made worse by the fact that the prisoners are prohibited from talking or gesturing, except when sick or asking to go to the bathroom.192 If they talk or make any unnecessary gestures, they are beaten and abused by the guards (in one case, the guards tied the hands of a prisoner behind his back and shoved his nose into a septic tank).193 The diet of a prisoner in the sweatbox is also reduced, leading him to eat anything that crawls within his grasp.194 Prisoners must silently starve in the sweatbox for days or weeks at a time, and such severe treatment has been reported to have a lasting impact on survivors.195 The existence and use of the sweatbox as a means of discipline and punishment is in violation of Rule 31, in that placing prisoners in the sweatbox constitutes corporal punishment.196 It is also in violation of Rule 31 because the prisoner is placed in a dark cell, and because the very use of this torture device constitutes cruel, inhuman, and degrading punishment.197 The sweatbox is also in violation of Article 32(1), since it is by its very nature punishment by close confinement,198 distic history behind the CIA’s torture techniques”, Slate, March 17, 2009, available at http://www.slate.com/articles/news_and_politics/jurisprudence/2009/03/ice_water_and_sweatboxes.2.html (“They were a standard part of naval discipline, and the word sweatbox comes from the Civil War era”). 188  Id. (“The Japanese used them in POW camps in World War II. They are still common in East Asia”). 189  Id. (“They are still common in East Asia. The Chinese used them during the Korean War, and Chinese prisoners today relate accounts of squeeze cells (xiaohao, literally “small number”), dark cells (heiwu), and extremely hot or cold cells”). 190  Kang Chol-Hwan and Pierre Rigoulot, The Aquariums of Pyongyang 94 (Basic Books, New York 2005). 191  Id. 192  Id. 193  Id. 194  Id. 195  Id. 196  United Nations, Standard Minimum Rules for the Treatment of Prisoners Art. 31, 30 August 1955,available at: http://www.unhcr. org/refworld/docid/3ae6b36e8.html[accessed 14 May 2012] 197  Notes and comments on the United Nations Standard Minimum Rules for the Treatment of Prisoners 22. 198  United Nations, Standard Minimum Rules for the Treatment of

and since such confinement involves “extensive sensory deprivation” (especially light) and “deprivation of any human contact or stimulation.”199 Finally, the reduction in diet constitutes a violation of Article 32(1) because such punishment is expressly prohibited.200 4.10 Punishment Cells Prisoners at the Yodok concentration camp also face the possibility of being sent to a “punishment cell”,201 a sentence often spelling death for the already weakened prisoner.202 Like the sweatbox, prisoners are unable to move in these cells,203 are deprived of light and human contact, and are fed very little (in punishment cells, the diet is 10 grams a day).204 Former prisoners have stated that people are sent to these cells anywhere from ten to forty-five days, and that those who manage to come out alive are too weak to even walk, dying soon after being released from the cell.205 While the sweatbox and punishment cells are similar in many respects, a major difference between them is that, in the punishment cells, prisoners have a rope tied around their neck, and are forced to sit in the cramped cell with this rope around their neck for up to six months, significantly longer than the time prisoners spend in the sweatbox.206 The existence and use of the punishment cell, as with the existence and use of the sweatbox, is in violation of Rules 31 and 32(1). Prisoners Art. 32(1), 30 August 1955,available at: http://www.unhcr. org/refworld/docid/3ae6b36e8.html[accessed 14 May 2012] 199  Notes and comments on the United Nations Standard Minimum Rules for the Treatment of Prisoners 22-4. 200  Id. 201  “North Korea: Images reveal scale of political prison camps”, Amnesty International, May 4, 2011, available at http://www.amnestyusa.org/news/press-releases/north-korea-images-reveal-scaleof-political-prison-camps (last visited April 7, 2012). 202  Yodok Stories 2008 (approx. 26:10). 203  Id. 204  Id. 205  David Hawk, The Hidden Gulag, Second Edition: The Lives and Voices of “Those Who are Sent to the Mountains” 65. U.S. Committee for Human Rights in North Korea (Washington, D.C. 2012). (“Just outside the Sorimchon section there was a punishment facility for ‘rule violators.’ Rule breakers were sent to this prison within the prison camp for 10-45 days and almost everyone died shortly after release. Mr. Kim…knew three persons sent to the punishment cells, one person for ‘stealing’ honey, another for eating raw corn intended for the animals, and one woman who had sex with another prisoner. All three died upon release from the punishment cells”); ALSO SEE 66. 206  Yodok Stories 2008 (approx. 20:41 to 21:42).

PAPAIN, Tom Theodore . The U.N. Standard Minimum Rules for the Treatment of Prisoners and North Korea: How North Korea is Violating these Rules with its Operation of the Yodok Concentration Camp. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 101-124

been utilized by the Japanese during World War II on POWs,188 and by the Chinese on South Koreans during the Korean War.189

120

5.1 The Working Group on the Universal Periodic Review So how has the international community –specifically the Working Group on the Universal Periodic Review, the General Assembly, and the U.N. Special Rapporteur on Human Rights in North Korea - dealt with these blatant violations of the U.N. Standard Minimum Rules? As can be expected, North Korea denies the existence of any political prison camps in its country. North Korean representatives made such a denial at a recent convening of The Working Group on the Universal Period Review, established pursuant to Human Rights Council Resolution 5/1 on June 18th, 2007.207 The Universal Periodic Review (“UPR”), set up by the Human Rights Council, analyzes the human rights situations of all 193 U.N. Member States with each country being looked at once every four years.208 The UPR Working Group consists of forty-seven members of the Human Rights Council (although any U.N. Member State can take part in the review) who review a country according to the human rights standards set forth in various human rights treaties.209 The goal of the UPR is to comprehensively assess the human rights situation in every country, offer non-binding recommendations and assistance if necessary, and have the State assume primary responsibility for implementing the recommendations.210 NGOs may participate in the process as well.211 North Korea last submitted a report during the sixth session of the Human Rights Council Working Group on the Universal Periodic Review, held in Geneva from November 30th to December 11th, 2009.212 In chapter IV (“Efforts and Experiences in the Protection and Promotion of Human Rights”), subsection 1(C), Nor207  Report of the Working Group on the Universal Periodic Review: Democratic People’s Republic of Korea, U.N. General Assembly, A/HRC/13/13, Jan. 4, 2010. 208  “Basic Facts about the UPR”, United Nations Human Rights, available at http://www.ohchr.org/EN/HRBodies/UPR/Pages/ BasicFacts.aspx (last visited May 14, 2012). 209  Id. 210  Id. 211  Id. 212  National Report Submitted in Accordance with Paragraph 15(A) of the Annex to Human Rights Council Resolution 5/1: Democratic People’s Republic of Korea, U.N. General Assembly A/HRC/WG.6/6/PRK/1, Aug. 27, 2009.

th Korea claims that torture and other inhuman treatment is strictly prohibited by their Criminal Procedures Law, particularly forcing a suspect to admit an offense by torture or beating.213 In subsection 4, meanwhile, North Korea claims that it cooperates with International Human Rights NGOs, although such groups have been calling on North Korea for years to cease the operation of the Yodok concentration camp, which North Korea officially denies exists.214 What’s perhaps most perplexing, however, is the accusations it lays out in chapter V (“Obstacles and Challenges to the Protection and Promotion of Human Rights”). In subsection one, North Korea claims that the U.S. is pursuing a “hostile policy” towards North Korea which “poses the greatest challenge to the enjoyment of genuine human rights by the Korean people.”215 In subsection 2, meanwhile, North Korea claims that the “EU in collusion with Japan and other forces hostile to the DPRK has adopted every year since 2003 the anti-DPRK ‘human rights resolution’ at the Commission on Human Rights, Human Rights Council and UN General Assembly.”216 North Korea goes on to say that: These “resolutions” aim at tarnishing the image of the DPRK and thereby achieving political purpose of eliminating the ideas and system that the Korean people have chosen for themselves and defended, and not at the genuine protection and promotion of human rights. The sponsors of the “resolution” preposterously argue that they are aimed at promoting “cooperation” and “collaboration” for the “protection and promotion of human rights”. However, the reality speaks by itself that the “resolutions” are the root source of mistrust and confrontation, and the impediments to international cooperation

This sort of evasiveness and circular reasoning is indicative of a country that is unwilling to hold itself accountable for the egregious human rights violations committed at Yodok.

213  Id. at 8. 214  “North Korea: Demand the closure of an inhumane prison camp”, Amnesty International, available at http://www.amnesty. ca/writeathon/?page_id=3489 (last visited May 14, 2012) (“[t]he North Korean government denies that any political prison camps exist, even though satellite photographs and testimony collected by Amnesty International from former guards and former prisoners confirm their existence”). 215  National Report Submitted in Accordance with Paragraph 15(A) of the Annex to Human Rights Council Resolution 5/1: Democratic People’s Republic of Korea 15, U.N. General Assembly A/HRC/WG.6/6/PRK/1, Aug. 27, 2009. 216  Id. at 16.

PAPAIN, Tom Theodore . The U.N. Standard Minimum Rules for the Treatment of Prisoners and North Korea: How North Korea is Violating these Rules with its Operation of the Yodok Concentration Camp. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 101-124

5. Reactions of the International Community

121

On the issue of “political prisoners’ camps”, the delegation noted that freedoms of speech, press, assembly and demonstration and freedom of religious belief are the fundamental rights guaranteed by the Constitution. Exercising the rights to such freedom can never be criminalized. Thoughts and political views are not something that can be controlled by the law. The term “political prisoner” does not exist in DPRK’s vocabulary, and therefore the so-called political prisoners’ camps do not exist. There are reform institutions, which are called prisons in other countries. Those who are sentenced to the penalty of reform through labour for committing anti-State crimes or other crimes prescribed in the Criminal Law serve their terms at the reform institutions.218 (emphasis added)

Despite North Korea’s insistence that these camps do not exist, numerous countries participating in this working group session, including South Korea, the Netherlands, and France, expressed concerns about the use of torture in North Korea and the existence of prison camps, although no explicit reference to Yodok is made.219 In addition, the Working Group recommended that North Korea “[c]ooperate with the special rapporteurs and other United Nations human rights mechanisms by granting them access to the country”,220 “positively consider requests for country visits of special procedures of the Council and implement the recommendations stemming from United Nations human rights mechanisms”, “[g]rant access to the three thematic Special Rapporteurs who have requested a visit”, “[r]espond favourably to the request of special procedures mandate- holders to enter the country and cooperate with special procedures and other human rights mechanisms”, and “[e]nsure that all persons deprived of their liberty are treated with humanity and with respect for the inherent dignity of

217  Id. 218  Id. 219  Id. 220  Report of the Working Group on the Universal Periodic Review: Democratic People’s Republic of Korea 15, U.N. General Assembly, A/HRC/13/13, Jan. 4, 2010.

the human being,”221 amongst other recommendations. Among the one-hundred-and-sixty-seven recommendations, North Korea did not support fifty of them, including “recogniz[ing] the mandate of the Special Rapporteur on the situation of human rights, cooperat[ing] with him and grant[ing] him access”, “grant[ing] access, as a matter of priority, to the Special Rapporteur on the situation of human rights in DPRK”, “[c]ooperat[ing] more intensively with United Nations human rights mechanisms, in particular by responding positively to the repeated requests for visits by the Special Rapporteurs on the situation of human rights and the right to food”, and “[a]gree[ing] to requests for a visit by the Special Rapporteur on the situation of human rights”.222 In the same Working Group session which analyzed North Korea’s national report, the Working Group looked at reports from fifteen other countries, including Albania, Costa Rica, Ethiopia, and the Democratic Republic of Congo.223 Of the sixteen countries examined in this session, twelve received eighty-five or more recommendations, with Cote d’Ivoire receiving 147, second only to North Korea’s 167.224 While most of these countries, supported almost all of the Working Group’s recommendations,225 North Korea did not support 50 of its 167 recommendations,226 which was the highest percentage of denial in the session.227 5.2 U.N. General Assembly Resolutions North Korea’s report on its human rights situation, and the Working Group’s response, is indicative of Nor221  Id. at 17. 222  Id. at 20 (North Korea also did not support the recommendation to “[d]evelop cooperation on the issues of human rights with international organizations and their mechanisms, in particular by engaging constructively with the Special Rapporteur on the situation of human rights and responding positively to offers of technical assistance by OHCHR”). 223  The eleven other countries include Brunei Darussalam, Bhutan, Cote d’lvoire, Cyprus, Dominica, Dominican Republic, Eritrea, Equatorial Guinea, Cambodia, Norway, and Portugal. 224  Report of the Working Group on the Universal Periodic Review: Cote d’Ivoire, U.N. General Assembly, A/HRC/13/9, Jan. 4, 2010. 225  BUT SEE Report of the Working Group on the Universal Periodic Review: Ethiopia, U.N. General Assembly, A/HRC/13/17, Jan. 4, 2010 (Ethiopia denied 32 of the 142 recommendations made to it). 226  Report of the Working Group on the Universal Periodic Review: Democratic People’s Republic of Korea, U.N. General Assembly, A/ HRC/13/13, Jan. 4, 2010. 227  For the Sixth Session, SEE http://www.ohchr.org/EN/HRBodies/UPR/Pages/MeetingsHighlightsSession6.aspx (last visited May 14, 2012).

PAPAIN, Tom Theodore . The U.N. Standard Minimum Rules for the Treatment of Prisoners and North Korea: How North Korea is Violating these Rules with its Operation of the Yodok Concentration Camp. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 101-124

The Working Group reviewed North Korea’s report on human rights on December 7th, 2009, and issued a report two days later, which was subsequently published on January 4th, 2010.217 In its report, the Working Group noted that the North Korean delegation denied the existence of any political prison camps, although the delegation eerily referred to the existence of “reform institutions”:

122

5.3 U.N. Special Rapporteur of Human Rights The Special Rapporetur on the situation of human rights in North Korea was established by the Commission on Human Rights in 2004 under resolution 2004/13.230 In his most recent report on North Korea, the Rapporteur – Marzuki Darusman231 - talked extensively about detention and correctional facilities in North Korea, including the existence of political prison camps.”232 Specifically, the Special Rapporteur noted North Korea’s reference to such camps in its own legal instruments (Article 18 of its Sentences and De228  General Assembly of the United Nations, available at http:// www.un.org/en/ga/ (last visited May 15, 2012). 229  60/173. Situation of human rights in the Democratic People’s Republic of Korea, A/RES/60/173, March 14, 2006; 61/174. Situation of human rights in the Democratic People’s Republic of Korea, A/RES/61/174, March 2007; 62/167. Situation of human rights in the Democratic People’s Republic of Korea, A/RES/62/167, Feb. 2008; 63/190. Situation of human rights in the Democratic People’s Republic of Korea, A/RES/63/190, Feb. 2009; 64/175. Situation of human rights in the Democratic People’s Republic of Korea, A/ RES/64/175, March 2010; 65/225. Situation of human rights in the Democratic People’s Republic of Korea, A/RES/65/225, March 2011; 66/174. Situation of human rights in the Democratic People’s Republic of Korea, A/RES/66/174, March 2012. 230  Report of the Special Rapporteur on the situation of human rights in the Democratic People’s Republic of Korea, U.N. General Assembly, A/ HRC/16/58, Feb. 2011 (the Rapporteur also said that such camps are operated by the “Farm Guidance Bureau of the State Security Agency.” The latter may also be another name for the National Security Agency). 231  “Scuffle after North Korea rejects UN rights report”, BBC, March 13, 2012, available at http://www.bbc.co.uk/news/worldasia-17348611 (last visited May 15, 2012). 232  SEE FN 232, supra.

cisions Enforcement Law), the flagrant human rights violations (including torture) occurring therein, and the need to prompt North Korea to improve the human rights situation in these camps.233 As with the General Assembly Working Group and GA Resolutions, the suggestions of the Special Rapporteur on Human Rights are non-binding, and depend in large part on North Korea’s willingness to comply and amend its ways, a willingness it has not shown thus far.

6. Ways of Applying Pressure on North Korea to Close Yodok In light of North Korea’s hostile response to the Working Group’s recommendations pursuant to the UPR, and considering the GA’s U.N. Special Rapporteur’s findings on the matter, it is important to consider the methods and mechanisms which are available for applying pressure on North Korea to close Yodok. For one, the U.N. Security Council, an organ of the U.N. which is charged with the maintenance of international peace and security,234 could pass a resolution calling on the North Korean Government to either close the Yodok camp, or to at least cooperate with Special Rapporteurs and the Human Rights Council. Generally, the Security Council can settle any dispute which is likely to endanger international peace and security, and may investigate the dispute and recommend ways of resolving it.235 If it determines that there exists a threat to the peace, a breach of the peace, or an act of aggression, it may call on States to apply sanctions towards the offending State (Article 41), or can call on the States to take military action in order to restore peace and security.236 In recent years, the Security Council has passed resolutions calling on countries and regions to improve their human rights situations. It has also helped ensure the inclusion of human rights provisions in peace agreements, has facilitated the elimination of the use of children in armed conflicts, and has included human rights protections in the work of its Counter-

233  Id. 234  United Nations, Charter of the United Nations, 24 October 1945,1 UNTS XVI,available at: http://www.unhcr.org/refworld/ docid/3ae6b3930.html[accessed 15 May 2012]. 235  Id. 236  Id.

PAPAIN, Tom Theodore . The U.N. Standard Minimum Rules for the Treatment of Prisoners and North Korea: How North Korea is Violating these Rules with its Operation of the Yodok Concentration Camp. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 101-124

th Korea’s reluctance to participate actively and honestly regarding its violations of a prisoner’s fundamental human rights, specifically the existence of the Yodok concentration camp. The U.N. General Assembly however, has taken an important step in creating awareness regarding the existence of prison camps in North Korea. The main deliberative and policymaking organ of the U.N., the General Assembly, which is comprised of all 193 U.N. Member States,228 has raised awareness of the dire situation in Yodok through both implementation of the aforementioned Working Group and by passing resolutions regarding the existence of prison camps and the use of torture therein.229 But the recommendations put forth in the Working Group report and in the GA resolutions are non-binding, and only have power in so far as they influence other U.N. bodies with legally binding capabilities.

123

Another way of persuading North Korea to close Yodok is by passing a General Assembly Resolution which specifically calls for the closing of Yodok. The General Assembly has in the past condemned human rights violations occurring in other countries, expressing concern over the systematic and widespread violations of a citizen’s civil, political, economic, cultural and social rights, including the use of torture and other cruel, inhuman, and degrading punishment. A GA Resolution that targets Yodok specifically could raise public awareness as to that camp’s horrid and inhumane conditions, although this is dependent largely upon whether or not the media chooses to publicize it. Another effective way of raising awareness would be through the efforts of an NGO or any other independent organization. Amnesty International and Human Rights Watch, two prominent international human rights NGOs, have published reports specifically con237  Alston Steiner & Goodman, International Human Rights in Context (Oxford University Press 2007). 238  Security Council Resolution 2044, U.N. Security Council. S/ RES/2044, April 2012. 239  Security Council Resolution 2043, U.N. Security Council, S/ RES/2043, April 2012. 240  Alston Steiner & Goodman, International Human Rights in Context (Oxford University Press 2007).

demning the operation of and torture tactics used in Yodok.241 However, it would be even more beneficial if an independent organization dedicated solely to the human rights violations in North Korea were to release an official report or video, akin to the video produced by The Invisible Children earlier this year called “Kony 2012”, which to date has over 89,000,000 views. 242One such group is “Liberty in North Korea”, (“LiNK”), an organization dedicated to both raising awareness regarding the dire conditions in North Korea – including the existence of concentration camps – and rescuing North Korean refugees.243 If an organization such as LiNK could release a video of similar production quality (though hopefully of more informative value) to Kony 2012, then this may empower individuals all over the world to start campaigns calling on their governments – and even on the U.N. – to take a harsher, more direct stance with the North Korean Government. To compel North Korea to close the Yodok concentration camp, the world must make its closing the human rights issue of our time, and must act with all due haste before another human rights issue takes its place. 241  SEE “Yodok, North Korea – Write for Rights 2011”, Amnesty International, Nov. 15, 2011, available at http://www.amnestyusa. org/news/multimedia/yodok-north-korea-write-for-rights-2011 (last visited April 7, 2012) & World Report 2012: North Korea, Human Rights Watch, available at http://www.hrw.org/worldreport-2012/world-report-2012-north-korea (last visited April 7, 2012). 242  Invisiblechildreninc, “KONY 2012”, YouTube, March 5, 2012, available at http://www.youtube.com/watch?v=Y4MnpzG5 Sqc&feature=results_video&playnext=1&list=PLA186B5D376BF AC72 (last visited May 14, 2012). 243  LiNK: The North Korea Crisis, available at http://www.linkglobal.org/ (last visited May 14, 2012).

PAPAIN, Tom Theodore . The U.N. Standard Minimum Rules for the Treatment of Prisoners and North Korea: How North Korea is Violating these Rules with its Operation of the Yodok Concentration Camp. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 101-124

-Terrorism Committee.237 In 2012, for instance, the Security Council called on the Western Sahara238 and the Middle East239 to improve their human rights situations. Indeed, the Security Council is a powerful tool for enforcing the will of the international community upon a country, since its Resolutions may have binding international force.240

124

U.S. Institutionalized Torture with Impunity: Examining Rape and Sexual Abuse in Custody Through the ICTY Jurisprudence

Allison Rogne

doi: 10.5102/rdi.v10i2.2447

U.S. Institutionalized Torture with Impunity: Examining Rape and Sexual Abuse in Custody Through the ICTY Jurisprudence* Allison Rogne**

Abstract This article examines rape and sexual assault within the United State’s prison system and posits that it reaches a level of torture with impunity that, when looked at through the lens of international criminal jurisprudence, may indicate that female prisoners do not deserve protection against rape, and may in fact be consider deserving of such treatment. It is a well-established principle, both domestically and internationally, that rape is torture when suffered as part of confinement. It is also well documented, both domestically and internationally, that rape is rampant in U.S. prisons. And it is well established, both domestically and internationally, that those who torture should not do so with impunity, that that impunity is an affront to civilization and the human rights principles to which we all strive. This article examines the situation of women incarcerated in the U.S. and the level to which they experience rape and sexual assault at the hands of correctional staff. The article also walks through the legal structure that instead of aiding these victims in finding justice, in practice inhibits that justice. The article looks to the ICTY jurisprudence to compare the treatment of rape as torture and explores the different treatment by courts of females imprisoned for crimes and those imprisoned in war, noting that women who are labeled as criminal as opposed to captive are, in effect, undeserving of protection. This article submits that government institutionalized torture, where the perpetrators are treated with impunity, is an even greater crime.

U.S. Institutionalized Torture with Impunity: Examining Rape and Sexual Abuse in Custody Through the ICTY Jurisprudence “I was given direct orders to come to his office on numerous occasions and on a daily basis. It had gotten to the point where he would approach me on the yard demanding to see me. After coming to his office upon request the sexual assaults started to take place. I was ordered to perform oral sex on him as well as having sex with him right in his office… Upon talking to the Investigator and warden about what had happened…I was placed under investigation for 22 days in solitary confinement.”1 “He pushed me down on to a mattress and proceeded to pull down my pants and panties... He bit my forearm in three different places, I had bruises on my legs and back where I fought him and tried to turn over, as I was face down. Anyway, I ended up hysterical.”2 *  Recebido em 02/07/2013   Aprovado em 21/08/2013 **  American University Washington College of Law (e.g. “University of California, Berkeley”). Email: [emailprotected]

1  Stop Prisoner Rape – Survivor Stories: Geneva Bell. Available at: http://spr.igc.org/en/ survivorstories/genevaoh.html (accessed April 26, 2013). 2  Stop Prisoner Rape – Survivor Stories: Johanna, California. Available at: http://spr.igc. org/en/survivorstories/johanna.html (accessed April 26, 2013).

crimes will go unpunished, in fact they will be protected through a series of complicated legal barriers, and that these women, these victims, are not even worth protection. In the barriers imposed, both institutional and cultural, the impunity of prison rape indicates that not only are the victims unworthy of protection, but that on some level, whether subconsciously or consciously, our society believes that these women deserve this abuse.

“He trampled on my pride and I will never be able to be the woman that I was.”4

This article examines the situation of women incarcerated in the U.S. and the level to which they experience rape and sexual assault at the hands of correctional staff. To understand that dark reality, the article presents both statistical and anecdotal evidence of the widespread and systematic nature of these instances. This is where the U.S.’s cultural understandings of prison rape emerges in the article as a thread connecting the different sections. Next the article begins to dissect three major categories of law: Domestic Civil Law; Criminal Law; and International Law. These sections present applicable U.S. and international law and then apply international human rights norms as a lens through which to analyze the reality of prisoners in the U.S.

1. Introduction Above are the stories and words of women who have suffered rape as torture within prisons. Some of these women were confined in the prison camps of the Former Yugoslavia, some were confined in the U.S. not during a war, but in a system that continues to run with government sanction. It is a well-established principle, both domestically and internationally, that rape is torture when suffered as part of confinement. It is also well documented, both domestically and internationally, that rape is rampant in U.S. prisons. And it is well established, both domestically and internationally, that those who torture should not do so with impunity, that that impunity is an affront to civilization and the human rights principles to which we all strive. And yet, in U.S. prisons, shocking numbers of women are systematically raped and sexually abused by those that would rehabilitate them. Female prisoners are victims of vaginal and anal rape; forced oral sex; forced digital penetration; quid pro quo coercion of sex in order to retain privileges or protection; and sexual threats to name a few.5 Female prisoners face this kind of abuse daily, all while confined, unable to avoid the abuser, at their constant mercy. This abuse rises to the level of torture, both in the very real effects on these prisoners, and also in legal definition. Torture in itself is a crime. Rape in itself is a crime. But this article submits that government institutionalized torture, where the perpetrators are treated with impunity, is an even greater crime. It sends the signal to perpetrators, victims, and the public, that these 3  Kim Shayo Buchanan, “Impunity: Sexual Abuse in Women’s Prisons” 42 Harv. C.R. – C.L. L.Rev. 45, at 65, (2007). 4  Grozdana Ćećez, ICTY testimony, recounting her rape at the Čelebići prison camp. Available at: http://www.icty.org/sid/196 5  Id.

The Domestic Law sections look at the existing U.S. laws through which prisoners can obtain justice. It also will describe different mechanisms as well as barriers to that justice such as the Prison Litigation Reform Act and prosecutorial discretion. The criminal portion focus on the criminal law the ideological and institutional barriers to criminal prosecution against those who rape female prisoners in the U.S. Finally, the Domestic section includes a brief discussion of the Prison Rape Elimination Act (PREA), an analysis of the stated purpose, and real outcomes as seen so far, as well as what these say about the possible change in cultural attitudes regarding prison rape. The International section is an examination of the effect of the 8th Amendment in generating standards and jurisprudence in instances of rape and sexual assault, and how the subsequent laws fall short of international legal standards (introduced in the next section) proscribed by the Convention Against Torture and the International Covenant on Civil and Political Rights, both of which the U.S. is a party. The International portion also contrasts and compares instances in which rape has been found to be torture within the context of mass atrocity and war. While the climate and circumstances differ in many ways, the comparison is helpful to understanding the way in which rape rises to the level of torture, as well as the particular gravity of governments giving license to torture wo-

ROGNE, Allison. U.S. Institutionalized Torture with Impunity: Examining Rape and Sexual Abuse in Custody Through the ICTY Jurisprudence. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 125-139

“In California, the Bureau of Prisons placed women in a men’s prison, where guards sexually harassed the women, opened their cells at night, and let male prisoners into the cells to rape them. After a group of women prisoners reported this abuse the white women were transferred while the black women remained in the men’s prison for an additional ten days. One of these women was ‘beaten , raped and sodomized’ by three men who told her ‘the attack was in retaliation for her complaint’.”3

127

Finally the paper concludes that with the mass amount of regulation, law, jurisprudence, and advocacy, juxtaposed with the continued impunity, it can be concluded that not only are these women seen by both the public and their government as unworthy of protection, but also they are deserving of rape as torture, in addition to their punishment of incarceration. At last the paper makes a recommendation: that the lessons learned from PREA as it gains ground, begin to inform new efforts for reform in prosecution, a natural next step in a trend towards growing recognition that rape as torture cannot be committed with impunity.

2. The rape of female prisoners incarcerated in the U.S. 2.1 Data Like rape in the public sector, prison rape is often unreported and it is therefor difficult to collect data on the rate of incidence.7 According to the National Institute of Justice, there have been 25 studies on prison 6  While not addressed in this paper, the racial makeup of female prisoners may also contribute to the notion that the women who are raped in prison deserve it. Women of certain racial background have been viewed for many years in our society as impure and therefor unrapeable. 7  National Institute of Justice. Prison Rape. Available at: http:// www.nij.gov/nij/topics/corrections/institutional/prison-rape/welcome.htm

rape, each with a different methodology, some focusing on inmate interviews, some on filed reports. Hard data on actual incidence of prison rape nation wide continues to be difficult to gather, let alone data that specifically concerns rape of female inmates by prison staff. In 2003 the Prison Rape Elimination Act (PREA) passed in the U.S. In producing the Act, Congress set out to determine the situation within U.S. prisons with respect to rape and made the following findings. At the end of 2001 there were 2,100,146 people incarcerated within the U.S. Of them, 1,324,465 were in Federal and State facilities, while 631,240 were housed in county and local jails.8 Congress also found, with some difficulty, that an estimate of at least 13% of U.S. inmates had been sexually assaulted in some form while incarcerated. With this calculation, it was determined that nearly 200,000 inmates had been the victims of prison rape and that the number of those sexually assaulted in the preceding 20 years was over 1,000,000. The report also found that, in keeping with what we know about prison rape culture, inmates who suffer from mental illness and young first-time offenders are at an increased risk of sexual victimization within prison. In particular, juveniles are at 5 times greater risk to be sexually assaulted if kept in an adult facility and that these assaults tend to occur within the first 48 hours of incarceration there. These numbers are mostly estimates because prison rape, not unlike rape outside prison, is largely underreported. Prison rape also increases the number of homicides and violence against both inmates and prison staff. In addition to the troubling statistics concerning the prevalence of prison rape, Congress also found that prison rape effects public safety; that brutalized inmates are more likely to commit crimes upon release. And finally, the report indicated that these high incidents increase costs incurred by Federal, State, and local jurisdictions in administration of their prison systems. The report made clear that prison rape is a human rights concern, as well as public safety concern. These statistics informed the drafting of the PREA. The first reporting period under these standards will be available sometime in 2014 and therefore a picture of the success of the standards in implementation is limited. Since the passing of the legislation in 2003, the standards have undergone review and change – going into full-scale effect this past August. While the reporting period has not yet begun, the following data is available. As part of PREA, the 8 

PREA.pdf doc Sec 2 Findings

ROGNE, Allison. U.S. Institutionalized Torture with Impunity: Examining Rape and Sexual Abuse in Custody Through the ICTY Jurisprudence. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 125-139

men in this way. Specifically, the paper examines some of the leading jurisprudence from the International Tribunal for the Former Yugoslavia. The case deals with multiple counts of rape as torture based on the conditions and crimes committed in detention centers in the region. While the war time conditions and the reasons for confinement are vastly different than the situation of the U.S. prisons, the article argues that if these actions are so quickly accepted as criminal in societal breakdown like that of the Former Yugoslavia, it is all the more proof that the situation in the U.S. is an extreme violation of international standards, allowing the rape of thousands to occur with complete impunity. It can only be concluded that because the victims in the U.S. are labeled as criminal, unlike the counterparts in the Former Yugoslavia targeted for their ethnicity, they deserve to suffer these crimes.6

128

While it is difficult to gather hard data on the incidence rate nationwide, what is not hard to determine is the effect that prison rape has on the victims. Aside from understanding the widespread incidence of staff-on-prisoner rape, it is important to understand the experience. The experience, better than the statistics, illustrates the crime and human rights violation, and the importance of stopping it. Prisoners who experience rape in confinement at the hands of those who guard them live in an inescapable nightmare. Many prisoners suffer multiple abuses while incarcerated because they have been identified by their abusers as vulnerable.15 9  U.S. Department of Justice. PREA Data Collection Activities, 2012. June 2012, NCJ 238640. 10  Id. 11  Id. 12  Id. It is important to note that while it is described as willing by the inmate, sexual contact between inmates and guards is an inappropriate abuse of authority and in the majority of states a criminal offense. The power dynamic in custody is seen as making it legally impossible for an inmate to consent to sexual contact with any staff. See M. Dyan McGuire, the Empirical and Legal Realities Surrounding Staff Perpetrated Sexual Abuse of Inmates,Criminal Law Bulletin (2010); Ronald Dobash et al, The Imprisonment of Women (1986); Ashley E. Day, Comment, Cruel and Unusual Punishement of Female Inmates: The Need for Redress Under 42 U.S.C. §1983, 38 Santa Clara L. Rev. 555 (1998). 13  Id. 14  M. Dyan McGuire. 15  Just Detention International. “Learn the basics about prison

Victims of prison rape are likely to suffer both physically and emotionally, from developing post-traumatic stress disorder (PTSD), depression, drug addiction, to contracting sexually transmitted diseases, in particular HIV/AIDS.16 Survivors of prison rape suffer from both immediate and long-term mental health issues. In the short term these can include fear, anxiety, an exaggerated startle response, depression, impaired memory and concentration, rapid mood swings, difficulty sleeping or eating regularly, and an inability to complete regular daily tasks.17 Each of these conditions are difficult to deal with when outside a prison but it is important to remember that the victim suffers these conditions while incarcerated, where access to mental health care is significantly less than outside prison. Many women do not receive adequate mental health care following sexual assault in prison and as a result can suffer long term as well. 18 These long-term mental health concerns include PTSD, depression, addiction, and suicidal ideation.19 For victims who are forced to suffer multiple assaults or are under the supervision of their attacker, the risks are greater. They can suffer Complex PTSD which is a severe form caused by prolonged trauma.20 And again, all of this is suffered while incarcerated, adding to the difficulties of being in prison and surviving rape, two things that are hard enough on their own, but compound each other.

3. Domestic Law 3.1 How does the U.S. define cruel and unusual punishment? Where is rape situated within that definition? The U.S. Constitution provides protection for those incarcerated against cruel and unusual punishment through the 8th Amendment. It reads, “excessive bail shall not be required, nor excessive fines imposed, nor cruel and unusual punishments inflicted.”21 What consrape.” 2013. Available at: http://www.justdetention.org/en/learn_ the_basics.aspx 16  Id. 17  Just Detention International. Mental Health Consequences of Sexual Violence in Detention. February 2009. 18  Id. 19  Id. 20  Id. 21  The amendment applies to those convicted and in custody, while the 5th amendment serves as a similar protection for those in

ROGNE, Allison. U.S. Institutionalized Torture with Impunity: Examining Rape and Sexual Abuse in Custody Through the ICTY Jurisprudence. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 125-139

Bureau of Justice Statistics (BJS), under the U.S. Department of Justice, carries out a comprehensive statistical review and analysis of prison rape each year. The Act also requires the Attorney General to submit a report by June 30th of each year in which all 7,600 correctional facilities covered by the Act are ranked according to incidence of prison rape.9 In 2012, the BJS came out with the following information. An estimated 9.6% of former state prisoners reported one or more incidents of sexual victimization while incarcerated.10 Approximately 5.3% of former state prisoners reported an incident involving facility staff.11 The BJS estimates that 1.2% of former prisoners reported they unwilling had sex or sexual contact with facility staff, while 4.6% reported that they willingly had sex or sexual contact with staff.12 The reporting indicated that, following their release from prison, 79% of those unwillingly sexually victimized by staff felt shame or humiliation, and 72% felt guilt.13 Investigations other than those by BJS have indicated that staff sexual victimization of female inmates is much more prevalent. DOJ investigations into women’s prisons in Michigan and Arizona found that nearly all the women interviewed reported some form of sexual aggression by guards.14

129

(1) “torture” means an act committed by a person acting under the color of law specifically intended to inflict severe physical or mental pain or suffering (other than pain or suffering incidental to lawful sanctions) upon another person within his custody or physical control; (2) “severe mental pain or suffering” means the prolonged mental harm caused by or resulting from— (A) the intentional infliction or threatened infliction of severe physical pain or suffering; (B) the administration or application, or threatened administration or application, of mind-altering substances or other procedures calculated to disrupt profoundly the senses or the personality; (C) the threat of imminent death; or (D) the threat that another person will imminently be subjected to death, severe physical pain or suffering, or the administration or application of mind-altering substances or other procedures calculated to disrupt profoundly the senses or personality; and (3) “United States” means the several States of the United States, the District of Columbia

The 8th Amendment not only protects prisoners from direct actions by guards, but also from other prisoners.23 In order to prove that a rape is in violation of the 8th Amendment, the complainant must prove deliberate indifference on the part of prison officials.24 This is a high burden of proof and a subjective one. An 8th Amendment violation is not against the actual perpetrator of the rape, but against the prison and State for essentially ignoring with deliberate indifference the harm that the prisoner victim suffered. 3.2 Mechanisms: Civil Rights of Institutionalized Persons Act and Section 1983 There are two main mechanisms of justice for victims of prison rape in the U.S., the first is criminal prosepretrial custody. For the purposes of this article, the focus will be on the convicted and incarcerated, not the latter. 22  Whitley v. Albers, 475 U.S. 312, 319 (1986). 23  See Hudson v. Palmer, 468 U.S. 517 (1984). 24  See Farmer v. Brennan, 511 U.S. 825 (1994).

cution by the DOJ through Title 18 of the U.S.C. This is addressed in a later section. The second is civil liability under the Civil Rights of Institutionalized Persons Act (CRIPA). Through CIRPA, the DOJ is able to file suits against the state for abuses within their facilities. These are again separate from private actions by prisoners themselves. The DOJ will compile information from various sources including but not limited to prisoners, attorneys, and prison staff. Based on that information the DOJ will proceed with a suit. In order to do so, the DOJ must have reasonable cause to believe that an institution is subjecting its prisoners to conditions that violate the 8th Amendment. The DOJ will investigate the prison based on the information from those sources, with the facility on notice. The DOJ will interview those housed in the facility, tour it, and review any records of misconduct. The DOJ will still not file a suit at this point. They next will report their findings to the facility and then after a forty-nine-day period file the suit.25 These suits are often resolved in negotiations and are not remedies for the prisoner victims themselves. Prisoners are able to file private suits against the facility for the individual acts of sexual assault that they experience while incarcerated, but these suits are separate from the actions above. These suits are most often brought under Section 1983 of Title 42 (Civil action for deprivation of rights) U.S.C. which provides “every person who, under color of any statute, ordinance, regulation, custom… subjects, or causes to be subjected, any citizen of the United States or other person within the jurisdiction thereof to the deprivation of any rights, privileges, or immunities secured by the Constitution and laws, shall be liable to the party injured in an action at law, suit in equity, or other proper proceeding for redress…” While prisoners have this option available, it is not often exercised because of the limited access prisoners have to legal representation while incarcerated – another barrier to remedy for sexual assault in prison. Civil remedies to prison rape relief are limited and seldom used, in comparison to the projected number of rapes that occur. 3.3 Barriers: Prison Litigation Reform Act The Prison Litigation Reform Act (PLRA), passed in 1995, was an attempt by Congress to reduce 25  No Escape

ROGNE, Allison. U.S. Institutionalized Torture with Impunity: Examining Rape and Sexual Abuse in Custody Through the ICTY Jurisprudence. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 125-139

titutes cruel and unusual punishment has been litigated before the Supreme Court which has determined that punishments themselves must be barred, defined as the “unnecessary and wanton infliction of pain.”22 Additionally Title 18 of the United States Code (U.S.C.) defines the criminal act of torture as the following:

130

This complication seems to arise from the general perception that female inmates are non-virtuous and therefore “unrapeable.”30 Female prisoners who are approached by guards demanding sexual acts are often not physically harmed in the way that male prison rape victims are. This is often because a female prisoner will “consent” so as to avoid actual physical harm or retaliation by the guard or staff member.31 It is because of this type of sexual exchange that the majority of states32 have made it a crime for staff and inmates to have sexual contact, determining that those in custody do not have the capacity to consent. Nevertheless, while it is legally an act of sexual assault or rape, there is no obvious physical injury as required by PRLA, as counter intuitive as that may seem. And therefor the civil remedies that should be available to women who chose to come forward, are significantly diminished by the PLRA. While sexual assault and rape always include some force, whe26  Deborah M. Golden, “Its Not all In My Head: The Harm of Rape and the Prison Litigation Reform Act” 11 Cardoo Women’s L.J. 37 at 44(2004). 27  Id. 28  42 U.S.C. §1997e(e). 29  Golden at 46. 30  Id. 31  Kim Shayo Buchanan, “Impunity: Sexual Abuse in Women’s Prisons” 42 Harv. C.R. – C.L. L.Rev. 45, at 56, (2007). 32  Sarah K. Wake, “Not Part of the Penelty: the Prison Rape Elimination Act of 2003” 32 J. Legis. 220 (2006).

re that force is intimidation or fear there may be no sign of physical injury. What makes this aspect of the PRLA such a conundrum is the “common sense” standard in Liner v. Goord referenced above. Any form of sexual assault or rape, even one committed only through a threat of force, is still a physical act. It is one of the oldest recognized forms of physical violence because it is so personal an invasion.33 It seems that even absent an outright showing of physical injury in the manner of bruises or cuts, anything deemed rape, as are sexual acts between a prisoner and staff member, should automatically constitute a physical injury. The effect of PRLA, while certainly not the one it seems lawmakers intended, further indicates that female prisoners who are victims of rape are somehow less deserving of remedy and justice, and possibly deserving of that particular torture. 3.4 Criminal Prosecution As difficult as civil remedies for prison rape are, criminal prosecution of a prison official, is exponentially more so. It is not surprising the extreme difficulty to criminally prosecute prison rape, when you consider the difficulty in rape prosecutions involving free citizens. The prison culture, the prison system, and the criminal justice system, as well as the politics of prosecution, all seem to work against this mechanism. Consider first the barriers to bringing charges. Oftentimes women who suffer rape outside of prison are reluctant to come forward because of shame and fear of reliving the experience.34 Women in prison have those same mental blocks to telling their story to the police, preparing for a trial, and confronting a rapist in court. On top of that, they are often forced to remain in the custody of their rapists and are aware that coming forward to file a complaint may result in retaliation by either their rapists or other staff.35 In the event, however, that a woman does overcome those fears and reports her claim, the issue of prosecutorial discretion will now come into play. Data collected by the National Institute of Corrections Project on Addressing Prison Rape at the Washington College of Law revealed important findings regarding criminal prosecution of prison rape. The study identified three main reasons why prosecutors are reluctant to take these cases: (1) they are rarely high pro33  See generally Golden. 34  Buchanan at 65. 35  Id.

ROGNE, Allison. U.S. Institutionalized Torture with Impunity: Examining Rape and Sexual Abuse in Custody Through the ICTY Jurisprudence. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 125-139

the amount of frivolous lawsuits brought by inmates against the State.26 The lawmakers themselves indicated a belief that those incarcerated were still deserving of basic human rights, noting specifically a right not to be tortured. However they were concerned by suits that were frivolous and possibly retaliatory, efforts to waste time and money, for things such as “insufficient locker space.”27 The result, however, has been another significant barrier to relief for those who do suffer significantly, particularly rape victims. The PRLA states “No Federal civil action my be brought by a prisoner confined in a jail, prison, or other correctional facility, for mental or emotional injury suffered while in custody without a prior showing of physical injury.”28 The issue arises with the prior physical injury requirement because courts have difficulty finding that rape is a per se physical injury, and it seems have thus far treated the issue on a case-by-case basis. While in several cases of male on male prison rape the court has found that rape is a “common sense” injury,29 the issue becomes more complicated when the victim is a female.

131

36  Brenda V. Smith, “Prosecuting Sexual Violence in Correctional Settings: Examining Prosecutors’ Perceptions” Washington College of Law Research Paper No. 2008-50. 37  Mark Hansen, “Hunting Rapists Behind Bars”95 – May A.B.A. J. 17 (2009). 38  Id. 39  Id. 40  Id. 41  Id. 42  Id. 43  Smith.

belief that these prisoners are less deserving of protections available to free citizens. 3.5 Prison Rape Elimination Act In 2003 the Prison Rape Elimination Act (PREA) was signed into force. It’s nine purposes are to: (1) establish a zero-tolerance standard for the occurrence of prison rape in the United States; (2) make the prevention of prison rape a top priority within each of the correctional facility; (3) develop and implement national standards that will enable authorities to detect, prevent, reduce, and punish prison rape; (4) increase available data and information regarding the incidence of prison rape, thereby improving the management and administration of correctional facilities; (5) promulgate standard definitions used in collecting data on the occurrence of prison rape; (6) increase the accountability of prison officials who fail to detect, prevent, reduce, and punish prison rape; (7) protect the Eight Amendment rights of all prisoners in the corrections system; (8) increase the efficiency of federal expenditures; and (9) reduce the effects of prison rape on interstate commerce.44 While PREA is not itself a mechanism for relief, it is important for the role that it may play in moving away from impunity. In fact PREA does not create any cause of action whatsoever. It is an act that provides guidelines and regulations for the prison facilities themselves, aimed at reducing the prevalence of prison rape. It does not provide relief to victims through either civil or criminal penalties. It does, however, create an incentive for facilities to reduce instances of prison rape as well as require better data collection regarding those instances. As of this point it is still unclear what the effect of PREA will be, however there is praise and criticism from both sides for the effort. While critics believe it is a superficial step only mandating studies that will prove what we already know, namely that prison rape is a problem.45 The proponents believe that it is an acknowledgement of that problem and a step in the direction of ending it. For PREA to be successful, the standards it creates will need to be enforced. Hopefully the act itself may be a harbinger of stronger efforts to come.

44  42 U.S.C. §§15601-15609. 45  See generally Wake.

ROGNE, Allison. U.S. Institutionalized Torture with Impunity: Examining Rape and Sexual Abuse in Custody Through the ICTY Jurisprudence. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 125-139

file or high value cases; (2) they are difficult to prosecute and high-risk cases; and (3) some prosecutors may consider assault a part of the penalty associated with conviction.36 Regarding the first issue identified, prosecutors are elected officials, and their subordinates prioritize cases based on the platform and priorities of the elected prosecutor. In order to be elected, those priorities must reflect those of the community, and therefore it may be safe to say, based on the low incidence of criminal prosecution for prison rape, that communities do not prioritize the rights of prisoners. Prosecuting a case of prison rape may weaken the position of the prosecutor in the community, possibly making the office appear soft on crime,37 the kiss of death for politicians everywhere. As to the second deterrent, rape cases are often difficult to prosecute regardless of where they occur. In prison rape cases, all of the standard difficulties in prosecuting rape exist, with the additional difficulties that they are presented by an unsympathetic victim. Juries often find inmates to be unbelievable as witnesses who may be biased against the staff – possibly vindictive.38 In addition to unsympathetic victims and witnesses, the case is often difficult to build based on delayed reporting, usually a lack of physical evidence, poor investigation by the facility, and conflicting testimony.39 Prosecutors who took part in the study indicated that without corroborative evidence, a prison rape case may be virtually untriable.40 That type of evidence is difficult to come by based on prison culture, which often includes a code of silence.41 Finally, some prosecutors see their role as ensuring that criminals receive hard sentences.42 Often times great stock is placed in the length of sentence a prosecutor is able to obtain for a conviction, and it is suggested that some, though probably a minority, believe that physical abuse in prison is in fact part of that punishment.43 While the study seems to indicate that this is in a minority of cases, the low priority given to prison rape prosecution, certainly when the public opinion factor is considered, may indicate that there is a

132

4.1 International Covenant on Civil and Political Rights The International Covenant on Civil and Political Rights (ICCPR) applies to persons deprived of liberties, meaning that the rights set out in the covenant, to which the U.S. is a party, are rights to which prisoners are also entitled. The relevant rights are the following: Article 7 No one shall be subjected to torture or to cruel, inhuman or degrading treatment or punishment. In particular, no one shall be subjected without his free consent to medical or scientific experimentation. Art. 10.1 All persons deprived of their liberty shall be treated with humanity and with respect for the inherent dignity of the human person. Art. 10.2.b Accused juvenile persons shall be separated from adults and brought as speedily as possible for adjudication.

The main concern with these conventions is that they lack a mechanism for enforcement. This is the over arching issue with much of international law. The gentle balance between accountability and sovereignty in international law is often too delicate and actually unbalanced in favor of sovereignty. The obvious problem being that to function it relies on preserving sovereignty of State parties in order to maintain their support. As a result there is no real mechanism for enforcement while there may be many clear violations. In the case of U.S. prison rape, there are violations of the above sections occurring regularly, however without the enforcement mechanisms, they go largely unadjudicated. The regional human rights bodies are courts of last resort, and while the U.S. is a member of the Inter-American Court of Human Rights, the court’s decisions amount to value judgments and advisory opinions that can really only result in shaming the U.S. prison system. Unfortunately, shaming to promote change requires a large platform which the IACHR simply does not have. Without any effective enforcement mechanism, the international conventions become merely guidelines and a standard against which to hold the U.S. if only demonstratively. 4.2 The Convention Against Torture The United Nations Convention Against Torture and Other Cruel, Inhuman or Degrading Treatment or

Punishment, Article 1: 1. For the purpose of this Declaration, torture means any act by which severe pain or suffering, whether physical or mental, is intentionally inflicted by or at the instigation of a public official on a person for such purposes as obtaining from him or a third person information or confession, punishing him for an act he has committed or is suspected of having committed, or intimidating him or other persons. It does not include pain or suffering arising only from, inherent in or incidental to, lawful sanctions to the extent consistent with the Standard Minimum Rules for the Treatment of Prisoners. 2. Torture constitutes an aggravated and deliberate form of cruel, inhuman or degrading treatment or punishment.

4.2.1 International use of the Convention Against Torture: Establishing Rape as Torture Internationally accepted definitions of torture, including rape as torture, continue to evolve with new jurisprudence from the international tribunals as well as various regional human rights courts. To find a definition of rape as torture requires looking to both the Convention Against Torture (CAT) and its applications in this jurisprudence. The CAT, to which the U.S. is a party, broadly defines torture as, “any act by which severe pain or suffering, whether physical or mental, is intentionally inflicted on a person for such purposes as obtaining from him or a third person information or a confession, punishing him…or intimidating or coercing him or a third person, or for any reason based on discrimination of any kind…inflicted by or at the instigation of … or consent… of a public official…in an official capacity.”46 The concept of rape as torture is a growing one. The notion that rape can be used to torture has grown out of the jurisprudence of the ad hoc tribunals, the International Criminal Tribunals for the former Yugoslavia and Rwanda (ICTY and ICTR respectively). These conflicts were not only characterized by their bloody ethnic tensions, but by the many instances of sex and gender based crimes, particularly the use of rape to torture. There is no internationally accepted legal definition of rape, however the ad hoc tribunals both use a similar definition: “forcible sexual penetration of a 46  Article 1, Convention Against Torture and Other Cruel, Inhuman or Degrading Treatment or Punishment, G.A. res. 39/46, U.N. June 26, 1987.

ROGNE, Allison. U.S. Institutionalized Torture with Impunity: Examining Rape and Sexual Abuse in Custody Through the ICTY Jurisprudence. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 125-139

4. International Law

133

4.2.2 U.S. reservations to the CAT: what is their affect on prisoners? In its ratification of the Convention Against Torture, the U.S. made the following reservation: The Senate’s advice and consent is subject to the following reservations: (1) That the United States considers itself bound by the obligation under Article 16 to prevent “cruel, inhuman or degrading treatment or punishment,” only insofar as the term “cruel, inhuman or degrading treatment or punishment” means the cruel, unusual and inhumane treatment or punishment prohibited by the Fifth, Eighth, and/ or Fourteenth Amendments to the Constitution of the United States.48

This reservation effectively alters the definition of torture binding the U.S. under international law, rejecting the broader definition in CAT and adopting the definition within the U.S. Constitution and jurisprudence. In addition to the reservation, there is the Optional Protocol to CAT, not signed by the U.S., which specifically calls for oversight in prisons, allowing for international 47  The Prosecutor and Gagovic et.al, Initial Indictment, Case no.: IT96-23, ¶4.8, International Criminal Tribunal for the former Yugoslavia. 48  UMN Human Rights Library

and national monitoring. As far as CAT is concerned, the U.S. has diminished the ability of prisoners who suffer rape at the hands of the state to site CAT in a quest for relief. It is essentially the same as the violation of the 8th Amendment and carries no enforceable cause of action. However, it should be noted by the Committee Against Torture that many instances of prison rape do fall within the CAT definition of torture. In 2006, the U.S. submitted a report produced by the BJS in accordance with PREA to the Committee Against Torture as part of their reporting under CAT. According to that report, in 2005 there were 2,042 allegations of staff sexual misconduct.49 Of those incidents, correctional staff found only 254 to be substantiated.50 Of that small number that were substantiated, 82% of the staff involved were reassigned.51 That indicates that a very small number of staff members who have been accused of sexual misconduct have actually been removed from the facility, meaning that the overwhelming majority of prisoners who accused staff of misconduct would likely still be in the hands of the perpetrator.

5. International Incidents and Jurisprudence There have been several instances at the international level where individuals have been prosecuted and found guilty of the crime of rape as torture. While these situations are unique and quite different from those in which women prisoners in the U.S. find themselves victims, there are similarities. And it is perhaps the differences that make them so interesting as a way to view the lack of prosecution in the U.S. This paper hypothesizes that the international acknowledgment of rape as torture and the condemnation of it in situations of war, when compared with the criminal impunity of rape as torture in the U.S., suggests that on some level the women in the U.S. context are believed to be almost deserving of their torture. One of the key differences between the victims in the international cases that will be discussed, and the victims in the U.S. is that the former have not, prior to their torture, been found guilty of any crime.

49  Bureau of Justice Statistic “Sexual Violence Reported by Correctional Authorities, 2005, U.S. DOJ July 2006. 50  Id. 51  Id.

ROGNE, Allison. U.S. Institutionalized Torture with Impunity: Examining Rape and Sexual Abuse in Custody Through the ICTY Jurisprudence. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 125-139

person, or forcing a person to sexually penetrate another…[which] includes penetration, however slight, of the vagina, anus or oral cavity, by the penis…not limited to the penis.”47 Together, the Chambers of both ad hoc tribunals have taken these definitions to find that rape can and has been be used as torture within the conflicts under their jurisdiction. These have constituted groundbreaking decisions, affecting international criminal law, international human rights law, women’s rights and many other spheres that confront and combat rape and torture. The jurisprudence of the ad hoc tribunals informs the decisions of the other international courts – the Special Court for Sierra Leone, Special Tribunal for Lebanon, Extraordinary Chambers in the Courts of Cambodia, and the International Criminal Court. While this jurisprudence is not controlling in the U.S., the trend towards prosecuting rape as torture at the international level should spur action within the U.S. to do the same in the many instances of prison rape. At the very least it provides guidance and a platform for those who would seek criminal justice in these instances.

134

region. The case Prosecutor v. Kunarac et al54 deals with crimes committed in the takeover and occupation of Foča, a city and municipality located southeast of Sarajevo, bordering Serbia and Montenegro.55 One of the main focuses of the campaign to expel the non-Serb civilians was the targeting of women, using terror to expel them from the region. Women were taken to the various detention centers where Bosnian Serb forces used rape to control them, and also to pleasure and reward.56 In addition, several women were detained in homes that functioned as brothels operated by and for groups of soldiers.57 The following details the experiences of the women in each of the locations for which leaders of the Bosnian Serb forces were charged with crimes.

52  In order to understand the particular crimes charged and convicted, as well as the context that makes these convictions unique when compared to the U.S. and its prison rape situation, a bit of historical background is helpful. In the early 1990s, the Socialist Federal Republic of Yugoslavia (SFRY) was comprised of six republics: Bosnia and Herzegovina, Croatia, Macedonia, Montenegro, Serbia, and Slovenia; and the regions of Kosovo and Vojvodina were considered autonomous provinces within Serbia. The SFRY was made up of several ethnic and religious groups, the majority religions being Orthodox Christians, Catholics, and Muslims. The history of the region, until this point, had been marked with different periods of unrest, often motivated by ethnic or religious tensions, dating back to at least 1389, and the Battle of Kosovo. Prior to the conflicts of the early 1990s, the regions most recent ethnic conflicts had coincided with World War II and included the genocide of the Armenian population of the region, perpetrated by the Turkish leadership. Coinciding with the collapse of the Soviet Union and a resurgence of nationalism, the SFRY underwent a period of political and economic crisis that included the weakening of the central government as nationalist sentiments grew in the different republics. The nationalism sparked calls for independence as well as an imbalance of powers between the different republics, eroding what had been a carefully crafted common Yugoslav identity, increasing age old fear and mistrust among the different ethnic and religious groups. The break up of the SFRY began in 1991. In 1992, conflict began in Bosnia and Herzegovina. It had a very diverse ethnic population, the majority of the makeup being about 43 percent Bosnian Muslims, 33 percent Bosnian Serbs, and 17 percent Bosnian Croats. With overwhelming military superiority the JNA and Serbian armies quickly controlled over 60 percent of the country and the Bosnian Croats rejected the Bosnian government and declared their own republic, backed by Croatia. Around 100,00 people were killed and over two million were forced to flee their homes between April 1992 and November 1995. The campaign to rid Bosnian and Herzegovina of its non-Serb populations was systematic and included the detention, murder, torture and rape of the civilian population as well as massacres of non-Serb men and boys and the expulsion of women and children. 53  Statute of the International Criminal Tribunal for the Former Yugoslavia, Arts. 2-5, entered into force May 25, 1993, UN Resolution 827.

The Trial Chamber in Kunarac et al adopted the following definition of torture based on the CAT as well as their jurisprudence and that of the ICTR:

5.1 The Prosecutor v. Kunarac et al

(i) The infliction, by act or omission, of severe pain or suffering, whether physical or mental. (ii) The act or omission must be intentional. (iii) The act or omission must aim at obtaining information or a confession, or at punishing, intimidating or coercing the victim or a third person, or at discriminating, on any ground, against the victim or a third person.58

Note that unlike the U.S. definition of torture found in the U.S.C., the ICTY employs a definition that requires that the infliction of pain or suffering be for a purpose: obtaining information, confession, for punishment, intimidation, coercion, or discrimination. The U.S. definition only requires that the pain or suffering 54  The Prosecutor v. Kunarac et. al. IT-96-23-T & IT-96-23/1-T ICTY. Kunarac et al was the first case by the ICTY to find convictions of rape as a crime against humanity. The accused: Dragoljub Kunarac, Radomir Kovač, Zoran Vuković. 55  On 7 April 1992, the first military actions in the town of Foca began and the takeover was complete within ten days, while the surrounding villages were under siege until mid July. With the takeover, began the arrests of Muslim and Croat civilians, separating the men from the women, unlawfully confining thousands in detention centers such as Buk Bijela, Foca High School and Partizan Sports Hall. 56  “Foca” IT-96-23 and 23/1 Kunarac, Kovac & Vukovic, Case Information Sheet, ICTY. 57  The Prosecutor and Gagovic et.al, Initial Indictment, Case no.: IT-96-23, .¶¶ 1.4, 1.5., International Criminal Tribunal for the former Yugoslavia. 58  Prosecutor v. Kunarac et al, Trial Chamber Judgment, IT-9623-T & IT-96-23/1-T, February 22,2001, ICTY at ¶ 497.

ROGNE, Allison. U.S. Institutionalized Torture with Impunity: Examining Rape and Sexual Abuse in Custody Through the ICTY Jurisprudence. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 125-139

Some background is necessary to understand the cases discussed herein.”52 The ICTY was established by the UN following the wars in the Balkans in the early to mid 90s. It was established in order to prosecute those most responsible for the war crimes, ­crimes against humanity, genocide, and grave breaches of the Geneva Conventions, that occurred in the region.53 The conflict in the former Yugoslavia, particularly Bosnian and Herzegovina, was marked with sexual violence including many instances of rape as torture, new to the category of torture as previously prosecuted. One of the leading examples of rape as torture took place in the city and municipality of Foča. The ICTY convicted several leaders based on their involvement in the rape as torture of several women in detention centers in the

135

Regarding the element of severe pain or suffering, either physical or mental, the ICTY, unlike the U.S. has found that rape is always a means of infliction of severe pain or suffering, either mental or physical, and therefore only seeks to find whether the instances charged involved rape.59 The Appeals Chamber in Kunarac states “Generally speaking, some acts establish per se the suffering of those upon whom they were inflicted. Rape is obviously such an act. The Trial Chamber could only conclude that such suffering occurred even without a medical certificate. Sexual violence necessarily gives rise to severe pain or suffering, whether physical or mental, and in this way justifies its characterization as an act of torture.”60 This departs from the instances described in the prior section on the PLRA. It should be recalled that there is minimal U.S. jurisprudence, and none that is controlling, that suggests that rape itself is a per se cause of pain or suffering. Having determined that rape is always an infliction of severe pain and suffering, the ICTY sought in Kunarac to determine whether the instances charged rose to the level of rape, and if that rape was committed for one of the defined purposes constituting torture. 5.1.1 Foča High School In Kunarac, counts 13-28, for crimes against humanity, violations of the laws and customs of war, and grave breaches of the Geneva Conventions, include rape and torture as the underlying acts, and occurred at the detention center of Foča High School. During the occupation of Foča, the High School functioned as a barracks for Serb soldiers as well as a detention facility for Muslim women, children and the elderly between July 3 and July 13, 1992.61 59  Prosecutor v. Kunarac et al Appeals Chamber Judgment, IT96-23-T & IT-96-23/1-T, June 12, 2002, ICTY at ¶150. 60  Id. 61  Gagovic. ¶¶ 6.1, 6.2.

Every evening at the detention center, women were sexually assaulted and gang- raped by Serb soldiers. The solders threatened to kill the women or their children if they resisted the sexual assaults. Those who did resist were often severally beaten.62 The health, both physical and psychological, of these female detainees was seriously compromised. Many suffered from exhaustion, gynecological issues, depression and thoughts of suicide.63 Women were often beaten and raped at gunpoint by soldiers, usually several women in the same room at the same time. In addition to rapes within the detention center, soldiers often took women to the nearby hotel that served as a military headquarters, where they were repeatedly raped. These rapes included vaginal and anal penetration and fellatio.64 When women tried to resist being taken for the purpose of rape, they were threatened with death, beatings or mass rape by soldiers on the front lines.65 These rapes were not committed as a means of gathering information, or for punishment, they were committed because the women were held in captivity, were accessible, and the soldiers had power over them. 5.1.2 Partizan Sports Hall Counts 36-55 of the initial indictment charge the accused with crimes against humanity, violations of the laws and customs of war, and grave breaches of the Geneva Conventions based on incidents of rape as torture at the Partizan Sports Hall. There, Serb forces held several female victims in detention who suffered repeated rapes at the hands of their captors. Women were kept at Partizan and taken daily to apartments and houses nearby to be sexually assaulted and raped by soldiers.66 From around July 13 to August 2, 1992, women were detained and raped nearly ever night. The rapes included vaginal and anal penetration and fellatio.67 Several of these women, including FWS-8768 were raped multiple times while detained at Partizan. On one occasion, FWS-87 was gang-raped by four men. She became suicidal while 62  Id. ¶6.4. 63  Id. ¶6.5. 64  Id. ¶¶6.6-6.8. 65  Id. ¶6.11. 66  Id. ¶9.1. 67  Id. 68  At the ICTY, some witnesses and victims are assigned an alias as part of the protective measures set out in the Tribunal’s Rules of Procedure and Evidence. Rule 75.

ROGNE, Allison. U.S. Institutionalized Torture with Impunity: Examining Rape and Sexual Abuse in Custody Through the ICTY Jurisprudence. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 125-139

be intentional and severe, and inflicted on someone under the control of the person acting under the color of law. The required element that the individual acting in official capacity have some purpose behind the infliction of the pain and suffering is litigated in instances of rape at the ICTY when the accused claims that the only purpose was sexual satisfaction. However, this distinction does not negate the similarities between the situations that will be outlined in the subsequent sections on ICTY jurisprudence.

136

te of the vast differences, there are significant similarities in the instances before the tribunal and the findings regarding those instances provide jurisprudence for any future U.S. case, or other cases for that matter. The similarities suggest that, regardless of the context in which women are placed in confinement, if they suffer rape or sexual assault at the hands of those who detain them, it must be seen as torture.

5.1.3 Karaman’s House

In their determination of guilt, the Trial Chamber dealt with issues that mirror those that a U.S. court would face. In one of the incidents of rape alleged in Kunarac it was contended by the defense that because the victim, coded Witness DB, appeared to consent, Kunarac had not committed rape.74 Evidence was presented that because DB had taken an active role in the incident, by removing the accused’s pants and kissing him, the act was consensual.75 However, the Trial Chamber found that the victim had complied out of fear – she had been threatened by a subordinate of the accused.76 The Trial Chamber also noted that because the victim was detained, the accused could not believe that she had consented to the sexual intercourse.77 This is a similar view to that of many U.S. jurisdictions – that those in confinement are incapable of consenting to sexual acts with those who guard them. However, the ICTY Trial Chamber approaches this issue from the opposite side, and it is an important distinction to make. The ICTY places the onus on the perpetrator in determining whether they believed the victim consented. The ICTY found that there is no way a person holding power over a detainee could believe that the detainee consented to a sexual act. In this distinction, the ICTY suggests that perceived consent on the part of the perpetrator may negate guilt, however, the Trial Chamber reaches the same end as the majority of U.S. jurisdictions do via statute, that a person detained cannot consent to a sexual act with the detainer.

The final relevant counts, 56-59, of the indictment concern the acts committed by the accused at Karaman’s House, a home owned by a Muslim man who lived in Germany. The house was near Partizan and operated as a brothel for the Serb forces. Unlike the detention centers, the living conditions of the brothel were less inhumane. The women had sufficient food and were able to lock their doors against unauthorized men. However, the women who lived in Karaman’s House were also subjected to multiple rapes and sexual assaults.71 The women lived in constant fear of their lives and several became suicidal.72 Like Partizan and Foča High School, there was no interrogation or gathering of information, the women were detained and subjected to rape at the pleasure of their captors. 5.1.4 Kunarac et al findings regarding rape as torture and how they can inform U.S. proceedings In this case before the ICTY, the Trial Chamber found the accused guilty of rape as torture, the first ICTY finding of guilt for rape as a crime against humanity, advancing jurisprudence internationally and giving greater foundation for other instances of rape as torture. While the cases before the ICTY are significantly more complicated than any case that might be brought in the U.S. concerning rape as torture in a prison facility, the findings by the ICTY can provide guidance.73 In spi69  Id. ¶¶9.6-9.9. 70  Id. ¶9.14. 71  Id. ¶¶10.2-10.5. 72  Id. ¶¶10.6, 10.7. 73  The author acknowledges that the cases before the ICTY concern a complex period marked by war, bloody ethnic tension, and political power struggles, unlike any instance of rape as torture within a U.S. prison facility. The article does not attempt to equate the overarching situations or suggest that they are in any way similar. The focus is on the jurisprudence available to courts that wish to pursue charges of rape as torture, as well as the actual instances, their effect on the women, and the similarities that suggest that

In a similar finding, the Trial Chamber rejects the defense by Kovac that witness FWS-87 was in love with him and therefore consented to sexual acts. The Trial Chamber found that the relationship between the dewhenever women in confinement are raped at the hands of those who confine them, it must be seen as torture, regardless of the reason for their confinement. 74  Prosecuter v. Kunarac et al, Trial Chamber Judgment, IT-9623-T & IT-96-23/1-T, February 22,2001, ICTY. At ¶¶644-646. 75  Id. 76  Id. 77  Id.

ROGNE, Allison. U.S. Institutionalized Torture with Impunity: Examining Rape and Sexual Abuse in Custody Through the ICTY Jurisprudence. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 125-139

detained at Partizan.69 In order to get the detained women to submit to sexual acts, the soldiers threatened the lives of other detainees and made physical threats against the individual women.70 Similar to the instances described at Foča High School, the indictment does not indicate any information gathering or interrogational purpose for these rapes.

137

The Kunarac Trial Chamber decision was appealed following the conviction of each of the accused.80 While the Appeals Chamber upheld the convictions and sentences imposed by the Trial Chamber, they gave additional commentary on the crime of rape as torture. The Appeals Chamber agreed with the Trial Chamber’s analysis of international jurisprudence, arriving at the conclusion that rape may constitute torture.81 The Appeals Chamber described the conditions to which the women were subjected: the rapes occurred in detention centers, against women who were considered the sexual prey of their captors, and that any who resisted were treated with extra brutality, and noted that the repeated nature of the rapes also indicated torture.82 Finally, the Appeal Chamber rejected the argument that the rapes were based entirely on the sexual satisfaction of the perpetrators and not for any prohibited purpose defined by the crime of torture.83 The factors that led the Appeals Chamber to uphold the convictions exist in instances of prison rape in the U.S. Particularly included is the characterization of the women as the captive sexual prey of officers, the retaliations for resistance and the conclusion that repeated instances of rape indicates torture. These factors are seen in many of the studies on U.S. Prison rape outlined earlier. While the conditions that lead to the imprisonment of the women in the Kunarac case are quite different than those that lead to imprisonment in the U.S., the condi78  Id at ¶762. 79  M. Dyan McGuire. 80  The Trial Chamber issued the following sentences: Kunarac 28 years imprisonment, Kovac 20 years imprisonment, Vukovic 12 years imprisonment. Each of these sentences was upheld by the Appeals Chamber. Kunarac et al Appeals Chamber Judgment, ICTY, June 12, 2002. 81  Id. at ¶¶181-185. 82  Id at ¶¶ 326-334. 83  Id at ¶ 180.

tions that they suffer once confined share many similarities that have proved key to torture convictions. The women in the detention centers at Foča High School, Partizan , and the brothel at Karaman’s House who were victims of rape at the hands of those who held them in custody experienced similar abuses as women imprisoned in the U.S. who are victims of rape at the hands of those who hold them. While their imprisonment is the result of drastically different circumstances, the abuse these women suffer as well as the short and long-term effects are the same. Both scenarios include threats against the women themselves, as well as their families. Both sets of victims experience physical and mental harm that is lasting and undeserved.

6. Conclusions and Recommendations Rape within a government run detention facility, in the U.S. or abroad, is an act of torture. Government institutionalized torture is a particularly heinous crime because it sends the message to society that these crimes will go unpunished, that the victims are unworthy of protection, and that perhaps these women deserve it. While the attitudes of society regarding female prisoners in the U.S. are not clear through testimony or data, they are gleaned through the laws and barriers those laws create. It is clear that while the international community views rape in detention as torture, the U.S. is rife with barriers to justice for those victims. Although the 8th amendment provides prisoners protection against the actions of guards as well as other prisoners, PLRA attempts to reduce frivolous lawsuits and ultimately acts as a barrier to relief for rape victims. In addition to these legal barriers, women are often reluctant to go through the process out of shame and a fear of reliving the experience, and when they do come forward, prosecutors view these cases as high risk/low reward, creating another barrier/layer of complexity. These legal barriers indicate an unspoken belief that female prisoners are somewhat deserving of this punishment. There is no international consensus regarding a definition of rape, but some definitions have found that rape can and has been used as torture. The international examples used in this article reveal that while conditions of imprisonment are radically different, the abuse these women suffer are essentially the same. When compared to the justice for rape victims actively sought at the ICTY, the

ROGNE, Allison. U.S. Institutionalized Torture with Impunity: Examining Rape and Sexual Abuse in Custody Through the ICTY Jurisprudence. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 125-139

tainee and Kovac was one of “cruel opportunism, of constant abuse, and domination.”78 In the U.S. there are instances in which female prisoners and their guards develop “relationships”, but there still exists a legal presumption that a person who is imprisoned is incapable of consenting to those that wield power over them.79 Whether or not there appears to be a consensual relationship is irrelevant in these instances, the women’s status as a prisoner makes them incapable of consent, and the same appears to be true within the ICTY jurisprudence.

138

While there are many layers of difficulty in obtaining justice for prison rape victims, there is a substantial movement being made with the PREA. PREA is indicative of a cultural shift towards ending torture with impunity in the U.S. prison system. Its an acknowledgement of a widespread and systemic problem. While it may not be enough to seriously combat these extreme human rights violations, it is certainly a step and hopefully an indication of more concrete and effective steps to come. Hopefully, when faced with the data collected through the regulations, the U.S. will begin to take more active steps towards ending this gross human rights violation that exists throughout the country. If the BJS can begin

to develop a stronger picture of the level of rape in U.S. prisons, and that data is effectively used to sanction facilities in violation of the regulations, there will be a strong and historic shift in the issue of torture and impunity within the U.S. prison system. With that shift, hopefully, prosecution will grow. Prosecutors should look to the trend towards ending prison rape and begin to take an active role in leading the U.S. out of its shameful position as a country that routinely submits its citizens to a very damaging torture, and does so without justice. The advancements in international criminal prosecutions can only support domestic prosecutorial efforts. While not controlling by any means, the decisions of international courts give domestic courts greater jurisprudence to draw from. While women in the Former Yugoslavia were raped and tortured based only on their heritage, women in the U.S. suffer the same fate, based only on their status as prisoner. Regardless of the offense that has brought these women to be imprisoned, it does not justify this cruel and degrading treatment. They are no less deserving of protection than their counterparts across the globe imprisoned because of their status in a community. The Muslim women were seen as unrapeable as well, they were seen as criminals to society as well, and they receive justice because the government who imprisoned them has gone. Governments cannot continue to torture with impunity because they are in power, and the women in U.S. prisons deserve the protection of their government from the violence of their captors.

ROGNE, Allison. U.S. Institutionalized Torture with Impunity: Examining Rape and Sexual Abuse in Custody Through the ICTY Jurisprudence. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 125-139

similarities of the circumstance, and the differences in the perception of the victims, contribute to this theory. Absent any clear effort, up until this point, to end the government impunity, it can be assumed that as a whole society is indifferent towards victims of prison rape. Because victims of rape in armed conflict are given mechanisms to seek justice, it can be assumed that it is not an overall indifference toward rape victims, but rather towards criminal rape victims. The key difference, as discussed in this article while acknowledge many undiscussed differences, is that the victims in armed conflict are confined unjustly by their rapists, while the victims in U.S. prisons are confined as a result of the U.S. justice system. Being labeled a criminal, however, does not allow for rape/torture. The very existence of the various torture conventions confirms that conclusion.

139

Abduction, Torture, Interrogation: An Argument Against Extraordinary Rendition

Kaitlyn E. Tucker

doi: 10.5102/rdi.v10i2.2275

Abduction, Torture, Interrogation: An Argument Against Extraordinary Rendition* Kaitlyn E. Tucker** If the government becomes a lawbreaker, it breeds contempt for law; it invites every man to become a law unto himself; it invites anarchy…to declare that the government may commit crimes in order to secure the conviction of a private criminal-would bring terrible retribution1.2

Abstract The dual aims of this paper are (1) to assert that the United States’ extraordinary rendition program stands in stark contrast to its international obligations under the Convention against Torture and other Cruel, Inhuman or Degrading Treatment or Punishment (“Torture Convention”), and (2) to suggest that providing specific civil remedies to the individuals who endured the program’s effects will provide deterrence from continuing the program. First, this paper defines the extraordinary rendition program and explains how it originated. Second, this paper argues that the extraordinary rendition program’s costs outweigh its benefits in the War on Terror through a specific focus on how it violates the Torture Convention and invites retribution. Finally, this paper sets forth changes to create disincentives for using the program – namely, altering the state secrets privilege and allowing corporations involved with the program to be sued – and suggests that returning to older practices such as irregular rendition could adequately meet the goals of extraordinary rendition with fewer human rights violations.

Introduction

*  Recebido em 26/03/2013   Aprovado em 20/10/2013 **  University of Mississippi Main Campus. Email: [emailprotected]

An American citizen waits patiently in an airport terminal in Jordan for a flight back to the United States. Several men – Jordanian officials – are watching the American and waiting for the right moment to approach him. The American gets up and starts to walk away, perhaps to get a cup of coffee. The Jordanian officials stop the American quickly and take him to a secluded part of the airport. For the next several days, the Jordanians question the American relentlessly, trying to discover his connection to the torture of hundreds of Muslim and Middle Eastern individuals. They do not let him call the American consulate, an attorney, or any of his family members. After several days of non-stop interrogation, the Jordanians tell the American he is going home. They turn the American over to a group of Pakistani men who blindfold him, take him to a secluded airstrip, beat him, sodomize him, and sedate him before they put him on the plane. When the American regains full consciousness, he realizes that he is not in America. Instead, he is somewhere in Eastern Europe, forced 1  United States v. Toscanino 2  United States v. Toscanino, 500 F.2d 267, 274 (2d Cir. 1974)(quoting Olmstead v. United States, 277 U.S. 438 at 484-485 (1928)).

For the next year, the American withstands severe interrogation techniques by the Pakistani men, who are members of Pakistan’s intelligence agency. These agents keep the American naked and exposed most of the time.3 On interrogation days, the Pakistani intelligence officers beat him, wall him,4 and force him into stress positions. The American endures sleep deprivation and waterboarding. The Pakistani intelligence officers specifically designed each extreme interrogation technique used to create the dependence necessary to collecting intelligence in a sustainable way.5 Finally, the Pakistanis release the American, broken after the year of unmitigated suffering. The American has precious few opportunities to receive a remedy for the yearlong torture and interrogation he endured in Pakistani custody. The Pakistani courts refuse to hear the case because it could endanger national security, and the Pakistani government claims that the acts were not violations of the Convention against Torture and Other Cruel, Inhuman or Degrading Treatment or Punishment (the “Torture Convention”)6 because they did not take place in Pakistan. Although American citizens have not faced scenarios like the one described above, American officers and agents have carried out missions similar to the one described above. This process, known as extraordinary

3  See International Committee of the Red Cross Report on the Treatment of Fourteen “High Value Detainees” in CIA Custody (Feb. 2007) assets.nybooks.com/media/doc/2010/04/22/icrcreport.pdf (last visited Oct. 2, 2012) (“The most common method of ill-treatment noted during the interviews with the fourteen was the use of nudity. Eleven of the fourteen alleged that they were subjected to extended periods of nudity during detention and interrogation, ranging from several weeks continuously up to several months intermittently.”) 4  See Scott Horton, New CIA Docs Detail Brutal “Extraordinary Rendition” Process (Sept. 28, 2009), http://www.huffingtonpost. com/2009/08/28/new-cia-docs-detail-bruta_n_271299.htm (last visited Oct. 2, 2012)( “‘Coercive techniques’ used include: walling (slamming a prisoner’s head against the wall, with some protective measures to avoid serious injuries)...”) [hereinafter Horton] 5  See Background Paper on CIA’s Combined Use of Interrogation Techniques (Dec. 30, 2004) www.aclu.org/torturefoia/released/082409/oclremand/2004olc97.pdf (last visited Oct. 2, 2012) (“The goal of interrogation is to create a state of learned helplessness and dependence conducive to the collection of intelligence in a predictable, reliable, and sustainable manner.”) 6  Convention Against Torture and Other Cruel, Inhuman or Degrading Treatment or Punishment, opened for signature Feb. 4, 1985, S. Treaty Doc. 100-20, 1465 U.N.T.S. 85, entered into force June 26, 1987.

rendition,7 occurs when the government agents of one nation to take physical custody of an individual and bring that person into another country for intense interrogation outlawed by the abducting nation’s laws. Over the last twenty years, American officials have used extraordinary rendition to break up terrorist cells in the Middle East, to prevent these groups from engaging in more terrorist attacks, and to circumvent bringing any of these individuals into the United States for a criminal trial. Born out of a policy known as irregular rendition, this particularly extreme procedure may help bring about enormous results in America’s War on Terror, but it leaves the United States vulnerable in a variety of ways. The Torture Convention does not allow an individual to be tortured for any reason.8 Even beyond the breaches to the Torture Convention, the process of extraordinary rendition is diplomatically volatile and is more likely to result in retaliation and retribution.9 As a result, the United States’ current support and practice of extraordinary rendition for suspected terrorists is more dangerous than its potential results are worth. This paper argues that the United States should stop using extraordinary rendition as a method to gain information from suspected terrorists. The extraordinary rendition program comes with detrimental ramifications in the international community – far beyond justifying any potential value. Instead, the United States government needs to create disincentives to continue the program in its current state through a variety of legal remedies for extraordinary rendition survivors. In addition, the United States government could revert to former programs that do not violate human rights. Part I of this paper provides an overview and explanation of America’s policy on rendition. Specifically, Part I describes the two different types of extraordinary rendition – rendition to other countries for interrogation and rendition to American-run black sites.10 Addi7  See David Weissbrodt and Amy Bergquist, Extraordinary Rendition and the Torture Convention, 46 Va. J. Int’l L. 585, 586-87 (Summer 2006). 8  Torture Convention, supra note 5, Art. 2, ¶ 2. 9 Toscanino, supra note 1. (“If the government becomes a lawbreaker, it breeds contempt for law; it invites every man to become a law unto himself; it invites anarchy…to declare that the government may commit crimes in order to secure the conviction of a private criminal— would bring terrible retribution.”) 10  See Ingrid Detter Frankopan, Extraordinary Rendition and the Law of War, 33 N.C. J. Int’l L. & Com. Reg. 657, 675-77 (Summer 2008). Some detainees are, according to reports, taken through secret de-

TUCKER, Kaitlyn E. Abduction, Torture, Interrogation: An Argument Against Extraordinary Rendition. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 140-153

to spend the majority of his time locked in a very small underground cell.

142

Part II argues why the extraordinary rendition program’s cost outweighs any potential benefits to the War on Terrorism. Specifically, this section shows how the program violates the Torture Convention, despite American arguments to the contrary. Additionally, this section argues that through violating the Torture Convention and inviting retribution, extraordinary rendition’s costs outweigh the benefits. Finally, Part III suggests ways to create disincentives for extraordinary rendition as an effort to rectify the damage caused by its use. The American government can alter how the judicial system treats the civil suits brought by extraordinary rendition’s victims and, thus, establish disincentives for the program. This section also argues that the American government could achieve its preventative goals better by returning to older practices. Finally, this section argues that the Committee Against Torture must amend the Torture Convention to prevent further confusion on what is or is not a violation under its obligations.

1. American Extraordinary Rendition Extraordinary rendition occurs when government agents from one country detain an individual suspected to be a terrorist in another country, kidnap that individual, and deliver him to yet another country for torturous interrogation.11 In terms of American politention centres: so called “black sites” are normally used by CIA in cooperation with other governments. These sites have been claimed to exist in Afghanistan at the Bagram Air Base and in Iraq at Camp Cropper . . . . Black sites are also alleged to exist in Egypt, and Morocco, for example in the al-Tamara interrogation centre near Rabat. In Thailand, the Voice of America relay station in Udon Thani has been said to host a black site. Claims have also been made that black sites have existed in several European countries, especially in the post-communist states, such as Poland, at Mihail Kogalniceanu near Constanta, in Romania, Armenia, Georgia, Latvia, Bulgaria and Slovakia. Not only ex-communist states states have been implicated, but many Western states have been accused of tolerating activities by the CIA including, Austria, Belgium, Cyprus, Denmark, Germany, Greece, Ireland, Italy, Poland, Portugal, Romania, Spain, Sweden and the United Kingdom. 11 Frankopan, supra note 9; see Margaret L. Satterthwaite, DeTorturing the Logic: the Contribution of CAT General Comment 2 to the Debate Over Extraordinary Rendition, 11 N.Y. City L. Rev. 281 (Summer 2008); see Elizabeth Rose Bailey, Controlling Government Secrecy: A Judicial Solution to the Internal and External Conflicts Surrounding the

cy, this practice grew out of another practice known as irregular rendition. An irregular rendition occurs when officers or agents of one country enter another country, abduct a suspected criminal, and return that person to their country so that he or she can face criminal prosecution. Extraordinary rendition and irregular rendition are both problematic alternatives to extradition because they circumvent the internationally accepted processes for gaining control of another country’s citizens. What began as a model of the “bad capture, good detention” thought for gaining jurisdiction over a suspected criminal has evolved into even larger, more extreme exertion of American authority. The United States government employed two forms of extraordinary rendition over the last twenty years. These two forms need to be distinguished from each other. The following subsections distinguish the two forms of extraordinary rendition and highlight rendition to black sites as the most severe and problematic. The last subsection documents the experiences of one individual who endured captivity in an American run black site facility. 1.1 Extraordinary Rendition With Assurances Under the first extraordinary rendition form, American agents detain suspected terrorists anywhere in the State Secrets Privilege, 58 Buff. L. Rev. 1187(December 2010); see Peter Johnston, Leaving the Invisible Universe: Why All Victims of Extraordinary Rendition Need a Cause of Action Against the United States, 16 J.L. & Pol’y 357 (2007); see Leila Nadya Sadat, Extraordinary Rendition, Torture, and Other Nightmares From the War on Terror, 75 Geo. Wash. L. Rev. 1200 (August 2007); see Astineh Arakelian, Extraordinary Rendition in the Wake of 9/11, 40 Sw. L. Rev. 323 (2010); see Melanie M. Laflin, Kidnapped Terrorists: Bringing International Criminals to Justice Through Irregular Rendition and Other Quasi-Legal Options, 26 J. Legis. 315 (2000); see A. John Radsan, A More Regular Process for Irregular Rendition, 37 Seton Hall L. Rev. 1 (2006); see John P. Blanc, A Total Eclipse of Human Rights – Illustrated by Mohamed v. Jeppesen Dataplan, Inc., 114 W. Va. L. Rev. 1089 (Spring 2012); see Leila Nadya Sadat, Ghost Prisoners and Black Sites: Extraordinary Rendition Under International Law, 37 Case W. Res. J. Int’l L. 309 (2006); see Erin E. Bohannon, Breaking the Silence: A Challenge to Executive Use of the State Secrets Privilege to Dismiss Claims, 65 U. Miami L. Rev. 621 (Winter 2011); see Laura K. Donohue, The Shadow of State Secrets, 159 U. Pa. L. Rev. 77 (December 2010); see Margaret L. Satterthwaite, Rendered Meaningless: Extraordinary Rendition and the Rule of Law, 75 Geo. Wash. L. Rev. 1333 (August 2007); see Michael Byers, Helmut Philipp Aust. Complicity and the Law of State Responsibility. Cambridge: Cambridge University Press, 23 Eur. J. Int’l L. 586 (May 2012); see William Magnuson, The Domestic Politics of International Extradition, 52 Va. J. Int’l L. 839 (Summer 2012); see David Weissbrodt and Amy Bergquist, Extraordinary Rendition and the Humanitarian Law of War and Occupation, 47 Va. J. Int’l L. 295 (Winter 2007).

TUCKER, Kaitlyn E. Abduction, Torture, Interrogation: An Argument Against Extraordinary Rendition. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 140-153

tionally, this section follows the civil suit filed by El-Masri, an innocent man subjected to an extraordinary rendition and torture at a black site.

143

1.2 Extraordinary Rendition to Black Sites Black sites are the second form of American extraordinary rendition.15 These black sites are CIA-established facilities set up and operated in the Middle East and in Europe by Americans.16 While in one of the bla12  See ACLU Fact Sheet: Extraordinary Rendition (Dec. 6, 2005), http://www.aclu.org/national-security/fact-sheet-extraordinary-rendition (last visited Sept. 23, 2012)(“ Foreign nationals suspected of terrorism have been transported to detention and interrogation facilities in Jordan, Iraq, Egypt, Diego Garcia, Afghanistan, Guantánamo, and elsewhere.”). 13  See Stephen Grey, Frontline: Extraordinary Rendition (November 7, 2007), http://pbs.org/frontlineworld/stories/rendition701/video/video_index.html (last visited Sept. 23, 2012)( “They claim that when they send terror suspects to other countries, they get assurances they won’t be tortured, but even former CIA officials admit those claims are worthless.”), (“’You can say we asked them not to do it, but you have to be honest with yourself and say there’s no way we can guarantee they are going to do that,’ says Tyler Drumheller, who ran CIA operations in Europe at the time Abu Omar was kidnapped and ‘rendered’ to Egypt. ‘Once you turn them over you have no control over that.’”); See Fact Sheet, supra note 11. (Robert Baer: “If you want a serious interrogation, you send a prisoner to Jordan. If you want them to be tortured, you send them to Syria. If you want someone to disappear – never to see them again – you send them to Egypt.”) 14  See Torture Convention, supra note 5, Art. 17; See Weissbrodt, supra note 6, quoting Agiza v. Sweden, Communication No. 233/2003, May 20, 2005, U.N. Doc. CAT/C/34/D/233/2003. (“[I] t was known or should have been known, to [Sweden]’s authorities at the time of complainant’s removal that Egypt resorted to consistent and widespread use of torture against detainees, and that the risk of such treatment was particularly high in the case of detainees held for political and security reasons.”); See Torture Convention, supra note 5, at Art. 3 (“[n]o State Party shall expel, return (“refouler”) or extradite a person to another State where there are substantial grounds for believing that he would be in danger of being subjected to torture.”). 15  See Grey, supra note 12 (After the war began in Afghanistan in 2002, the CIA set up its first secret jails or “black sites.” “The dark prison was run by the Americans,” a former inmate, Bisher al-Rawi, tells Grey. “It wasn’t Afghani people flying the aircraft, it wasn’t Afghani people who sort of shackled me and did whatever they did to me. It was Americans.”) 16  See Grey, supra note 12 (One of them, located just outside Kabul, was known as the “dark prison.” By early 2003, the United States was negotiating secret agreements with governments in Eastern Europe to set up black sites on their territory. A report this

ck site prisons, detainees experience a series of phases that build up to interrogation.17 Suspected terrorists can be detained anywhere in the world by any country before they are turned over to CIA agents. The CIA agents then render the “high value detainee” to a black site,18 where he “finds himself in the complete control of Americans.”19 Agents shave the detainees before photographing them naked and evaluating them during the Initial Conditions phase.20 The second phase, Transition to Interrogation, allows interrogators to determine how receptive the each detainee is to turning over information.21 Because of a very high standard for willingness to provide information, most detainees become tracked for an intense level of interrogation.22 During the final, full-blown Interrogation phase, interrogators use a variety of techniques to achieve a learned dependence goal.23 Interrogators expose the detainees to white noise, loud noises, and constant light during the interrogation.24 The detainees endure prolonged nakedness, sleep deprivation, and stay on a liquid diet.25 Interrogators use physical force on the detainees, including: slaps,26 walling,27 “water dousing,”28 stress summer by the Council of Europe declared it had proof of two CIA black sites, one on the east coast of Romania, the other at an airbase in Poland.) 17  See CIA Report, supra note 4 (“[T]he interrogation process can be broken into three separate phases: Initial Conditions; Transition to Interrogation; and Interrogation.”). 18  See CIA Report, supra note 4 (“The HVD is flown to a Black Site[.] A medical examination is conducted prior to the flight. During the flight, the detainee is securely shackled and is deprived of sight and sound through the use of blindfolds, earmuffs, and hoods. There is no interaction with the HVD during this rendition movement except for periodic, discreet assessments by the on-board medical officer.”). 19  See CIA Report, supra note 4, page 3. 20  See CIA Report, supra note 4, page 3. 21  See CIA Report, supra note 4, page 4. 22  See CIA Report, supra note 4, (“The standard on participation is set very high during the Initial Interview. The HVD would have to willingly provide information on actionable threats and location information on High-Value Targets at large – not lower level information – for interrogators to continue with the neutral approach.”) 23  See CIA Report, supra note 4. 24  See CIA Report, supra note 4, page 5. 25  See CIA Report, supra note 4, page 6. 26  See CIA Report, supra note 4, page 6. 27  See Horton, supra note 3. 28  See CIA Report, footnote 4, supra, (“The frequency and duration of water dousing applications are based on water temperature and other safety considerations as established by OMS guidelines. It is an effective interrogation technique and may be used frequently within those guidelines. The physical dynamics of water dousing

TUCKER, Kaitlyn E. Abduction, Torture, Interrogation: An Argument Against Extraordinary Rendition. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 140-153

world and release them into the custody of other countries such as Jordan, Iraq, Egypt, and Afghanistan.12 The United States agents then ask the receiving countries for assurances that the suspected terrorist detainees will not be tortured.13 The Committee Against Torture determined that these assurances are insufficient to prevent any country from violating the Convention.14

144

1.3 A Personal Look at the Black Sites: El-Masri Macedonian authorities apprehended Khaled El-Masri on New Year’s Eve in 2003 as he tried to cross the Macedonian-Serbian border.33 The Macedonians held El-Masri in a hotel for 23 days.34 On January 23, 2004, men in civilian clothes entered the hotel room. The men in civilian clothes forced El-Masri to make a statement that no one mistreated him during captivity and that he would return to Germany soon.35 These men blindfolded El-Masri and drove him to an airstrip about an hour away.36 When the vehicle stopped, the men pulled El-Masri out of the vehicle and led him into a building where they beat him, stripped him naked, and sodomized him.37 The men removed his blindfold and took a picture, allowing El-Masri to see seven or eight men dressed in black and wearing ski masks.38 They dressed him in a diaper and tracksuit, secured earmuffs over his ears, and blindfolded him once again.39 The men dressed in black dragged El-Masri to a plane and sedated him.40 When he awoke, El-Masri realized that, instead of flying to Germany,41 his captors took him to Kabul, Afghanistan.42 are such that it can be used in combination with other corrective and coercive techniques.”); see Red Cross Report, supra note 2. (“In each case, the person to be suffocated was strapped to a tilting bed and a cloth was placed over the face, covering the nose and mouth Water was then poured continuously onto the cloth, saturating it and blocking off any air so that the person cannot breathe. This form of suffocation induced a feeling of panic and the acute impression that the person was about to die.”) 29  See CIA Report, supra note 4, page 9. 30  See CIA Report, supra note 4, page 9. 31  See CIA Report, supra note 4, page 9. 32  See Blanc, supra note 10. (“Plaintiff Ahmed Agiza alleged that he was ‘severely and repeatedly beaten and subjected to shock through electrodes attached to his ear lobes, nipples, and genitals’. Another plaintiff, Elkassim Britel, alleged that he was ‘deprived of sleep and food and threatened with sexual torture, including sodomy with a bottle and castration.’”) 33  El-Masri v. Tenet, 437 F.Supp. 2d 530, 532 (E.D.Va. 2006). 34  Id. 35  Id. at 533. 36  Id. 37  Id. 38  Id. 39 El-Masri at 533. 40  Id. 41  Id. 42  Id.

In Kabul, the men beat El-Masri before putting him in a “small, cold cell.”43 Over the next four months, interrogators – including Americans – questioned him relentlessly about his “alleged association with terrorists.”44 Two of the men identified themselves as Americans, and El-Masri begged for release, a criminal conviction, or the ability to call the German government.45 Eventually, El-Masri’s captors released him.46 They put El-Masri on a plane to Albania, and left him on the side of a road.47 He made it back to Germany with the help of Albanian authorities.48 El-Masri filed suit in the Eastern District of Virginia against multiple Americans for the extraordinary rendition he experienced.49

2. Does Extraordinary Rendition Break the Law? The American extraordinary rendition program sparked debate the minute its existence became public knowledge. The extreme techniques used by the extraordinary rendition program’s interrogators draw the most controversy because many believe them to amount to torture.50 On the opposite side of that coin, the extraordinary rendition program has also received strong support, particularly since the terrorist attacks in New York City on September 11, 2001. Additionally, the Bush Administration in particular touted the necessity of the extraordinary rendition program,51 despite its creation 43  Id. 44  Id. 45  El-Masri at 533. 46  Id. at 534. 47  Id. 48  Id. at 535. 49  El-Masri filed a civil suit in the Eastern District of Virginia. The court dismissed the suit when the defendants raised the state secrets defense. 50  See Red Cross Report, supra note 2. (“The general term ‘ill-treatment’ has been used throughout the following section, however, it should in no way be understood as minimi[z]ing the severity of the conditions and treatment to which the detainees were subjected. Indeed as outlined in Section 4 below, and as concluded by this report, the ICRC clearly considers that the allegations of the fourteen include descriptions of treatment and interrogation techniques – singly or in combination – that amounted to torture and/or cruel, inhuman or degrading treatment.”) 51  See Grey, supra note 12. (“’We have put this program in place for a reason,’ Bush told reporters. ‘When we find someone who may have information regarding a potential attack on American, you bet we’re going to detain them, and you bet we’re going to question them’.”)

TUCKER, Kaitlyn E. Abduction, Torture, Interrogation: An Argument Against Extraordinary Rendition. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 140-153

positions,29 wall standing,30 and cramped confinement.31 Additionally, some detainees allege that they endured electric shock treatments and threats of sexual torture.32

145

2.1 Is it Torture? Over the last six years, individuals and organizations have debated whether the interrogation techniques used at the CIA’s black sites equate to torture or not. Article1, paragraph 1 of the Torture Convention defines torture as: [A]ny act by which severe pain or suffering, whether physical or mental, is intentionally inflicted on a person for such purposes as obtaining from him or a third person information or a confession . . . or intimidating or coercing him or a third person, for any reason based on discrimination of any kind, when such pain or suffering is inflicted by or at the instigation of or with the consent or acquiescence of a public official or other person acting in an official capacity.56

America is a party to the Torture Convention,57 and submitted a reservation to the Committee Against Torture in order to limit the United States’ obligations un52  See Weissbrodt, supra note 6 at 591. 53  See Paul France, Homeland Security Tactics (Fall 2011), http://www.abchs.com/ihs/FALL2011/ihs_articles_2.php (last visited Nov. 10, 2012)(“Many supporters of extraordinary rendition use the 9/11 terrorist attack as an argument for coercive interrogation methods claiming the devastating attacks could have been averted). 54  See France, supra note 52. (“Vice President Dick Cheney ‘insisted repeatedly that water boarding and other forms of torture worked exceedingly well to extract valuable information as proven by the fact that there had been no mass-casualty attacks in the United States since 9/11.’”) 55  See France, supra note 52. (“One of the most popular arguments against rendition and torture is the idea that illegally detaining an individual, denying them basic rights, and sending them to nations that regularly use torture to obtain information is inherently against the fundamental values and beliefs of the American people and is against both national and international laws.”) 56  See Torture Convention, supra note 5. 57  See Weissbrodt, supra note 6, at 600 (“The United States ratified the Torture Convention in October 1994, having enacted legislation to implement the Convention.”)

der the Convention. This understanding states that: (a) [W]ith reference to Article 1, the United States understands that in order to constitute torture, an act must be specifically intended to inflict severe physical or mental pain or suffering and that mental pain or suffering refers to prolonged mental harm caused by or resulting from: (1)the intentional infliction or threatened infliction of severe physical pain or suffering; (2) the administration or application, or threatened administration or application, of mind altering substances or other procedures calculated to disrupt profoundly the senses or the personality; (3) the threat of imminent death; or (4) the threat that another person will imminently be subject to death, severe physical pain or suffering, or the administration or application of mind altering substances or other procedures calculated to disrupt profoundly the senses or personality. (b) That the United States understands that the definition of torture in Article 1 is intended to apply only to acts directed against persons in the offender’s custody or physical control.58

Under a literal reading of both Article 1 and the United States’ understanding, the acts described in Section I59 must amount to torture.60 Under a CIA official’s admission in a memo detailing the techniques used at the black sites, the goal of the interrogations is to create the learned helplessness and dependence necessary to gather intelligence.61 Rarely do individuals engaging in questionable behavior spell out their intent so clearly and this purpose falls squarely within the realm of the Torture Convention. The techniques outlined in the redacted CIA memo62 and quantified in the Red Cross Report63 meet three of the four options specified by the United States’ understanding of torture.64 Taking the clear intent and specific acts together, it is more than clear that the interrogation techniques employed at the CIA black sites constitute torture.

58  See Weissbrodt, supra note 6, at 600 (Citing Cong. Rec. S1748601 (daily ed. Oct. 27, 1990)(U.S. reservations, declarations, and understandings, Convention Against Torture and Other Cruel, Inhuman or Degrading Treatment or Punishment.) 59  Section I, supra. 60  See Sadat, supra note 10 at 1201. (There they are detained, interrogated, often tortured, and sometimes killed.7 The stories of the individuals “outsourced” as a result of the U.S. rendition program are lurid in their details, involving hooded detainees, who are spirited away in the dead of night and sent in chartered aircrafts to remote countries where they typically suffer torture and maltreatment.) 61  See CIA Report, supra note 4. 62  See CIA Report, supra note 4. 63  See Red Cross Report, supra note 2. 64  See Weissbrodt, supra note 6 at 591.

TUCKER, Kaitlyn E. Abduction, Torture, Interrogation: An Argument Against Extraordinary Rendition. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 140-153

during the Clinton Administration.52 The competing values of human rights and national security build into a significant tension between achieving victory in the War on Terrorism and meeting the human rights obligations imposed by international law. Extraordinary rendition supporters place a premium on national security and preventing another terrorist attack on American soil.53 This belief justifies the black sites’ extreme techniques as an effective way to reach the goal.54 On the other hand, human rights groups claim that the extreme techniques are not as effective as they could be and that using the techniques is not worth the risks.55

146

The Torture Convention builds in an alternative preventative measure for acts that do not quite meet the level of torture defined in Article 1.65 For those who maintain that the techniques used at the black sites are nothing more than intense interrogation techniques, Article 16 provides the alternative to Article 1.66 Article 16 requires State Parties to prevent “other acts of cruel, inhuman or degrading treatment or punishment which do not amount to torture as defined in [A]rticle 1, when such acts are committed by or at the instigation of or with the consent or acquiescence of a public official or other person acting in official capacity.”67 Extended exposure to white noise,68 light,69 prolonged nakedness,70 sleep deprivation,71 a liquid diet,72 and the physical force certainly rises to the level of “cruel, inhuman or degrading treatment or punishment,”73 if they do not meet the definition of torture.74 Furthermore, these interrogation techniques came about at the insistence of public officials. Even if the interrogation techniques do not rise to the level of torture, they certainly fall well within the range of Article 16.75 2.3 Do Black Sites Fall Outside of Scope of the Torture Convention? Comparing the acts of extraordinary rendition to the articles of the Torture Convention, there are not as many express violations as could be expected. Certainly, express violations exist, as indicated in the previous section.76 Yet, reading through the Red Cross Report on the experiences of fourteen “high value detainees,”77 the CIA Report detailing the interrogation techniques used at black sites,78 and El-Masri’s personal account creates the impression that there is no legal argument available to proponents of the extraordinary rendition black sites. 65  See Torture Convention, supra note 5. 66  See Torture Convention, supra note 5. 67  See Torture Convention, supra note 5, at Art. 17. 68  See CIA Report, supra note 4, page 5. 69  See CIA Report, supra note 4, page 5. 70  See CIA Report, supra note 4, page 6. 71  See CIA Report, supra note 4, page 6. 72  See CIA Report, supra note 4, page 6. 73  Supra note 60. 74  Supra note 50. 75  See Torture Convention, supra note 5, at Art. 16. 76 Supra Section II, subsection A. 77  See Red Cross Report, supra note 2. 78  See CIA Report, supra note 4.

Members of the Bush administration advanced the argument that “foreign nationals held at [black site] facilities, outside U.S. sovereign territory, are unprotected by federal or international laws.”79 In fact, Article 2 requires Convention signers to “take measures to prevent acts of torture in any territory under its jurisdiction.”80 The phrase “territory under its jurisdiction” also appears in three81 additional articles to the Torture Convention that further set out a State Party’s obligations. The black sites exist outside of the physical boundaries of the United States. In fact, black sites are located within other countries, such as Afghanistan82 - certainly not a “territory under [American] jurisdiction.”83 As a result, some potential for a very strict interpretation of the Torture Convention exists. Under this narrow reading, so long as American officials do not torture people – in this case, the suspected terrorists captured through the extraordinary rendition program – within the physical borders of America, there is no violation to the Torture Convention. These extraterritorial locations are in other countries, countries that certainly are not within a “territory under [American] jurisdiction.” As described in Section I,84 Americans run the black sites, even though they are located within another country. Not only do statements made by former “high value detainees”85 show this, but CIA officials have also made it clear that these facilities are American-run.86 As for Guantanamo Bay, American courts have recounted how the United States government acquired the property and have begun extending small amounts of rights to the facility’s detainees. As a result, it is quite a leap to argue that the black site facilities are not under the “territory under [American] jurisdiction” designation. Americans established and operated the facilities, acting under orders from high-ranking officials. Any torture there constitutes a violation of the Torture Convention. 79  See Fact Sheet, supra note 11. 80  See Torture Convention, supra note 5, at Art. 2. 81  See Torture Convention, supra note 5, at Art. 5, Art. 7, Art. 11. 82  See Grey, supra note 12. (“One of them, located just outside Kabul, was known as the “dark prison.” By early 2003, the United States was negotiating secret agreements with governments in Eastern Europe to set up black sites on their territory. A report this summer by the Council of Europe declared it had proof of two CIA black sites, one on the east coast of Romania, the other at an airbase in Poland.”) 83  See Torture Convention, supra note 5. 84  Supra Section I. 85  Supra note 14; supra note 2. 86  See CIA Report, supra note 4.

TUCKER, Kaitlyn E. Abduction, Torture, Interrogation: An Argument Against Extraordinary Rendition. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 140-153

2.2 Is it Simply Intense Interrogation?

147

3. Solutions for Black Sites

2.4 Do Black Sites Invite Retaliation?

On the other hand, another segment of the population does not believe that the program is worth the human rights interests and Torture Convention violations. As evidenced by the Red Cross report and many other individuals, organizations, and countries outside the United States fall in line with this viewpoint.95 Although these two positions are contradictory to one another, policy makers must address both in order to produce a viable solution to the black sites.

In addition to violating the Torture Convention, America’s use of extraordinary rendition could be counterproductive to its very goal – preventing more terrorist attacks on American soil. As the introductory quote indicates, when a government breaks the law, it invites lawlessness.90 Put in the context of the extraordinary rendition program, the actions and techniques utilized invite retaliation.91 Although there has not been a major terrorist attack on American soil since September 11, 2001, the hostility built up by abducting individuals, torturing them, interrogating them, and holding many of them indefinitely is not something to take lightly.92 87  See Torture Convention, supra note 5, at Art. 2, ¶ 2. 88  See Torture Convention, supra note 5, at Art. 2, ¶ 3. 89  See Torture Convention, supra note 5,, at Art. 10, Art. 11. 90  Supra note 8. 91  See Grey, supra note 12. (Former FBI special agent Jack Cloonan [said,] “The thing you saw in Africa where people are being held incommunicado and have no legal representation and potentially abused, is unacceptable. You’re setting yourself up for revenge by al Qaeda and other Islamists.”) 92  See Grey, supra note 12. (“We really have created a mess here, a terrible mess,” says Lawrence Wilkerson, who served in the U.S. State Department during the Bush administration. “For the people who are involved in it. For the legal system that will have to sort it out, under a new president. For the country. For our reputation. For our prestige around the world. This has been incredibly damaging.”); Supra note 1 at 274 (quoting Olmstead v. United States, 277 U.S. 438 at 484-485 (1928) Decency, security and liberty alike demand that government officials shall be subjected to the same rules of conduct that are commands to the citizen. In a government of laws, existence of the government will be imperilled if it fails to observe the law scrupulously.

The United States government institutionalized torturing “high value detainees” at CIA-run facilities across the globe in order to break up terrorist cells in the Middle East and to prevent future terrorist attacks. This practice is in direct violation of multiple requirements within the Torture Convention, and the United States must correct the situation. Any solution to this problem must balance to diametrically opposed viewpoints in order to be successful. One segment of the nation’s population accepts the War on Terrorism as it is, including potential torture.93 This “ends justify the means” has an extreme impact on the extraordinary rendition program. It single-handedly lead to removing the safeguards from the program.94

To further complicate finding a workable solution, international solutions are problematic at best. Many countries disregard their obligations under international law. Our Government is the potent, the omnipresent teacher. For good or for ill, it teaches the whole people by its example. Crime is contagious. If the government becomes a lawbreaker, it breeds contempt for law; it invites every man to become a law unto himself; it invites anarchy. To declare that in the administration of the criminal law the end justifies the means— to declare that the government may commit crimes in order to secure the conviction of a private criminal— would bring terrible retribution. Against that pernicious doctrine this court should resolutely set its face. 93  See Weissbrodt, supra note 6, at 590. (“One former CIA official argued that ‘the rendition program has been the single-most successful American counterterrorism program since 1995.’”) 94  See Peter Johnston, Leaving the Invisible Universe: Why All Victims of Extraordinary rendition Need a Cause of Action Against the United States, 16 J.L. & Pol’y 357, 364 (2007). [T]hese early extraordinary renditions still had more safeguards than the programs used today: every rendered individual was convicted in absentia, and all renditions were approved by CIA legal counsel on the basis of a substantive dossier. After the September 11, 2001 attacks, however, the extraordinary rendition program changed drastically . . . The initial safeguards were eliminated due to the intense pressure on the CIA after September 11 to prevent another potential attack. 95  See Red Cross Report, supra note 2.

TUCKER, Kaitlyn E. Abduction, Torture, Interrogation: An Argument Against Extraordinary Rendition. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 140-153

One easily arrives at this conclusion through the Torture Convention’s express purpose to end torture globally. Reviewing the first sixteen articles, it is abundantly apparent that the Convention’s designers and drafters meant to eradicate torture worldwide. This intent manifests itself as early as Article 2 of the Torture Convention, which establishes that there are “no exceptional circumstances whatsoever” that warrant using torture.87 Beyond the declaration that no circumstance warrants torture, the Convention also forbids orders from high-ranking officers or officials to justify torture.88 The no exceptions requirements work hand-in-hand with later provisions in the Convention that mandate every State Party to institute training and education on torture and non-torturous techniques for every person involved detainee, arrestee, or prisoner treatment.89

148

As a result, this section sets forth a suggested plan to rectify the extraordinary rendition program’s wrongs and removes the incentives for continued use of the program. The potential solutions, most of which are American created and executed, will work best if used in conjunction with one another; however, each would produce positive results on its own. The potential solutions will work primarily to create more accountability for public officials who authorize extraordinary rendition. 3.1 Providing a Remedy for Victims If the American government – through the judicial process – truly offered extraordinary rendition victims a remedy, it would help create a disincentive to continue the program. Further, it shows a concerted effort to rectify the grave breech to human rights interests created with the black sites, which is an equally important consideration and an essential first step forward. Finally, this step would also help put the United States more in line with its obligations under the Torture Convention. The Torture Convention requires State Parties like the United States96 to provide a remedy to anyone tortured by a State actor.97 The United States could better provide a civil remedy to the individuals who endured the extraordinary rendition program by altering how the state secrets privilege gets asserted and by removing the effects of Mohamad v. Palestinian Authority.98 3.1.1 The State Secrets Privilege Several former high value detainees like El-Masri99 have filed legal actions against government actors in the United States. In each instance, trial judges dismissed the suits before trial. The extraordinary rendition victims appeal these dismissals;100 however, appellate courts 96  America’s own federal law is supposed to afford torture victims a remedy. Torture Victim Protection Act, 28 U.S.C. § 1350. 97  See Torture Convention, supra note 5, at Art. 12, Art. 13, Art. 14. 98  Mohamad v. Palestinian Authority, 132 S. Ct. 1702 (2012). 99  Supra Section I. 100  See El-Masri, supra note 32.

uphold the lower decisions.101 These suits typically get dismissed because the defendants assert the state secrets privilege or for other extremely technical, procedural reasons.102 Men like El-Masri103 may be able to bring forth an action initially, but these suits do not have a real opportunity to move forward. As a result, the individuals who experienced the extraordinary rendition wind up without an adequate remedy. In reality, judges dismiss the suits before thoroughly considering the validity of the claims in the complaints. This is particularly the case with suits dismissed by the state secrets privilege. When El-Masri, detailed in Section I,104 filed suit against American men and corporations he believed participated in his extraordinary rendition, the court did not determine the validity or truthfulness of El-Masri’s complaint because the defendants asserted the state secrets privilege to all of the claims. Instead, the court dismissed the case because “any answer to the complaint by the defendants risks the disclosure of specific details about the rendition argument.”105 Maher Arar encountered a similar issue when he filed suit against the men who participated in his extraordinary rendition. Arar filed suit against federal officials for relief under the Torture Victim Protection Act and under the Fifth Amendment for his detention in the United States and his torture and detention in Syria.106 The district court dismissed all four of Arar’s claims; however, the court allowed Arar to re-plead the claim that American officials violated his due process rights in the United States.107 Arar appealed, and the appellate court affirmed the lower court’s decision to dismiss all four claims.108 Just like the El-Masri court, this court asserted that the judicial branch has no authority to provide a remedy to people who have endured extraordinary rendition and torture in the course of the War on Terrorism.109 Despite a swift dismissal and an unwillingness to create a remedy, the El-Masri court acknowledged the 101  102  103  104  105  106  107  108  109 

Arar v. Ashcroft, 585 F.3d 559 (2d Cir. 2009). See El-Masri, supra note 32; see Arar, supra note 100. Supra Section I. Supra Section I. See El-Masri at 539. See Arar at 567. Id. Id. at 581. Id.

TUCKER, Kaitlyn E. Abduction, Torture, Interrogation: An Argument Against Extraordinary Rendition. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 140-153

The arguments America put forth justifying the extraordinary rendition program, for example, make light of the Torture Convention. When nations do not actually abide by the treaties and conventions they sign, it diminishes the likelihood of utilizing international remedies.

149

Thoroughly dismissing the victims’ suits because of a validly asserted state secrets privilege is not the way to handle these cases, especially with the legitimate need described in El-Masri. When courts dismiss the suits, it denies victims the right to remedy required by the Torture Convention. If, instead, judges removed the cases to a hybrid military trial, perhaps both interests – preserving state secrets and providing a remedy – could occur. This hybrid model would allow for the same rules of civilian trial while operating in a closed proceeding. It also shows a clear intent on the American government’s part to rectify a long line of abuses justified by preventing terrorism. 3.1.2 The Palestinian Authority Decision Mohamad v. Palestinian Authority is a landmark change in providing torture victims across the board a remedy under the TVPA, despite being a recent decision. The United States Supreme Court held that the TVPA only imposes liability on natural people.113 In the majority 110  See El-Masri at 535. …if El-Masri’s allegations are true, or essentially true, then all fairminded people, including that who believe state secrets must be protected, that this lawsuit cannot proceed, and that renditions are a necessary step to take in this war, must also agree that ElMasri has suffered injuries as a result of our country’s mistake and deserves a remedy. Yet it is also clear from the result reached here that the only sources of that remedy must be the Executive Branch or the Legislative Branch, not the Judicial Branch. 111  See El-Masri at 535. 112  See El Masri 538 (citing sterling, 416 f.2d at 347-48, quoting Fitzgerald v. Penthouse Int’l., Ltd., 776 F.2d 1236, 1243 (4th Cir. 1985)). 113  See Mohamad v. Palestinian Authority, supra note 97 at 1705 (2012). (“We hold that the term ‘individual’ as used in the Act encompasses only natural persons. Consequently, the Act does not im-

opinion, Justice Sotomayor confirmed two lower court decisions to dismiss this case because the Palestinian Authority is an organization, not an individual.114 Although a case has not yet gone before the Supreme Court, this holding will provide another legal escape for corporations who transport detainees to the black sites.115 Although corporations like Jeppesen Dataplan, Inc., that assisted in transporting the high value detainees have already maintained liability exemption from the Alien Tort Statute116 through government intervention and the state secrets doctrine, they now gain exemption from the TVPA on their own. Anyone who endured extraordinary rendition and detention at a black site is now without a legal remedy from the government and any corporation or organization involved. Essentially, this United States Supreme Court decision removes disincentive for corporate participation in extraordinary rendition – there will be no backlash, criminally or civilly, for assisting in detainee transportation, thus allowing corporations to continue to assist with extraordinary renditions. If the court reversed the effects of Mohamed v. Palestinian Authority or if the legislature passed an amendment to the TVPA, then, perhaps, the former detainees could exercise the full extent of their judicial rights. Allowing detainees to utilize this avenue for a remedy would also help put the United States in line with its obligations under the Torture Convention, as described in Section II.117 This could also help the United States to show its pose liability against organizations.”) 114  Id. at 1703-04. (“The District Court dismissed the suit, concluding, as relevant here, that the TVPA’s authorization of suit against ‘[a]n individual extended liability only to natural persons. The United States Court of Appeals for the District of Columbia circuit affirmed. Held: As used in the TVPA, the term ‘individual’ encompasses only natural persons. Consequently, the Act does not impose liability against organizations.”) 115  Mohamed v. Jeppesen Dataplan, Inc., 614 F.3d 1070, 1075 (Court of Appeals, Ninth Cicuit 2010). The complaint asserts ‘Jeppesen [Dataplan, Inc., a U.S. corporation] played an integral role in the forced’ abductions and detentions and ‘provided direct and substantial services to the United States for its so-called ‘extraordinary rendition program,’ thereby ‘enabling the clandestine and forcible transportation of terrorism suspects to the secret overseas detention facilities.’ It also alleges that Jeppesen provided this assistance with actual or constructive ‘knowledge of the objectives of the rendition program,’ including knowledge that the plaintiffs ‘would be subjected to forced disappearance, detention, and torture’ by U.S. and foreign government officials. 116  28 U.S.C. § 1350. 117  Supra Section II.

TUCKER, Kaitlyn E. Abduction, Torture, Interrogation: An Argument Against Extraordinary Rendition. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 140-153

need for one.110 This opens the door for creating a remedy. Courts do not have to dismiss claims simply because the defendants validly assert the state secrets privilege. The doctrine itself allows claims to continue forward even with a properly asserted and accepted state secrets defense. As indicated in El-Masri, when government officials assert the state secrets privilege, the court has discretion to “proceed in some fashion that adequately safeguards any state secrets.”111 The standard for determining the necessity of dismissing the case rests on whether or not “there is ‘no way [the] case could be tried without compromising sensitive military secrets, a district court may properly dismiss the plaintiff ’s case.’”112

150

3.2 A Return to Former Policies In addition to creating a disincentive for using extraordinary rendition in the War on Terrorism, America can also distance itself by returning to older practices. The United States government endorsed other policies for bringing foreign, out-of-the-country individuals to justice in its borders. For more than a century, the government condoned gaining jurisdiction over defendants through the irregular rendition process. Additionally, the extraordinary rendition program began as a far more stringent operation than it became after the September 11, 2001, attacks. Both of these practices, though problematic, provide a much better option to preventing another terrorist attack without completely sacrificing human rights obligations under the Torture Convention. 3.2.1 Irregular Rendition America can distance itself from extraordinary through a return to irregular rendition.118 As a default policy, irregular rendition is by no means a perfect answer. Irregular rendition comes with its own laundry list of criticism119 and international law issues.120 These potential problems, however, are less severe than extraordinary rendition’s human rights concerns and international law violations. The United States Supreme Court first approved the use of irregular rendition in Ker v. Illinois.121 Ultimately, the United States Supreme Court opted not to decide “the question of how far [Ker’s] forcible seizure in another country, and transfer by violence, force, or 118  Supra Section 1. 119  Supra note 1 at 272. This doctrine “reward[s] police brutality and lawlessness in some cases.” 120  Supra note 1. 121  Ker v. Illinois, 119 U. S. 436, 438 (1886). The trial court convicted Frederick Ker, the defendant, of larceny. Before trial, Ker fled the United States and hid in Peru. The United States government issued an extradition order to a Pinkerton agent, who was charged with traveling to Peru and bringing Ker back to the United States for trial. When the Pinkerton agent arrived in Peru, the country was engulfed in war. As a result, the Pinkerton agent did not execute the extradition order through the Peruvian government, and, instead, abducted Ker. The agent brought Ker back to the United States through an “irregular rendition.”

fraud to this country, could be made available to resist trial in the state court.”122 To justify the decision, the Court stated that they “do not see that the constitution or laws or treaties of the United States guaranty [Ker] any protection.”123 Justice Miller, however, did look to other countries’ positions on extraordinary rendition’s effect on jurisdiction before shifting gears in this opinion. This Court discussed utilizing the “bad capture, good detention” reasoning taken from other courts,124 and stated that “such forcible abduction is no sufficient reason why the party should not answer when brought within the jurisdiction of the court which has the right to try him for such an offense, and presents no valid objection to his trial in such court.”125 The United States Supreme Court denied Ker’s assignments of error and upheld the Illinois Supreme Court’s decision. Even though the Ker decision did not explicitly decide the particular issue of whether or not an extraordinary rendition voids an American court’s jurisdiction, many court decisions have cited Ker as the beginning of the rule to allow any individual brought to court through extraordinary rendition to stand trial. By returning to this procedure instead of using extraordinary rendition, America removes incentive or temptation to use harsher interrogation techniques. The individuals rendered cycle through the American judicial system, maintained by certain trial standards, instead of detention at facilities operating outside the law. 3.2.2 Original Extraordinary Rendition The United States government could also opt to reinstate the extraordinary rendition safeguards and practices in place prior to the September 11, 2001, attacks. Although the original program still involved capturing suspected terrorists and rendering them to foreign countries for interrogation, each person subjected to an extraordinary rendition also received a trial in absentia.126 Additionally, the CIA’s legal counsel approved 122  Id. at 443. 123  Id. 124  Ex parte Scott, 9 Barn. & C. 446, (1829); Lopez v. Sattler’s Case, 1 Dearsl. & B. Cr. Cas. 525; State v. Smith, 1 Bailey, 283 (1829); State v. Brewster, 7 Vt. 118, (1835); Dow’s Case, 18 Pa. St. 37, (1851); State v. Ross, 21 Iowa, 467, (1866); The Richmond v. U. S., 9 Cranch. 102. 125  See Ker at 443. 126  See Johnston, supra note 10 at 364.

TUCKER, Kaitlyn E. Abduction, Torture, Interrogation: An Argument Against Extraordinary Rendition. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 140-153

commitment to rectifying the wrongs of the extraordinary rendition program.

151

Under this program, the CIA employed safeguards that kept several important checks on the system. Due to the requisite approval prior to subjecting anyone to an extraordinary rendition, the United States government avoided abducting innocent people, such as El-Masri or Maher Arar. By putting these cases through trial, even in absentia, each instance of extraordinary rendition received a certain amount of due process. Adding even a minimal amount of due process to the extraordinary rendition program helps to remove the incentive to engage in behaviors that violate international laws. 3.3 An International Option: Amending the Torture Convention In order to prevent further abuse under the guise of a legal loophole,128 the Torture Committee must amend the Torture Convention to make it absolutely clear that torture at the insistence of any government official counts, regardless of location. The phrase “territory under its jurisdiction”129 needs its own definition in a new paragraph under Article 1. This definition must state that any facility set up or operated by the agents of one State Party, regardless of this facility’s physical location within another country’s borders, constitutes territory under that State Party’s jurisdiction. The definition must go on to incorporate the language in Article 5 to include “on board a ship or aircraft registered in that State.”130 By adding this language to the Torture Convention, the Committee Against Torture gains a foothold against American arguments that black sites do not constitute a violation.131 By taking the proverbial “wind out of the sails” of these arguments, the Committee Against Torture assumes a position to better prosecute legally manipulated violations. The Committee Against Torture already ruled that assurances that a receiving country will not torture an individual picked up through extraor-

127  Id. 128  See Fact Sheet, supra note 11. “Foreign nationals held at [black site] facilities, outside U.S. sovereign territory, are unprotected by federal or international laws.” 129  See Torture Convention, supra note 5. 130  See Torture Convention, supra note 5, at Art. 5. 131  Supra Section II.

dinary rendition do not create immunity.132 The Committee Against Torture desperately needs to be able to combat both forms of the American extraordinary rendition program. With these linguistic changes, the Committee can meet this goal and make it abundantly clear that torture of any kind, under an circumstance violates the Torture Convention. As necessary as this potential solution is, it is by no means without flaws. The language of the Torture Convention, even if amended, could still be subject to legal manipulation. Countries party to the Torture Convention still have the ability to claim that the Convention is not self-executing – and, therefore, nonbinding – in addition to new arguments about why the program still does not violate the Torture Convention.

4. Conclusion Through the extraordinary rendition program, agents of the American government enter into other sovereign jurisdictions, kidnap individuals, and render them to CIA-run facilities across the globe. There, these individuals endure a variety of “intense interrogation techniques” at the hands of Americans. These techniques are specifically designed or selected to degrade, to mentally defeat, and to physically overpower the detainees, for the sole purpose of uncovering information about suspected terrorist activity. Many of these techniques, particularly waterboarding, have come under harsh scrutiny in the international community, which believes that the techniques rise to the level of torture. The ACLU, the Committee Against Torture, and the International Committee of the Red Cross, specifically, denounce the “interrogation techniques” used in the black site facilities. Further, these practices rise to the level of torture under the Torture Convention, which American officials purport to follow. Despite international outcry and outrage within the United States, multiple presidential administrations authorized or encouraged extraordinary rendition. Promoting the use of such extreme measures grew in popularity particularly after the terrorist attacks on American soil on September 11, 2001. The American government actively sought methods and practices to achieve its goal 132  Supra note 11; Supra Section I.

TUCKER, Kaitlyn E. Abduction, Torture, Interrogation: An Argument Against Extraordinary Rendition. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 140-153

every single individual for the extraordinary rendition program based on a substantive dossier.127

152

Because this program violates human rights and establishes a resoundingly negative international precedent, it must become a less attractive option to the American government and, ultimately, must end. To meet this end, the American government should pursue establishing civil remedies for the extraordinary rendition program’s victims as a disincentive for continuing

the program. This is practicable in altering the states secret privilege so that claims related to this program can survive to judicial scrutiny and through requiring corporations involved in extraordinary rendition liable for their actions. Both of these options work as disincentives for continuing the use of extraordinary rendition. In addition, the government has two more legitimate former practice options – irregular rendition and the original extraordinary rendition program – that it could use to meet the goal of preventing another substantial terrorist attack on American soil. Finally, the Committee Against Torture must amend the Torture Convention in order to ensure that no country party to its obligations can legitimately argue that a black site-style program is not torture.

TUCKER, Kaitlyn E. Abduction, Torture, Interrogation: An Argument Against Extraordinary Rendition. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 140-153

to prevent further attacks. It did so, however, by sacrificing human rights interests and by placing the country in jeopardy of violating its own international treaties. Further, setting a precedent that this type of program is acceptable invites retribution – the exact issue supposedly at the heart of the policy decision to engage in extraordinary rendition in the first place.

153

United States and European Union approaches to the death penalty: America should consider a new perspective

Katie R Hill

doi: 10.5102/rdi.v10i2.2329

United States and European Union approaches to the death penalty: America should consider a new perspective* Katie R Hill**

Abstract The United States and the European Union have totally opposite views on the death penalty. The United States has reinterpreted and analyzed capital punishment and its application to the Constitution consistently through history. The European Union, nearly since its inception, has firmly held the death penalty is wrong and cannot be utilized without depriving defendants of basic human rights. These two unions have similar values and priorities, especially when it comes to human rights. However, the explanation for such diverse approaches to the death penalty is not yet clear, perhaps because the divergence should not exist. The purpose of this article is to identify, discuss, and attempt to explain the importance of the United States consideration of European Union policies concerning the death penalty. This article will first examine the historical and current death penalty policies of both the United States and the European Union and see where these policies diverge. Next, this article will examine the relationship between these two unions in an attempt to highlight the peculiarity of their policy divergence. This article then addresses potential explanations for this divergence. Finally is the most important and innovative aspect of this article, a compelling proposition that the United States consider the European Union approach. Given the United States relationship with the European Union, it is important that we consider international perspectives in forming our own approach. Consideration of the European Union approach will help the United States justice system, economic system, and foreign and domestic relations. Keywords: human rights, death penalty, Comparative and Foreign Law

1. Introduction

*  Recebido em 23/04/2013   Aprovado em 05/05/2013 **  Lincoln Memorial University. Email: [emailprotected]

The United States approaches many topics much differently than other nations around the globe. Each nation devises its own policies presumably based on the needs and wants of its people or its leaders. However, given global relations between countries, it is only natural that the policies of some nations will affect others. This paper discusses death penalty policies and procedures in the United States as well as in the European Union. First, it is necessary to briefly discuss the history of death penalty approaches in the United States and the European Union. While the European Union has determined that the death penalty is unjust and not something the member countries are willing to support, the United States has resisted pressure to conform with this policy, indicating that insistence from the European Union is not overly persuasive here in the United States. Therefore, this

The United States has long been known as the land of the free, the country that offers its citizens rights no other country offers. The United States prides itself on being a place where people come to achieve their dreams and escape persecution, a land whose justice system is centered on preserving the rights of the people. However, the United States has set itself apart from many other nations in a much different way. The United States remains part of the minority of countries that authorize the death penalty for capital crimes.1 The United States is part of an even smaller group of countries that still regularly employs the death penalty.2 Many states, while still legally recognizing the death penalty, hardly ever utilize this form of punishment.3 This viewpoint of the United States comes with much opposition. Many Americans feel that the death penalty should be abolished, and that our country should continue to evolve our standards of justice.4 There are also those states that have abolished death penalty completely.5 Even more pressure comes from abroad, with many nations pressuring the United States to abolish death penalty.6 The United States has evolved to its current state regarding the death penalty over a long period of time, shifting with different societal impacts and different viewpoints of decency and constitutionality.7 Howe1  Rebecca Trail, The Future of Capital Punishment in the United States: Effects of the International Trend Towards Abolition of the Death Penalty, 26 Suffolk Transnat’l L. Rev. 105, 105 (2002). 2  Id.(China, Somalia, India, Iran, and Iraq, among others, still regularly employ the death penalty). 3  Jurisdictions with no recent executions, Death Penalty Information Center (March 12, 2013), http://www.deathpenaltyinfo. org/jurisdictions-no-recent-executions. 4  See Senate Bill 19 to Repeal the Death Penalty Introduced, American Civil Liberties Union (March 12, 2013), http://www. aclu.org/capital-punishment/senate-bill-19-repeal-death-penaltyintroduced. 5  States With and Without the Death Penalty, Death Penalty Information Center (March 12, 2013), http://www.deathpenaltyinfo. org/states-and-without-death-penalty. 6  Trail, supra note 2, at 106. 7  See Banner, infra note 10 (death penalty was part of the new America from the beginning); see Furman, infra note 29 (United

ver, it remains to be determined whether the United States is influenced by the changing policies of other nations. The United States began as a nation that wanted independence and wanted to break the mold that other nations were creating for it. However, it was also a country that based much of its original law on the laws of other countries, namely England.8 The United States remains a trendsetter in many areas. We have advanced technology, the strongest armies, and many other admirable qualities that other nations covet. As a country that is an established world leader, it would make sense to assume that the policies on the death penalty in the United States have some effect on other nations. However, the United States, known as an independent nation, seems unaffected when it comes to the recognition and respect of international death penalty policies; as the world moves forward and standards evolve, the United States has determined that acceptance and utilization of the death penalty are what most closely mirrors the constitutional standards in this country.

2. The death penalty in the United States The death penalty has a long history in the United States. Death as a punishment for certain crimes was a part of America almost immediately upon its founding, with the colonies adopting a thorough list of crimes that carried the death penalty.9 This list was adapted from England’s law and became the norm among American colonies.10 While the colonists recognized that murder was worse than theft, there was a consensus that death was the punishment for any crime on the enumerated list—no matter how serious.11 Almost immediately, standards began to adapt and change as different colonies recognized different defenses, different lists of capital crimes, and different levels of seriousness that came with certain crimes.12 States eventually finding death penalty unconstitutional). 8  See Charles Alan Wright, et al., History—The Colonial Experience, 30 Fed. Prac. & Proc. Evid. §6344 (2012). 9  Stuart Banner, Death Penalty: An American History 5 (Harvard University Press 2003). This enumerated list included treason, willful murder, piracy, forgery, robbery, and rape. 10  Id. 11  Id. 12  Id. at 6-8. (Connecticut, Massachusetts, Plymouth, and Pennsylvania held that burglary and robbery were not capital crimes; burglary and robbery were capital offenses upon the third offense in New York, New Hampshire, and New Haven; Connecticut, Mas-

HILL, Katie R . United States and European Union approaches to the death penalty: America should consider a new perspective. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 154-167

paper approaches influence and discusses the potential justification for such diverse European Union policies. Lastly, this paper will discuss why the approach of the European Union is relevant to the death penalty discussion in the United States. Against all opposition, the United States has preserved the use of the death penalty in contrast to many thriving nations around the globe.

156

Opposition to the death penalty followed shortly after with states abolishing the death penalty as early as 1846.15 New methods of execution began emerging, beginning with electrocution in 1889 in an attempt to find more constitutional methods of execution.16 In 1897, as a response to a bill for total abolition of the death penalty,17 Congress declared the death penalty no longer proper in regards to several previously death-eligible offenses and left most all death sentences to the discretion of the jury.18 This shift towards more jury discretion was effectively approved by the Supreme Court in the case of Winston v. United States.19 Trends were continuing to change and utilization of the death penalty became a decision that was up to the jury.20 While minor changes took place over the next several years,21 this discretionary sentencing was the generally accepted rule until late the 1960s and early 1970s. At this time questions of constitutionality were frequently raised, particularly focused on the question of whether executing criminals constituted cruel and sachusetts, New York, and Pennsylvania determined that arson was not a capital offense; manslaughter was distinguished from murder in early Quaker colonies of Pennsylvania and West New Jersey; Massachusetts held that blasphemy, adultery, and incest were not capital crimes in the early eighteenth century; Massachusetts eventually held that robbery was not a capital crime in 1761; New York added piracy, counterfeiting, and perjury to its list of capital crimes.) 13  By 1860, no northern state recognized capital punishment for any crimes other than murder and treason. Id. at 130-31. 14  Death eligible offenses included murder, treason, robbery, and rape. 1 Cong. Ch. 9 §§ 1-14 (1790). 15  Michigan voted to abolish capital punishment in 1846, followed by Wisconsin in 1853. Banner, supra note 10, at 130. 16  The use of the electric chair was introduced in 1889, followed by use of the gas chamber in 1921, and lethal injection in the 1970s. Id. at 169, 196, 296. 17  Newton M. Curtis, The Death Penalty Undesirable and Not Sustained by Divine Authority, reprinted in Voices Against Death 143 (Phillip English Mackey, ed., 1976). 18  29 Stat. 487 (1897). 19  172 U.S. 303 (1899). 20  Id. 21  States were continuing to abolish the death penalty, other states were shortening enumerated capital crimes.

unusual punishment, something deemed unacceptable by the United States Constitution, as well as most state constitutions.22 The Supreme Court heard a series of cases and slowly fine-tuned the death penalty approach in the United States.23 However, the actual utilization of the death penalty was beginning to slow as these constitutional questions became more common.24 The Court began recognizing that what was considered cruel and unusual would change and evolve over time as attitudes and morals changed.25 Opposition to the death penalty grew drastically as more states abolished the death penalty all together.26 As stated before, even in those states where execution was still legal, it was being used much less frequently.27 Opportunities to appeal and the possibility of having a sentence overturned became greater as it seemed the Supreme Court became more willing to address these issues. Things took a significant turn in the late 1960s when, due in part to the Civil Rights movement, the Supreme Court started analyzing the unconstitutional effects of death penalty legislation more closely.28 Beginning in 1970 with McGautha v. California,29 the Supreme Court, with a new make-up of Justices, heard a new string of death penalty cases. 30 The Court held in McGautha that jurors were given unfettered discretion in death penalty trials and that this preserves the Constitutional rights of all parties involved, focusing on due process rights.31 Shortly after the McGautha decision, the Court decided to hear Furman v. Georgia,32 which addres22  Banner, supra note 10, at 231-235. 23  See Trop v. Dulles, 356 U.S. 86 (1958) (holding the Eighth Amendment contains an evolving standard of decency); and United States v. Jackson, 390 U.S. 570 (1968) (holding that Federal Kidnapping Act’s requirement of the death penalty for a violation was unconstitutional; and Witherspoon v. Illinois, 391 U.S. 510 (1968) (holding that exclusion of potential jurors because of general objections to the death penalty is unconstitutional). 24  Executions in the U.S. 1608-2002: The ESPY File, Death Penalty Information Center (March 12, 2013), http://www. deathpenaltyinfo.org/documents/ESPYyear.pdf. 25  Banner, supra note 10, at 237. 26  Alaska and Hawaii abolished the death penalty in 1957, Vermont in 1964, West Virginia in 1965, Iowa in 1965, and North Dakota in 1973. Id. at 242-44. 27  Executions in the U.S. 1608-2002: The EPSY File, supra note 25. 28  See McGautha v. California, 402 U.S. 183 (1971); Furman v. Georgia, 408 U.S. 238 (1972). 29  See McGautha, 402 U.S. 183. 30  Banner, supra note 10, at 256. 31  See McGautha, 402 U.S. at 207. 32  Furman, 408 U.S. 238.

HILL, Katie R . United States and European Union approaches to the death penalty: America should consider a new perspective. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 154-167

Since this time, directly after our nation’s founding, the death penalty and its standards have not stopped changing. Even before our new country drafted its national Constitution, states were beginning to reform their individual laws to shorten the list of death-eligible crimes.13 However, in 1790 a newly formed Congress instituted mandatory death penalties for several “federal offenses.”14

157

While the specific Constitutional standards have continued to evolve, the changes since the country’s inception have been significant. However, they have not been as substantial as changes in nations worldwide, many of which decided to abolish the death penalty altogether.

3. The death penalty in the European Union The European Union is a collective group of nations that have aligned and joined forces to promote peace and prosperity.41 This Union functions by issuing 33  Jackson v. Georgia, 171 S.E.2d 501 (Ga. 1969). 34  Branch v. Texas, 447 S.W.2d 932 (Tex. 1969). 35  See Furman, 408 U.S. at 239-40. 36  Id. 37  Id. at 258. 38  Id. 39  Gregg v. Georgia, 428 U.S. 227 (1976). 40  18 U.S.C.A. § 3591 (West, Westlaw through PL 112-207) (specifically enumerating death-eligible offenses including: intentional killing, intentional infliction of serious bodily injury that results in death, intentional participation in an act contemplating that lethal force would be used with the person and the person died, and intentionally engaging in an act of violence knowing that is cases great risk to a person. It states that a person shall be sentenced to death for these crimes as well as others included in Section 794 or section 2381. This statute expanded the death-eligible offenses significantly). 41  See generally Official Website for the European Union,

treaties that establish new rules, regulations, laws, and prohibitions.42 These treaties constitute binding documents for all member nations.43 The idea of this Union came about after the devastation of World War II.44 Robert Schuman set forth his plan for the reconstruction of Europe.45 His plan was to pool Europe’s resources, specifically for coal and steel production, together and create a common agency to regulate these resources.46 This plan became known as the Schuman Declaration and was the official start of building a united Europe.47 There were six founding countries: Belgium, France, Germany, Italy, Luxembourg and the Netherlands.48 These six countries began negotiations to unite in sectors other than production, and they eventually reached an agreement to merge the economic and nuclear energy fields of the separate countries.49 Establishing the practice that is still utilized today, the countries came together and signed two treaties: The European Economic Community (EEC) treaty and the European Atomic Energy Community (EAEC) treaty.50 These two treaties became known collectively as the Rome Treaties, considered the first documents officially establishing the European Union.51 These treaties both begin with language indicating the sincere desire of this Union to bring together their common morals and values to seek world peace.52 These countries seemed sure that this collective effort to achieve global harmony would make them a very strong global presence.53 The European Union began to increase membership gradually with Denmark, Ireland the United Kinghttp://europa.eu/index_en.htm (last visited April 8, 2013). 42  Id. 43  Id. 44  European Union External Action, A Guide for Americans: The European Union, 4 (2012) http://www.euintheus.org/ resources-learning/eu-guide-for-americans/. 45  Id. 46  Id. 47  Id. 48  The history of the European Union, 1945-1959, http://europa.eu/about-eu/eu-history/ (last visited April 8, 2013). 49  A Guide for Americans: The European Union, supra note 45, at 4. 50  Id. 51  Marylin J. Raisch, Treaties Establishing the European Union, American Society of International Law, http://www.asil.org/ erg/?page=eu#id.70mqtqmqxhqd (last visited April 8, 2013). 52  See The European Economic Community Treaty, March 25, 1957; and The European Atomic Energy Community Treaty, March 25, 1957. 53  Id.

HILL, Katie R . United States and European Union approaches to the death penalty: America should consider a new perspective. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 154-167

sed the arbitrariness of the death penalty as it applied not only to the facts of that case, but also two other cases: Jackson v. Georgia33 and Branch v. Texas.34 The Furman decision marked a turn in death penalty case law, holding that if a law, even though constitutional on its face, is applied in a way that produces discriminatory results, it is unconstitutional.35 For death penalty legislation to be constitutional, arbitrariness in the application of the statutes must be sufficiently extracted, which it was not in the state statutes at question in these cases.36 This holding was based on the Eighth Amendment, concluding that arbitrary sentencing constituted cruel and unusual punishment.37 As the rising Civil Rights movement had proved, a discriminatory effect was innate in all current death penalty statutes, meaning the death penalty was effectively abolished.38 The Court finally determined new death penalty statutes to be constitutional in Gregg v. Georgia39, which meant reinstating the death penalty. The United States progressed so far that in 1994, Congress instituted the Federal Death Penalty Act, which created a national standard for crimes that were death eligible.40

158

In 1986, European Union legislators drafted and signed the Single European Act.57 This Act did more to organize and streamline borderless trading and commerce.58 Shortly afterwards in 1993 came the Treaty on European Union (otherwise known as the Maastricht Treaty), which continued to alter the economic policies of the nations, attempting to form an Economic and Monetary Union.59 The Treaty on the European Union also increased judicial and political cooperation, gave the European Parliament more legislative power, and of course gave the European Union its common name.60 Article F of this treaty includes a section that explicitly states that the European Union respects and honors fundamental rights.61 This section specifically refers to the European Convention for the Protection of Human Rights and Fundamental Freedoms adopted by the Council of Europe in 1950.62 The European Convention for the Protection of Human Rights and Fundamental Freedoms outlines the most important and fundamental human rights including the right to life and liberty, to be free from torture, to be free from slavery, and even the right to a fair trial, among others.63 Many of these “fundamental rights” are si54  The history of the European Union, 1970-1979, http://europa.eu/about-eu/eu-history/ (last visited April 8, 2013). 55  The history of the European Union, 1960-1969, http://europa.eu/about-eu/eu-history/ (last visited April 8, 2013). 56  The history of the European Union, 1980-1989, http://europa.eu/about-eu/eu-history/ (last visited April 8, 2013). 57  Official Website for the European Union, supra note 41. 58  A Guide for Americans: The European Union, supra note 45, at 4-5. 59  Id.at 5. 60  Id. 61  See Treaty on European Union, art. F, sec. 2, Feb. 7, 1992. 62  Treaty on European Union, supra note 62, (referencing Convention for the Protection of Human Rights and Fundamental Freedoms, April 11, 1950). 63  Convention for the Protection of Human Rights and Fundamental Freedoms, sec. I, art. 1-6, April 11, 1950. (Rights specifically outlined in the document include: right to life, prohibition of torture, prohibition of slavery and forced labor, right to liberty and security, right to a fair trial, no punishment without law, right to respect for private and family life, freedom of thought, freedom of conscience, freedom of religion, freedom of expression, freedom of assembly and association, right to marry, right to an effective

milar or identical to those the United States deems important for its own citizens.64 In fact, nearly every right enumerated in this document is either specifically included in the United States Constitution or has been directly addressed and found fundamental by the United States Supreme Court in historic landmark decisions.65 What is perhaps most interesting about this document is the language included in Sec. I, Article 2, which reads: “Everyone’s right to life shall be protected by law. No one shall be deprived of his life intentionally save in the execution of a sentence of a court following his conviction of a crime for which this penalty is provided by law.”66 However, the Council of Europe (and the European Union) both routinely hold that the death penalty is abolished in member nations.67 While this document, adopted by the Council of Europe and supported by European Union, still provides for the death penalty, all member nations have formally abolished capital punishment and currently support its abolition worldwide.68 The European Union now boasts twenty-seven member nations, and has taken efforts to clarify and share its approach to the death penalty.69 The European Union is remedy, prohibition of discrimination, derogation in time of emergency, restrictions on political activity of aliens, prohibition of abuse of rights, and limitation on use of restrictions on rights.) 64  U.S. Const. amend. V. 65  Convention, sec. I, art. 2, 5 (right to life and liberty; see U.S. Const. amend. V (stating that no person shall be deprived of life, liberty, or property without due process)); Convention, sec. I, art. 3 (prohibition of torture; see U.S. Const. amend. VIII (stating that cruel and unusual punishment shall not be inflicted)); Convention, sec. I, art. 4 (prohibition of slavery; see U.S. Const. amend. XIII, sec. 1 (stating that slavery shall not exist)); Convention, sec. I, art. 6 (right to a fair trial; see U.S. Const. amend VI (stating that all shall enjoy the right to a speedy and public trial)); Convention, sec. I, art. 8 (respect for private and family life; see Griswold v. Connecticut, 381 U.S. 479 (1965)(holding that the Constitution protected a right to privacy)); Convention, sec. I, art. 9-11 (freedom of thought, conscience, religion, expression, assembly, and association; see U.S. Const. amend. I (stating that the government shall not infringe upon any person’s freedom of speech, press, religion, or assembly)); Convention, sec. I, art. 12 (right to marry; see Skinner v. Oklahoma, 316 U.S. 535, 541(1942)(holding that marriage is a basic civil right of all people)); Convention, sec. I, art. 14 (prohibition of discrimination; see U.S. Const. amend. XIV, sec. 1 (stating that all people are entitled to equal protection of the laws)). 66  Convention on Human Rights and Fundamental Freedoms, supra note 63, at sec. I, art. 2. 67  The Council of Europe, a death penalty free area, Council of Europe, http://hub.coe.int/what-we-do/human-rights/deathpenalty (last visited April 8, 2013). 68  Id. 69  Member countries of the European Union, Official Website for the European Union, http://europa.eu/about-eu/countries/ member-countries/ (last visited April 8, 2013).

HILL, Katie R . United States and European Union approaches to the death penalty: America should consider a new perspective. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 154-167

dom becoming members in 1973.54 By this time, customs duties between member nations were abolished and there was a free-flowing trade system developing.55 In 1981, Greece, Spain, and Portugal join the Union.56 With new member nations, the European Union issues several more important treaties.

159

70  EU Policy on Death Penalty, European Union External Action, http://eeas.europa.eu/human_rights/adp/index_en.htm (last visited April 8, 2013). 71  Charter of Fundamental Rights, Official Website for the European Union, http://europa.eu/legislation_summaries/employment_and_social_policy/antidiscrimination_relations_with_ civil_society/l33501_en.htm (last visited April 6, 2013). 72  EU Charter of Fundamental Rights, European Commission, http://ec.europa.eu/justice/fundamental-rights/charter/ (last visited April 8, 2013). 73  Charter of Fundamental Rights, title I, art. 2, sec. 2, Oct. 2, 2000. 74  EU Policy on Death Penalty, supra note 71.

4. Historical relationship between the United States and the European Union The United States and the European Union began their relationship shortly after the European Union’s inception, when the United States officially recognized the European Coal and Steel Community.75 As early as 1952, the United States provided international recognition to this developing union.76 Since then, the United States and the European Union have formed a valuable partnership.77 While this partnership benefits both nations in many ways, one of the most important ties between the two is economically.78 The European Union and the United States rely on each other for bilateral trade and foreign investment.79 In fact, the two have the largest bilateral trade relationship in the world.80 With this relationship comes respect, and the United States does align with the European Union in other areas besides economics. The European Union and the United States work together to create and implement global policy. Ironically enough, the European Union publicizes in its own literature that it works closely with the United States to support “common values” like peace, freedom, and law.81 The European Union worked with the United States in reconstructing Afghanistan both physically, legally, politically, and economically after the destruction occurred there.82 However, the two remain divided on some issues, the death penalty being one of the most notable divisive issues. While the United States is not the only country that still allows the death penalty for certain crimes, those nations that still allow the death penalty seem to be quite unlike the United States.83 Among those nations that still allow the death penalty are Afghanistan, Iraq, Iran, 75  History of Delegation, Delegation of the European Union to the United States, http://www.euintheus.org/who-we-are/ history-of-the-delegation/ (last visited April 8, 2013). 76  Id. 77  A Guide for Americans: The European Union, supra note 45, at 13. 78  Id. 79  Id. 80  Id. 81  Id. 82  Id. at 14. 83  Death Penalty Abolition Worldwide, Amnesty International, http://www.amnestyusa.org/our-work/issues/death-penalty/international-death-penalty/death-penalty-statistics-2010 (last visited April 8, 2013).

HILL, Katie R . United States and European Union approaches to the death penalty: America should consider a new perspective. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 154-167

extremely outspoken about its death penalty approach. Currently, the European Union’s website has a section dedicated to its thoughts on the death penalty, with the first sentences reading: “The European Union holds a strong and principled position against the death penalty; its abolition is a key objective for the Union’s human rights policy. Abolition is, of course, also a pre-condition for entry into the Union,” showing that the Union not only disagrees with the utilization of the death penalty, but intends to share and spread its viewpoint worldwide.70 In the late 1990s, the European Union decided that in order to give their principles greater prominence and influence, a formal document should be compiled documenting the fundamental rights and general principles of the European Union and other groups.71 This Charter of Fundamental Rights was sure to incorporate the general rights and freedoms included in the European Convention on Human Rights and Fundamental Freedoms, but also included policies and practices of other European Union member-nations as well as case law from the Court of Justice of the European Union.72 This Charter explicitly outlaws utilization of the death penalty for any reason.73 The European Union recognizes the importance of respecting the rights of its people and preserving those rights by abolishing the death penalty. Furthermore, the values of the European Union’s people are important to avoid uprising and protest, and maintain a peaceful system. The European Union has realized that preserving these rights is also preservation of the government and legal system they wish to maintain. The European Union sees the abolition of the death penalty as an extremely important aspect of a modern functioning legal system and has made it a point to share this perspective with nations all around the globe.74 One nation, in particular, that the European Union has sought to align with is the United States, but it seems their efforts have been to no avail.

160

5. Possible explanations for divergent policies Even with this important and established relationship and notable similarities in other respects, these two nations currently have very diverse perspectives on the death penalty. As previously discussed, the European Union decided shortly after its inception that fundamental rights and humans rights were to be preserved.86 More importantly, the European Union clearly established that the preservation of these rights was an important goal.87 While the United States has similarly adopted a preservation of fundamental rights through the United States Constitution, it seems clear that America and the European Union have, through the course of legislation and case law, chosen to define these rights differently. The European Union feels that life is precious and, therefore, that it is never appropriate to punish another by taking his or her life. However, the United States, also recognizing the value of individual lives, has reached a different conclusion. The United States uses the value of life to justify the harshest punishment when a person takes the life of another. If retribution is the goal, the only proper punishment for being careless with another person’s life is the most severe punishment: death. Given similar policies underlying the laws of both America and the European 84  Id. 85  Nations like United Kingdom, France, Germany, among others have abolished death penalty. Id. 86  The European Economic Community Treaty; and The European Atomic Energy Community Treaty, supra note 53. 87  Id.

Union, it is interesting to consider what leads these two unions to different conclusions on this topic. Scholars have considered many theories, among them the lack of strong leadership in the United States willing to work towards abolition of the death penalty.88 One idea is the notion that the United States offers its citizens freedom and liberties different from any other nation on this planet. While many nations give their citizens “freedom,” not all of them offer education, employment, voting, and other things as freely as the United States. Many call America the “land of opportunity” where others come to avoid persecution for any number of things. If this is really true about America, perhaps the land of unparalleled freedom comes at a price. This price is potential death. If citizens want to live, learn, and work in the “land of opportunity,” these people must do so with the understanding that if he or she chooses to disrespect the life of another in an extreme manner, the United States will take his or her life. An additional explanation is that the United States sees this as a way to maintain its classification as the most powerful nation in the world. While it is highly unlikely that this is done with such specific purpose, it is possible that the United States thinks it is necessary to be stricter on certain policies so that it looks “macho” to everyone else. Just like the child in the schoolyard threatens to beat up anyone that gets in his way in order to maintain his place as the toughest guy in the schoolyard, the United States needs to be sure it is providing the toughest stance on certain crimes. Another aspect of these policies that cannot go without mentioning is the most simple: we are dealing with two different unions. These unions are made up of different people with different attitudes, and different cultural influences. Most importantly, the European Union is facing different crimes. Perhaps crimes in the United States tend to be more heinous and atrocious and, therefore, warrant a more severe punishment. While there is no research directly supporting this theory, there is a wealth of research showing that crime rates are significantly lower in European Union countries as compared with the United States.89 Given 88  Frederick C. Millett, Will the United States Follow England (and the Rest of the World) in Abandoning Capital Punishment?, 6 Pierce L. Rev. 547, 644 (2008). 89  Reporting that in the year 2000, United States had 5.87 homicides per 100,000 population and European Union member-nations had 2.49 homicides per 100,000 population on average. Gordon

HILL, Katie R . United States and European Union approaches to the death penalty: America should consider a new perspective. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 154-167

China, Japan, Somalia, and of course the United States.84 These are all nations that have a troubled and conflicting history with the United States. However, most other forward-thinking, successful, and like-minded nations abolished the death penalty many years ago.85 The best example of this is the subject of this paper, the European Union. The European Union is a group that has issued documents, treaties, laws, and reports clearly establishing the importance of human rights, freedom, and liberty. When it comes to protecting and preserving the rights of the people, the European Union is more like the United States than almost any other nation in the world. It is, therefore, interesting to explore the reasons for such diverging policies.

161

Perhaps the most persuasive explanation for the different death penalty approaches in the United States and the European Union is directly related to the first argument set forth in this section of the paper. Part of the freedom, liberty, and justice that the United States offers its citizens is the right to speak up and protest freely.90 Furthermore, the United States government functions under a democracy and, therefore, politicians have to be accountable for their decisions to the people that elected them. This same type of democratic pressure is not present in the European Union to the same extent it is in the United States. The European Union does not makes laws in the same way as the United States and, therefore, does not have to answer to its citizens in the same way that legislators do in the United States. The website of the European Parliament generally outlines the process by which laws are made in the European Union.91 The outlines suggest that proposals are sent to the European Parliament and the European Council from the European Commission.92 Once the Parliament and the Council receive the proposal, they discuss it and determine the proper course of action.93 If Parliament and the Council agree, then Parliament officially adopts it.94 However, it is interesting to consider how the members of Parliament, the Council, and the Committee received their roles as legislators. Members of the European Commission are appointed once every five years by the European Council.95 The European Council is made

Barclay & Cynthia Tavares, International comparisons of criminal justice statistics 2000, Table 1.1 (2002) http://www.iprt.ie/files/ international/international_comparisons_of_criminal_justice_statistics_2000.pdf. 90  U.S. Const. amend. I. 91  Ordinary legislative procedure, European Parliament, http://www.europarl.europa.eu/aboutparliament/en/0080a6d3d8/ Ordinary-legislative-procedure.html (last visited April 8, 2013). 92  Id. 93  Id. 94  Id. 95  About the European Commission, European Commission, http://ec.europa.eu/about/ (last visited April 8, 2013).

up of the government leaders of the member nations,96 which are elected by various means in each member nation. Finally, the European Parliament consists of 754 elected members from across the twenty-seven member nations.97 Given this system, less members of the entire process are elected and, therefore, face fewer pressures from voting constituents. Not only is there less pressure because of the organization of the legislative system, but many United States citizens make it their job to constantly speak up about issues such as this. There is a never-ending discussion regarding the death penalty approach in America. We have evolving standards that change as the wind blows. Whereas in the European Union the decision has been firmly planted since its inception, the United States continues to discuss, analyze, and reinterpret the standards here. All of these things contribute to a potential justification for the differing policies of the United States and the European Union.

6. Importance of considering European Union policies One of the most logical reasons to consider the policies of the European Union in United States death penalty legislation is the similarities in the two as discussed above. The United States does not align in many ways with the rights and policies in countries like Iran and China, which still recognize the death penalty.98 However, the European Union seems to provide for and protects its citizens and their rights in much the same way as the United States. All of the member nations in the European Union have come together and collectively decided that killing another as punishment for a crime does not comply with the fundamental rights to life that every person is guaranteed. The European Union defines this fundamental right differently in an attempt to protect the rights of the people. Given the important rights and freedoms guaranteed to both European Union citizens and Americans, perhaps the United Sta96 

The European Council-an official institution of the EU, EuCouncil, http://www.european-council.europa.eu/the-institution.aspx?lang=en (last visited April 8, 2013). 97  Organisation and work, European Parliament, http://www. europarl.europa.eu/aboutparliament/en/0025729351/Organisation-and-work.html (last visited April 8, 2013). 98  Death Penalty Abolition Worldwide, supra note 84. ropean

HILL, Katie R . United States and European Union approaches to the death penalty: America should consider a new perspective. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 154-167

this information, it is plausible to imagine that the United States is not only dealing with more homicides, but potentially more dangerous homicides and, therefore, needs a harsher punishment in place. However, it remains to be proven whether the death penalty remains because of high crime rate or if the crime rate is high because of the death penalty.

162

The United States Constitution provides another justification for considering the policies of the European Union when forming death penalty policies in the United States. The “Supremacy Clause” of the United States Constitution states that the “supreme law of the land” shall be the Constitution along with United States Treaties.99 This would naturally include any international treaties that the United States agrees to. The United States ratified the International Covenant on Civil and Political Rights, part of the International Bill of Human Rights, in 1992 and addressed numerous specific rights that all nations would strive to provide for their citizens.100 While there is a specific provision regarding the death penalty and its application in those nations that have not abolished it,101 there is also a provision prohibiting cruel or inhuman treatment, punishment, and torture.102 While the United States has determined through the Supreme Court and much case law that the death penalty does not constitute cruel and inhuman punishment, other nations that have signed this treaty do not agree. Evidence of this fact is clear just by looking at the list of those nations that have adopted the International Covenant on Civil and Political Rights.103 Countries that have abolished the death penalty and consider it cruel and inhuman treatment, signed this international agreement.104 Some of those countries include: Austria, Belgium, Denmark, France, Germany, Portugal, Spain, Sweden, and the United Kingdom—all members of the European Union.105 While this treaty may not be actual United States law, it is nevertheless important in America and should be considered. Given the support for this treaty and the contents therein, it is clear that many other nations are 99  U.S. Const. art. VI, § 2. 100  International Covenant on Civil and Political Rights, Dec. 16, 1966. 101  This section allowed the death penalty in those states where it is provided for by law. International Covenant on Civil and Political Rights, art. 6, sec. 2, Dec. 16, 1966. 102  Id. at art. 7. 103  The International Covenant on Civil and Political Rights was adopted by the United Nations generally, with many nations signing and ratifying the document themselves. Nations that signed onto this Covenant include: Denmark, Germany, Hungary, Romania, and Sweden. See International Covenant on Civil and Political Rights, Dec. 16, 1966. 104  Id. 105  Id.

defining cruel and inhuman treatment much differently than the United States. While consideration of international policy is not required by any means, the “treaty” language was written into the Supremacy Clause of the Constitution for a reason.106 International policy is important, especially when it is the policy of nations we align with in other ways. Therefore, it makes perfect sense to consider the fact that other nations define cruel and inhuman treatment differently and possibly consider their reasons for doing so. However, based on this same notion, the Supremacy Clause is a tactic the United States has provided to get around complying with pressures of voters. If the federal government enters into an international treaty, it will become supreme law and, therefore, not up for discussion among legislators. It is also important to consider international policies on the death penalty as a result of the “evolving standard of decency” that became part of United States death penalty legislation many years ago.107 In the landmark case of Trop v. Dulles,108 Chief Justice Warren stated that the Eighth Amendment’s cruel and unusual punishment could not be judged according to the standards of the 1700s, but rather should be analyzed based on “evolving standards of decency.”109 This gives United States courts and legislators license to consider all different types of modern influences when determining what society deems to be decent today. When Chief Justice offered these words that would echo through the United States’ legal system for many years to come, he was thinking about how many influences, both domestically and internationally, would influence what people in a certain time period felt was just and decent. Interpreting the Eighth Amendment could easily include consideration of international policy, which, according to some, was intended by the drafters of the Constitution.110 When we consider the common trends and morals of “society” today, views and opinions from people around the globe are important in that consensus. Foreign affairs affect the common standards concerning war, weapons, and the economy. Therefore, in determining what constitutes cruel and unusual punishment, it is important to look at the common view of society, including influences from countries other than the United States. 106  U.S. Const., supra note 100. 107  Trop v. Dulles, 356 U.S. 86, 101 (1958). 108  Id. 109  Id. 110  Harold Hongju Koh, Paying “Decent Respect” to World Opinion on the Death Penalty, 35 U.C. Davis L. Rev. 1085, 1103 (2002).

HILL, Katie R . United States and European Union approaches to the death penalty: America should consider a new perspective. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 154-167

tes should look to the policies of nations more similar to them.

163

A further important factor for considering European Union policies in the United States’ death penalty discussion is the bilateral trade relationship referenced above.111 Scholars have hypothesized that the United States cannot maintain its positive international relations without changing its stance on death penalty.112 This theory was proven when the European Union developed new export laws regarding the shipment of certain drugs used in lethal injection in the United States, specifically to keep the drug from use in the death penalty.113 The drug the Union changed the regulations on is the anesthetic sodium thiopental.114 Being that this is the drug that takes the pain out of lethal injections, it makes sense that human rights groups will argue that without this drug, the death penalty is cruel and unusual punishment, as prohibited by the Constitution.115 The only other producer of the drug is an American-based company that refuses to supply the drug for the purpose of lethal injection.116 This is leaving the United States with few options, except an alternative method of execution. Considering 35 states currently authorize death penalty by lethal injection, this is an important issue that most certainly affects the death penalty discussion in 111  A Guide for Americans: The European Union, supra note 45, at 13. 112  Trail, supra note 2, at 122. 113  Guido Bohsem, Europe to Ban Sale of Vital Lethal Injection Drug to U.S., TIME.com (Dec. 15, 2011) http://www.time.com/ time/world/article/0,8599,2102266,00.html. 114  Id. 115  U.S. Const. amend. VIII. 116  Bohsem, supra note 114.

the United States.117 The European Union is getting its message across and, therefore, must be acknowledged. The European Union has routinely made its presence known and attempted to assert influence in death penalty cases in the United States.118 While some of this attempted involvement is just an official European Union statement issued to the public, the European Union also submits letters to parole boards, Lieutenant Governors, Governors, and others.119 Many times the United States shares a response, always reiterating that death penalty in the United States is a process left up to elected government officials and federal and state levels.120 While the response from the United States is correct, the process of forming death penalty legislation is left up to legislators in this country, there is nothing in any law prohibiting the United States from considering other viewpoints to get a new perspective. Perhaps more importantly, the United States’ reluctance to consider other death penalty approaches is causing discourse among citizens in foreign nations.121 This makes the European Union’s interest in United States legislation vital. It is clear, given the alternating history of death penalty legislation in the United States, that there are legitimate reasons for both prohibition and acceptance of the death penalty. A very old saying states that two heads are better than one, and perhaps an additional perspective on this highly-debated topic can add something to the continuing conversation regarding the death penalty here in the United States.

7. Conclusion The United States and the European Union have much different histories regarding the death penalty; 117  Authorized methods, Death Penalty Information Center, http://www.deathpenaltyinfo.org/methods-execution (last visited April 8, 2013). 118  Death Penalty Archive, Delegation of the European Union to the United States, http://www.euintheus.org/what-wedo/policy-areas/democracy-and-human-rights/torture-and-capitalpunishment/death-penalty/ (last visited April 8, 2013). 119  Id. 120  US Response to EU Statement at Organization for Security and Cooperation in Europe, Delegation of the European Union to the United States, http://www.euintheus.org/what-we-do/ policy-areas/democracy-and-human-rights/torture-and-capitalpunishment/death-penalty/death-penalty-archive-2011/ (last visited April 6, 2013). 121  Koh, supra note 111, at 1105-06.

HILL, Katie R . United States and European Union approaches to the death penalty: America should consider a new perspective. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 154-167

When this justification is joined with the prior justification, that many other nations defined cruel and inhuman in different ways, a natural step would be to consider foreign policy. The United States Supreme Court routinely allows groups and parties that have no direct relation to a case to submit amici briefs offering their thoughts and opinions on a matter. The reason for this is that those outside parties help contribute to determining what the evolving standard of decency current is. This is especially true when a non-party to a case has a potential interest in the outcome of the case. Given the European Union’s continued efforts in the United States to abolish the death penalty, it certainly has an interest in the outcome of the case and should be able to submit briefs for consideration just as groups and initiatives from the United States are welcome to do.

164

While the reason for these diverse policies could very well be undefinable, the solution might not be. Given our similarities with the European Union, both economically and constitutionally, it is important for us to consider the approach used there. This is also important given current interpretation of foreign treaties and the evolving standard of decency. The United States courts and legislators have a history of considering outside parties when amending or redefining the law in the United States, so continuing this practice with death penalty legislation is only logical. The European Union is interested and willing to provide guidance and thoughts on this troubling topic that the United States has clearly struggled with for many years. The United States needs to strive to consider important foreign perspectives concerning the critical subject of the death penalty. The reasons to consider European Union policies are numerous, while the explanation for the different death penalty policy in the United States is something far short of evident.

References 1 Cong. Ch. 9 §§ 1-14 (1790). 18 U.S.C.A. § 3591 29 Stat. 487 (1897).

Charles Alan Wright, et al., History—The Colonial Experience, 30 Fed. Prac. & Proc. Evid. §6344 (2012). Charter of Fundamental Rights, Official Website for the European Union, http://europa.eu/legislation_summaries/employment_and_social_policy/antidiscrimination_relations_with_civil_society/l33501_en.htm (last visited April 6, 2013). Convention for the Protection of Human Rights and Fundamental Freedoms, April 11, 1950. The Council of Europe, a death penalty free area, Council of Europe, http://hub.coe.int/what-we-do/humanrights/death-penalty (last visited April 8, 2013). Death Penalty Abolition Worldwide, Amnesty International, http://www.amnestyusa.org/our-work/issues/death-penalty/international-death-penalty/death-penaltystatistics-2010 (last visited April 8, 2013). Death Penalty Archive, Delegation of the European Union to the United States, http://www.euintheus. org/what-we-do/policy-areas/democracy-and-humanrights/torture-and-capital-punishment/death-penalty/ (last visited April 8, 2013). EU Charter of Fundamental Rights, European Commission, http://ec.europa.eu/justice/fundamental-rights/ charter/ (last visited April 8, 2013). EU Policy on Death Penalty, European Union External Action, http://eeas.europa.eu/human_rights/adp/index_en.htm (last visited April 8, 2013). The European Atomic Energy Community Treaty, March 25, 1957. The European Council-an official institution of the EU, European Council, http://www.european-council.europa.eu/the-institution.aspx?lang=en (last visited April 8, 2013). The European Economic Community Treaty, March 25, 1957.

About the European Commission, European Commission, http://ec.europa.eu/about/ (last visited April 8, 2013).

European Union External Action, A Guide for Americans: The European Union, 4 (2012) http:// www.euintheus.org/resources-learning/eu-guide-foramericans/.

Authorized methods, Death Penalty Information Center, http://www.deathpenaltyinfo.org/methods-execution (last visited April 8, 2013).

Executions in the U.S. 1608-2002: The ESPY File, Death Penalty Information Center (March 12, 2013), http:// www.deathpenaltyinfo.org/documents/ESPYyear.pdf.

Branch v. Texas, 447 S.W.2d 932 (Tex. 1969).

Frederick C. Millett, Will the United States Follow England

172 U.S. 303 (1899).

HILL, Katie R . United States and European Union approaches to the death penalty: America should consider a new perspective. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 154-167

the European Union has consistently disagreed with use of this punishment while the United States has spent most of the last century refining death penalty legislation, specifically as it applies to the Constitution. Both Unions, while prioritizing similar rights for citizens, have opposite views on the death penalty. The United States, by allowing the death penalty, finds itself among the company of nations such as Japan, Iran, and Afghanistan. These nations have histories of conflict with the United States, specifically as it applies to rights of citizens.

165

Furman v. Georgia, 408 U.S. 238 (1972). Gordon Barclay & Cynthia Tavares, International comparisons of criminal justice statistics 2000, Table 1.1 (2002) http://www.iprt.ie/files/international/international_ comparisons_of_criminal_justice_statistics_2000.pdf. Gregg v. Georgia, 428 U.S. 227 (1976). Griswold v. Connecticut, 381 U.S. 479 (1965). Guido Bohsem, Europe to Ban Sale of Vital Lethal Injection Drug to U.S., TIME.com (Dec. 15, 2011) http://www. time.com/time/world/article/0,8599,2102266,00.html. Harold Hongju Koh, Paying “Decent Respect” to World Opinion on the Death Penalty, 35 U.C. Davis L. Rev. 1085, 1103 (2002). History of Delegation, Delegation of the European Union to the United States, http://www.euintheus. org/who-we-are/history-of-the-delegation/ (last visited April 8, 2013). The history of the European Union, 1945-1959, http:// europa.eu/about-eu/eu-history/ (last visited April 8, 2013). The history of the European Union, 1960-1969, http:// europa.eu/about-eu/eu-history/ (last visited April 8, 2013).

Member countries of the European Union, Official Website for the European Union, http://europa.eu/abouteu/countries/member-countries/ (last visited April 8, 2013). Newton M. Curtis, The Death Penalty Undesirable and Not Sustained by Divine Authority, reprinted in Voices Against Death 143 (Phillip English Mackey, ed., 1976). Official Website for the European Union, http:// europa.eu/index_en.htm (last visited April 8, 2013). Ordinary legislative procedure, European Parliament, http://www.europarl.europa.eu/aboutparliament/ en/0080a6d3d8/Ordinary-legislative-procedure.html (last visited April 8, 2013). Organisation and work, European Parliament, http://www.europarl.europa.eu/aboutparliament/ en/0025729351/Organisation-and-work.html (last visited April 8, 2013). Rebecca Trail, The Future of Capital Punishment in the United States: Effects of the International Trend Towards Abolition of the Death Penalty, 26 Suffolk Transnat’l L. Rev. 105, 105 (2002). Senate Bill 19 to Repeal the Death Penalty Introduced, American Civil Liberties Union (March 12, 2013), http://www.aclu.org/capital-punishment/senate-bill19-repeal-death-penalty-introduced. Skinner v. Oklahoma, 316 U.S. 535, 541(1942).

The history of the European Union, 1970-1979, http:// europa.eu/about-eu/eu-history/ (last visited April 8, 2013).

States With and Without the Death Penalty, Death Penalty Information Center (March 12, 2013), http://www. deathpenaltyinfo.org/states-and-without-death-penalty.

The history of the European Union, 1980-1989, http:// europa.eu/about-eu/eu-history/ (last visited April 8, 2013).

Stuart Banner, Death Penalty: An American History 5 (Harvard University Press 2003). This enumerated list included treason, willful murder, piracy, forgery, robbery, and rape.

International Covenant on Civil and Political Rights, Dec. 16, 1966.

Treaty on European Union, Feb. 7, 1992.

Jackson v. Georgia, 171 S.E.2d 501 (Ga. 1969).

Trop v. Dulles, 356 U.S. 86 (1958).

Jurisdictions with no recent executions, Death Penalty Information Center (March 12, 2013), http://www.deathpenaltyinfo.org/jurisdictions-no-recent-executions.

U.S. Const. amend. I

Marylin J. Raisch, Treaties Establishing the European Union, American Society of International Law, http:// www.asil.org/erg/?page=eu#id.70mqtqmqxhqd (last visited April 8, 2013). McGautha v. California, 402 U.S. 183 (1971).

U.S. Const. amend. V. U.S. Const. amend VI U.S. Const. amend. VIII U.S. Const. amend. XIII U.S. Const. amend. XIV, sec. 1

HILL, Katie R . United States and European Union approaches to the death penalty: America should consider a new perspective. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 154-167

(and the Rest of the World) in Abandoning Capital Punishment?, 6 Pierce L. Rev. 547, 644 (2008).

166

rights/torture-and-capital-punishment/death-penalty/ death-penalty-archive-2011/ (last visited April 6, 2013). United States v. Jackson, 390 U.S. 570 (1968). Witherspoon v. Illinois, 391 U.S. 510 (1968).

HILL, Katie R . United States and European Union approaches to the death penalty: America should consider a new perspective. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 154-167

US Response to EU Statement at Organization for Security and Cooperation in Europe, Delegation of the European Union to the United States, http://www.euintheus. org/what-we-do/policy-areas/democracy-and-human-

167

Tudo de novo no front: MONUSCO, uma nova era nas peacekeeping operations? All new on the frontline: MONUSCO, a new era in peacekeeping operations?

Priscila Fett

doi: 10.5102/rdi.v10i2.2720

Tudo de novo no front: MONUSCO, uma nova era nas peacekeeping operations? All new on the frontline: MONUSCO, a new era in peacekeeping operations?* Priscila Fett**

Resumo A Resolução 2.098 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, de 28 de março de 2013, autorizou, de forma inédita, a criação de uma Brigada de Intervenção para atuar na República Democrática do Congo como parte integrante da MONUSCO – missão de paz em andamento no país desde 1999. Entretanto, o referido documento ressalta que a inovação trazida em seu bojo não deve abrir um precedente no universo das operações de manutenção da paz da ONU. O presente artigo tem por finalidade suscitar os pontos controversos identificados na citada resolução e verificar se será possível impedir a tomada de novos rumos pelas peacekeeping operations, como desejado pelo órgão de cúpula da Organização. Para tanto, faz-se uma breve contextualização da presença da ONU no país, para na sequência analisar o conteúdo da resolução e os pontos relevantes para o debate proposto, passando à conclusão do artigo. Palavras-chave: Brigada de Intervenção. MONUSCO. ONU.

Abstract

*  Recebido em 24/07/2013   Aprovado em 30/07/2013 **  Mestre em Direitos Humanos pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, pesquisadora do Observatório de Direitos Humanos da Universidade Federal de Santa Catarina, possui cursos de extensão em Direito Internacional Humanitário pelo Institute of International Humanitarian Law, em Sanremo, Itália.

United Nations Security Council 2098 Resolution, March 28, 2013, authorized in an unprecedented manner, the creation of an Intervention Brigade to serve in the Democratic Republic of Congo as part of MONUSCO – peacekeeping mission in progress in the country since 1999. However, the document emphasizes that the referred innovation should not set a precedent in the world of UN peacekeeping operations. This article aims to raise controversial points identified in that resolution and verify if it will be possible to prevent new paths for the peacekeeping operations, as desired by the Council. Therefore, a brief contextualization of the UN presence in the country will be made, to further analyze the content of the resolution and the points relevant to the proposed debate, following to the conclusion of the article. Keywords: Intervention Brigade. MONUSCO. UN.

Por meio da Resolução 2.098, de 28 de março de 2013, os membros do Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU) – seguindo as recomendações feitas pelo Secretário-Geral das Nações Unidas (SGNU) em seu relatório de 27 de fevereiro1 – aprovaram por unanimidade a criação de uma Brigada de Intervenção (BI) para somar esforços à Mission de l’Organisation des Nations Unies pour la Stabilisation en République Démocratique du Congo (MONUSCO), pelo período inicial de um ano. A razão principal para que tal brigada fosse criada foi a expectativa de que ela ajudaria o governo congolês a fortalecer o controle sobre o seu território, possibilitando às Forces Armées de la République Démocratique du Congo (FARDC) exercer sua responsabilidade primária na segurança do país.2 A Brigada de Intervenção irá operar sob o comando e controle direto do Force Commander (FC) da MONUSCO – o General brasileiro Santos Cruz – e terá como missão empreender operações ofensivas a fim de neutralizar grupos armados e desarmá-los, visando com isso impedir sua expansão na porção leste da República Democrática do Congo (RDC) e reduzir a ameaça oferecida às autoridades estatais e à população civil.3 Dentre os grupos armados de maior relevo atuantes em território congolês, a Resolução do CSNU destaca e condena as ações do 23 March Movement (M23), das Forces Démocratiques de Libération du Rwanda (FDRL), da Alliance Democratic Forces (ADF), Alliance des Patriotes pour un Congo Libre et Souverain (APCLS), do Lord’s Army Resistance (LRA), da National Force of Liberation (FNL) e dos grupos Mayi-Mayi.4 Depreende-se da leitura da Resolução que esses serão os grupos armados que a Brigada de Intervenção deverá enfrentar. 1  *Mestre em Direitos Humanos pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, pesquisadora do Observatório de Direitos Humanos da Universidade Federal de Santa Catarina, possui cursos de extensão em Direito Internacional Humanitário pelo Institute of International Humanitarian Law, em Sanremo, Itália. UNITED NATIONS SECURITY COUNCIL. Special Report of the Secretary-General on the Democratic Republic of the Congo and the Great Lakes region. UN doc. S/2013/119. 27 fev. 2013. 2  UNITED NATIONS SECURTY COUNCIL. Special Report of the Secretary-General on the Democratic Republic of the Congo and the Great Lakes region. UN doc. S/2013/119. 27 fev. 2013, parágrafo 60.. 3  UNITED NATIONS SECURITY COUNCIL. Resolution 2098 (2013). UN doc. S/RES/2098. 28 mar. 2013. parágrafo 9. 4  UNITED NATIONS SECURITY COUNCIL. Resolution 2098 (2013). UN doc. S/RES/2098. 28 mar. 2013, Parágrafo 8.

Não obstante o fato de a Resolução 2.098 ter sido aprovada por unanimidade, muitos membros do CSNU demonstraram preocupação com as implicações que a criação da Brigada de Intervenção trará no futuro. Esse documento estabeleceu que a BI será criada “on an exceptional basis and without creating a precedent or any prejudice to the agreed principles of peacekeeping” (grifo nosso). Entretanto, como bem asseverou o representante do Reino Unido presente à reunião, Mark Grant, “Council and the United Nations had entered new territory”.5 Gert Rosenthal, representante da Guatemala, ressaltou que a criação e a atuação da BI suscitariam questões conceituais, legais e operacionais relacionadas ao alcance das ações a serem adotadas pela brigada, uma vez não terem sido bem exploradas e esclarecidas pela Resolução do CSNU.6 Em função das discussões propiciadas no âmbito do Conselho de Segurança e do novo horizonte que se descortina para as operações de manutenção da paz da Organização das Nações Unidas (ONU), o presente artigo tem por finalidade levantar os possíveis pontos de inflexão no tocante às dificuldades conceituais, legais e operacionais a serem enfrentadas pela MONUSCO, e verificar, ao fim, se a ideia frisada pelo CSNU de que a Resolução não abre um precedente no universo das peacekeeping operations é pertinente ou não. Para tanto, incialmente será feita uma breve contextualização da presença da MONUSCO na RDC para, na sequência, analisar o conteúdo da Resolução 2.098 do CSNU que criou a BI. Feita tal análise, serão apontados e debatidos os pontos controversos referentes à nova força, para então concluir se as novidades trazidas pelo Conselho de Segurança em março de 2013 influenciarão ou não, de forma determinante, as futuras missões de paz da ONU.

2. Histórico da monusco Décadas de colonialismo e de um ambiente opressivo e violento fizeram da RDC palco de massivas atro5  UNITED NATIONS SECURITY COUNCIL. ‘Intervention Brigade’ Authorized as Security Council Grants Mandate Renewal for United Nations Mission in Democratic Republic of Congo. UN doc. SC/10964. 28 mar. 2013. 6  UNITED NATIONS SECURITY COUNCIL. ‘Intervention Brigade’ Authorized as Security Council Grants Mandate Renewal for United Nations Mission in Democratic Republic of Congo. UN doc. SC/10964. 28 mar. 2013.

FETT, Priscila. Tudo de novo no front: Monusco, uma nova era nas peacekeeping operations?. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 168-192

1. Introdução

170

Na mesma época, como consequência do trágico genocídio ocorrido em Ruanda em 1994 e de um novo governo tutsi ter-se instalado no país, mais de dois milhões de refugiados ruandeses da etnia hutu cruzaram a fronteira oriental da RDC – incluídos nesse montante grupos perpetradores do genocídio.8 No ano de 1996, Ruanda e Uganda invadiram a porção leste da RDC na tentativa de encontrar os responsáveis pelo genocídio que se escondiam no país. Nessa mesma oportunidade, passaram a apoiar militarmente Laurent Kabila no seu plano de destituir Mobutu do poder.9 Em outubro daquele ano, Kabila, liderando as tropas ruandesas Alliance of Democratic Force for the Liberation of Congo (ADFL), lançou uma ofensiva contra o governo de Mobutu, dando início à primeira guerra civil do país. Em 1997, acuado e enfraquecido, Mobutu viu-se forçado a deixar a RDC, então Zaire, ocasião em que Kabila declarou-se o novo presidente da, agora renomeada, República Democrática do Congo.10 Uma vez no poder, temendo ver seu país rico em minerais anexado por Ruanda ou Uganda, Kabila reduziu a influência dos seus aliados e ordenou que retirassem suas tropas do território congolês. Como resposta, Ruanda e Uganda passaram a apoiar o movimento rebelde Congolese Rally for Democracy (CRD), baseado no leste da RDC, opositor ao seu governo.11

7  DRC PEACEBUILDING DATA. Background: The Congo Conflict. Disponível em: . Acesso em: 12 jul. 2013. 8  EASTERN CONGO INITIATIVE. History of the Conflict. Disponível em: . Acesso em: 12 jul. 2013. 9  EASTERN CONGO INITIATIVE. History of the Conflict. Disponível em: . Acesso em: 12 jul. 2013. 10  UNITED NATIONS ORGANIZATION STABILIZATION MISSION IN THE DRC. MONUSCO Background. Disponível em: . Acesso em: 13 jul. 2013. 11  UNITED NATIONS ORGANIZATION STABILIZATION MISSION IN THE DRC. MONUSCO Background. Disponível em: . Acesso em: 13 jul. 2013.

Em 1998, uma rebelião contra o governo tomou força e, em poucas semanas, rebeldes controlaram grande parte do território da RDC. Angola, Chade, Namíbia e Zimbábue prometeram apoio militar ao presidente, enquanto os rebeldes apoiados por Ruanda e Uganda dominavam a porção leste do país. Em vista da alarmante situação da RDC, o CSNU pediu um cessar fogo e a saída das forças estrangeiras, instando os governos patrocinadores a não mais interferir nos assuntos domésticos congoleses.12 Em junho de 1999, foi assinado entre RDC, Angola, Namíbia, Ruanda, Uganda e Zimbábue, o Acordo de Cessar-Fogo de Lusaka, pondo fim às hostilidades. A fim de assistir ao cumprimento e à observância do referido acordo, o CSNU instituiu a Mission des Nations Unies en République Démocratique du Congo (MONUC), pela Resolução 1.279, de 30 de novembro de 1999.13 As primeiras eleições livres, em 46 anos, ocorreram em 30 de julho de 2006. O presidente Joseph Kabila – filho de Laurent Kabila, assassinado em 201114 – foi o vencedor. O processo eleitoral pelo qual passou a RDC foi um dos eventos mais complexos organizados pela ONU. Depois das eleições, a MONUC continuou no terreno desenvolvendo tarefas políticas, militares, ligadas ao rule of law e à capacidade de reconstrução do país.15 Apesar do significativo progresso alcançado na RDC, desde o desdobramento da missão de paz e da estabilização de muitas regiões, a porção oriental do 12  UNITED NATIONS ORGANIZATION STABILIZATION MISSION IN THE DRC. MONUSCO Background. Disponível em: . Acesso em: 13 jul. 2013. Este conflito ficou conhecido como “guerra de ocupação”, dada a participação de Angola, Chade, Namíbia e Zimbábue apoiando Kabila, e Ruanda e Uganda apoiando os grupos rebeldes, cf. UNITED NATIONS ORGANIZATION STABILIZATION MISSION IN THE DRC. MONUSCO Background. Disponível em: . Acesso em: 13 jul. 2013. 13  UNITED NATIONS ORGANIZATION STABILIZATION MISSION IN THE DRC. MONUSCO Background. Disponível em: . Acesso em: 13 jul. 2013. 14  EASTERN CONGO INITIATIVE. History of the Conflict. Disponível em: . Acesso em: 12 jul. 2013. 15  UNITED NATIONS ORGANIZATION STABILIZATION MISSION IN THE DRC. MONUSCO Background. Disponível em: . Acesso em: 13 jul. 2013.

FETT, Priscila. Tudo de novo no front: Monusco, uma nova era nas peacekeeping operations?. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 168-192

cidades. Durante três décadas, o país foi governado pelo corrupto Presidente Mobutu Sese Seko. Todavia, a partir do início da década de 1990, sua força política foi perdendo vigor, ao mesmo tempo em que Laurent Kabila, opositor ao governo, foi ganhando terreno.7

171

Por esse motivo, em 1º de julho de 2011, o CSNU, por meio da Resolução 1.925, renomeou a MONUC para Mission de l’Organisation des Nations Unies pour la stabilisation en République Démocratique du Congo17 como consequência da violenta realidade do país, em especial da região leste da RDC. A nova missão foi autorizada a utilizar all necessary means para operacionalizar o seu mandato, o qual passava a conter previsões de proteção de civis, do pessoal humanitário e de agentes defensores dos direitos humanos que estivessem sob iminente ameaça de ataque físico, bem como a apoiar o Governo nos esforços de estabilização e consolidação da paz.18 Os recorrentes ciclos de violência continuam sendo um obstáculo para a paz na RDC. Com o objetivo de tratar as causas do conflito e assegurar uma paz sustentável na região, foi assinado em fevereiro de 2013,19 por 11 países, o Peace, Security and Cooperation Framework for the Democratic Republic of the Congo and the Region.20. No documento foi reconhecido que a porção oriental da RDC continua a sofrer com os cíclicos e violentos conflitos provocados por grupos armados congoleses 16  UNITED NATIONS ORGANIZATION STABILIZATION MISSION IN THE DRC. MONUSCO Background. Disponível em: . Acesso em: 13 jul. 2013. 17  UNITED NATIONS ORGANIZATION STABILIZATION MISSION IN THE DRC. MONUSCO Background. Disponível em: . Acesso em: 13 jul. 2013. 18  UNITED NATIONS ORGANIZATION STABILIZATION MISSION IN THE DRC. MONUSCO Background. Disponível em: . Acesso em: 13 jul. 2013. 19  UNITED NATIONS ORGANIZATION STABILIZATION MISSION IN THE DRC. MONUSCO Background. Disponível em: . Acesso em: 13 jul. 2013. 20  Os países assinantes foram: Congo, Angola, DRC, Ruanda, República da África Central, Burundi, África do Sul, Sudão do Sul, Uganda, Tanzânia, Zâmbia e Zimbábue, cf. UNITED NATIONS SECURITY COUNCIL. Peace, Security and Cooperation Framework for the Democratic Republic of the Congo and the region. UN doc. S/2013/131. 5 mar. 2013.

e estrangeiros. As consequências da violência empregada na região são alarmantes. A violência sexual, em especial, tem sido utilizada regularmente como arma de guerra e o número de deslocados internos pode ser considerado como um dos maiores do globo, perto de dois milhões.21 Na parte operativa do acordo, os países requisitaram à ONU uma revisão estratégica da MONUSCO, a fim de fortalecer o apoio prestado à RDC, de maneira a permitir que o Governo solucione os desafios envolvendo a questão da segurança no país.22 Em 28 de março de 2013, agindo em conformidade com os objetivos do acordo citado e buscando responder ao pedido de apoio feito pelos países africanos da região dos Grandes Lagos e, ainda, à sugestão do SGNU,23 o CSNU adotou, unanimemente, a Resolução 2.098, por meio da qual criou a Brigada de Intervenção.24

3. Resolução 2.098 A resolução instituiu a Brigada de Intervenção e dotou-a de três batalhões de infantaria, um de artilharia, um de forças especiais e uma companhia de reconhecimento, com sede em Goma, – totalizando 3.069 homens – e operando sob o comando direto do FC da MONUSCO.25 Na parte introdutória do documento, o CSNU reafirmou a importância dos princípios básicos das peacekeeping operations, sendo eles o consentimento – intimamente ligado ao respeito à soberania da RDC, também reiterado na resolução –, a imparcialidade e o mínimo uso da força – autorizado em legítima defesa e defesa 21  UNITED NATIONS SECURITY COUNCIL. Peace, Security and Cooperation Framework for the Democratic Republic of the Congo and the region. UN doc. S/2013/131. 5 mar. 2013, parágrafos 2-3. 22  UNITED NATIONS SECURITY COUNCIL. Peace, Security and Cooperation Framework for the Democratic Republic of the Congo and the region. UN doc. S/2013/131. 5 mar. 2013, parágrafo 5. 23  UNITED NATIONS SECURTY COUNCIL. Special Report of the Secretary-General on the Democratic Republic of the Congo and the Great Lakes region. UN doc. S/2013/119. 27 fev. 2013, parágrafo 60. 24  UNITED NATIONS ORGANIZATION STABILIZATION MISSION IN THE DRC. MONUSCO Background. Disponível em: . Acesso em: 13 jul. 2013. 25  UNITED NATIONS ORGANIZATION STABILIZATION MISSION IN THE DRC. MONUSCO Background. Disponível em: . Acesso em: 13 jul. 2013.

FETT, Priscila. Tudo de novo no front: Monusco, uma nova era nas peacekeeping operations?. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 168-192

país continuou assolada por ondas de violência, crises humanitárias crônicas, graves violações de direitos humanos, em especial as de natureza sexual e de gênero. Como agravante para a difícil situação congolesa, grupos armados nacionais e estrangeiros continuavam espalhados pela região aterrorizando civis e explorando, ilegalmente, recursos naturais.16

172

Quanto às motivações que levaram o CSNU à criação da brigada, a resolução ressalta dentre outras, os intermináveis ciclos de violência que assolam a parte leste da RDC, demonstrando apreensão com a presença do M23 nas imediações de Goma, bem como com as contínuas violações do DIH e abusos de direitos humanos perpetrados por este, e outros grupos. Diante de tal cenário, atribuiu-se como mandato à IB – este, fundamentado no Capítulo VII da Carta das Nações Unidas (Carta) – a responsabilidade de carry out offensive operations, either unilaterally or jointly with the FARDC, in a robust, highly mobile and versatile manner and in strict compliance with international law, including international humanitarian law [...] to prevent the expansion of all armed groups, neutralize the groups, and to disarm them […]26.

Trata-se, segundo informou o SGNU, da primeira força de combate ofensiva criada para levar a cabo operações militares contra grupos armados na RDC.27 Cabe observar que a presença de uma brigada de artilharia como parte integrante da BI pressupõe o uso de armamento pesado e de grosso calibre, o que é um indicativo da intensidade a ser alcançada com as ações ofensivas. Neste primeiro momento, muitos têm afirmado não se tratar de medida inédita a reunião de uma força com o mandato de realizar operações ofensivas, pois segundo alguns autores, a presença de uma força com essa conformação e mandato pode ser vista nos casos da Somália28 e Haiti29, por exemplo. 26  UNITED NATIONS SECURITY COUNCIL. Resolution 2098 (2013). UN doc. S/RES/2098. 28 mar. 2013.Parágrafo 9. 27  UNITED NATIONS SECURITY COUNCIL. ‘Intervention Brigade’ Authorized as Security Council Grants Mandate Renewal for United Nations Mission in Democratic Republic of Congo. UN doc. SC/10964. 28 mar. 2013. 28  Ver BLYTH, Fiona. Too Risk-Averse, UN Peacekeepers in the DRC Get New Mandate and More Challenges. Disponível em: . Acesso em: 12 jul. 2013. 29  Ver BLYTH, Fiona. Too Risk-Averse, UN Peacekeepers in the DRC Get New Mandate and More Challenges. Disponível em: . Acesso em: 12 jul. 2013. Ver OSWALD, Bruce. The Security Council and the Intervention Brigade: Some Legal Issues. American Society of

A seguir, serão vistos pontos importantes colhidos da Resolução, os quais darão subsídios ao debate, confirmando ou não o seu ineditismo, bem como sinais iniciais sobre o futuro das peacekeeping operations.

4. Pontos controversos 4.1 Questões conceituais Importante notar, antes de mais nada, que a MONUSCO é uma operação de manutenção da paz do tipo robusta, isto é, consentida pelo governo da RDC – requisito essencial para a configuração de uma peacekeeping operation30 – e autorizada com base no Capítulo VII da Carta da ONU,31 pois a violenta realidade do terreno exige o uso da força para que o mandato seja cumprido.32 International Law, v. 17, n. 15, 6 jun. 2013. 30  A Doutrina Capstone, doutrina que compilou sessenta anos de experiência da ONU em operações de manutenção da paz, diz que o consentimento deve ser dado pelas principais partes envolvidas no conflitos, cf. DEPARTMENT OF PEACEKEEPING OPERATION, DEPARTMENT OF FIELD SUPPORT. Principles and guidelines. New York, 18 de jan. 2008. Disponível em: . Acesso em: 14 jul. 2013. p. 31. No caso da RDC, têm-se as forças do governo congolês lutando contra uma série de grupos rebeldes não organizados e que não lutam por um mesmo propósito. Sendo assim, não se pode reconhecer nenhum desses grupos armados como partes legítimas e principais a darem o seu consentimento para a presença da ONU. Além disso, a referida doutrina diz que alcançar o consentimento universal é muito pouco provável em ambientes voláteis caracterizados pela presença de grupos armados desorganizados e spoilers, cf. DEPARTMENT OF PEACEKEEPING OPERATION, DEPARTMENT OF FIELD SUPPORT. Principles and guidelines. New York, 18 jan. 2008. Disponível em: . Acesso em: 14 jul. 2013, p. 32. A situação descrita enquadra-se perfeitamente no cenário da RDC, no qual a falta do consentimento universal não pode impedir as Nações Unidas de atuar. 31  FETT, Priscila. As Operações de Manutenção da Paz da Organização das Nações Unidas e os Direitos Humanos. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012, p. 51. 32  Após as malsucedidas missões de paz desdobradas na Somália, Bósnia e Ruanda durante a década de 1990, as Nações Unidas resolveram fazer um amplo e abrangente estudo acerca das falhas cometidas pela ONU nesses três episódios (UN doc. S/2000/809). O documento final, conhecido como Relatório Brahimi (UN doc. A/55/305 – S/2000/809), tendo em vista ter sido coordenado pelo ex-Ministro das Relações Exteriores da Argélia, Lakhdar Brahimi, reinterpretou o princípio do mínimo uso da força, dando início a era das peacekeeping operations robustas. Segundo o relatório, “os capacetes azuis devem estar em condições não apenas de defender a si próprios, mas outros componentes da missão e o mandato. Para tanto, as regras de engajamento devem

FETT, Priscila. Tudo de novo no front: Monusco, uma nova era nas peacekeeping operations?. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 168-192

do mandato. Essa menção reflete a preocupação do Órgão de que as novidades trazidas pela presente resolução possam deslegitimar tais princípios, abrindo novos precedentes e margens de apreciação para a doutrina das missões de paz.

173

Assim sendo, as comparações com a United Nations Operatio in Somalia (UNOSOM II) não são apropriadas, pois aquela foi considerada uma missão de enforcement por não ter havido consentimento das partes envolvidas no conflito armado.34 No que diz respeito à Mission de Nations Unies pour la Stabilisation en Haiti (MINUSTAH) no Haiti –operação de manutenção da paz que goza do consentimento do país anfitrião – a tarefa de empreender ações ofensivas não estava prevista no mandato. Ademais, por definição, uma operação de estabilização, como a em andamento no país caribenho, significa, segundo o US Field Manual 3-0,35 operação conducted in support of a host-nation or interim government or as part of an occupation when no government exists [...] They help to establish a safe and secure environment and facilitate reconciliation among local or regional adversaries. Stability operations can also help establish political, legal, social, and economic institutions and support the transition to legitimate local governance.36

Uma leitura das resoluções da MINUSTAH37 indicará a conformidade entre a nomenclatura adotada para a ser suficientemente robustas, de forma a não permitir que eles cedam às investidas das partes em conflito”. Cf. FETT, Priscila. As Operações de Manutenção da Paz da Organização das Nações Unidas e os Direitos Humanos. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012, p. 99. 33  UNITED NATIONS SECURITY COUNCIL. ‘Intervention Brigade’ Authorized as Security Council Grants Mandate Renewal for United Nations Mission in Democratic Republic of Congo. UN doc. SC/10964. 28 mar. 2013. 34  FETT, Priscila. As Operações de Manutenção da Paz da Organização das Nações Unidas e os Direitos Humanos. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012, p. 76. 35  HEADQUARTERS DEPARTMENT OF ARMY. FM 3-0. 27. Washington, DC, 27 fev. 2008. 36  HEADQUARTERS DEPARTMENT OF ARMY. FM 3-0. 27. Washington, DC, 27 fev. 2008. p. 3-7. 37  Ver Resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas 1542 (2004), 1608 (2005), 1702 (2006), 1743 (2007), 1780 (2007), 1840 (2008), 1892 (2009), 1908 (2010), 1927 (2010), 2070 (2012), cf. UNITED NATIONS STABILIZATION MISSION IN HAITI. MINUSTAH Mandate. Disponível em: . Acesso em: 18 jul. 2013.

missão, as ações previstas no mandato e o conceito visto acima,38 o qual difere consideravelmente da definição de operações ofensivas. Segundo o referido documento norte-americano, este tipo de operação é “conducted to defeat and destroy enemy forces and seize terrain, resources, and population centers […].”39 O Manual de Campanha do Exército Brasileiro, por sua vez, ensina que essas operações visam ao cumprimento de uma ou mais das seguintes finalidades: (1) Destruir forças inimigas; (2) Conquistar áreas ou pontos importantes do terreno; (3) Obter informações sobre o inimigo; (4) Privar o inimigo de recursos essenciais; (5) Desviar a atenção do inimigo de outras áreas.40

Pode-se, afirmar, portanto, que os dois casos referidos anteriormente não servem como base comparativa para o presente estudo. Há quem argumente, por derradeiro, que comparativamente à missão de paz do Haiti, a da RDC é, também, uma missão de estabilização. Entretanto, a criação da BI prova que os moldes de uma missão estabilizadora como a adotada no país caribenho não eram adequados para fazer frente aos níveis de violência encontrados no país africano, daí não ser procedente tal comparação. A originalidade da resolução ora estudada reside, então, no fato de ser a primeira vez em que a ONU assumiu, explicitamente, que suas tropas, representadas pela BI, iriam desempenhar operações ofensivas, ou seja, ações de enforcement direcionadas a grupos rebeldes, em um ambiente de operações de manutenção da paz. O próprio relatório SGNU de fevereiro deste ano sugeriu que a “intervention brigade would have the peace-enforcement tasks of preventing the expansion of, neutralizing and disarming armed groups […]”.41 38  “I. Secure and Stable Environment: (a) in support of the Transitional Government, to ensure a secure and stable environment within which the constitutional and political process in Haiti can take place; (b) to assist the Transitional Government in monitoring, restructuring and reforming the Haitian National Police […] (d) to assist with the restoration and maintenance of the rule of law, public safety and public order in Haiti [… ]II. Political Process: (a) to support the constitutional and political process under way in Haiti […] (b) to assist the Transitional Government in its efforts to bring about a process of national dialogue and reconciliation; (c) to assist the Transitional Government in its efforts to organize, monitor, and carry out free and fair municipal, parliamentary and presidential elections […]”, cf. UNITED NATIONS SECURITY COUNCIL. Resolution 1542 (2004). UN doc. S/RES/1542. 30 abr. 2004. 39  HEADQUARTERS DEPARTMENT OF ARMY. FM 3-0. 27. Washington, DC, 27 fev. 2008, p. 3-7. 40 BRASIL. Manual de Campanha: Operações (C 100 -5). 3. ed. 1997, p. 5-1. 41  UNITED NATIONS SECURTY COUNCIL. Special Report of the Secretary-General on the Democratic Republic of the Congo and the Great

FETT, Priscila. Tudo de novo no front: Monusco, uma nova era nas peacekeeping operations?. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 168-192

Ademais, vale ressaltar, mais uma vez, que a criação da Brigada de Intervenção respeitou o princípio do consentimento – este que é um dos nortes das missões de paz –, tendo sido consentida pelas autoridades governamentais, como reconheceu o representante da RDC na reunião do CSNU, Raymond N’Tungamulongo, ao afirmar que sua criação “demonstrated once again the Council’s solidarity and unwavering determination to work for Peace and Security in the Great Lakes region [...]” e frisou que a tragédia humana em andamento no leste do país é uma “exceptional situation that requires exceptional measures”.33.

174

4.2 Questões legais 4.2.1 Alvo legítimo

Boletim acrescentou que peacekeepers que empregarem a força em legítima defesa deverão respeitar o DIH, mas que tal exigência não faz deles combatentes e, portanto, continuam a gozar da proteção a eles conferida, equiparável ao status de civis em conflitos amados previsto na IV Convenção de Genebra (CG), de 1949.46 Essa garantia de não poderem ser considerados alvos legítimos em ambiente de conflito armado é concedida pela Convenção sobre Segurança das Nações Unidas e Pessoal Associado, de 9 de dezembro de 1994 (Convenção de 94).47

A questão referente ao status da força de manutenção da paz da ONU em conflito armado – se considerada parte do conflito ou não – tem sido debatida há décadas sem que uma conclusão seja encontrada. Conforme explica Bruce Oswald, a ONU nunca admitiu, publicamente, que seus peacekeepers são partes do conflito.42

A Convenção de 94 inclui no rol de crimes contra as Nações Unidas o assassinato, o rapto e o ataque a membros dos componentes militar, policial e civil de operações da ONU,48 e acrescenta o dever de os Estados-partes punirem aqueles que tenham cometido um dos crimes descritos.49

Mesmo silenciando sobre o tema, em 1999, a ONU manifestou-se por meio do boletim do SGNU Kofi Annan intitulado Observance by United Nations Forces of International Humanitarian Law (Boletim),43 sobre a necessidade de as suas tropas aplicarem e observarem as normas consagradas pelo Direito Internacional dos Conflitos Armados (DICA).44

Tal previsão influenciou os redatores do Estatuto de Roma que acrescentaram ao artigo 8 (b) (iii) a seguinte hipótese de crime de guerra:

O referido documento aplica-se às forças da ONU que se encontrem em situações de conflito armado e, nele, estejam ativamente engajadas como combatentes durante o tempo que nessas condições estiverem. Esse boletim também será aplicado em casos de ações de enforcement, ou em operações de manutenção da paz quando o uso da força estiver autorizado em legítima-defesa45 (grifo nosso).

Mesmo inserindo os peacekeepers no universo do DICA, a ONU continuou a não reconhecer o status das suas tropas como partes em conflitos. Nessa esteira, o Lakes region. UN doc. S/2013/119. 27 fev. 2013, parágrafo 60. 42  OSWALD, Bruce. The Security Council and the Intervention Brigade: Some Legal Issues. American Society of International Law, v. 17, n. 15, p. 2, 6 jun. 2013. 43  UNITED NATIONS SECRETARIAT. Secretary-General’s Bulletin: Observance by United Nations forces of international humanitarian law. UN doc. ST/SGB/1999/13. 6 ago. 1999. 44  “Direito Internacional dos Conflitos Armados [...] se revela a mais técnica das nomenclaturas, considerando que acomoda, sem qualquer esforço interpretativo, tanto a vertente de restrição de meios e métodos de combate quanto a vertente de proteção das vítimas no âmbito dos conflitos armados”. Cf. PALMA, Najla. Curso de Direito Militar: Direito Internacional Humanitário e Direito Penal Internacional. Rio de Janeiro: Fundação Trompowsky, 2009, p. 14. 45  UNITED NATIONS SECRETARIAT. Secretary-General’s Bulletin: Observance by United Nations forces of international humanitarian law. UN doc. ST/SGB/1999/13. 6 ago. 1999, artigo 1, (1.1).

intentionally directing attacks against personnel, installations, material, unites or vehicles involved in a humanitarian assistance or peacekeeping mission in accordance with the Charter of the United Nations, as long as they are entitled to the protection given to civilian objects under the international law of armed conflicts50 (grifo nosso).

Assim, os capacetes azuis que empregam a força em legítima defesa não são vistos como combatentes – pois gozam de proteção à luz da Convenção de 94 –, devendo constituir crime de guerra qualquer ataque a eles direcionado. Fica, então, a dúvida: mas e aqueles que se virem engajados ativamente nas hostilidades e desenvolvendo ações de enforcement, como mencionado no Boletim do SG, gozarão eles de tal proteção? 46  “1, (1.2) A edição do boletim não prejudica o status protetivo conferido aos membros de peacekeeping operations pela Convenção sobre Segurança do Pessoal das Nações Unidas e Associados, ou o status de não-combatentes, que confere a eles a mesma proteção de que gozam os civis, segundo o DIH”. Cf. UNITED NATIONS SECRETARIAT. Secretary-General’s Bulletin: Observance by United Nations forces of international humanitarian law. UN doc. ST/SGB/1999/13. 6 Ago. 1999. 47  UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY. Convention on the Safety of United Nations and Associated Personnel. UN doc. 49/59. 17 Feb. 1995. 48  UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY. Convention on the Safety of United Nations and Associated Personnel. UN doc. 49/59. 17 Feb. 1995. Artigo 1, (a). 49  UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY. Convention on the Safety of United Nations and Associated Personnel. UN doc. 49/59. 17 Feb. 1995. Artigo 19. 50  MAHNOUSH, Arsanjani. Convention on the Safety of United Nations and Associated Personnel. United Nations Audiovisual Library of International Law, 2009. p. 6.

FETT, Priscila. Tudo de novo no front: Monusco, uma nova era nas peacekeeping operations?. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 168-192

Nota-se, com isso, um certo hibridismo da MONUSCO, pois ao mesmo tempo em que é uma operação de manutenção da paz, desenvolve, também, ações de enforcement.

175

O documento editado pelo CICV denomina-se Interpretative Guidance on the Notion of Direct Participation in Hostilities Under International Humanitarian Law.56 Apesar de tratar de hipóteses em que civis perdem seu status de pessoas protegidas por participarem diretamente nas hostilidades, por analogia, o guia do CICV servirá de referência para identificar situações em que peacekeepers perderão a proteção de que gozam – já que a proteção a eles atribuída equipara-se a dos civis –, tornando-se alvos legítimos.

Vale ressaltar que as expressões “ativa” e “diretamente” engajadas se equivalem. Embora o texto em inglês do artigo 3o Comum às Convenções de Genebra52 e o 51, (3) do PAI, utilizem os termos “ativa” e “direta”, respectivamente, o uso da expressão participent directment, encontrada em todos os citados documentos em suas versões em francês,53 comprova que os termos referem-se à mesma qualidade e grau de participação nas hostilidades.54 Em português, vê-se a mesma identificação linguística, sendo utilizado o termo “diretamente” em todas as hipóteses.55

Segundo a publicação, para que um ato enquadre-se dentro da noção de “participação direta nas hostilidades”, este deve preencher, cumulativamente, três requisitos:57

51  INTERNATIONAL COMMITTEE OF RED CROSS. Protocol Additional to the Geneva Conventions of 12 August 1949, and relating to the Protection of Victims of International Armed Conflicts (Protocol I), 8 June 1977..Disponível em: . Acesso em: 14 jul. 2013. 52  “3. In the case of armed conflict not of an international character occurring in the territory of one of the High Contracting Parties, each Party to the conflict shall be bound to apply, as a minimum, the following provisions: 1) Persons taking no active part in the hostilities [...]”, cf. INTERNATIONAL COMMITTEE OF RED CROSS. Convention (III) relative to the Treatment of Prisoners of War. Geneva, 12 Aug. 1949. Disponível em: . Acesso em: 14 jul. 2013. 53  “3. En cas de conflit armé ne présentant pas un caractère international et surgissant sur le territoire de l’une des Hautes Parties contractantes, chacune des Parties au conflit sera tenue d’appliquer au moins les dispositions suivantes : 1) Les personnes qui ne participent pas directement aux hostilités [...]”. Cf. COMITÉ INTERNATIONAL DE LA CROIX-ROUGE. Convention (III) de Genève relative au traitement des prisonniers de guerre, 12 août 1949. Disponível em: . Acesso em: 13 jul. 2013. “51, (3) PAI 3. Les personnes civiles jouissent de la protection accordée par la présente Section, sauf si elles participent directement aux hostilités et pendant la durée de cette participation [...]”. Cf. COMITÉ INTERNATIONAL DE LA CROIX-ROUGE. Protocole additionnel aux Conventions de Genève du 12 août 1949 relatif à la protection des victimes des conflits armés internationaux (Protocole I), 8 juin 1977. Disponível em: . Acesso em: 13 jul. 2013. 54  INTERNATIONAL COMMITTEE OF RED CROSS. Interpretative Guidance on the Notion of Direct Participation in Hostilities Under International Humanitarian Law. Genebra, maio de 2009, p. 43. 55 “Artigo 3º: No caso de conflito armado que não apresente um carácter

deve ser tal que afete as operações militares, ou a capacidade militar de uma parte em conflito armado ou, alternativamente, inflija morte, ferimentos, ou destruição a pessoas ou objetos protegidos contra ataques diretos;

deve haver uma ligação causal entre o ato e o dano por ele causado, ou por uma operação militar coordenada da qual o ato constitua parte integral (causa direta); e

deve ser especificamente concebido para enquadrar-se no padrão de dano exigido, como suporte a uma parte do conflito e em detrimento da outra (nexus legirante).

internacional e que ocorra no território de uma das Altas Partes contratantes, cada uma das Partes no conflito será obrigada aplicar, pelo menos, as seguintes disposições: 1) As pessoas que não tomem parte diretamente nas hostilidades [...]”. Cf. COMITÊ INTERNACIONAL DA CRUZ VERMELHA. Artigo 3º comum às quatro Convenções de Genebra. Disponível em: . Acesso em: 13 jul. 2013. “51, (3) As pessoas civis gozam da proteção concedida pela presente secção, salvo se participarem diretamente nas hostilidades e enquanto durar essa participação”. Cf. COMITÊ INTERNACIONAL DA CRUZ VERMELHA. Protocolo I Adicional às Convenções de Genebra de 12 de Agosto de 1949 relativo à Proteção das Vítimas dos Conflitos Armados Internacionais. . Acesso em: 13 jul. 2013. Como a ideia de participação nas hostilidades é idêntica nos PAI e PAII, ela deve ser interpretada da mesma forma para os conflitos armados independentemente da sua natureza, cf. INTERNATIONAL COMMITTEE OF RED CROSS. Interpretative Guidance on the Notion of Direct Participation in Hostilities Under International Humanitarian Law. Genebra, maio 2009,. p. 43. 56  INTERNATIONAL COMMITTEE OF RED CROSS. Interpretative Guidance on the Notion of Direct Participation in Hostilities Under International Humanitarian Law. Genebra, maio 2009. 57  INTERNATIONAL COMMITTEE OF RED CROSS. Interpretative Guidance on the Notion of Direct Participation in Hostilities Under International Humanitarian Law. Genebra, maio 2009, p. 46.

FETT, Priscila. Tudo de novo no front: Monusco, uma nova era nas peacekeeping operations?. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 168-192

O Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) editou, em maio de 2009, um documento que buscou pontuar os casos em que civis, participando diretamente das hostilidades, perderiam seu status de pessoas protegidas, tornando-se assim alvos legítimos, como bem informa o Artigo 51, (3) do Protocolo Adicional às convenções de Genebra I (PAI): “Civilians shall enjoy the protection afforded by this Section, unless and for such time as they take a direct part in hostilities”51 (grifo nosso).

176

significativo e importante no ambiente de um conflito armado, pois sob nenhuma circunstância a necessidade militar pode justificar a inobservância do dever de distinguir entre combatentes – alvos legítimos – e não combatentes – hors de combat e civis que não tomem parte nas hostilidades.62

Na busca, portanto, da resposta sobre se peacekeepers podem ser considerados alvos legítimos, Yoram Dinstein apud Gary Solis diz que, por definição, alvos legítimos são tanto os membros de forças armadas partes de um conflito, como qualquer outro que tome parte diretamente nas hostilidades.59 Desta forma, caso enquadrem suas atividades na tríade estabelecida pelo CICV, peacekeepers podem, sim, tornar-se alvos legítimos.

O Protocolo Adicional I, em seu Artigo 48, é que o normatiza e assim estabelece:

No caso da MONUSCO, a Resolução 2098 informa que

Uma vez aceito que os membros da brigada são partes do conflito, a questão que surge é se a MONUSCO como um todo deve ser vista como parte do conflito. Pode-se argumentar que, o fato de a brigada e de a tropa de manutenção da paz estarem sob o comando e controle do FC, toda a força deve ser vista como alvo legítimo pelas forças opositoras.63

In support of the authorities of the DRC, [...] carry out targeted offensive operations through the Intervention Brigade […] in a robust, highly mobile and versatile manner and in strict compliance with international law, including international humanitarian law […] 60(grifo nosso).

Desta feita, a partir de uma visão legalista, Bruce Oswald diz ser difícil concluir que a brigada não será parte dos conflitos nos casos em que conduzir operações ofensivas,61 visto que as hipóteses do CICV se assemelham aos conceitos de operações ofensivas mencionados anteriormente e, como tal, deverão obedecer às normas de direito internacional humanitário e passarão a ser alvo legítimo enquanto durar sua participação nas hostilidades. 4.2.2 Distinção Surge, então, novo ponto de discussão, que se refere à distinção entre membros da BI e todos os outros integrantes da MONUSCO. O princípio da distinção é um dos princípios basilares do DIH. A distinção, afirma Solis, é o conceito mais 58  INTERNATIONAL COMMITTEE OF RED CROSS. Interpretative Guidance on the Notion of Direct Participation in Hostilities Under International Humanitarian Law. Genebra, maio 2009, p. 65. 59  SOLIS, Gary. The Law of Armed Conflicts – International Humanitarian Law in War. New York: Cambridge University Press, 2010, p. 187. 60  UNITED NATIONS SECURITY COUNCIL. Resolution 2098 (2013). UN doc. S/RES/2098. 28 mar. 2013, parágrafo 12, (b). 61  OSWALD, Bruce. The Security Council and the Intervention Brigade: Some Legal Issues. American Society of International Law, v. 17, n. 15, 6 jun. 2013, p.2.

de forma a assegurar o respeito e a proteção da população civil e dos bens de caráter civil, as Partes no conflito devem sempre fazer a distinção entre população civil e combatentes, assim como entre bens de caráter civil e objetivo militares, devendo, portanto, dirigir as suas operações unicamente contra objetivos militares.

Há, também, a opção de se distinguir entre os membros da MONUSCO que estão ativamente engajados nas hostilidades e, assim, alvos legítimos, e aqueles que não estão – alvos ilegítimos. De qualquer maneira, é importante considerar de que forma as forças de oposição no conflito irão distinguir entre membros da BI e membros restantes da MONUSCO.64 Acerca dessas várias possibilidades que surgiram quanto à distinção de combatentes e não combatentes, o representante de Ruanda na reunião do CSNU, Eugène Gasana, opinou dizendo que se deve assegurar uma clara separação de tarefas entre a BI e o mandato dos capacetes azuis da MONUSCO, os quais devem manter seu foco em proteger civis, especialmente contra violência sexual.65 Outra providência útil seria identificar os 62  SOLIS, Gary. The Law of Armed Conflicts – International Humanitarian Law in War. New York: Cambridge University Press, 2010, p. 251. 63  OSWALD, Bruce. The Security Council and the Intervention Brigade: Some Legal Issues. American Society of International Law, v. 17, n. 15, 6 jun. 2013, p. 2. 64  OSWALD, Bruce. The Security Council and the Intervention Brigade: Some Legal Issues. American Society of International Law, v. 17, n. 15, 6 jun. 2013, p. 2. 65  UNITED NATIONS SECURITY COUNCIL. ‘Intervention Brigade’ Authorized as Security Council Grants Mandate Renewal for United Nations Mission in Democratic Republic of Congo. UN doc. SC/10964. 28 mar. 2013.

FETT, Priscila. Tudo de novo no front: Monusco, uma nova era nas peacekeeping operations?. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 168-192

Importante lembrar que o escopo temporal concernente à participação direta nas hostilidades inclui as medidas preparatórias para a execução de um ato específico, bem como o deslocamento para realizar a ação e o retorno do local onde foi executada, constituindo, esse conjunto de ações, parte integral do ato.58

177

Definir essa questão é de suma importância para a segurança da missão como um todo. A sujeição da BI ao comando do mesmo Force Commander que controla os outros capacetes azuis encarregados de desempenhar outras funções previstas no mandato pode, além de dificultar a distinção, comprometer a legitimidade de que goza o FC e a própria missão, podendo levar as partes em conflito e a população local a não consentirem mais a presença da ONU em seu território. 4.3 Questões operacionais

4.3.1 A ação de neutralizar Dentre as tarefas atribuídas aos membros da BI, a resolução estabelece que terão a responsabilidade de “neutralize armed groups, and disarm them in order to contribute to the objective of reducing the threat posed by armed groups on state authority and civilian security in eastern DRC and to make space for stabilization activities”.66 Por que o CSNU julgou necessário incluir no mandato da BI a previsão de “neutralizar” os grupos armados? O CSNU usou este termo em que sentido? O US Department of Defense Dictionary of Military and Associated Terms define o termo “neutralizar” como: “1. As pertains to military operations, to render ineffective or unusable; 2. To render enemy personnel or material incapable of interfering with a particular operation; 3. To render safe mines, bombs, missiles, and booby traps”.67 O Glossário das Forças Armadas editado pelo Ministério da Defesa brasileiro, por sua vez, o conceitua como “1. Produzir, temporariamente, um certo grau de dano às forças, equipamentos, bases ou meios de apoio logístico do inimigo, de modo a tornar as suas operações ineficazes ou incapazes de interferir numa determinada operação”.68 A falta de esclarecimentos sobre as atividades a serem desenvolvidas para “neutralizar” os grupos armados obscurece o mandato e dificulta a sua operacionali66  UNITED NATIONS SECURITY COUNCIL. Resolution 2098 (2013). UN doc. S/RES/2098. 28 mar. 2013, parágrafo 12, (b). 67  DEPARTMENT OF DEFENSE. Dictionary of Military and Associated Terms. JP 1-02. 8 nov. 2010, p. 198. 68  BRASIL. MINISTÉRIO DA DEFESA. Glossário das Forças Armadas (MD35-G-01). 4. ed. 2007. p. 169.

zação no terreno.69 Os documentos conceituais citados mostram que, apesar de próximos, cada país possui a sua interpretação para o termo. Vê-se, então, que em uma Brigada de Intervenção multinacional70 muitas podem ser as interpretações quanto à forma de se proceder. Afinal, o que espera o Conselho de Segurança? Quais os limites para as ações de neutralização? 4.3.2 “All Necessary Means” Além disso, não ficou claro o porquê de o CSNU ter decidido empregar o termo “neutralizar”, uma vez que a BI, como parte integrante da MONUSCO, já estaria autorizada a empregar all necessary means para cumprir com a sua parte no mandato – “contribute to the objetive of reducing the threat posed by armed groups on state authority and civilian security in eastern DRC and to male space for stabilization activities”.71 Quer dizer que a BI deverá interpretar o all necessary means de forma mais restrita por causa do termo “neutralizar”?72 Sendo assim, no tocante ao uso da força e às situações em que deverá ser empregado, fica a dúvida de como as tarefas serão operacionalizadas tendo em vista já haver a presença de tropas da MONUSCO em território congolês autorizadas a usar a força para a concretização dos objetivos previstos no mandato. Deverá haver uma Regra de Engajamento (ROE) para a BI e outra para o restante da tropa? Em caso negativo, por que desdobrar uma nova força com as mesmas regras de engajamento e com o mesmo vigor da já existente?73 69 “O mandato, saliente o Relatório Brahimi, é extremamente importante para o êxito da missão de paz e, por isso, deve ser muito bem delineado. Desse modo, o compromisso de alcançar um consenso no Conselho de Segurança não pode prejudicar a clareza do mandato, ensejando, assim, interpretações ambíguas que possam vir a causar sérios problemas no terreno.” Cf. FETT, Priscila. As Operações de Manutenção da Paz da Organização das Nações Unidas e os Direitos Humanos. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012, p. 100. 70  Integram a BI forças da Tanzânia, África do Sul e Malavi, cf. THE GUARDIAN. M23 rebels in DRC prepare for battle with new UN force. Disponível em: . Acesso em: 12 jul. 2013. 71  UNITED NATIONS SECURITY COUNCIL. Resolution 2098 (2013). UN doc. S/RES/2098. 28 mar. 2013.Parágrafo 12. 72  OSWALD, Bruce. The Security Council and the Intervention Brigade: Some Legal Issues. American Society of International Law, v. 17, n. 15, 6 jun. 2013, p. 3. 73  BLYTH, Fiona. Too Risk-Averse, UN Peacekeepers in the DRC Get New Mandate and More Challenges. Disponível em: . Acesso em: 12 jul. 2013.

FETT, Priscila. Tudo de novo no front: Monusco, uma nova era nas peacekeeping operations?. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 168-192

membros da IB com um uniforme diferente, a fim de que pudessem ser reconhecidos à distância como integrantes dessa força especial.

178

tos, abduções, saques e estupros perpetrados pelo M23 nas cidades orientais de Rutshuru e Kiwanja.76

4.3.3 Escalada da violência e retaliações

5. Considerações finais

No campo político que rege as relações entre os grupos armados, os membros da BI da MONUSCO e as forças do governo congolês, a novidade introduzida pela Resolução 2.098 poderá trazer implicações para a população civil.

O representante da RDC no CSNU disse que o novo mandato da MONUSCO deve levar ao surgimento de uma nova era de direitos humanos, segurança e estabilidade para todos, além de uma cooperação regional e desenvolvimento sustentável.77

Discussões têm-se amplificado no que se refere ao questionamento se as operações militares ofensivas conduzidas pela BI irão piorar a situação do civis, que passarão a sofrer com o fogo cruzado, ou retaliações pelos grupos rebeldes. Experiências passadas provam que operações ofensivas lançadas contra grupos rebeldes, tais como as que ocorreram contra o LRA pelas forças ugandenses, em 2008, resultaram em represálias violentas contra a população civil.74

A despeito do tom otimista da declaração daquela autoridade, conclui-se, ao longo do exposto neste artigo, que a criação de uma BI na estrutura de uma peacekeeping operation suscita importantes questões dos pontos de vista conceitual, legal e operacional que necessitam ser esclarecidas.

Nessa esteira, Paul Napsu, Secretário-Geral da Federación International des Ligues de Droit de L’homme, afirma que a criação de uma BI certamente terá como resultado a escalada nos confrontos militares e o aumento de ações de retaliação direcionadas aos civis conduzidas pelos grupos armados.75 Em relatório datado de 28 de junho de 2013, o SGNU, na sua análise descritiva da situação na RDC, informou que no dia 8 de abril o grupo M23 bloqueou seis caminhões civis identificados com o escudo da ONU, acusando-os de estarem transportando armamentos para a BI ou para as forças do governo congolês, FARDC. Além disso, esse mesmo grupo fez uma série de pronunciamentos em diferentes mídias ameaçando a BI e comícios na região de Rutshuru (Leste do país), incitando a população civil a se manifestar contrariamente à presença da brigada. Durante esse mês, o SGNU mencionou ter havido informes sobre assassina74  BLYTH, Fiona. Too Risk-Averse, UN Peacekeepers in the DRC Get New Mandate and More Challenges. Disponível em: . Acesso em: 12 jul. 2013. 75  FEDERACIÓN INTERNATIONAL DES LIGUES DE DROIT DE L’HOMME. DRC: An intervention brigade within MONUSCO would require further human rights protection mechanisms. Disponível em: . Acesso em: 14 jul. 2013.

No que se refere aos conceitos, a MONUSCO deve ser enquadrada na categoria de uma operação de manutenção da paz robusta – dada a violenta realidade do país –, pois seu desdobramento foi consentido pelas autoridades da RDC. A criação da BI como parte integrante da missão deu-se da mesma forma, com forte apoio por parte do governo congolês, que reconheceu o fato de a tragédia humana em andamento na porção oriental do país ser uma situação excepcional e que, portanto, requer medidas excepcionais. E como força excepcional que é, a BI é, sim, uma inovação trazida pelo Resolução 2.098, sem precedentes na história das missões de paz da ONU, pois pela primeira vez as Nações Unidas estabeleceram, explicitamente, que uma brigada seria criada em ambiente de operação de manutenção da paz para levar a cabo operações ofensivas direcionadas a grupos rebeldes responsáveis por massivas violações de Direitos Humanos e DIH na região Leste da RDC. Para realizar tais operações ofensivas, frise-se, a brigada contará com armamento de grosso calibre, e não apenas com armas individuais e coletivas de efeitos restritos.

76  UNITED NATIONS SECURITY COUNCIL. Report of the Secretary-General on the United Nations Organization Stabilization Mission in the Democratic Republic of the Congo. UN doc. SG/2013/388. 28 jun. 2013, parágrafo 4. 77  UNITED NATIONS SECURITY COUNCIL. ‘Intervention Brigade’ Authorized as Security Council Grants Mandate Renewal for United Nations Mission in Democratic Republic of Congo. UN doc. SC/10964. 28 mar. 2013.

FETT, Priscila. Tudo de novo no front: Monusco, uma nova era nas peacekeeping operations?. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 168-192

Essa falta de clareza prejudicará não apenas as tropas, mas também a população local que terá grandes expectativas sobre sua proteção.

179

Reconhecido, uma vez, o status de partes no conflito, os membros da MONUSCO que estão ativamente engajados nas hostilidades e, assim, alvos legítimos, e aqueles que não estão – alvos ilegítimos. Para tanto, deve-se assegurar uma clara distinção de tarefas para a brigada a fim de que as forças opositoras possam identificar os seus membros como alvos legítimos a partir das tarefas por eles desempenhadas e, também, por uniforme e insígnias que os diferenciem dos outros integrantes da missão. Evoluindo para as questões operacionais, a utilização do termo “neutralizar” na Resolução 2.098, sem mais esclarecimentos e limitações, pode tornar o mandato obscuro, e assim dificultar sua operacionalização no terreno e a própria redação das regras de engajamento que deverão nortear o trabalho da BI. O CSNU deve sanar tal problema, detalhando melhor as ações que poderão ser empreendidas pela brigada. No que diz respeito à escalada na violência e possíveis retaliações à população civil como fruto da criação da BI, houve quem dissesse ter-se adotado tal medida de forma precipitada, como foi o caso do General Patrick Cammaert, ex Force Commander da MONUC. Segundo ele, ainda não se fez um estudo analítico concernente ao porquê de, nos passados cinco anos, a MONUSCO não ter sido capaz de cumprir seu mandato no que se refere à proteção dos civis e à estabilização da segurança no país. Desta feita, até que se chegasse a uma conclusão a esse respeito, não se poderia afirmar ser a melhor solução para a realidade congolesa a criação de uma brigada de intervenção.78 Todavia, como frisado anteriormente pelo representante da RDC, a situação do país é excepcional e, 78  BLYTH, Fiona. Too Risk-Averse, UN Peacekeepers in the DRC Get New Mandate and More Challenges. Disponível em: . Acesso em: 12 jul. 2013.

portanto, requer medidas deste calibre. A MONUSCO tem, então, de se preparar para cumprir com a sua responsabilidade de proteger civis, ao mesmo tempo em que desempenha as operações ditas ofensivas. A propósito desse encargo, em 15 de julho, o Centro de Informações da ONU noticiou que os capacetes azuis estavam em alerta máximo para o avanço do M23 em direção a Goma, e prontos para empregar a força em defesa dos civis, principal alvo do grupo rebelde.79 Por fim, cabe lembrar que, ao longo do século passado, as operações de manutenção da paz evoluíram alcançando o tipo robusta, e que essa mudança foi motivada, fundamentalmente, pela necessidade de responder de forma mais efetiva às barbáries do genocídio e a todas as formas de violação dos direitos humanos. Nesse sentido, a criação da BI da MONUSCO representa mais um passo na busca desse objetivo. Se esta iniciativa representará um novo paradigma para as missões de manutenção da paz, somente o sucesso do novo modelo dirá. E para que isso aconteça, urge esclarecer os pontos controversos levantados anteriormente, sem o que teremos mais um dos vários exemplos de falta de clareza dos mandatos do CSNU a comprometer seriamente o cumprimento da missão.

Referências BRASIL. Ministério da Defesa. Glossário das Forças Armadas (MD35-G-01). 4. ed. Brasília: MD, 2007. _____. _____.. Manual de Campanha: Operações (C 100 -5). 3. ed. Brasília: ME, 1997. BLYTH, Fiona. Too Risk-Averse, UN Peacekeepers in the DRC Get New Mandate and More Challenges. Disponível em: . Acesso em: 12 jul. 2013. CICV – COMITÊ INTERNACIONAL DA CRUZ VERMELHA. Artigo 3o comum às quatro Convenções de Genebra. 12 aug. 1949a. Disponível em: . Acesso em: 13 jul. 2013.

181

UNITED NATIONS NEWS CENTER. DR Congo: UN blue helmets on ‘high alert’ as M23 rebels advance towards Goma. Dsiponível em: . Acesso em: 19 jul. 2013. UNITED NATIONS SECRETARIAT. SecretaryGeneral’s Bulletin: Observance by United Nations forces of international humanitarian law. UN doc. ST/ SGB/1999/13. 6 Aug. 1999. UNITED NATIONS SECURITY COUNCIL. Resolution 1542 (2004). UN doc. S/RES/1542. 30 Apr. 2004. ______. Special Report of the Secretary-General on the Democratic Republic of the Congo and the

Great Lakes region. UN doc. S/2013/119. 27 Feb. 2013a. ______. Peace, Security and Cooperation Framework for the Democratic Republic of the Congo and the region. UN doc. S/2013/131. 5 Mar. 2013. ______. ‘Intervention Brigade’ Authorized as Security Council Grants Mandate Renewal for United Nations Mission in Democratic Republic of Congo. UN doc. SC/10964. 28 Mar. 2013b. ______. Resolution 2098 (2013). UN doc. S/ RES/2098. 28 Mar. 2013c. Parágrafo 9. ______. Report of the Secretary-General on the United Nations Organization Stabilization Mission in the Democratic Republic of the Congo. UN doc. SG/2013/388. 28 June 2013. Parágrafo 4. UNITED NATIONS STABILIZATION MISSION IN HAITI. MINUSTAH Mandate. Disponível em: . Acesso em: 18 jul. 2013.

FETT, Priscila. Tudo de novo no front: Monusco, uma nova era nas peacekeeping operations?. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 168-192

UNITED NATIONS ORGANIZATION STABILIZATION MISSION IN THE DRC. MONUSCO Background. Disponível em: . Acesso em: 13 jul. 2013.

182

A administração de territórios ocupados: indeterminação das normas de direito internacional humanitário? The administration of occupied territories and the indeterminacy of international humanitarian law João Henrique Ribeiro Roriz Fabia Fernandes Carvalho Veçoso Lucas da Silva Tasquetto

doi: 10.5102/rdi.v10i2.2021

A administração de territórios ocupados: indeterminação das normas de direito internacional humanitário? The administration of occupied territories and the indeterminacy of international humanitarian law* João Henrique Ribeiro Roriz** Fabia Fernandes Carvalho Veçoso*** Lucas da Silva Tasquetto**** And let not one of you think that in having these things he has what does not belong to him; for it is a law established for all time among all men that when a city is taken in war, the persons and the property of the inhabitants thereof belong to the captors. It will, therefore, be no injustice for you to keep what you have, but if you let them keep anything, it will be only out of generosity that you do not take it away. Xenofonte, Cyropaedia, 7.5.73.

Resumo

*  Recebido em 23/08/2012   Aprovado em 26/01/2013 ** Professor no curso de Relações Internacionais, Universidade Federal de Goiás. Doutor em direito internacional pela Universidade de São Paulo. Mestre em direito internacional pela London School of Economics and Political Science. Email: [emailprotected] *** Professora da Faculdade de Direito do Sul de Minas. Doutora e Mestre em Direito Internacional pela Universidade de São Paulo. Email: [emailprotected] **** Doutorando em Relações Internacionais na Universidade de São Paulo (IRI/USP). Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. Email: lucastasquetto@ gmail.com

O objetivo deste artigo é analisar as normas de direito internacional humanitário relativas à administração de territórios ocupados. Primeiro, apresentamos a noção de “território ocupado” no direito internacional humanitário segundo os principais tratados sobre o tema, assim como as principais decisões de tribunais internacionais sobre a matéria. Em seguida, discutimos especificamente a Regulação 43 das Regulações da Haia de 1907, que dispõe sobre os direitos e deveres do Estado ocupante. Logo após, analisamos o caso da ocupação liderada pelos Estados Unidos e pelo Reino Unido no Iraque após a guerra em 2003, que promoveu uma série de reformas liberais na economia iraquiana. À luz das regulações relativas à administração de territórios ocupados, buscamos responder se: (i) as transformações econômicas promovidas pelas potências ocupantes foram voltadas para a restauração e asseguração da ordem e da vida públicas no Iraque; e (ii) se houve um impedimento absoluto para se manter a legislação doméstica econômica. Concluímos que indeterminações das normas de direito internacional humanitário relativas à ocupação militar de territórios, impossibilitam uma resposta exata que evite o abuso promovido por aqueles que têm mais poder. O discurso em defesa das normas de direito internacional humanitário está arquitetado na premissa de que é possível reduzir o sofrimento humano em conflitos armados. Todavia, restou claro que esse sistema apresenta diversas lacunas que permitem a exploração por parte daqueles que tentam encobrir suas intenções com o manto da legalidade. Palavras-chave: Direito internacional humanitário. Ocupação territorial. Iraque.

das por parte daqueles responsáveis pela condução da vida pública no território militarmente ocupado.

The aim of this paper is to analyze the rules of international humanitarian law concerning the administration of the occupied territories. First, we introduce the notion of “occupied territory” in international humanitarian law with reference to the main treaties on the subject, as well as the major decisions of international tribunals. Then, we examine specifically regulation 43 of the 1907 Hague Regulations, which provides for the rights and duties of the occupying state. Soon after, we investigate the specific case of the occupation led by the U.S. and UK in Iraq after the war in 2003 which promoted a number of liberal reforms in the Iraqi economy. In light of the regulations regarding the administration of the occupied territories, we seek to answer whether (i) the economic transformations sponsored by the occupying powers were aimed at restoring and ensuring public order and life in Iraq, and (ii) if there was an absolute impediment in keeping economic domestic legislation. We conclude that the indeterminacies of international humanitarian law regarding the military occupation of territories preclude an exact answer that could prevent abuse directed by those who have more power. The discourse in defense of international humanitarian law is structured on the premise that it is possible to reduce human suffering in armed conflicts. However, it remains clear that this system has many loopholes that allow exploitation by those who try to cover up their intentions with the mantle of legality.

Centramos nossa atenção nos limites que o próprio direito internacional humanitário relativo a ocupações territoriais se propõe para impedir o abuso de poder da potência ocupante, mas que, no entanto, parece depender de pontos de interpretação extremamente amplos, graças ao caráter indeterminado da linguagem do direito internacional. As principais normas que regulam as atividades das potências ocupantes em territórios ocupados foram formuladas há mais de um século, nas Regulações da Haia de 1907. No entanto, continuam sendo os dispositivos mais utilizados na análise das ocupações militares, como nos casos da Palestina, de guerras africanas (como a ocupação da República Democrática do Congo) e europeias (a ocupação sérvia na Bósnia-Herzegovina). Também têm sido comuns referências ao direito da ocupação militar de territórios em casos analisados por tribunais internacionais, como a Corte Internacional de Justiça e o primeiro caso do Tribunal Penal Internacional.

Keywords: International humanitarian law. Territorial occupation. Irak.

Como estudo de caso, centraremos nossa atenção na ocupação militar liderada pelos Estados Unidos e pelo Reino Unido no Iraque, ocorrida entre meados de maio de 2003 a junho de 2004. Como será apresentado, tal ocupação ilustra muito bem a forma pela qual as normas humanitárias podem ser interpretadas com ampla discricionariedade e, como potências ocupantes, podem se utilizar dessa margem para implementar profundas reformas. Antes de expormos o caso iraquiano, faremos uma análise mais detida sobre os principais dispositivos relativos à administração de territórios ocupados, as regulações 42 e 43 das Regulações da Haia de 1907, com referências a outros dispositivos relevantes.

1. Introdução O presente artigo pretende fazer uma leitura crítica das normas de direito internacional humanitário relativas à administração de territórios ocupados. Em específico, analisamos como tais normas podem conter indeterminações que favoreçam uma das partes envolvidas, a “potência ocupante”,1 deixando pouco espaço para o desenvolvimento dos interesses do território ocupado. Nossa hipótese é que a gramática das regras relativas à atividade legislativa e à administração da ordem da vida pública nos territórios ocupados permite a adoção de amplas medi-

2. A noção de território ocupado

1  “Potência ocupante” significa o Estado que ocupa o território invadido. É o termo utilizado nos documentos de direito internacional humanitário, como as Convenções de Genebra de 1949.

2  “Un territoire est considéré comme occupé lorsqu’il se trouve placé de fait sous l’autorité de l’armée ennemie. L’occupation ne s’étend qu’aux territoires où cette autorité est établie et en mesure de

Na Regulação 42 das Regulações da Haia de 1907, encontramos os elementos utilizados na noção de “território ocupado”. Segundo esse dispositivo, um território é considerado ocupado “[...] quando se encontra de fato sob a autoridade do exército inimigo”. Complementa ainda o mesmo texto em apreço: “[...] a ocupação se estende somente ao território onde tal autoridade foi estabelecida e pode ser exercida”.2 O dispositivo deixa

RORIZ, João Henrique Ribeiro; VEÇOSO, Fabia Fernandes Carvalho; TASQUETTO, Lucas da Silva. A administração de territórios ocupados: indeterminação das normas de direito internacional humanitário?. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 183-195

Abstract

185

Os documentos posteriores às Regulações da Haia de 1907 não divergem da definição de ocupação adotada por esse instrumento. A questão que se coloca é se a Convenção de Genebra IV de 1949 amplia a definição de ocupação quando trata da proteção de civis, especificamente no lapso temporal entre o fim das hostilidades e o efetivo controle territorial exigido pela Regulação 42 das Regulações de 1907. Esse foi o entendimento expresso no comentário da Cruz Vermelha ao art. 6º da Convenção IV de 1949: de certa forma essa convenção amplia o significado de ocupação ao não exigir que o invasor tenha controle efetivo do território para a aplicação das normas humanitárias em relação à proteção de civis.3 Esse também foi o entendimento adotado no caso Naletilić & Martinović, no Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia.4 s’exercer” CONVENTION (IV) concernant les lois et coutumes de la guerre sur terre et son Annexe: Règlement concernant les lois et coutumes de la guerre sur terre. Haia, 18 de outubro de 1907. Regulação 42. Disponível em: . Acesso em: 14 set. 2011. 3  “It follows from this that the word ‘occupation’, as used in the Article, has a wider meaning than it has in Article 42of the Regulations annexed to the Fourth Hague Convention of 1907. So far as individuals are concerned, the application of the Fourth Geneva Convention does not depend upon the existence of a state of occupation within the meaning of the Article 42referred to above. The relations between the civilian population of a territory and troops advancing into that territory, whether fighting or not, are governed by the present Convention. There is no intermediate period between what might be termed the invasion phase and the inauguration of a stable regime of occupation.” Pictet, Jean. Commentary on Geneva Convention IV Relative to the Protection of Civilian Persons in Time of War. Genebra: ICRC, 1958. p. 60. 4  “The application of the law of occupation as it effects “individuals” as civilians protected under Geneva Convention IV does not require that the occupying power have actual authority. For the purposes of those individuals’ rights, a state of occupation exists upon their falling into “the hands of the occupying power.” TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL PARA A EX-IUGOSLÁVIA.

De qualquer forma, o dispositivo mais invocado na jurisprudência de tribunais internacionais que analisaram situações relativas a essa matéria continua sendo a Regulação 42 das Regulações da Haia de 1907. Um exemplo disso é a posição dos juízes da Corte Internacional de Justiça nos casos Legal Consequences of the Construction of a Wall in the Occupied Palestinian Territory, e Armed Activities on the Territory of the Congo, que além de retomarem essa definição, ainda observam que tal dispositivo representa uma regra costumeira do direito internacional.5 No caso Lubanga, o primeiro do Tribunal Penal Internacional, os juízes também se referem à noção de território ocupado segundo a Regulação 42.6 Da mesma forma, no caso Naletilić & Martinović, além de reiterar a definição supraexposta, os juízes do TPII esclareceram que a ocupação é “[...] um período transicional após a invasão e que precede o acordo do fim das hostilidades”.7 É importante salientar que, para as interpretações mais técnicas do direito internacional humanitário, “ocupação territorial” não se confunde com “invasão militar”. No caso Hostages, julgado por um tribunal militar estadunidense em Nuremberg na Alemanha, contrastaram-se as noções de “ocupação” e “invasão”, o que contribui para a compreensão do sentido do primeiro termo: Se a invasão se tornou uma ocupação é uma questão de fato. O termo invasão sugere uma operação militar, enquanto uma ocupação indica o exercício da autoridade governamental para a exclusão do governo estabelecido. Isto pressupõe a destruição da resistência organizada e o estabelecimento de uma administração para preservar a lei e a ordem. Na medida em que o controle do ocupante é mantido e o do governo civil eliminado, a área é considerada ocupada.8 Prosecutor v. Naletilić & Martinović (IT-98-34-T):“Tuta and Štela”, Judgment. J. em: 31 de março de 2003, para. 221.. 5 CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA. Legal Consequences of the Construction of a Wall in the Occupied Palestinian Territory: Advisory Opinion. J. em 9 de julho de 2004. Haia: ICJ Reports, 2004. p. 136. parágrafo 78; CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA. Congo, Democratic Republic of the Congo v. Uganda : armed activities on the territory of the, Judgment. J. em: 19 de dezembro de 2005. Haia: ICJ Reports 2005. p. 168. parágrafo 172. 6  TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL. Prosecutor v. Thomas Lubanga Dyilo. Judgment pursuant to Article 74 of the Statute (ICC01/04-01/06). J. em: 14 de março de 2012, para. 542. 7  “Occupation is defined as a transitional period following invasion and preceding the agreement on the cessation of the hostilities”. TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL PARA A EX-IUGOSLÁVIA. Prosecutor v. Naletilić & Martinović(IT-98-34-T)“Tuta and Štela”, Judgment. J. em: 31 de mar. 2003, p. 214. 8  “Whether an invasion has developed into an occupation is a question of fact. The term invasion implies a military operation while an occupation indicates the exercise of governmental authority to the exclusion of the established

RORIZ, João Henrique Ribeiro; VEÇOSO, Fabia Fernandes Carvalho; TASQUETTO, Lucas da Silva. A administração de territórios ocupados: indeterminação das normas de direito internacional humanitário?. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 183-195

claro que a capacidade de controle territorial é o requisito fundamental para a caracterização de território ocupado: a autoridade de fato deve ser constituída pelo país invasor com controle territorial por meio da presença física de suas tropas e, à medida que isso ocorre, o invasor se vê constrangido pelas responsabilidades de uma potência ocupante de acordo com o direito internacional humanitário. Tal interpretação é reiterada pela segunda parte do texto normativo que versa que o direito relativo à ocupação não é aplicável em áreas onde ainda ocorrem batalhas, i.e., áreas onde não foi estabelecida uma autoridade permanente capaz de exercer controle efetivo.

186

Visto a complexidade de se verificar na prática quando um território é considerado ocupado nos termos da Regulação 42, o exposto no caso Naletilić & Martinović oferece um guia bastante útil: (i) a potência ocupante deve estar em uma posição em que possa substituir sua própria autoridade por aquela das autoridades dos ocupados, que devem ser incapazes de funcionar publicamente; (ii) as forças inimigas se renderam, foram derrotadas ou se retiraram. A este respeito, áreas onde ocorrem batalhas não podem ser consideradas território ocupado. No entanto, resistência local esporádica, mesmo bem-sucedida, não afeta a realidade de ocupação; (iii) a potência ocupante tem força presente suficiente, ou a capacidade de enviar tropas dentro de um tempo razoável para exercer a autoridade; (iv) uma administração temporária foi estabelecida no território; (v) a potência ocupante promulgou e efetivou regras para a população civil.9 government. This presupposes the destruction of organised resistance and the establishment of an administration to preserve law and order. To the extent that the occupant’s control is maintained and that of the civil government eliminated, the area will be said to be occupied.” (tradução nossa). U.S. Military Tribunal. United States of America v Wilhelm List et al (Judgment). Case Nº 7, J. em: 19 de fevereiro de 1948. XI Trials of War Criminals before the Nürnberg Military Tribunals under Control Council Lawn, n. 10. Washington: US GPO, p. 1243. 9  “The occupying power must be in a position to substitute its own authority for that of the occupied authorities, which must have been rendered incapable of functioning publicly; the enemy’s forces have surrendered, been defeated or withdrawn. In this respect, battle areas may not be considered as occupied territory. However, sporadic

Em suma, o “mecanismo de aplicação” das normas de direito internacional humanitário relativo à ocupação é acionado à medida que a potência ocupante tem controle sobre o território, i.e., quando exerce sua autoridade. Segundo o direito internacional humanitário, é irrelevante para a aplicação das normas relativas à ocupação se a potência ocupante reconhece seu status como tal.10

3. A regulação 43: direitos e deveres da potência ocupante

A análise da Regulação 43 das Regulações da Haia de 1907 é um dos pontos cardeais de qualquer apreciação sobre as normas relativas a ocupações militares. Para Benvenisti, esse dispositivo é a “essência” do direito da ocupação, além de ser quase uma “miniconstituição”, já que prescreve tanto os deveres da potência ocupante quanto seus direitos.11 Na Conferência de 1907, foram adotadas duas versões das regulações, uma em francês e outra em inglês – sendo a primeira a versão autêntica e mandatória. O texto em francês da Regulação 43 relata que: L’autorité du pouvoir légal ayant passé de fait entre les mains de l’occupant, celui-ci prendra toutes les mesures qui dépendent de lui en vue de rétablir et d’assurer, autant qu’il est possible, l’ordre et la vie publics en respectant, sauf empêchement absolu, les lois en vigueur dans le pays.

A versão inglesa12 não é exatamente igual à francesa, mas voltaremos a esse ponto depois. Apresentamos local resistance, even successful, does not affect the reality of occupation; the occupying power has a sufficient force present, or the capacity to send troops within a reasonable time to make the authority of the occupying power felt; a temporary administration has been established over the territory; the occupying power has issued and enforced directions to the civilian population.” (as notas de rodapé foram omitidas) (tradução nossa) TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL PARA A EX-IUGOSLÁVIA. Prosecutor v. Naletilić & Martinović(IT-98-34-T)“Tuta and Štela”, Judgment. J. em: 31 de março de 2003, para. 217. 10  “Under customary international law, these were therefore occupied territories in which Israel had the status of occupying Power. Subsequent events in these territories, as described in paragraphs 75 to 77 above, have done nothing to alter this situation. All these territories (including East Jerusalem) remain occupied territories and Israel has continued to have the status of occupying Power.” (grifo nosso) CORTE INTERNACIONAL DE justiça. Legal Consequences of the Construction of a Wall in the Occupied Palestinian Territory: Advisory Opinion. Haia: ICJ Reports, 2004. p. 136-78. 11 BENVENISTI, Eyal. The International Law of Occupation. 2. ed. Princeton: Princeton University Press, 2004. p. 7-9. 12 A versão em inglês: “Regulation 43. The authority of the legitimate power having in fact passed into the hands of the occupant, the latter shall take all the measures in his power to restore and ensure, as far as possible, public order and safety, while respecting, unless absolutely prevented, the laws in force in the country.”

RORIZ, João Henrique Ribeiro; VEÇOSO, Fabia Fernandes Carvalho; TASQUETTO, Lucas da Silva. A administração de territórios ocupados: indeterminação das normas de direito internacional humanitário?. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 183-195

Além de esclarecer o sentido próprio de uma ocupação, essa passagem relembra a distinção entre o ato de invasão militar e a prática posterior de ocupação territorial. Não necessariamente todo território invadido se torna um território ocupado: além de os objetivos dessas duas operações serem distintos, também são suas consequências. Tendo em vista a contínua presença da população civil no território ocupado, o invasor deve zelar pela manutenção da ordem ao substituir interinamente as instituições públicas – ou seja, o invasor passa a ser o administrador daquele território, com ônus e vantagens. Ainda sobre a relação entre a invasão vis-à-vis a ocupação, devemos relembrar que as razões que levam um país a ocupar o território de outro não são relevantes para a aplicação das normas humanitárias. Da forma que a aplicação do direito internacional humanitário foi pensada, não se discute a legalidade da invasão e a posterior ocupação – mas sim sua existência. Ou seja, as normas relativas à ocupação são aplicadas independentemente do território ter sido ocupado por meio de uma agressão ilegal ou fruto de uma ação militar de legítima defesa de acordo com o art. 51 da Carta da ONU.

187

Tendo a autoridade do poder legal passado de fato para as mãos do ocupante, esse devetomar todas as medidas ao seu alcance para restaurar e assegurar, na medida do possível, a ordem e vida públicas, respeitando, salvo impedimento absoluto, as leis em vigor do país.

Há alguns pontos controversos sobre esse dispositivo que merecem ser sopesados em detalhe para os propósitos do nosso estudo; mas, antes de abordarmos as obrigações específicas dessa regulação, faremos algumas considerações iniciais de caráter mais geral a seu respeito. Quando se consulta os travaux préparatoires das Regulações da Haia de 1907, chegamos aos dispositivos 2º e 3º da Declaração de Bruxelas de 1874:14 2. L’autorité du pouvoir légal étant suspendue et ayant passée de fait entre les mains de l’occupant, celui-ci prendra toutes les mesures qui dépendent de lui en vue de rétablir et d’assurer, autant qu’il est possible, l’ordre et la vie publique. 3. À cet effet, il maintiendra les lois qui étaient en vigueur dans le pays en temps de paix, et ne les modifiera, ne les suspendra ou ne les remplacera que s’il y a nécessité.15

A partir de tais textos fica claro que duas são as obrigações expressas na Regulação 43: (i) restaurar e assegurar a vida e a ordem pública no território ocupado (na medida do possível); e (ii) respeitar as leis vigentes no território ocupado (a não ser que um impedimento absoluto exista). Tais obrigações não devem ser entendidas separadamente. No texto da Regulação 43 o uso das palavras “en respectant” (“while respecting”, na versão inglesa), que podemos traduzir como “respeitando”, vincula as duas obrigações, i.e., as medidas adotadas pela potência ocupante devem contemplar simultaneamente as obrigações (i) e (ii). Os delegados na Conferência da Haia que negociavam as regulações optaram pela unificação dos textos em um único dispositivo, a Regulação 43, graças a uma 13 Ver: Dec. 10.719 de 04 de fevereiro de 1914. 14  Estes dispositivos são similares aos artigos 43 e 44 do Manual de Oxford de 1880 Institut de Droit International. The Laws of War on Land. Oxford, 9 de setembro de 1880. Disponível em: . Acesso em: 14 set. 2011. 15  PROJET d’une Déclaration Internationale concernant les Lois et Coutumes de la Guerre, 1874, 65 British and Foreign State Papers. p. 1059-1060 apud DINSTEIN, Yoram. Legislation Under Article 43 of the Hague Regulations: Belligerent Occupation and Peacebuilding. Occasional Paper Series: Program on Humanitarian Policy and Conflict Research, Harvard University, n. 1, nov. 2004. p. 3. Disponível em: . Acesso em: 11 fev. 2012.

percepção de que o parágrafo 3º, quando separado, daria poderes legislativos excessivamente amplos à potência ocupante.16 Essa passagem histórica demonstra a preocupação dos representantes estatais em não ampliar demasiadamente os poderes de um Estado que mantém outro sob o seu jugo. Analisaremos em seguida as duas obrigações referidas na Regulação 43 para, posteriormente, expormos um caso que elucida questões problemáticas, o da ocupação do Iraque em 2003. 3.1 Restaurar e assegurar a ordem de vidas públicas Se revisitarmos os travaux préparatoires da Conferência na Haia em 1907, poderemos verificar os significados que os delegados de então davam aos termos “ordem” (“l’ordre”) e “vida pública” (“vie publique”); enquanto o primeiro tinha o sentido de “segurança geral”, o segundo tinha uma conotação de “funções sociais e transações comuns que constituem o cotidiano”.17 Há relativo consenso jurisprudencial18 e entre comentadores especializados19 sobre o problema da tradução da Regulação 43, em específico da expressão francesa “l’ordre et la vie publics”. Na versão inglesa, essa expressão apareceu como “public order and safety”, o que destoa do significado original. A palavra inglesa “safety”, além de não ser mencionada na versão francesa, não 16  BENVENISTI, Eyal. The International Law of Occupation. 2. ed, Princeton: Princeton University Press, 2004. p. 8. 17  “M. le baron Lambermont demande ce qu’il faut entendre par ordre. I1 y a ordre matériel, civil, social politique. M. le délégué de Belgique présume qu’on a seulement en vue la sécurité ou la sûreté générale; quant à l’expression ‘vie publique’, il pense qu’il s’agit des fonctions sociales, des transactions ordinaires, qui constituent la vie de tous les jours. La commission interprète ce mot dans le même sens que M. le baron Lambermont. On mettra: ‘l’ordre et la vie publics’.” MINISTERE DES AFFAIRES ÉTRANGÈRES. Actes de la Confèrence de Bruxelles de 1874, Paris,[s.n] 1874; apud Schwenk, Edmund H. Legislative Power of the Military Occupant Under Article 43, Hague Regulation. Yale Law Journal, Yale, v. 54, p. 393-416, 1945. p. 398. 18  Por exemplo: SUPREMA CORTE DE ISRAEL, Christian Society for the Holy Places v Minister of Defence, 1971; apud Sassòli, Marco. Legislation and Maintenance of Public Order and Civil Life by Occupying Powers. European Journal of International Law. v. 16, n. 4, pp. 661-694, 2005, p. 664. 19  BENVENISTI, Eyal. The International Law of Occupation. 2. ed, Princeton: Princeton University Press, 2004. p. 9; GREENWOOD, Christopher. The Administration of Occupied Territory in International Law. In: Playfair, Emma (ed.) International Law and the Administration of Occupied Territories: Two decades of Israeli Occupation of the West Bank and Gaza Strip. Oxford: Clarendon, 1992. p. 246; DINSTEIN, Yoram. The International Law of Belligerent Occupation. Nova York: Cambridge University Press, 2009. p. 89.

RORIZ, João Henrique Ribeiro; VEÇOSO, Fabia Fernandes Carvalho; TASQUETTO, Lucas da Silva. A administração de territórios ocupados: indeterminação das normas de direito internacional humanitário?. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 183-195

uma tradução livre para fins didáticos (é notável que o Brasil tenha promulgado um decreto sobre esse tratado com o texto em francês, sem uma tradução oficial):13

188

Os comentadores especializados discordam sobre o significado das palavras “restaurar” (do francês “rétablir”) e “assegurar” (do francês “assurer”). Como interpretado no caso Jamit Askan da Suprema Corte israelense, os dois termos não são sinônimos: enquanto o primeiro denota o estabelecimento da ordem e da vida pública (caso rompida), o segundo significa a garantia da existência contínua da ordem e da vida públicas.21 Assim, uma interpretação possível é que a potência ocupante deve não apenas reparar a organização social no território ocupado, mas também assegurar que ela será mantida. O problema principal é como a potência ocupante irá desenvolver tais atividades e, mais especificamente, quais são os limites para suas ações e ainda, se o ocupante tem prerrogativa de quais políticas serão adotadas. O limite à obrigação de restaurar e assegurar a ordem e a vida públicas reside na oração “autant qu’il est possible”, ou seja, tal obrigação deve ser cumprida “na medida do possível”. Essa relativização da norma faz a obrigação perder força cogente, além de significar que a obrigação em análise é de meios e não de resultados,22 i.e., a potên20  “The text of Article 43 of the Hague Regulations provides ample authority to the United States to change Iraqi law, including the fundamental change of Iraqi government institutions. Article 43 empowers an occupant to modify an occupied nation’s laws if it is necessary to restore and ensure ‘public order and safety’.” (grifo nosso). YOO, John. Iraqi Reconstruction and the Law of Occupation. University of California Davis Journal of International Law and Policy. v.11, n. 7, p. 7-22, 2004. p 16. 21  SUPREMA CORTE DE ISRAEL. Jamait Askan et al., v. IDF Commander of Judea and Samaria et al. (HCJ 393/82), 1982; apud DINSTEIN, Yoram. The International Law of Belligerent Occupation. Nova York: Cambridge University Press, 2009. p. 91. 22  Sassòli, Marco. Legislation and Maintenance of Public Order and Civil Life by Occupying Powers. European Journal of International Law. v. 16, n. 4, p. 661-694, 2005. p. 664.

cia ocupante deve almejar atingir os objetivos de ordem e de vida públicas, e empregar meios para isso. 3.2 Respeitando as leis vigentes no território Passemos então à obrigação de respeito às leis vigentes no país ocupado, ou como versa o texto autêntico em francês: “[...] en respectant, sauf empêchement absolu, les lois en vigueur dans le pays”. O verbo “respeitar”, na gramática da Declaração de Bruxelas, pode ser interpretado como a obrigação das potências de manter a legislação válida e não modificá-la, suspendê-la ou substituí-la por outras normas.23 Ainda que o texto do dispositivo em apreço se refira especificamente às leis que estavam em vigor até o momento da ocupação, há interpretações que entendem que o soberano deslocado tem o direito de continuar legislando em relação ao território ocupado, mesmo que a potência ocupante não tenha a obrigação de respeitar tais normas.24 Esse é um entendimento extensivo, pois versa o dispositivo apenas sobre a legislação em vigor. De qualquer maneira, e sem entrar no mérito da questão se pode ou não o soberano deslocado legislar no território ocupado alhures, a mera propositura da questão reforça a leitura de que o poder de legislar não é concedido à potência ocupante de forma total. Em termos técnicos, o cerne da polêmica reside na expressão “sauf empêchement absolu”– ou “salvo impedimento absoluto” – situação-limite na qual é facultada às potências ocupantes se eximirem da obrigação de observância da legislação local. Essa é a exceção; em regra, a potência ocupante não deve alterar a legislação local nem legislar sobre matérias ainda não reguladas. Qual seria, portanto, o significado de “sauf empêchement absolu”? Uma interpretação consagrada expõe que a expressão reescreve a palavra “nécessité” do art. 3º da Declaração de Bruxelas e que significaria “necessidade absoluta”.25 Segundo essa ponderação, não há que se 23  DINSTEIN, Yoram. The International Law of Belligerent Occupation. Nova York: Cambridge University Press, 2009. p. 108. 24  DINSTEIN, Yoram. The International Law of Belligerent Occupation. Nova York: Cambridge University Press, 2009. p. 108. 25  “It is therefore submitted that the term ‘empêchement absolu’ means nothing but ‘absolute necessity’. This interpretation is warranted by the historical fact that the term is merely a rephrasing of the word ‘necessity’ in Article 3 of the Declaration of Brussels. As a result, the occupant, in restoring public order and civil life, must respect the existing law of the occupied country unless he is prevented from doing so by ‘absolute necessity’.” Schwenk, Edmund H. Legislative Power of the Military Occupant Under Article 43, Hague Regulation. Yale Law Journal, Yale, v. 54, p. 393-416, 1945. p. 401.

RORIZ, João Henrique Ribeiro; VEÇOSO, Fabia Fernandes Carvalho; TASQUETTO, Lucas da Silva. A administração de territórios ocupados: indeterminação das normas de direito internacional humanitário?. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 183-195

contempla a acepção mais ampla de “vie”, no sentido de “vida pública”, conforme expusemos. Essa observação se faz importante na medida em que o sentido da versão autêntica e mandatória do dispositivo em francês é muito mais amplo do que a versão traduzida para o inglês – uma versão, às vezes utilizada tanto por comentadores quanto por aplicadores do direito internacional humanitário. Ademais, a errônea tradução reforça a interpretação daqueles que querem ressaltar a obrigação – assim como as prerrogativas – da potência ocupante em matéria de segurança pública. A leitura de John Yoo, um servidor do Departamento de Justiça nos EUA à época da invasão no Iraque sobre a Regulação 43 é esclarecedora quanto ao uso enviesado desse dispositivo.20

189

No caso Christian Society for the Holy Places, relativo à alteração de uma lei trabalhista da Jordânia durante a ocupação israelense da Cisjordânia, a Suprema Corte de Israel considerou que o termo “salvo impedimento absoluto” deveria ser interpretado vis-à-vis as obrigações da potência ocupante com a população dos territórios ocupados.27 Ou seja, os interesses da população civil deveriam direcionar a utilização da prerrogativa de legislar – não apenas os interesses da potência ocupante. Ainda assim, as medidas legislativas devem atender o critério da necessidade absoluta para que não sejam consideradas ultra vires. As alterações conduzidas pela Alemanha na legislação da Bélgica ocupada durante a Primeira Guerra Mundial são um exemplo. Quer tenham sido adotadas em prol dos interesses belgas ou dos interesses teutos, a vasta legislação produzida pela Alemanha para a Bélgica em questões relativas ao comércio, à educação, à saúde, à língua, aos negócios e às diversas atividades produtivas, dificilmente poderia ser considerada dentro de um quadro de necessidade absoluta, porquanto sua legalidade pode ser contestada.28 Um caminho para compreender essa noção pode ser a leitura conjunta do art. 43 com o art. 64 da IV Convenção de Genebra de 1949, a saber: A legislação penal do território ocupado continuará em vigor, salvo na medida em que possa ser revogada ou suspensa pela Potência ocupante, se esta legislação constituir uma ameaça para a segurança desta Potência ou um obstáculo à aplicação da presente Convenção. Sob reserva desta última consideração e da necessidade de garantir a administração efetiva e da justiça, os tribunais do 26  Schwenk, Edmund H. Legislative Power of the Military Occupant. Under Article 43, Hague Regulation. Yale Law Journal, Yale, v. 54, p. 393-416, 1945. p. 400. 27  Suprema Corte de Israel, The Christian Society for the Holy Places v. Minister of Defense (HC 337/71), 1971; apud DINSTEIN, Yoram. Legislation Under Article 43 of the Hague Regulations: Belligerent Occupation and Peacebuilding. Occasional Paper Series, Program on Humanitarian Policy and Conflict Research, Harvard University, n. 1, nov. 2004. p. 8-10. Disponível em: . Acesso em: 11 maio 2011. 28  Schwenk, Edmund H. Legislative Power of the Military Occupant Under Article 43, Hague Regulation. Yale Law Journal, Yale, v. 54, p. 393-416, 1945. p. 407.

território ocupado continuarão a funcionar para todas as infrações previstas por esta legislação. A Potência ocupante poderá, contudo, submeter a população do território ocupado às disposições que são indispensáveis para lhe permitir desempenhar as suas obrigações derivadas da presente Convenção e garantir a administração regular do território, assim como a segurança quer da Potência ocupante, quer dos membros e dos bens das forças ou da administração da ocupação, assim como dos estabelecimentos e linhas de comunicação utilizadas por ela. (grifo nosso).

A análise conjugada dos dois dispositivos delineia mais precisamente a noção de “necessidade”, caso aceitemos sua aproximação com a ideia de “impedimento absoluto”. No primeiro parágrafo, há a exigência de não alterar a legislação penal do país ocupado, a não ser em caso de risco para a aplicação da Convenção. De acordo com o segundo parágrafo, que parece ser relativo ao direito em geral,29 as potências ocupantes podem legislar quando indispensável para sua segurança, para os fins da Convenção e para a administração regular do território. Para Pictet, os dois parágrafos devem ser entendidos em conjunto, o que sugere que as potências ocupantes têm que respeitar todas as leis do território e não só as penais.30 Há outras interpretações quanto à relação da Regulação 43 das Regulações de 1907 com o art. 64 da Convenção de 1949;31 todavia, parece-nos mais acertada a leitura apresentada anteriormente, na qual se verifica a impossibilidade de alteração de dispositivos de caráter penal do país ocupado, a não ser quando haja incompatibilidade com a Convenção de Genebra e improbabilidade de outras alterações, salvo quando existir dispositivos que ameacem a segurança dos ocupantes, a aplicação da Convenção ou a administração do terri29 BENVENISTI, Eyal. The International Law of Occupation. 2. ed. Princeton: Princeton University Press, 2004. p. 101. 30  Pictet, Jean. Commentary on Geneva Convention IV Relative to the Protection of Civilian Persons in Time of War. Genebra: ICRC, 1958. p. 335. 31  Ao analisar a Regulação 43 das Regulações de 1907 em conjunto com o art. 64 da Convenção de 1949, Dinstein identifica três dimensões sobre a ideia de “necessidade”: (i) a primeira (e mais importante para esse autor) é a prerrogativa fundamental das potências ocupantes de eliminar qualquer ameaça direta a sua segurança; (ii) a segunda é a obrigação de cumprir as exigências das Convenções de Genebra; e (iii) finalmente, a necessidade de assegurar a “administração ordenada” do território ocupado. DINSTEIN, Yoram. Legislation Under Article 43 of the Hague Regulations: Belligerent Occupation and Peacebuilding. Occasional Paper Series, Program on Humanitarian Policy and Conflict Research, Harvard University, n. 1, nov. 2004. p. 6-8. Disponível em:. Acesso em: 11 fev.2012.

RORIZ, João Henrique Ribeiro; VEÇOSO, Fabia Fernandes Carvalho; TASQUETTO, Lucas da Silva. A administração de territórios ocupados: indeterminação das normas de direito internacional humanitário?. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 183-195

confundir a expressão em análise com o interesse militar da potência ocupante, já que a restauração da ordem e da vida públicas se destina à população civil.26 Ainda que essa interpretação pareça ser a mais aceita pelos comentadores, a ideia de “necessidade” tem um tom menos enfático que “impedimento absoluto”.

190

4. Reformas econômicas no Iraque ocupado: indeterminação na linguagem das normas humanitárias?

Para considerarmos o limite das medidas que potências ocupantes podem adotar nos territórios ocupados, passaremos a analisar o caso da ocupação liderada pelos Estados Unidos no Iraque. Em específico e dentro dos parâmetros da Regulação 43, buscaremos saber se: (i) as transformações econômicas promovidas pela potência ocupante são voltadas para a restauração e asseguração da ordem e da vida públicas no Iraque; e (ii) se houve um impedimento absoluto para se manter a legislação doméstica. Cerca de dois meses após o início da guerra liderada por George W. Bush, o Iraque foi ocupado militarmente pelos Estados Unidos e seus aliados. O Conselho de Segurança, depois de ser informado pelos EUA e pelo Reino Unido da invasão,32 emitiu a Res. 1483, na qual o status dos dois países como “potências ocupantes” foi reconhecido.33 A ocupação militar durou cerca de 14 meses: de meados de maio de 2003 a junho de 2004.34 Na mesma Resolução, o Conselho expressa a obrigação das partes envolvidas de respeitar as Regulações da Haia de 1907 e as Convenções de Genebra de 1949,35 o que de32  É importante ressaltar que, nesse sentido, não há vinculação entre a legalidade da guerra em si (jus ad bellum) com o direito aplicável durante as hostilidades e a ocupação (jus in bello), i.e., mesmo que a guerra seja ilegal, o direito internacional humanitário se aplica durante as hostilidades e/ ou durante a ocupação. 33  “Noting the letter of 8 May 2003 from the Permanent Representatives of the United States of America and the United Kingdom of Great Britain and Northern Ireland to the President of the Security Council (S/2003/538) and recognizing the specific authorities, responsibilities, and obligations under applicable international law of these states as occupying powers under unified command (the “Authority”)” ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Conselho de Segurança, Resolução 1483. 22 de maio de 2003. Preâmbulo. Disponível em: . Acesso em: 14 de set. 2011. 34  A Resolução 1546 do Conselho de Segurança termina oficialmente com a ocupação em 30 de junho de 2004. 35  “Calls upon all concerned to comply fully with their obligations under international law including in particular the Geneva Conventions of 1949 and

monstra a aplicabilidade das normas de direito internacional humanitário relativas à ocupação militar iraquiana. Durante a ocupação, a entidade responsável pela administração do Iraque foi a Coalition Provisional Authority (doravante “CPA”). Sob o comando do diplomata estadunidense Paul Bremer, a CPA emitiu mais de cem ordens e regulações, que abrangiam questões jurídicas, políticas e econômicas. As ordens com conteúdo econômico aparecem desde o começo da ocupação. Inicialmente se referiam a questões de reparos e de revitalização macroeconômica, com temas que variavam do comércio aos tributos. Já na Ordem 39, há expressamente o intento de criar no Iraque uma economia de mercado. O objetivo declarado passa a ser o de transformar uma economia não transparente centralmente planejada numa economia de mercado,36 intenção reiterada nas ordens subsequentes. A Ordem 39 diz respeito especificamente a investimentos estrangeiros. A Constituição Interina do Iraque de 1990 proibia no seu art. 18 que estrangeiros tivessem propriedade privada no país, a não ser em condições a serem explicitadas em leis posteriores.37 Pela “Lei de Empresas” de 1997,38 somente iraquianos poderiam estabelecer empresas ou ser sócios de empresas no Iraque. Essa mesma lei conferiu status idêntico a outros nacionais árabes, dentro da diretriz de integração árabe do partido Ba’ath. As regras sobre investimentos como a “Lei de Investimentos Árabes” de 1988 e a posterior Emenda de 2002,39 também estenderam a outros nacionais árabes privilégios garantidos apenas a empresários iraquianos. Tais privilégios foram extintos com a Ordem 39 da CPA, sobre investimento estrangeiro, que revogou toda a legislação iraquiana anterior (seção 3, the Hague Regulations of 1907” ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Conselho de Segurança, Resolução 1483. 22 de maio de 2003. Disponível em: . Acesso em: 14 de set. 2011. Parágrafo 5º. 36 “a non-transparent centrally planned economy to a market economy” , COALITION PROVISIONAL AUTHORITY. Ordem 39, 19 de setembro de 2003, Preâmbulo. Disponível em:< http://www.iraqcoalition.org/>. Acesso em: 11 fev. 2012. 37  “Art. 18. Immobile ownership is prohibited for non-Iraqi, except otherwise mentioned by a law.” IRAQUE, Constituição Interina do Iraque, 1990. Disponível em: . Acesso em: 12 fev. 2012. 38  ESTADOS UNIDOS, Department of Commerce. Overview of Commercial Law in Iraq, 2003, p. 17, Disponível em: . Acesso em: 12 .fev. 2012. 39  ESTADOS UNIDOS. Department of Commerce. Overview of Commercial Law in Iraq, 2003. Disponível em: . Acesso em: 12 .fev. 2012.

RORIZ, João Henrique Ribeiro; VEÇOSO, Fabia Fernandes Carvalho; TASQUETTO, Lucas da Silva. A administração de territórios ocupados: indeterminação das normas de direito internacional humanitário?. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 183-195

tório. É principalmente nessa última questãoque reside um dos pontos mais frágeis das regras apresentadas até agora. A noção de indispensabilidade, que limita o poder da potência ocupante de legislar para o país ocupado para fins de administração territorial, permite ampla margem de interpretação e de manipulação, conforme veremos ao analisar o caso da ocupação no Iraque.

191

Em suma, a Ordem 39, promulgada pela potência ocupante, iniciou uma brusca alteração no modelo de política econômica no Iraque passando de uma economia centralizada, dita socialista, para uma economia liberal (ou neoliberal, como preferem alguns). Os demais atos legislativos, juntamente com as políticas executivas (ambas centralizadas na CPA) levaram a cabo uma política de ampla liberalização econômica nas áreas tributária, bancária, financeira e comercial, dentre outras. A questão que se coloca é se as reformas econômicas pela CPA, no Iraque, estariam em conformidade com as normas de direito internacional humanitário. Uma análise técnica dessa situação nos remeteria à Regulação 43 das Regulações da Haia de 1907. Conforme descrevemos, há duas obrigações nesse dispositivo que devem ser lidas concomitantemente: “(i) restaurar e assegurar a ordem e a vida públicas (na medida do possível), (ii) respeitar as leis vigentes (salvo impedimento absoluto)”. Em relação à primeira obrigação, primeiro devemos nos perguntar se as reformas econômicas podem ser entendidas dentro da esfera de ordem e vida públicas. A partir do texto autêntico em francês e dos travaux, principalmente do sentido de “vida pública”, fica claro que sim. A potência ocupante deve se preocupar com as questões econômicas do território ocupado, mesmo que essa obrigação não seja categórica, e sim “na medida do possível”.Ainda em relação à primeira obrigação, devemos investigar o significado dos verbos “restaurar” e “assegurar”, em especial do primeiro, visto o foco do nosso estudo. O ponto de partida da controvérsia re40  “Section 3 - Relation to Existing Iraqi Law. 1) This Order replaces all existing foreign investment law.” COALITION PROVISIONAL AUTHORITY. Ordem 39, 19 de setembro de 2003. Disponível em: http://www.iraqcoalition.org>. Acesso em: 11 de fev. 2012. 41  “Section 4 - Treatment of Foreign Investors. 1) A foreign investor shall be entitled to make foreign investments in Iraq on terms no less favorable than those applicable to an Iraqi investor, unless otherwise provided herein.” COALITION PROVISIONAL AUTHORITY. Ordem 39, 19 de setembro de 2003. Disponível em: http://www.iraqcoalition.org>. Acesso em: 11 de fev. 2012. 42  “Section 4 - Treatment of Foreign Investors. 2) The amount of foreign participation in newly formed or existing business entities in Iraq shall not be limited, unless otherwise expressly provided herein.” COALITION PROVISIONAL AUTHORITY. Ordem 39, 19 de setembro de 2003. Disponível em: http://www.iraqcoalition.org>. Acesso em: 11 de fev. 2012.

side na questão se “restaurar” significa voltar ao status quo ante bellum, ou seja, restabelecer a situação anterior ao conflito armado. Essa parece ser a opinião de certos comentadores, como Von Glahn. Para ele, restaurar tem o sentido de restabelecer algo que existia anteriormente, donde alterar os aspectos centrais da organização econômica contrariamente às normas do regime anterior excederia a competência legal do art. 43,43 i.e., a potência ocupante deve apenas restabelecer as diretrizes econômicas anteriormente em vigor e não realizar profundas alterações nas políticas econômicas no território ocupado. De fato, essa interpretação é reforçada ao lermos a segunda obrigação, de respeitar as leis em vigor, em conjunto com a primeira. Deve-se intentar a restauração da ordem e da vida públicas respeitando o quadro jurídico anteriormente construído que, por sua vez, refletia as opções políticas da organização da vida pública. O problema reside na exceção da segunda obrigação: “salvo impedimento absoluto”. Como exposto, essa expressão pode ser entendida como “necessidade absoluta”. Assim, apenas em casos de necessidade absoluta, a potência ocupante não precisa respeitar as leis vigentes para adotar medidas que visem restaurar e assegurar a ordem e a vida públicas. Essa situação de exceção reduz o questionamento da seguinte forma: havia uma necessidade absoluta de se promoverem reformas econômicas liberais na economia iraquiana a fim de restaurar a ordem e a vida públicas? Aqueles que respondem afirmativamente a essa questão podem ressaltar que medidas de política econômica seriam indispensáveis para serem atendidos os interesses imediatos da população civil. Situações em que a economia passa por uma recessão ou estagnação graças ao próprio conflito armado podem exigir a adoção de políticas econômicas mais incisivas. Para Benvenisti, por exemplo, um retorno econômico ao status quo ante bellum pode significar a estagnação econômica no território ocupado,44 o que obviamente não estaria dentro dos interesses da população civil do território ocupado. De acordo com tal interpretação, a Regulação 43 não obriga a potência ocupante a congelar o status quo caso este tivesse efeitos negativos sobre a economia e sobre a população. 43  von Glahn, Gerhard. Taxation under Belligerent Occupation. In: Playfair, Emma (Ed.) International Law and the Administration of Occupied Territories: Two decades of Israeli Occupation of the West Bank and Gaza Strip. Oxford: Clarendon, 1992. p. 353. 44 BENVENISTI, Eyal. The International Law of Occupation. 2. ed., Princeton: Princeton University Press, 2004. p. 11.

RORIZ, João Henrique Ribeiro; VEÇOSO, Fabia Fernandes Carvalho; TASQUETTO, Lucas da Silva. A administração de territórios ocupados: indeterminação das normas de direito internacional humanitário?. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 183-195

§1º),40 acabou com o tratamento preferencial aos nacionais árabes (seção 4, §1º)41 e não limitou o montante da participação de capital estrangeiro (seção 4, §2º).42

192

De qualquer forma, essas duas linhas de argumentação, apresentadas de forma simplista e não exaustiva, nos são úteis apenas para demonstrar a incerteza que caracterizaria nossa resposta frente à pergunta formulada. Ponderar sobre a necessidade absoluta de realizar reformas econômicas exigiria adentrar nos melindres do debate econômico e enfrentar questões como o significado de “estagnação” e de “crise”, quais são os problemas econômicos principais a serem resolvidos e quais os melhores indicadores para medi-los, como relevar questões econômicas de curto, de médio e de longo prazos, etc. Afinal, se nos perguntamos se há necessidade absoluta de reformas econômicas, devemos analisar a essência de tal necessidade, sua natureza, seu tamanho e suas áreas econômicas mais afetadas, dentre outros elementos. O passo seguinte, mais complicado ainda, é sobre o modelo mais adequado para enfrentar tais problemas econômicos. O politizado debate sobre linhas de pensamento econômico, entre liberais, desenvolvimentistas, nacionalistas, socialistas e outros, é por demais longevo e impossibilita uma resposta consensual. Da mesma forma que não há qualquer indício nos textos de direito internacional humanitário que permita a restauração da ordem e da vida públicas de acordo com as preferências de política econômica das potências ocupantes, não há norma escrita ou prática internacional uniforme no sentido de como a potência ocupante deve proceder. Não há um procedimento específico que normatiza a con45 BENVENISTI, Eyal. The International Law of Occupation. 2. ed., Princeton: Princeton University Press, 2004. p. 11.

duta da potência ocupante em relação a reformas econômicas (assim como em outros assuntos). Na prática, levar em conta os interesses da população civil pode se revelar uma questão complexa, visto que quem exerce os poderes públicos é a potência ocupante e os canais de participação popular no governo são mínimos ou ainda inexistentes. Argumentar que os limites à potência ocupante são estabelecidos nas próprias normas de direito internacional humanitário, tampouco faz o debate avançar muito no que diz respeito aos detalhes de como a potência ocupante deve proceder em situações de reformas econômicas no país ocupado. Em suma, as indeterminações das normas de direito internacional humanitário relativas à ocupação militar de territórios impossibilitam uma resposta mais ou menos certeira que evite o abuso promovido por aqueles que têm mais poder.

5. Considerações finais O discurso em defesa das normas de direito internacional humanitário está arquitetado na premissa de que é possível reduzir o sofrimento humano em conflitos armados. Limitar os meios de combate e tentar reduzir ao mínimo a destruição, assim como as causalidades, faz parte dos objetivos declarados deste antigo corpo juris do direito internacional. Além de regular as hostilidades em conflitos armados per se, as normas humanitárias também são aplicáveis em situações em que um Estado ocupa militarmente o território de outro após um conflito armado. Nesses casos, as normas humanitárias se pautam pela tentativa de regular essa situação, por meio de um discurso de neutralidade entre as partes conflitantes e de proteção da população civil. Apesar da pretensão de não se relacionar com a legalidade do ato da ocupação militar em si (jus ad bellum), o quadro de normas humanitárias aplicáveis durante a ocupação (jus in bello) regula a legalidade das ações da potência ocupante no território ocupado. O fato do Conselho de Segurança da ONU não ter autorizado a invasão militar liderada pelos estadunidenses no Iraque, em julho de 2003, não o impediu de reconhecer a ocupação militar no território iraquiano e o dever de ele ser administrado segundo as normas humanitárias. Quando se reconhece um território como ocupado – e para isso basta que a potência ocupante tenha controle efetivo sobre o território –, reconhece-se, outrossim, a competência da potência ocupante para administrá-lo. Suas ações

RORIZ, João Henrique Ribeiro; VEÇOSO, Fabia Fernandes Carvalho; TASQUETTO, Lucas da Silva. A administração de territórios ocupados: indeterminação das normas de direito internacional humanitário?. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 183-195

Os que não concordam com tais argumentos podem rebater que, de fato, a estagnação econômica no território ocupado não contribui para a restauração da ordem e da vida públicas; todavia, estagnação econômica (ou a completa alteração do modelo econômico) parece ter mais sentido em ocupações mais longas, como é a situação nos territórios palestinos. O próprio Benvenisti exemplifica sua argumentação com base em ocupações prolongadas e usa a mencionada ocupação israelense.45 É difícil argumentar que uma ocupação de 14 meses como a promovida pelos Estados Unidos e seus aliados no Iraque justifique a adoção de medidas que alteram profundamente o modelo econômico do país. A Regulação 43 não parece permitir alterações profundas e de longo prazo, com objetivos que não sejam respostas pontuais e temporárias.

193

O cerne das normas humanitárias relativas à ocupação militar é a Regulação 43 das Regulações da Haia de 1907. Em poucas linhas, esse dispositivo contém a essência da administração de territórios ocupados. Redigido há mais de um século por representantes de vários Estados, inclusive de algumas potências com possessões coloniais e políticas imperialistas, esse dispositivo é oriundo de um tempo em que a aquisição de territórios por meio de guerras não era incomum. Ademais, foi escrito no contexto do começo do século XX, em um momento de forte influência do pensamento positivista no direito internacional, que tem como uma dentre outras consequências, a ideia de que o que não é proibido é permitido.46 Dessa forma, a Regulação 43 não estabelece um quadro detalhado de como a potência ocupante deve proceder e quais os limites para sua atuação; e, ao não fazê-lo, abre grande espaço de manobra para a potência ocupante. É por meio da indeterminação dessa norma que se cria espaço para abusos por parte da potência ocupante. A indeterminação das normas humanitárias relativas à ocupação territorial é facilmente observada no caso do Iraque. A administração territorial comandada pelos EUA fez uma série de reformas econômicas que alteraram radicalmente o modelo econômico iraquiano até então vigente: segundo sua interpretação,47 havia uma necessidade de alteração na estrutura econômica iraquiana, e a preferência estadunidense, que tinha competência na administração territorial, era pelo modelo liberal. Mesmo a partir de uma leitura não tão estrita das normas humanitárias ou ainda interpretando as Regulações de 1907 à luz dos instrumentos mais recentes do direito internacional humanitário, pouco será encontrado em relação às alterações na economia do território ocupado. Várias questões continuam abertas, o que dá margem para práticas abusivas por parte daqueles que têm em suas mãos amplos poderes para administrar as riquezas e os povos subjugados e quase nenhum limite imposto que cerceie suas escolhas. 46  Ver: Corte Permanente de Justiça Internacional. SS Lotus Case (França v. Turquia). PCIJ Rep., (1927), series A, n.. 10. J. em: 7 set. 1927, p.19-21. 47  Cf., por exemplo: YOO, John. Iraqi Reconstruction and the Law of Occupation. University of California Davis Journal of International Law and Policy. v. 11, n. 7, p. 7-22, 2004.

Referências BENVENISTI, Eyal. The International Law of Occupation. 2. ed. Princeton: Princeton University Press, 2004. Coalition Provisional Authority, Ordem 39. 19 de setembro de 2003. Disponível em: . Acesso em: 11 fev. 2012. CONVENTION (IV) concernant les lois et coutumes de la guerre sur terre et son Annexe: Règlement concernant les lois et coutumes de la guerre sur terre. A Haia, 18 de outubro de 1907. Disponível em: . Acesso em: 14 set. 2011. CORTE INTERNACIONAL DE justiça. Armed Activities on the Territory of the Congo (Democratic Republic of the Congo v. Uganda). Haia: ICJ Reports, 2005. J. em: 19 de dezembro de 2005. CORTE INTERNACIONAL DE justiça. Legal Consequences of the Construction of a Wall in the Occupied Palestinian Territory: Advisory Opinion. Haia: ICJ Reports 2004. Corte Permanente de Justiça Internacional. SS Lotus Case (França v. Turquia). PCIJ Rep., (1927), series A, n. 10. J. em: 7 de setembro de 1927. DINSTEIN, Yoram. Legislation Under Article 43 of the Hague Regulations: Belligerent Occupation and Peacebuilding. Occasional Paper Series, Program on Humanitarian Policy and Conflict Research, Harvard University, n. 1, nov. 2004. p. 6-8. Disponível em:. Acesso em: 11 fev.2012. DINSTEIN, Yoram. The International Law of Belligerent Occupation. Nova York: Cambridge University Press, 2009. ESTADOS UNIDOS, Department of Commerce. Overview of Commercial Law in Iraq, 2003, p. 17, Disponível em: .. Acesso em: 12 fev. 2012. GREENWOOD, Christopher. The Administration of Occupied Territory in International Law. In: Playfair, Emma (Ed.) International Law and the Administration of Occupied Territories: Two decades of Israeli Occupation of the West Bank and Gaza Strip. Oxford: Clarendon, 1992. Institut de Droit International. The Laws of War on Land.

RORIZ, João Henrique Ribeiro; VEÇOSO, Fabia Fernandes Carvalho; TASQUETTO, Lucas da Silva. A administração de territórios ocupados: indeterminação das normas de direito internacional humanitário?. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 183-195

passam a ser reguladas pelas normas humanitárias que, ao mesmo tempo, impõem deveres e concedem direitos aos ocupantes.

194

IRAQUE, Constituição Interina do Iraque, 1990. Disponível em: . Acesso em: 12 fev. 2012. MILITARY TRIBUNALS IN THE UNITED STATES. United States of America v Wilhelm List et al (Judgment). Case n. 7, J. em: 19 de fevereiro de 1948. XI Trials of War Criminals before the Nürnberg Military Tribunals under Control Council Law, Washington, US GPO, n. 10, p. 1243, [1948?]. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Conselho de Segurança. Resolução 1483, 22 de maio de 2003. Disponível em: . Acesso em: 14 set. 2011. Pictet, Jean. Commentary on Geneva Convention IV Relative to the Protection of Civilian Persons in Time of War. Genebra: ICRC, 1958. RORIZ, João Henrique Ribeiro. O desenvolvimento normativo dos crimes de guerra: das primeiras noções ao Tribunal Penal Internacional. In: VEÇOSO, Fabia Fernandes Carvalho. Direito Internacional em Contexto. São Paulo: Saraiva, 2012. Sassòli, Marco. Legislation and Maintenance of Public

Order and Civil Life by Occupying Powers. European Journal of International Law, v. 16, n. 4, p. 661-694, 2005. Schwenk, Edmund H. Legislative Power of the Military Occupant Under Article 43, Hague Regulation. Yale Law Journal, Yale, v. 54, p. 393-416, 1945. Tribunal Militar Internacional (Nuremberg), Judgment and Sentences, 1946, American Journal of International Law. n. 41, p. 172-333, 1947. TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL PARA A EX-IUGOSLÁVIA. Prosecutor v. Naletilić & Martinović,(IT-98-34-T)“Tuta and Štela”, Judgment. J. em : 31 de março de 2003. TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL. Prosecutor v. Thomas Lubanga Dyilo. Judgment pursuant to Article 74 of the Statute (ICC-01/04-01/06). J. em: 14 de março de 2012. von Glahn, Gerhard. Taxation under Belligerent Occupation. In: Playfair, Emma (Ed). International Law and the Administration of Occupied Territories: Two decades of Israeli Occupation of the West Bank and Gaza Strip. Oxford: Clarendon, 1992. YOO, John. Iraqi Reconstruction and the Law of Occupation. University of California Davis Journal of International Law and Policy. v. 11, n. 7, p. 7-22, 2004.

RORIZ, João Henrique Ribeiro; VEÇOSO, Fabia Fernandes Carvalho; TASQUETTO, Lucas da Silva. A administração de territórios ocupados: indeterminação das normas de direito internacional humanitário?. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p. 183-195

Oxford, 9 de setembro de 1880. Disponível em: . Acesso em: 14 set. 2011.

195

The (in)applicability of the statute of refugees to environmentally displaced persons A (in)aplicabilidade do estatuto dos refugiados para os deslocados ambientais

Maria Cláudia da Silva Antunes de Souza Lucas de Melo Prado

doi: 10.5102/rdi.v10i2.2619

The (in)applicability of the statute of refugees to environmentally displaced persons A (in)aplicabilidade do estatuto dos refugiados para os deslocados ambientais* Maria Cláudia da Silva Antunes de Souza** Lucas de Melo Prado***

Abstract

*  Recebido em 26/09/2013   Aprovado em 30/10/2013. **  PhD by the University of Alicante – Spain. Master in Derecho Ambiental y de la Sostenibilidad by the University of Alicante – Spain. Master in Legal Science by the University of Vale do Itajaí – UNIVALI – Brazil. Bachelor of Law by the University of Vale do Itajaí – UNIVALI – Brazil. Professor in the Programme of Post-Graduation Stricto Sensu in Legal Science, both in the PhD’s Programme and the Master’s Programme in Legal Science, and Professor in Graduation, Law School, in the University of Vale do Itajaí – UNIVALI – Brazil. Professor responsible for the Legal Practice Department of University of Vale do Itajaí – UNIVALI – Brazil. Has experience in Law, with emphasis in Civil Law and Environmental Law, particularly in the following themes: Civil Liability, Environmental Damage, Environmental Liability and Sustainability. Email: . ***  Bachelor of Law by the Federal University of Piauí – UFPI – Brazil. Student in the Master’s Programme in Legal Science of the University of Vale do Itajaí – UNIVALI – Brazil. Scholar of the Support Programme to Private Institutions’ Post-Graduation (PROSUP – Programa de Suporte à Pós-Graduação de Instituições de Ensino Particulares) from the High-Level People Coordination (CAPES – Coordenação de Pessoal de Nível Superior). Email: .

The increasingly frequent occurrence of environmental disasters and natural resources degradation jeopardize the quality of life of humankind and, in some cases, prevents people from remaining in their places of origin. The context of the present article is the crescent concern with people that abandon their homes, motivated by environmental changes that render the place they live inadequate for human survival. In this sense, the article has the objective to verify if and under which circumstances the global Refugee protection system is applied to Environmentally Displaced Persons, filling the absence of rules regulating their situation and ensuring their Fundamental Rights. Accordingly, it is highlighted the necessity to build a specific protection system to Environmentally Displaced Persons that guarantees an effective protection to people in that condition. Keywords: Refugee. Environmentally displaced person. Environmentally persecuted person. Environmental refugee. Environmental persecution.

Resumo A ocorrência cada vez mais frequente de desastres ambientais e de degradação dos recursos naturais compromete a qualidade de vida do homem e, em alguns casos, inviabiliza a permanência em seus locais de origem. O presente artigo tem como contexto a crescente preocupação com as pessoas que abandonam seus lares, motivadas por mudanças ambientais que tornam o meio em que habitam impróprio para a sobrevivência humana. Nessa esteira, objetiva-se verificar se e em que circunstâncias o sistema global de proteção dos Refugiados aplica-se aos Deslocados Ambientais, suprindo a ausência de normas que instituam seu estatuto e assegurem a proteção de seus Direitos Fundamentais. Nesse sentido, destaca-se a necessidade de se construir um sistema de proteção específico para os Deslocados Ambientais, que garanta uma efetiva proteção às pessoas que se encontram nessa condição. Palavras-chave: Refugiado. Deslocado ambiental. Refugiado ambiental. Perseguição ambiental.

The alarming increase in environmental disasters and environmental resources degradation generates a deep concern in the global scenario1. There are more than 33 million refugees, refuge requesters, internally displaced persons and other persons who have abandoned their home, risking their own lives, freedom and security, in the attempt to flee from Persecution for reasons relating to race, religion, nationality, membership of a particular social group or political opinion. To these persons the international community recognizes the statute of Refugee. It lends them assistance and it gives them asylum, all through the actions of the UNHCR and according to the rules of the 1951 Convention Relating to the Statute of Refugees (hereinafter only the 1951 Convention or the Refugee Convention) and its 1967 Protocol Relating to the Statute of Refugees (henceforth only the 1967 Protocol of the Refugee Protocol). However, that number does not show other millions of individuals who also need to abandon their homes and risk their own lives, freedom and security, motivated by environmental changes that render their habitat completely unsuitable for human survival. These individuals, so called Environmentally Displaced Persons, do not have, as the Refugees do, a legal statute of their own and thus they suffer without an effective and directed action from the international community to ensure their fundamental rights. As it is spotlighted by the preamble of the Convention Project Relating to the International Statute of Environmentally Displaced Persons, from the Centre de Recherche Interdisciplinaire en Droit de l’Environnement, de l’Aménagement de de l’Urbanisme (CRIDEAU): [...] regardless the various international instruments aiming to protect the environment, there is not, in the current state of international law applicable to refugees, any specific instrument that provides for the situation of the ensemble of environmentally displaced persons and that can be applicable and invoked in their favour.2

1  33.924.476. This is the number of people under the responsibility of the United Nations High Commissioner for Refugees (UNHCR). UNITED NATIONS HIGH COMMISSIONER FOR REFUGEES – UNHCR. official data. available at: . Access on: 02 may 2012. 2  PRIEUR, Michel et. al. Projet de convention relative au statut international des déplacés environnementaux. Revue Européenne du Droit de L’Environnement, n. 4, 2008, p. 381-393. Avaiable at: . Access on: 11 apr. 2012, 14:31. Préambule. Translation by the authors of the article. Original text in French: [...] malgré les nombreux instruments internationaux visant à protéger l’environnement, il n’existe, dans l’état actuel du droit international applicable aux réfugiés, aucun instrument spécifique prévoyant la situation d’ensemble des déplacés environnementaux et pouvant être appliqué et invoqué en leur faveur. 3  About the category technique, v. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. 11. ed. rev. e atual. Florianópolis: Conceito Editorial; Millennium, 2008. p. 25-35. About the operational definition technique, v. p. 37-52. About the referent technique, v. p. 53-62. About the record card technique, as well as its use with the referent technique, v. p. 107-123. 4  PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. 11. ed. rev. e atual. Florianópolis: Conceito Editorial; Millennium, 2008. p. 160-162. 5  When we establish or propose one meaning to a word or expression, wishing that such meaning will be accepted to the effects of the ideas we support, we are fixing an Operational Definition […]. (everything bold in the original). PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. 11. ed. rev. e atual. Florianópolis: Conceito Editorial; Millennium, 2008. p. 37. Translation by the authors of the article. Original text in Portuguese: Quando nós estabelecemos ou propomos uma definição para uma palavra ou expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias que expomos, estamos fixando um Conceito Operacional [...].

SOUZA, Maria Cláudia da Silva Antunes de; PRADO, Lucas de Melo. The (in)applicability of the statute of refugees to environmentally displaced persons. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p.196-210

1. Introduction

198

To the central categories of this article, the following operational definitions are adopted: Refugee: any person who, […] owing to well-founded fear of being persecuted for reasons of race, religion, nationality, membership of a particular social group or political opinion, is outside the country of his nationality and is unable or, owing to such fear, is unwilling to avail himself of the protection of that country; or who, not having a nationality and being outside the country of his former habitual residence […], is unable or, owing to such fear, is unwilling to return to it.7

Persecution: harmful action, or threat of such an action, perpetrated against a person or a group of persons, based on who that person is — race, nationality or membership of a particular social group — or what he or she believes — religion or political opinion. International Migration: displacement of an individual (or a group of individuals) that leaves the country of his/her nationality or where he/she possessed habitual residence and settles himself/herself in another country. Environmentally Displaced Persons: [...] those people who have been forced to leave their traditional habitat, temporarily or permanently, because of a marked environmental disruption (natural and/or triggered by people) that jeopardized their existence and/or seriously affected the quality of their life [sic].8 6  Category is “[…] the word or expression that is strategic to the elaboration and/or expression of an idea”. (everything bold in the original). PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. 11. ed. rev. e atual. Florianópolis: Conceito Editorial; Millennium, 2008. p. 25. Translation by the authors of the article. Original text in Portuguese: Categoria é “[…] a palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou expressão de uma idéia”. 7  UNITED NATIONS. Convention relating to the statute of refugees. Available at: . Access on: 12 apr. 2012. Art. 1-A(2). 8  EL-HINNAWI, Essam apud BATES, Diane C. Environmental refugees? Classifying human migrations caused by environmental change. Population and Environment, v. 23, n. 5, p. 465-477, may 2002. Available at: . Access on: 17 apr. 2012. p. 466. 9  EL-HINNAWI, Essam apud BATES, Diane C. Environmental refugees? Classifying human migrations caused by environmental change. Population and Environment. v. 23, n. 5, p. 465-477, may 2002. Available at: . Access on: 17 apr. 2012. p. 466. 10 UNITED NATIONS HIGH COMMISSIONER FOR REFUGEES – UNHCR. Official data by UNHCR. Available at:

SOUZA, Maria Cláudia da Silva Antunes de; PRADO, Lucas de Melo. The (in)applicability of the statute of refugees to environmentally displaced persons. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p.196-210

category6 and the criteria for the acknowledgement of the Refugee quality. Then, it is approached the matter of Environmentally Displaced Persons, defining this category and examining the complexity of phenomena included in such category. Finally, it is faced the matter of the possibility or impossibility of application of the 1951 Convention to Environmentally Displaced Persons.

199

Even though the existence of Refugees goes back to biblical eras — think of the exodus of slaves from Egypt, under Moses leadership, in search of the Promised Land —, the international community demonstrated any concern about the matter only after the World War I, with the creation of the League of Nations. Without ever defining the category Refugee, the League acted pragmatically and episodically, protecting specific groups through the development of empirical institutional mechanisms, whose extension depended on political considerations and humanitarian empathy.12 Only after the World War II the international protection of Refugees gains general character, based on two fundamental aspects, as José Henrique Fischel de Andrade highlights: an institutional one, “[…] materialized in the establishment of organizations that intend to assist and protect refugees […]”13; as well as a juridical one, “[…] which happens through the composition of conventional, extraconventional and domestic instruments that give the meaning of the term ‘refugee’ and define the juridical statute of their beneficiaries”14. Today, the institutional aspect is represented by the UNHCR, whilst the juridical aspect is materialized in the 1951 Convention and the 1967 Protocol. . Access on: 02 may 2012. 11  HUYCK, Earl E.; BOUVIER, Leon F. apud CASELLA, Paulo Borba. Refugiados. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 21, n. 84, p. 251-260, out./dez. 1984. Available at: . Access on: 27 apr. 2012. p. 260. 12  ANDRADE, José Henrique Fischel de. Breve reconstituição histórica da tradição que culminou na proteção internacional dos refugiados. In: ARAUJO, Nadia de. ALMEIDA, Guilherme Assis de (Coord.). O direito internacional dos refugiados: uma perspectiva brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 120-121. 13  ANDRADE, José Henrique Fischel de. Breve reconstituição histórica da tradição que culminou na proteção internacional dos refugiados. In: ARAUJO, Nadia de. ALMEIDA, Guilherme Assis de (Coord.). O direito internacional dos refugiados. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 99. Translation by the authors of the article. Original text in Portuguese: “[...] materializada no estabelecimento de organizações que têm como escopo a assistência e a proteção dos refugiados [...]”. 14  ANDRADE, José Henrique Fischel de. Breve reconstituição histórica da tradição que culminou na proteção internacional dos refugiados. In: ARAUJO, Nadia de. ALMEIDA, Guilherme Assis de (Coord.). O direito internacional dos refugiados. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 99-100. Translation by the authors of the article. Original text in Portuguese: “[...] que ocorre por meio da redação de instrumentos convencionais, extraconvencionais e domésticos, os quais conceituam o termo ‘refugiado’ e definem o estatuto jurídico de seus beneficiários”.

As the juridical base of Refugees’ global protection, the 1951 Convention brings the great contribution of offering an operational definition to the category. Such definition is decisive to mark the contractual or convention obligations of the signatory States of that instrument, once it contains the essential elements that characterize a Refugee15. Ipsis litteris, the Convention asserts: For the purposes of the present Convention, the term “refugee” shall apply to any person who: […] As a result of events occurring before 1 January 1951 and owing to well-founded fear of being persecuted for reasons of race, religion, nationality, membership of a particular social group or political opinion, is outside the country of his nationality and is unable or, owing to such fear, is unwilling to avail himself of the protection of that country; or who, not having a nationality and being outside the country of his former habitual residence as a result of such events, is unable or, owing to such fear, is unwilling to return to it.16

When it was signed in 1951, the Convention established two restrictions: a temporal one, which made the characterization of Refugees depend on events prior to 1st January 1951, and a geographic one, which limited the characterization of Refugees to events that had taken place in the European continent17. Nevertheless, both these restrictions were lifted by the 1967 Protocol, which states: For the purpose of the present Protocol, the term “refugee” shall […] mean any person within the definition of article 1 of the Convention as if the words “As a result of events occurring before 1 January 1951 and ...” “and the words”... “a result of such events”, in article 1 A (2) were omitted. The present Protocol shall be applied by the States Parties hereto without any geographic limitation […]18

Thus, without the temporal and geographic restrictions, the definition of the 1951 Convention, which is also adopted by the present article, imposes three conditions to the characterizations of a Refugee situation: 1) the well-founded fear of Persecution; 2) the Interna15  CASELLA, Paulo Borba. Refugiados. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 21, n. 84, p. 251-260, out./dez. 1984. Available at: . Access on: 27 apr. 2012. p. 253. 16  UNITED NATIONS. Convention relating to the statute of refugees. Art. 1-A(2). No bold in the original text. 17  UNITED NATIONS. Convention relating to the statute of refugees. Art. 1-B(1). 18  UNITED NATIONS. Protocol relating to the statute of refugees. Available at: . Access on: 12 apr. 2012. Art. 1(2) e (3).

SOUZA, Maria Cláudia da Silva Antunes de; PRADO, Lucas de Melo. The (in)applicability of the statute of refugees to environmentally displaced persons. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 10, n. 2, 2013 p.196-210

Earl Huyck and Leon Bouvier stated that “[…] today one may point almost anywhere on a spinning globe and put a finger on a refugee situation”11

200

The well-founded fear of Persecution is “the crucial criterion to define a refugee […]”19. Nonetheless, there is neither a generally accepted definition for Persecution nor a uniform interpretation of the term. The recognition of the statute of Refugees is a task to be performed by each State20, in the moment when they decide about the concession of territorial asylum21. Besides that, the definition does not demand the actual Persecution, but the well-founded fear of Persecution, which implies the presence of a subjective element inherent in the refuge seeker22. Still, the operational definition of the category “Persecution” is essential for this article. It is a sine qua non condition to the recognition of the Refugee situation under the rules of the 1951 Convention and, therefore, it will be used in the analysis of the applicability (or inapplicability) of the global Refugee protection system to the case of Environmentally Displaced Persons (v. item 3). The UNHCR Handbook on Procedures and Criteria for Determining Refugee Status under the 1951 19  CASELLA, Paulo Borba. Refugiados: conceito e extensão. In: ARAUJO, Nadia de. ALMEIDA, Guilherme Assis de (Coord.). O direito internacional dos refugiados: uma perspectiva brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 20. Translation by the authors of the article. Original text in Portuguese: “[o] critério crucial para conceituar um refugiado [...]”. 20  TRINDADE, Antonio Augusto Cançado. A Proteção dos Refugiados em Seus Aspectos Jurídicos: a Convenção de Genebra de 1951 Relativa ao Estatuto do Refugiado e a Questão do Levantamento pelo Brasil da Reserva Geográfica. In: MEDEIROS, Antonio Paulo Cachapuz (Org.). Pareceres dos consultores jurídicos do Itamaraty. Brasília: Conselho Editorial do Senado Federal, 2004. v. 8. p. 293315. (Coleção Brasil 500 Anos). Available at: . Access on: 27 apr. 2012. p. 302. 21  When a State receives a Refugee in its territory, it grants him/ her territorial asylum. The territorial asylum should not be confused with the political or diplomatic asylum, “[…] which is granted to persecuted persons for political reasons and is granted in ‘legations, warships, military airplanes and military camps’.” MELLO, Celso Duvivier de Albuquerque. Direito constitucional internacional. 2. ed. rev. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 161. Translation by the authors of the article. Original text in Portuguese: “[...] que é concedido a perseguidos por motivos políticos e que é concedido nas ‘legações, navios de guerra, aeronaves militares e acampamentos militares’.”. 22 UNITED NATIONS HIGH COMMISSIONER FOR REFUGEES. Handbook on Procedures and Criteria for Determining Refugee Status under the 1951 Convention and the 1967 Protocol relating to the Status of Refugees. Genebra, 1992. Available at: . Access on: 04 may 2012. Paragraphs 37-50.

Convention and the 1967